DECISÃO ARBITRAL
CAAD: Arbitragem Tributária
Processo nº 107/2014 – T
Tema: IRS – Mais-valias mobiliárias; Aplicação da lei no tempo.
Acordam os árbitros Jorge Lino Ribeiro Alves de Sousa ( presidente), Eduardo Paz Ferreira, e José Pedro Carvalho, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem Tribunal Arbitral na seguinte decisão arbitral.
I – RELATÓRIO
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“A”, contribuinte fiscal número …, portador do Cartão do Cidadão com número de identificação civil …, e sua mulher, com quem é casado em regime de comunhão de adquiridos, “B” contribuinte fiscal número …, portadora do Cartão do Cidadão com número de identificação civil …, ambos residentes na Rua …, …, …-… Porto, doravante designados por Requerentes, apresentaram pedido de constituição de tribunal arbitral em matéria tributária e pedido de pronúncia arbitral, ao abrigo do disposto nos artigos 2º nº 1 a) e 10º nº 1 a), ambos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, abreviadamente designado por RJAT), peticionando a declaração de ilegalidade da liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares relativa ao exercício de 2010, n.º 2013…de 2013-11-07, no montante de €980.013,56, e da correspondente liquidação de juros compensatórios correspondentes com o n.º 2013… no montante de €92.720,28.
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O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 13-02-2014.
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Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redacção introduzida pelo artigo 228.° da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral colectivo os já mencionados, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.
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Em 28-03-2014 foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º n.º 1 alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.° e 7.º do Código Deontológico.
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Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redacção introduzida pelo artigo 228.° da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral colectivo foi constituído em 14-04-2013.
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A Autoridade Tributária e Aduaneira respondeu, defendendo que o pedido deve ser julgado improcedente.
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Atenta a circunstância de, no caso, não se verificar qualquer das finalidades que legalmente lhe estão cometidas, as partes prescindiram da realização da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, que foi, assim, dispensada.
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O tribunal arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente, à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 30.º, n.º 1, do DL n.º 10/2011, de 20 de Janeiro.
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As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (arts. 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e art. 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).
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O processo não enferma de nulidades e não foram invocadas exceções.
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Assim, não há qualquer obstáculo à apreciação do mérito da causa.
Tudo visto, cumpre proferir
II. DECISÃO
A. MATÉRIA DE FACTO
A.1. Factos dados como provados
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As liquidações impugnadas têm por origem a correcção meramente aritmética à matéria colectável em IRS de 2010, por omissão à declaração de rendimentos de mais-valias obtidas com a alienação de acções em 30/03/2010, as quais eram detidas pelos Requerentes há mais de 12 meses.
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A AT determinou um acréscimo à matéria colectável no montante de €4.917.819,42, sobre o qual fez incidir a taxa de tributação autónoma de 20% prevista no n.º 4 do artigo 72.º do CIRS (na redacção em vigor a 31/12/2010).
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Como fundamento desta imposição, a AT considerou que a alteração ao Código do IRS introduzida pela Lei n.º 15/2010 de 26 de Julho é aplicável às mais-valias com venda de acções obtidas antes da sua entrada em vigor, nomeadamente quanto à revogação do n.º 2 do artigo 10.º do CIRS e à alteração da taxa de tributação constante do n.º 4 do artigo 72.º.
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A liquidação em causa foi emitida com fundamento no Relatório de Inspeção Tributária, levada a cabo ao abrigo da Ordem de Serviço 0I2…, notificado ao Requerente pelo Ofício n.º …/… datado de 2013/10/30.
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A liquidação em causa, deu origem à demonstração de acerto de contas n.º 2013 … que tinha prazo de pagamento voluntário até ao dia 18/12/2013.
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Em 18/12/2013 os Requerentes pagaram o imposto em dívida ao abrigo do Regime Extraordinário de Regularização de Dividas estatuído pelo DL n.º 151-A/2013, pelo que ficou dispensado do pagamento de juros compensatórios e moratórios, cifrando-se o valor pago pelos Requerentes em 18/12/2013 no montante de €980.013,56.
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O Requerente, no início do ano de 2010, era titular de 102.000 acções da sociedade anónima "C, S.A.", com o NIPC …, representativas de 25,5% do respectivo capital social.
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A sociedade em causa foi constituída em 14/12/1977 sob a forma de sociedade por quotas e transformada em sociedade anónima em 19/11/2004.
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As 102.000 acções, alienadas em 30/03/2010, faziam parte de um lote de mais alargado de acções que advieram à titularidade do Requerente entre os anos de 1977 (por ocasião da constituição da empresa) e 2008 (altura em que adquiriu um último lote de 5.175 acções por permuta).
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Considerando que as acções derivadas da transformação em sociedade por quotas assumem a data de aquisição das quotas que lhe deram origem, as acções da sociedade que o Contribuinte marido deteve ao longo do tempo foram adquiridas nas datas constantes do Quadro ínsito no final da página 3/15 do RIT:
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Em 14/12/1977 adquiriu, na constituição da empresa, o correspondente a 20.000 acções (isto é as quotas respectivas) pelo preço total de 20.000$00;
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Em 16/10/1998 comprou o equivalente a 310.000 acções (em quotas correspondentes) pelo preço total de 310.000$00;
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Em 14/10/2002 vendeu o equivalente a 60.000 acções pelo preço total de €84.375,00;
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Em 19/11/2004, por altura da transformação da empresa em S.A., adquiriu 20.523 acções por incorporação de reservas;
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Em 31/05/2006 vendeu 4.800 acções;
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Em 05/03/2008 adquiriu, por permuta, 5.175 acções;
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Em 07 /03/2008 vendeu 86.858 acções;
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Em 07 /05/2009 vendeu 40 acções;
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Em 13/10/2009 vendeu 102.000 acções.
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Pelo que, após a última das operações descritas, o Requerente ficou detentor de um lote final de 102.000 acções, que vieram a ser vendidas em 30/03/2010, à empresa "D SGPS, S.A." pelo preço global de €5.038.272,40.
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O valor de aquisição destas acções, vendidas em 30/03/2010, tomando em consideração o método de imputação first in, first out (as primeiras adquiridas são as primeiras a serem vendidas), é o constante do Quadro final da página 10/15 do RIT, ou seja:
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96.825 acções têm um valor de aquisição unitário de € 0,0046783, num total de € 452,98 para este lote;
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5.175 acções têm um valor de aquisição unitário de €23,188406 num total de €120.000,00 para este lote.
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Perfazendo-se, para as 102.000 acções vendidas, um valor de aquisição de €102.452,98.
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As datas da respectiva aquisição pelo Requerente, foram as seguintes:
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76.302 acções em 16/10/1998;
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20.523 acções em 19/11/2004;
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5.175 acções em 05/03/2008.
A.2. Factos dados como não provados
Com relevo para a decisão, não existem factos que devam considerar-se como não provados.
A.3. Fundamentação da matéria de facto provada e não provada
Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. art.º 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 659.º, n.º 2 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).
Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. artigo 511.º, n.º 1, do CPC, aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).
Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, a prova documental e o PA juntos aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados, de resto consensualmente reconhecidos e aceites pelas partes.
B. DO DIREITO
A questão que se coloca nos autos é una e de simples formulação: trata-se de saber se mais valias obtidas no ano de 2010, mas antes da entrada em vigor das alterações introduzidas no CIRS pela Lei n.º 15/2010, de 2 de Julho (o que ocorreu a 27/07/2010), concorrem ou não para o saldo a que alude o artigo 43.º daquele código.
Vejamos, então.
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Os Requerentes sustentam que a resposta a dar à questão formulada deve ser negativa.
Entendem aqueles que, face ao teor do n.º 2 do artigo 12.º da LGT[1], o regime resultante da lei nova (no caso a Lei n.º 15/2010, de 2 de Julho) não lhes será aplicável.
Citam os Requerentes, em abono da sua tese, jurisprudência arbitral (acórdão proferido no processo 25/2011T do CAAD[2]) e dos tribunais tributários (acórdão do STA de 03/12/2013, proferido no processo 1582/13[3]).
Invocam, por fim, o princípio constitucional da proteção da confiança, decorrente do princípio do Estado de Direito Democrático, contido no artigo 2.º da CRP, que entendem violado pela liquidação objeto do presente processo.
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Já a AT, contraditando os Requerentes, aponta que a Lei n.º 15/2010, de 26 de Julho, revogou o regime anteriormente vigente, sem criar nenhuma norma de direito transitório que salvaguardasse eventuais factos tributários ainda em formação.
Refere também a AT que os rendimentos em questão nos autos, constituem uma das categorias de rendimentos que integram a incidência real ou objectiva do imposto sobre o rendimento das pessoas singulares (IRS), pelo que o facto gerador do imposto verifica-se em 31 de Dezembro de cada ano, só assim se compreendendo o carácter unitário e global da tributação do rendimento, muito embora haja um recorte analítico das várias categorias de rendimentos de acordo com a sua fonte.
Conclui, a mesma Autoridade, que o facto gerador não é sequer o ganho resultante da alienação mas o saldo positivo apurado em determinado período de tributação entre as mais e as menos valias realizadas.
Sugere por fim a entidade requerida que a interpretação sustentada pelos requerente violará o princípio constitucional da igualdade, ínsito no artigo 13.º da CRP e bem assim o n.º 1 do artigo 104.º da mesma Lei Fundamental.
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Se a questão a resolver nos autos é de simples formulação, menos simples não é a enunciação dos dois caminhos a percorrer para a respetiva resolução.
Efectivamente, no fundo, haverá desde logo que apurar se o facto tributário subjacente à tributação de mais-valias resultantes da alienação onerosa de partes sociais é um facto instantâneo ou, antes, se trata de um facto continuado.
O STA, no aresto citado pelos Requerentes[4], conclui que o facto tributário em questão se reveste de natureza instantânea, pelo que o regime decorrente da Lei n.º 15/2010, de 26 de Julho, apenas seria aplicável às mais valias ocorridas após a sua entrada em vigor.
É esta – de facto – a pedra de toque da solução a dar à questão em causa, sendo aquele o entendimento do(s) aresto(s) referido(s).
Ressalvado o (muito) respeito devido, entende-se, todavia, que o facto tributário sub iudice, não será de natureza instantânea, ao contrário do que a jurisprudência em questão entende, mas um facto complexo de formação sucessiva, pelo que, dada a essencialidade desta questão, mais não nos restará do que divergir daquela jurisprudência.
Com efeito, entende-se que a situação que nos ocupa (tributação de mais valias), é semelhante à julgada pelo Tribunal Constitucional no Ac. 399/10 (alteração da taxa de IRS no decurso do próprio ano a que a alteração respeita) e distinta da julgada pelo mesmo Tribunal nos acórdãos relativos às tributações autónomas.
Cada mais valia realizada será, assim, análoga, por exemplo, a um salário, e não a uma despesa sujeita a tributação autónoma, o que resulta, por exemplo, da circunstância de ser tributado o saldo das mais e menos valias, e não cada uma das mais valias individualmente realizadas e desligadas das restantes variações patrimoniais do mesmo género.
Veja-se, por exemplo, que nas tributações autónomas não é tributado qualquer saldo para o qual concorram as despesas a ela sujeitas, mas antes cada uma das despesas individuais, em si, desligadamente das demais. Caso o regime das mais e menos valias se revestisse da mesma natureza, cada uma das mais valias deveria ser tributada de per si, independentemente das restantes mais e, sobretudo, menos valias registadas no mesmo período.
Ou seja, e em suma, se a situação fosse de facto análoga às tributações autónomas, desde logo, cada mais valia seria sempre tributada, independentemente de eventuais menos-valias que houvesse, o que não é o caso.
O que vem de se dizer será ainda mais evidenciado pela a possibilidade de englobamento. De facto, nessa circunstância (de o sujeito passivo optar por englobar o rendimento das mais valias com o seu restante rendimento sujeito a IRS) não se perceberia como é que - por exemplo - o rendimento dos salários auferidos no início do ano estaria sujeito à taxa agravada a meio do mesmo, enquanto que as mais-valias englobadas com aqueles escapariam à "retrospectividade" daquela taxa e da delimitação da base tributável.
E, note-se, não se vislumbra motivo para distinguir as mais-valias objecto de englobamento das que não o sejam, uma vez que, para além do mais, a opção de englobamento só ocorre no final do ano/período, pelo que se estaria a "condicionar" a natureza (instantânea ou continuada) do facto tributário a uma opção posterior à sua ocorrência.
Conclui-se, assim, também e na mesma linha de raciocínio, que a opção do legislador de tributar as mais valias do ano de 2010, realizadas antes da entrada em vigor da alteração do respectivo regime, atenta a natureza não instantânea do respectivo facto tributário, não será inconstitucional, no fundo pelas mesmas razões que a aplicação das taxas agravadas aos restantes rendimentos sujeitos a IRS, nos mesmos termos, não o foi.
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O raciocínio que se vem de expor, restringe-se, todavia, ao plano constitucional, que é aquele que, naturalmente, foi objecto de pronúncia pelo Tribunal Constitucional. Ou seja, conclui-se, em suma, pelos mesmos fundamentos que sustentaram o Acórdão do Tribunal Constitucional 399/10, que não será contrária à CRP[5] a aplicação do regime resultante da revogação do n.º 2 do artigo 10.º do CIRS, no decurso do ano de 2010, às mais valias auferidas no decurso desse mesmo ano[6].
Não sendo inconstitucional, resta, então, apurar se será legal tal aplicação.
A primeira dúvida que se poderá colocar, agora, decorrerá do disposto no artigo 10.º do CIRS, que refere que: “Os ganhos consideram-se obtidos no momento da prática dos atos previstos no nº 1”.
Esta norma, contudo, deverá ser compreendida como tendo unicamente o fito de fixar o período de tributação a que deverá ser imputado o ganho, e não de tomar posição quanto à natureza do facto tributário sujeito, sendo, por exemplo, análoga ao art.º 24.º/4 do CIRS, que tem uma redação semelhante àquele artigo 10.º/3[7], mas em relação ao qual não se questionará, seguramente, que se reporta a factos tributários da mesma natureza dos restantes sujeitos a IRS, e não a factos instantâneos.
Uma outra dúvida, mais consistente, poderá emergir do artigo 12.º/2 da LGT que diz que "Se o facto tributário for de formação sucessiva, a lei nova só se aplica ao período decorrido a partir da sua entrada em vigor".
Efectivamente, a alternativa a considerar que o rendimento em causa no presente processo é um facto tributário instantâneo (como considerou o STA nos termos acima abordados), será considerá-lo, então, um facto tributário análogo ao restante rendimento sujeito a IRS, ou seja, um facto tributário de formação sucessiva.
Sendo esse o caso, como não parece haver dúvidas razoáveis que seja, estará preenchida a previsão normativa do artigo 12.º/2 da LGT.
Contudo, devidamente interpretado o regime legal da tributação das mais valias resultante da entrada em vigor das alterações ao CIRS introduzidas pela Lei n.º 15/2010, de 2 de Julho, tal como explanado no voto de vencido proferido no processo 135/2013T do CAAD[8], conclui-se pela intencionalidade deste tributar o saldo resultante da totalidade das mais e menos valias realizadas no período de tributação em curso na data da entrada em vigor daquela lei.
Como se escreveu, para além do mais, na referida declaração de voto, “O texto da proposta de lei corresponde, nesta parte, inteiramente ao texto aprovado que ficou a constar da Lei n.º 15/2010. Impõe-se, pois, concluir que o objectivo do legislador foi o de subordinar todas as mais-valias auferidas com a alienação de participações no ano de 2010 ao novo regime (tributário e de isenção)”. Aliás, reforçando-se tudo o mais laboriosamente expendido naquela mesma declaração, diga-se que não faria sentido, nem seria coerente, que o legislador pretendesse, como foi pacificamente aceite desde a publicação do Acórdão 399/10 do Tribunal Constitucional, que a taxa de IRS introduzida no decurso do exercício de 2010 tivesse uma eficácia “retrospectiva”, e não tratasse da mesma maneira a matéria que nos ocupa, produzida, precisamente, no mesmo contexto e com as mesmas finalidades.
Conclui-se assim, aqui como ali, que “aquela disposição do n.º 2 do art. 12.º entra em contradição com a determinação resultante do artigo 43.º, n.º 1 do CIRS”, no sentido emergente do quadro normativo resultante da entrada em vigor das alterações introduzidas no CIRS pela Lei n.º 15/2010, de 2 de Julho, “, bem como com o princípio geral do próprio n.º 1 do art. 1.º do CIRS.”, ou seja, que tais normas “colidem no seu sentido prescritivo ou nas consequências jurídicas que produzem”, detectando-se, portanto, uma antinomia normativa.
Reconhecido isto, e tendo em conta os doutrinalmente sedimentados critérios da hierarquia, especialidade e cronologia, concluir-se-á, como, uma vez mais, detalhadamente se demonstra na declaração de voto citada, que apenas o critério da especialidade poderá resolver a antinomia surpreendida, dado que nem se verifica qualquer relação de hierarquia entre a LGT e o CIRS, nem o artigo 12.º/2 daquela Lei Geral é posterior ao regime legal de tributação das mais valias em IRS, decorrente da entrada em vigor da Lei n.º 15/2010, de 2 de Julho.
Ora, face àquele referido critério - da especialidade – não restarão dúvidas que o regime do CIRS é especial em relação ao regime da LGT, pelo que haverá de afastar a aplicação da norma desta lei, ao caso convocada.
Deste modo – em conclusão – entendendo-se que o regime legal da tributação em IRS das mais valias resultante das alterações àquele Código introduzidas pela da Lei n.º 15/2010, de 2 de Julho, teve em vista a sujeição ao novo regime das totalidade das mais valias auferidas no exercício de 2010, e que tal comando legislativo não enferma de qualquer inconstitucionalidade, nem é afastado por qualquer outra norma legal que com ela se encontre numa relação de antinomia, haverá que confirmar o acto tributário objecto dos presentes autos, improcedendo – na íntegra – os pedidos arbitrais.
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C. DECISÃO
Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral:
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Julgar totalmente improcedentes os pedidos arbitrais formulados;
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Condenar os Requerentes nas custas do processo, no montante de €13.770,00, tendo-se em conta o já pago.
D. Valor do processo
Fixa-se o valor do processo em €980.013,56, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.
E. Custas
Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em €13.770,00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pelos Requerente, uma vez que o pedido foi integralmente improcedente, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 4, do citado Regulamento.
Notifique-se.
Lisboa
30 de Setembro de 2014
O tribunal arbitral,
(Jorge Lino Ribeiro Alves de Sousa)
(Eduardo Paz Ferreira)
(José Pedro Carvalho)
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Texto elaborado em computador, nos termos do n.º 5 do artigo 131.º do CPC, aplicável por remissão da alínea e) do n.º 1 do artigo 29.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20/01.
A redacção da presente decisão rege-se pela ortografia antiga.
[1] “Se o facto tributário for de formação sucessiva, a lei nova só se aplica ao período decorrido a partir da sua entrada em vigor.”
[2] Disponível em www.caad.org.pt.
[3] Disponível em www.dgsi.pt.
[4] Reafirmado pelo Ac. do mesmo Tribunal de 08/01/2014, proferido no processo 01078/12, também disponível em www.dgsi.pt.
[5] Incluindo o princípio constitucional da proteção da confiança, decorrente do princípio do Estado de Direito Democrático, contido no artigo 2.º da CRP.
[6] Idêntica conclusão havia formulado o Provedor de Justiça, na sua súmula R-3736/10, disponível para consulta em http://www.provedor-jus.pt/archive/doc/sumula__maisvalias_15122010.pdf.
[7] “Os ganhos referidos no n.º 7) da alínea b) do n.º 3 do artigo 2º consideram-se obtidos, respetivamente:...”
[8] Disponível para consulta em www.caad.org.pt.