Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 696/2023-T
Data da decisão: 2024-06-21   Outros 
Valor do pedido: € 7.937.725,34
Tema: Contribuição de Serviço Rodoviário (CSR) – Desconformidade com o direito da União Europeia – Repercussão e enriquecimento sem causa
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Sumário

 

  1. A Contribuição de Serviço Rodoviário reveste a natureza de um imposto sobre combustíveis e é incompatível com o regime harmonizado dos IEC, consagrado na Diretiva 2008/118/CE, não sendo enquadrável na exceção admitida pelo seu artigo 1.º, n.º 2, por não prosseguir “motivos específicos, conforme foi declarado pelo Tribunal de Justiça no processo C-460/21.
  2. Os impostos indiretos cobrados em violação das disposições do direito da União Europeia devem ser reembolsados aos sujeitos passivos com uma única exceção, a de as autoridades nacionais provarem que foram suportados por uma pessoa diferente do sujeito passivo se, e só se, o reembolso do imposto conduzir, para este sujeito passivo, a um enriquecimento sem causa. A repercussão e enriquecimento sem causa não podem ser presumidos.
  3. O registo contabilístico do imposto suportado em rubrica de inventários, com a sua subsequente consideração como custo das mercadorias vendidas, ou a demonstração de uma margem de comercialização reduzida, desacompanhados de outros elementos, não consubstanciam prova de repercussão, nem do enriquecimento sem causa do sujeito passivo.

 

 

 

 

DECISÃO ARBITRAL

 

Os árbitros designados para formarem o Tribunal Arbitral Coletivo, constituído em 26 de fevereiro de 2024, Alexandra Coelho Martins (presidente), Miguel Patrício, designado pela Autoridade Tributária e Aduaneira, e João Taborda da Gama, indicado pela Requerente, acordam no seguinte:

 

 

  1. Relatório

 

A..., LDA., adiante “Requerente”, com o número de matrícula e de pessoa coletiva..., e sede na Rua ..., n.ºs ... a ..., ...-... Porto, apresentou, em 2 de outubro de 2023, pedido de constituição de Tribunal Arbitral e de pronúncia arbitral, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 10.º e 15.º e seguintes, todos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”), na redação vigente.

 

É demandada a Autoridade Tributária e Aduaneira, doravante identificada por “AT” ou Requerida.

 

A Requerente pretende que seja apreciada a (i)legalidade, com a consequente anulação parcial, dos atos de liquidação conjunta de Imposto sobre os Produtos Petrolíferos (“ISP”) e da Contribuição de Serviço Rodoviário (“CSR”), referentes aos meses de janeiro a abril de 2022, apenas na parte relativa à CSR, no montante de € 7.937.725,34, e, bem assim, das decisões de indeferimento do pedido de revisão oficiosa e da reclamação graciosa apresentados contra aqueles atos tributários, com as consequências legais, incluindo o pagamento de juros indemnizatórios.

 

O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”), em 4 de outubro de 2023 e, de seguida, notificado à AT.

 

A Requerente designou como árbitro o Dr. João Taborda da Gama, ao abrigo do disposto no artigo 6.º, n.º 2, alínea b) do RJAT, tendo a Requerida indicado o Prof. Doutor Miguel Patrício.

 

Na sequência dos requerimentos apresentados pelos árbitros indicados pelas Partes, para que o árbitro presidente fosse designado pelo Conselho Deontológico, foi, por despacho de 31 de janeiro de 2024, do Exmo. Presidente do Conselho Deontológico, designada a Dra. Alexandra Coelho Martins nessa qualidade, nos termos do artigo 6.º, n.º 2, alínea b), II parte do RJAT, tendo todos os árbitros comunicado a aceitação do encargo.

 

Na mesma data, o Exmo. Presidente do CAAD informou as Partes, para efeitos do disposto no artigo 11.º, n.º 7 do RJAT, não tendo sido manifestada oposição.

 

O Tribunal Arbitral Coletivo ficou constituído em 26 de fevereiro de 2024.

 

Em 9 de abril de 2024, a Requerida apresentou a sua Resposta, com defesa por exceção e impugnação, juntou documentos e o processo administrativo (“PA”).

 

Em 26 de abril de 2024, a Requerente pronunciou-se por escrito sobre as exceções suscitadas pela Requerida, pugnando pela improcedência daquelas e pelo provimento do pedido.

 

Por despacho deste Tribunal Arbitral, de 2 de maio de 2024, foi dispensada reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, uma vez que não foi requerida prova testemunhal e que foi exercido, por escrito, o contraditório em relação à matéria de exceção, ao abrigo dos princípios da autonomia do Tribunal Arbitral na condução do processo e da celeridade, simplificação e informalidade processuais (artigos 16.º, alínea c) e 29.º, n.º 2 do RJAT). 

 

Ambas as Partes foram notificadas para apresentarem, de modo simultâneo, alegações escritas e fixou-se o prazo para a decisão até à data-limite constante do artigo 21.º, n.º 1 do RJAT.

 

            Requerida e Requerente apresentaram alegações em 22 e 23 de maio de 2024, respetivamente.

 

Posição da Requerente

 

A Requerente começa por afirmar a sua legitimidade [ativa] para contestar os atos de liquidação de CSR postos em crise, por ter a qualidade de sujeito passivo.

 

Argumenta que a CSR partilha do mesmo mecanismo de liquidação, cobrança e pagamento do ISP, por remissão do artigo 5.º, n.º 1 da Lei n.º 55/2007, de 31 de agosto, que criou a CSR, e, de acordo com o disposto no artigo 4.º, n.º 1, alínea a) do Código dos Impostos Especiais de Consumo (“IEC”), são sujeitos passivos “[o] depositário autorizados, o destinatário registado e o destinatário certificado”, categorias nas quais se enquadra. 

 

Aos sujeitos passivos assiste legitimidade procedimental para contestarem os correspondentes impostos, conforme resulta do preceituado nos artigos 78.º, n.º 1, 65.º e 18.º, n.º 3, todos da Lei Geral Tributária (“LGT”) e 68.º, n.º 1 do Código de Procedimento e de Processo Tributário (“CPPT”). E, de igual modo, legitimidade processual, como prescreve o artigo 9.º do CPPT, aplicável à arbitragem tributária ex vi artigo 29.º, n.º 1, a) do RJAT.

 

Em relação à admissibilidade e tempestividade do pedido de revisão oficiosa, a Requerente sustenta que, no caso sub judice, está em causa a existência de erro de direito imputável aos serviços, por violação das normas de direito da União Europeia, que justifica a aplicação do prazo de 4 anos previsto no artigo 78.º, n.º 1 da LGT.

 

No entanto, mesmo que não se concluísse pela verificação de erro imputável aos serviços, defende que continuaria a ser aplicável o prazo de 4 anos, pois a Administração tem o dever de revogar atos de liquidação de tributos que sejam ilegais. Ad cautelem, invoca ainda que sempre seria de considerar a existência de injustiça grave ou notória, com a consequente admissibilidade da revisão oficiosa nos 3 anos subsequentes à prática do ato tributário, ao abrigo do disposto no artigo 78.º, n.ºs 4 e 5 da LGT.

 

Conclui, assim, que o pedido de revisão oficiosa apresentado contra a liquidação de CSR do mês de janeiro de 2022, emitida em 14 de fevereiro de 2022, não pode deixar de considerar-se tempestivo.

 

Em relação à cumulação de pedidos também entende ser admissível, por estarem em causa as mesmas circunstâncias de facto e a interpretação e aplicação dos mesmos princípios e regras de direito, nos termos do artigo 3.º, n.º 1 do RJAT.

 

Sobre o mérito da causa, a Requerente argui erro nos pressupostos de direito, por violação do direito da União Europeia e, por conseguinte, de inconstitucionalidade, por violação do princípio do primado consagrado no artigo 8.º, n.º 4 da Constituição (“CRP”).

 

De acordo com a Diretiva 2008/118/CE, de 16 de dezembro de 2008, que fixa o regime geral dos impostos especiais de consumo ou “IEC”, e da Diretiva de reformulação (2020/262, de 19 de dezembro de 2019), a criação de IEC não harmonizados, como a CSR, depende da existência de um “motivo específico” válido, condição que, segundo a Requerente, não se encontra preenchida, como foi já declarado pelo Tribunal de Justiça no processo C-460/21, Vapo Atlantic, por Despacho de 7 de fevereiro de 2022, na sequência de reenvio no âmbito do processo arbitral n.º 564/2020-T, sobre a CSR liquidada no ano de 2016.

 

 

Segundo a jurisprudência consolidada do Tribunal de Justiça, este “motivo específico” não pode corresponder a uma finalidade puramente orçamental de obtenção de receita, ou derivar da afetação de receitas ao financiamento de despesas gerais que incumbem à coletividade pública num dado setor, o que também se reconduz a uma finalidade orçamental.

 

Para que exista um “motivo específico” é necessário que o imposto tenha por objeto assegurar a realização do motivo invocado e que se constate um vínculo direto entre a utilização da receita do imposto e o referido motivo. O imposto tem de ser concebido de modo a influenciar o comportamento dos contribuintes num sentido que permita a realização do motivo específico invocado, por exemplo, tributando significativamente os produtos para desencorajar o seu consumo.

 

Porém, a CSR foi criada pela Lei n.º 55/2007, de 31 de agosto, por razões de ordem puramente orçamental, para financiar a rede rodoviária nacional a cargo da empresa pública concessionária, à data Estradas de Portugal, entretanto transformada na Infraestruturas de Portugal, entidade à qual ficou genericamente consignada a receita da CSR.


            Trata-se de despesas que incumbem ao Estado independentemente da existência da CSR e que são suscetíveis de serem custeadas pelo produto de impostos de qualquer natureza, pelo que o fundamento da CSR [financiamento da rede rodoviária nacional] não pode ser distinguido de uma finalidade puramente orçamental.

 

A CSR incide de modo geral sobre todo o consumo de gasolina e gasóleo rodoviário, de quanto resulta que é suportada por um universo de contribuintes superior àquele que efetivamente utiliza a rede rodoviária nacional a cargo da Estradas de Portugal. Acresce que não se destina exclusivamente ao financiamento de operações que contribuam para a realização dos objetivos de redução da sinistralidade e de sustentabilidade ambiental, sendo as suas receitas mais amplamente afetas a assegurar o financiamento da atividade de conceção, projeto, construção, conservação, exploração, requalificação e alargamento da rede rodoviária nacional. Nem a sua estrutura atesta a intenção de desmotivar o consumo dos principais combustíveis rodoviários.

 

A Requerente invoca no sentido que preconiza diversa jurisprudência arbitral e conclui que a CSR não prossegue “motivos específicos”, pelo que é desconforme ao disposto no artigo 1.º, n.º 2 da Diretiva 2008/118/CE e inconstitucional por violação do artigo 8.º, n.º 4 da CRP, com a consequente ilegalidade dos atos de liquidação de CSR impugnados.

 

Sendo as liquidações ilegais, a Requerida está obrigada à reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, como flui do artigo 100.º, n.º 1 da LGT.

 

É jurisprudência assente do Tribunal de Justiça que os Estados-Membros são obrigados a reembolsar os montantes de imposto indevidamente cobrados em violação do direito da União Europeia e que as condições para tal não podem ser menos favoráveis do que as aplicadas para obter a restituição de um imposto pago por violação do direito interno.

 

Contrariamente ao que a AT sustenta nas decisões de indeferimento do pedido de revisão oficiosa e da reclamação graciosa, o reembolso da CSR à Requerente não configura uma situação de enriquecimento sem causa. A alegação, pela Requerida, de que a CSR está incluída no preço de venda praticado é vaga e assente em meras suposições e presunções falsas, não identificando, nem juntando quaisquer meios de prova, que não existem. 

 

Para recusar o reembolso da CSR paga, a Requerida teria que demonstrar, porque tal prova não pode ser presumida, que a Requerente repercutiu a CSR aos seus clientes e que o reembolso da CSR paga constituiria um enriquecimento sem causa da Requerente, uma vez que a repercussão de um imposto não neutraliza necessariamente os efeitos económicos do mesmo sobre o sujeito passivo. O que não fez.

 

Deste modo, na perspetiva da Requerente, impõe-se o reembolso da CSR, acrescido de juros indemnizatórios, desde a data do pagamento do imposto até ao processamento da respetiva nota de crédito, nos termos dos artigos 43.º, n.º 1 da LGT e 61.º, n.º 5 do CPPT.

 

Posição da Requerida

 

A Requerida suscita a exceção de incompetência do tribunal arbitral em razão da matéria, por qualificar a CSR como uma contribuição financeira e não como um imposto, concluindo que o seu conhecimento está excluído da arbitragem tributária, pois a vinculação da AT à jurisdição arbitral, operada pela Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março, circunscreve-se à apreciação de pretensões relativas a impostos (artigo 2.º da Portaria), não abrangendo outros tributos, como se decidiu em diversos processos arbitrais.

 

A CSR representa, no entender da Requerida, uma contraprestação ou contrapartida pela utilização dos serviços prestados aos utentes ou utilizadores das vias rodoviárias, pela Estradas de Portugal em nome do Estado, por força das bases da concessão, aprovadas pelo Decreto-Lei n.º 380/2007, de 13 de novembro, pelo que é enquadrável como uma das “demais contribuições financeiras a favor das entidades públicas” a que aludem o artigo 165.º, n.º 1, alínea i) da CRP e 3.º, n.º 2 da LGT.

 

A este respeito salienta que o Despacho do Tribunal de Justiça no processo C-460/21, Vapo Atlantic, não reconheceu o caráter unilateral da CSR (i.e., de imposto), pois não se debruça sobre a questão de saber se a CSR se enquadra na facti specie do imposto, mas apenas se esta contribuição é uma imposição que prossegue um “motivo específico”, na aceção do artigo 1.º, n.º 1 da Diretiva 2008/118/CE.

 

A Requerida suscita ainda a incompetência material deste Tribunal, por entender que a Requerente pretende a apreciação da legalidade de todo o regime da CSR, pela sua natureza e conformidade jurídico-constitucional, com o intuito de fazer suspender a eficácia desse ato legislativo, o que corresponde à fiscalização da legalidade de normas em abstrato, para a qual o Tribunal Arbitral não tem competência, por se inscrever num contencioso de mera anulação.

De onde conclui que se verifica a exceção dilatória de incompetência do tribunal em razão da matéria, que prejudica o conhecimento do mérito, nos termos vertidos nos artigos 576.º, n.ºs 1 e 2 e 577.º, alínea a) do Código de Processo Civil (“CPC”), aplicável por via do artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.

 

Por impugnação, a Requerida alega que a criação da CSR visou financiar a rede rodoviária nacional a cargo da Infraestruturas de Portugal (antes Estradas de Portugal), conforme previsto na  Lei n.º 55/2007. O gasóleo e a gasolina passaram a estar sujeitos a um “nível de tributação” global constituído pela taxa de ISP e pela CSR, tendo, para o efeito, sido reduzidas as taxas unitárias de ISP no exato montante do valor da CSR (v. Portaria n.º 16-C/2008, de 9 de janeiro).

 

Para a Requerida, o mecanismo de liquidação da CSR representa uma espécie de substituição tributária, na medida em que a CSR é liquidada e cobrada pela AT, aos sujeitos passivos de ISP, como contrapartida pela utilização dos serviços prestados aos utentes das vias rodoviárias pela Infraestruturas de Portugal, a quem é destinada a CSR.

 

Com a alteração do artigo 2.º do Código dos IEC, introduzida pela Lei n.º 24-E/2022, de 30 de dezembro, à qual foi atribuída natureza interpretativa pelo artigo 6.º da mesma Lei, ficou claro que o ISP/CSR é sempre repercutido nos consumidores.

 

Acrescenta a Requerida que os comercializadores de combustíveis estão adstritos ao dever de informação ao consumidor, através da emissão de fatura detalhada, das taxas e impostos repercutidos, nos termos da Lei n.º 5/2019, de 11 de janeiro, e do Regulamento n.º 141/2020, de 20 de fevereiro, nomeadamente o Imposto sobre os Produtos Petrolíferos, que inclui o adicional ao ISP, o adicionamento sobre as emissões de CO2 e a CSR. De onde conclui que os impostos em causa são repercutidos no consumidor, incluindo a CSR.

 

Sobre as finalidades da CSR, ao contrário do que defende a Requerente, sustenta que existe um vínculo entre o destino dado às receitas da CSR e o motivo específico que levou à sua criação: a prossecução de objetivos de redução de sinistralidade e de sustentabilidade ambiental. Pelo que preconiza ser a CSR conforme ao direito da União Europeia. 

Sem conceder, a Requerida argui que, mesmo que assim não se entendesse, constitui jurisprudência pacífica do Tribunal de Justiça que o Estado tem o direito de recusar o reembolso de impostos cobrados em violação do direito da União Europeia, na condição de provar que o encargo fiscal foi efetivamente suportado por uma pessoa diferente do sujeito passivo do imposto e que o reembolso do imposto a este último determinaria uma situação de enriquecimento sem causa.

 

Consubstanciaria uma injustiça, com consequências financeiras muito gravosas, se a AT se visse obrigada a restituir à Requerente um montante de imposto/contribuição que entregou às Infraestruturas de Portugal, nos termos da lei, e que aquela [Requerente] não suportou porque repercutiu o encargo nos consumidores finais dos combustíveis, conduzindo a um inadmissível enriquecimento sem causa de uma empresa em desfavor do interesse público.

 

Na esteira da jurisprudência assente do Tribunal de Justiça, desde que seja provado que os impostos indevidamente arrecadados foram efetivamente incluídos no preço das mercadorias vendidas, e assim repercutidos nos adquirentes, o Estado não está obrigado à devolução dos ditos impostos.

 

E, ainda de acordo com a jurisprudência do Tribunal de Justiça, são incompatíveis com o direito da União Europeia as modalidades de prova cujo efeito seja fazer com que seja praticamente impossível ou excessivamente difícil a devolução dos impostos arrecadados, pelo que não se pode exigir ao Estado que faça uma prova impossível.

 

A repercussão da CSR não é uma repercussão que tenha um mecanismo de requisitos formais como acontece, por exemplo, com o IVA, nem, do ponto de vista contabilístico, a CSR está individualizada numa conta específica, pois o seu valor não está segregado do valor do ISP. A ausência de um mecanismo formal de repercussão da CSR constitui, aliás, a regra nos IEC, porquanto a sua aplicação decorre da transferência da carga fiscal para o consumidor, através do preço.

 

Com vista a fazer prova da repercussão efetiva da CSR pela Requerente, foi efetuada pela AT uma ação com o objetivo de analisar o tratamento contabilístico e o enquadramento fiscal da CSR. Os resultados da análise comprovam que a CSR liquidada, relativamente às introduções no consumo efetuadas no período em causa (janeiro a abril de 2022, i.e., Declarações de Introdução no Consumo apresentadas entre fevereiro e maio de 2022), foi incluída no preço de venda dos combustíveis e, consequentemente, constituiu encargo, não da Requerente, mas de quem adquiriu os combustíveis, porquanto:

  • A Requerente contabiliza os impostos a que os produtos petrolíferos estão sujeitos (incluindo o ISP/CSR) na conta SNC # 3113 Mercadorias – ISP, uma subconta da rubrica de compras de mercadorias [#31 – Inventários - v. NCRF[1] 18];
  • Não segrega na conta referida o valor da CSR e do ISP. Assim, esses impostos consubstanciam um gasto incluído no Custo das Mercadorias Vendidas e das Matérias Consumidas (“CMVMC”), no período em que são alienadas. É sobre este custo que a Requerente aplica percentagem para chegar a uma margem bruta que lhe permita conferir viabilidade e continuidade do negócio;
  • A CSR não diminui o resultado do período apurado pela Requerente, na medida em que faz parte do CMVMC, pelo contrário, ao estar incluída na base sobre a qual irá ser aplicada a margem de lucro, pode contribuir para um acréscimo dos resultados apurados por esta entidade;
  • A CSR incorporada no CMVMC dos combustíveis vendidos e repercutida no valor de venda constitui encargo dos adquirentes dos combustíveis rodoviários;
  • O elevado peso da CSR no total do CMV (entre 6% e 10%), associado à diminuta margem bruta apurada pela Requerente (v.g. no ano anterior 5,54%)[2], inviabiliza qualquer argumentação no sentido da não inclusão da CSR no preço de venda dos combustíveis;
  • A CSR está a ser incluída no preço de venda dos combustíveis, pois a referida margem não permitiria acomodar o impacto/ peso da CSR, fazendo a Requerente incorrer em prejuízos por cada venda efetuada, o que tornaria o negócio inviável, além de que constituiria uma ilegalidade pela prática de um preço de venda abaixo do respetivo preço de custo (proibida nos termos da Lei n.º 166/2013, de 27 de dezembro).

           

A repercussão nos consumidores finais constitui a regra nos impostos especiais sobre o consumo, como é do conhecimento comum, e no caso concreto está provada através da contabilização de operação de compra, tendo em conta o custo das mercadorias vendidas e das matérias consumidas. Com efeito, se no custo dos inventários está incluído o valor da CSR, significa que o encargo com a CSR é transferido para o cliente via preço, pelo que não constitui encargo da Requerente, mas de quem adquire os combustíveis.

 

A Requerida salienta ainda que se têm sucedido ações de pedido de restituição de valores pagos a título de CSR pelos intermediários que consideram que aquela contribuição lhes foi repercutida. A procedência desta ação podia conduzir ao reembolso de CSR à Requerente e, em simultâneo, ao reembolso da mesma CSR a intermediários e consumidores finais.

 

Por outro lado, quando a procura de um determinado produto apresenta características de inelasticidade, como sucede com os combustíveis, não há uma reação diferenciada por parte dos consumidores e a procura não se altera pela variação de preços, pelo que o vendedor [aqui Requerente] não tem qualquer razão para absorver o custo do imposto e não aumentar o preço quando confrontado com um aumento da taxa de imposto.

 

No caso sub judice, não existe uma causa concreta que justifique o reembolso da CSR à Requerente, pois este encargo fiscal é suportado por pessoas diferentes do sujeito passivo, os consumidores finais. Mais, não houve qualquer diminuição ou impacto negativo nas vendas dos anos 2020 a 2022, registando-se, ao invés, um crescimento do volume de vendas da Requerente.

 

Com o reembolso da CSR à Requerente, esta passaria a ser beneficiária efetiva de uma receita sem qualquer causa legítima, na medida em que quem suportou o encargo da CSR foram os consumidores finais.

 

Acresce que tal situação configuraria uma violação do princípio da justiça tributária, por via do consagrado no artigo 103.º, n.º 1 da Constituição.

 

Sobre o pedido de reembolso de quantia certa, reitera a Requerida que os tribunais não se podem pronunciar, pois este só pode ser determinado em sede de execução do julgado anulatório, por implicar operações de cálculo que cabem aos serviços da AT (in casu, às alfândegas).

 

Por fim, em relação ao pedido dos juros indemnizatórios, tendo sido apresentado pedido de revisão da liquidação, caso a ação seja procedente, estes só serão devidos depois de decorrido um ano após a apresentação do pedido de revisão oficiosa, e não desde a data do pagamento do imposto, como se extrai do artigo 43.º, n.ºs 1 e 3, alínea c) da LGT.

 

Conclui pela absolvição da instância por incompetência do Tribunal Arbitral ou, caso assim não se entenda, pela improcedência total do pedido.

 

 

  1. Saneamento

 

O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído.

 

Em sede de resposta, a Requerida invocou matéria de exceção que importa conhecer, pois a sua procedência impede o conhecimento do pedido.

 

  1. Sobre a (In)competência do Tribunal Arbitral

 

A Requerida qualifica a CSR como contribuição financeira e não como imposto, daí retirando a consequente exclusão do âmbito da jurisdição arbitral por falta de vinculação da AT (v. artigo 4.º, n.º 1 do RJAT[3]). Isto porque a Portaria de Vinculação[4], no corpo do seu artigo 2.º, delimita o respetivo âmbito à “apreciação das pretensões relativas a impostos cuja administração lhes esteja cometida [à AT]”, sem prever outros tributos. (sublinhado nosso)

 

A questão releva do ponto de vista da competência “relativa” do Tribunal Arbitral e não “absoluta”, em razão da matéria, já que a norma que rege a competência, o artigo 2.º, n.º 1 do RJAT, faz referência a “atos de liquidação de tributos”, categoria ampla que compreende a tripartição clássica refletida no artigo 165.º, n.º 1, alínea i) da Constituição e no artigo 3.º, n.º 2 da LGT – impostos, taxas e contribuições financeiras –, pelo que aí tem claro enquadramento a CSR.

 

Porém, mesmo na perspetiva da competência “relativa” não assiste razão à Requerida, porquanto, apesar de o artigo 2.º da citada Portaria parecer limitar o âmbito da vinculação da AT à jurisdição arbitral aos “impostos” e de o nomen juris da CSR sugerir que estamos perante uma contribuição financeira, a sua natureza é, na realidade, a de um imposto administrado pela AT, ainda que de receita consignada, não sendo a denominação determinante.

 

A Requerida cita diversas decisões arbitrais para reforçar o seu argumento, mas omite a existência de múltiplas outras decisões em sentido distinto, nomeadamente a do processo arbitral 304/2022-T, de 5 de janeiro de 2023[5], que se acompanha nesta matéria, e que, com suporte na jurisprudência dos Tribunais superiores, incluindo o Tribunal Constitucional, conclui (bem) que a CSR é um imposto.

 

Desde logo, a designação de contribuição não vincula o aplicador do direito e não é o facto de o tributo ter a receita consignada que o qualifica como contribuição financeira (v. Acórdãos do Tribunal Constitucional n.ºs 539/2015; 369/99 e 232/2022, respetivamente), existindo vários impostos que têm a sua receita consignada (ainda que ao arrepio do princípio da não consignação da receita dos impostos).

 

O elemento decisivo para a qualificação da CSR como contribuição financeira é a existência de uma estrutura paracomutativa[6], ou dito de outra forma, de um nexo de bilateralidade/causalidade que se estabelece entre o ente beneficiário da receita [Estado] e os sujeitos passivos do tributo. A prestação deve destinar-se a compensar prestações administrativas aproveitadas (bilateralidade) ou provocadas (causalidade) pelos respetivos sujeitos passivos, “(...) acabando por se reconduzir à categoria de impostos de receita consignada as prestações pecuniárias coativas cobradas com o intuito de financiar despesa pública – mesmo que se trate de despesa pública concretamente identificada no âmbito da consignação das receitas – sempre que essa despesa se não possa reconduzir ao suporte financeiro de medidas ou atividades administrativas provocadas pelos sujeitos passivos ou de que estes sejam beneficiários (v. Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 232/2022, citado na decisão arbitral 304/2022-T).

 

No caso da CSR, constata-se que a mesma não tem por finalidade compensar prestações administrativas realizadas de que o sujeito passivo seja presumidamente beneficiário e também não se identificam prestações administrativas a que o sujeito passivo tenha dado causa.

 

Conforme explicita a decisão arbitral 304/2022-T:

Desde logo, a CSR não tem como pressuposto uma prestação, a favor de um grupo de sujeitos passivos, por parte de uma pessoa coletiva. A contribuição é estabelecida a favor da EP — Estradas de Portugal, E. P. E. (art. 3º, nº 2 da Lei n.º 55/2007), sendo essa mesma entidade a titular da receita correspondente (art.º 6º). No entanto, os sujeitos passivos da contribuição (as empresas comercializadoras de produtos combustíveis rodoviários) não são os destinatários da atividade da EP — Estradas de Portugal, E. P. E., a qual consiste na “conceção, projeto, construção, conservação, exploração, requalificação e alargamento” da rede de estradas (art. 3º, nº 2 da Lei n.º 55/2007).

Em segundo lugar, também não se encontra base legal alguma para afirmar que a responsabilidade pelo financiamento da tarefa administrativa em causa – que no caso será a “conceção, projeto, construção, conservação, exploração, requalificação e alargamento da rede de estradas” – é imputável aos sujeitos passivos da contribuição, que são as empresas comercializadoras de combustíveis rodoviários. Pelo contrário, o art.º 2.º da Lei n.º 55/2007 diz expressamente que o “financiamento da rede rodoviária nacional a cargo da EP - Estradas de Portugal, E.P. E., (...), é assegurado pelos respetivos utilizadores e, subsidiariamente, pelo Estado, nos termos da lei e do contrato de concessão aplicável.”

Portanto, apesar de ser visível, de forma clara, o elemento de afetação da contribuição para financiar a atividade de uma entidade pública não territorial – a EP - Estradas de Portugal, E. P. E. – não é de modo algum evidente a existência, pelo contrário, afigura-se  inexistir um “nexo de comutatividade coletiva” entre os sujeitos passivos e a responsabilidade pelo financiamento da respetiva atividade, ou entre os sujeitos passivos e os benefícios retirados dessa atividade.

A Contribuição de Serviço Rodoviário visa financiar a rede rodoviária nacional a cargo da EP — Estradas de Portugal, E. P. E. (art.º 1º da Lei 55/2007). O financiamento da rede rodoviária nacional a cargo da EP — Estradas de Portugal, E. P. E., é assegurado pelos respetivos utilizadores (art.º 2º). São, estes, como se conclui, os sujeitos que têm um vínculo com a atividade da entidade titular da contribuição e com a atividade pública financiada pelo tributo; são eles os beneficiários, e são eles os responsáveis pelo seu financiamento.

No entanto, a contribuição de serviço rodoviário é devida pelos sujeitos passivos do imposto sobre os produtos petrolíferos e energéticos, que, nos termos do art.º 4º n.º 1, al. a) do CIEC, são os “depositários autorizados” e os “destinatários registados”, não existindo qualquer nexo específico entre o benefício emanado da atividade da entidade pública titular da contribuição e o grupo dos respetivos sujeitos passivos.

Embora a Autoridade Tributária afirme que a posição dos revendedores de produtos petrolíferos é a de uma “espécie de substituição tributária”, não entendemos assim, pois tal entendimento não tem apoio na lei.

[…]

Ainda poderia acrescentar-se que o universo de entidades que beneficiam ou dão causa à atividade financiada pela CSR não é um grupo delimitado de pessoas, mas é toda a população de um modo geral. E que o efetivo sacrifício fiscal, suportado através de uma repercussão meramente económica, não é suportado apenas pelos que efetivamente utilizam a rede de estradas a cargo da Infraestruturas de Portugal S.A., mas também pelos que utilizam vias rodoviárias que não se incluem nessa rede.

Por conseguinte, conclui também este tribunal que a Contribuição de Serviço Rodoviário, apesar do seu nomen juris e de a sua receita se destinar a financiar uma atividade pública específica, não tem o caráter de comutatividade, bilateralidade ou sinalagmaticidade grupal ou coletiva que é necessária à contribuição financeira.

 

No mesmo sentido, salienta a decisão arbitral 629/2021-T, de 3 de agosto de 2022, que “o nexo grupal – que faria das contribuições financeiras uma espécie de taxas coletivas – não se estabelece com os sujeitos passivos da CSR, mas sim com terceiros não participantes na relação tributária.”.

 

A qualificação da CSR como um imposto foi também a seguida pelo Tribunal de Contas, na Conta Geral do Estado de 2008, e resulta da análise da sua génese. Interessa a este respeito notar que a Lei n.º 55/2007, de 31 de agosto, criou a CSR por desdobramento do ISP, em relação ao qual é indiscutível a sua qualificação como imposto. Esta relação umbilical merece destaque na decisão arbitral 332/2023-T: “A CSR, durante algum tempo legalmente autonomizada do ISP, a partir do qual nasceu e ao qual voltou, constituiu sempre um pseudónimo deste – e, portanto, sempre foi um imposto”. 

Pelas razões expostas, conclui-se que a CSR é enquadrável como imposto, estando, deste modo, abrangida pela autovinculação da AT à jurisdição arbitral, nos termos da citada Portaria n.º 112-A/2011. 

 

A Requerida suscita ainda a incompetência material deste Tribunal, por entender que a Requerente visa a apreciação da legalidade de todo o regime da CSR, pretendendo, em rigor, suspender a eficácia de atos legislativos.  Contudo, não é assim.

 

O pedido formulado pela Requerente é especificamente dirigido à anulação dos atos tributários e das decisões de segundo grau[7] que os mantiveram, não tendo sido peticionada a ilegalidade ou ineficácia da Lei n.º 55/2007 ou de alguma(s) das suas normas. E a pronúncia jurisdicional será, se a ação for procedente, meramente anulatória (constitutiva) dos atos impugnados, não consubstanciando uma declaração de ilegalidade do (ou dirigida ao) regime da CSR em bloco.

 

Quer do ponto de vista formal, quer numa perspetiva material, a Requerente não pretende, nem do seu articulado se infere, a “fiscalização da legalidade de normas em abstrato”. O que está em causa nos atos é a apreciação de atos individuais e concretos – de liquidação de CSR e os despachos de indeferimento do pedido de revisão oficiosa e da reclamação graciosa que têm tais atos por objeto –, em relação aos quais foi suscitada a questão da respetiva ilegalidade por erro de direito. A alegada ilegalidade do regime da CSR por violação do direito da União Europeia é causa de invalidade dos atos, mas não o objeto da pronúncia jurisdicional.

 

É aliás a própria Constituição que dispõe que os Tribunais não podem aplicar normas que infrinjam o disposto na Lei Fundamental ou os princípios nela consignados (artigo 204.º) e que é devida observância ao direito da União Europeia (artigo 8.º, n.º 4). Neste âmbito, a decisão anulatória de atos individuais e concretos com fundamento da desconformidade da disciplina da CSR com o direito europeu mais não é do que a expressão do princípio do primado do direito da União Europeia, sem paralelo com uma alegada declaração de ilegalidade do próprio regime.

 

À face do exposto, não procede a exceção de incompetência material, sendo o Tribunal Arbitral competente em razão da matéria e encontrando-se a AT ao mesmo vinculada, por estar em causa um pedido de anulação de atos de liquidação de imposto, a CSR (v. artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 5.º do RJAT).

 

  1. Demais Pressupostos Processuais

 

As Partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e encontram-se regularmente representadas (v. artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março). No caso da Requerente, a legitimidade ativa advém da sua qualidade de sujeito passivo da CSR, nos termos do disposto no artigo 5.º, n.º 1 da Lei n.º 55/2007, de 31 de agosto, e no artigo 9.º do CPPT, ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea a) do RJAT.

 

É admissível a cumulação de pedidos relativos a diferentes atos de liquidação de CSR, por estar em causa a apreciação das mesmas circunstâncias de facto e a interpretação e aplicação dos mesmos princípios ou regras de direito (v. artigo 3.º, n.º 1 do RJAT).

 

Verifica-se também a tempestividade da ação arbitral, porque apresentada dentro do prazo de 90 dias previsto no artigo 10.º do RJAT, em conjugação com o disposto no artigo 102.º, n.º 1, alínea e) do CPPT, a contar da notificação dos despachos de indeferimento do pedido de revisão oficiosa e da reclamação graciosa, em 4 de julho de 2023 [CSR de janeiro de 2022] e 4 de setembro de 2023 [CSR de fevereiro a abril de 2022], respetivamente, tendo a ação arbitral dado entrada em 2 de outubro de 2023.

 

De notar, neste âmbito, que o pedido de revisão oficiosa deduzido relativamente à CSR de janeiro de 2022 foi indeferido pela Requerida, tendo por fundamento a extemporaneidade, por estar ultrapassado o prazo da reclamação graciosa e não ter cabimento no artigo 78.º, n.º 1 da LGT, que permitiria à Requerente beneficiar do prazo de 4 anos aí previsto, dado inexistir erro imputável aos serviços. Segundo a Requerida, tendo o ato de liquidação de CSR sido praticado em aplicação de uma lei da República em vigor, não poderia a AT, com base num “julgamento” de desconformidade com o direito da União Europeia, desaplicar a norma. 

 

Contudo, se é verdade que o pedido de revisão oficiosa por iniciativa do sujeito passivo só beneficia do prazo alargado de quatro anos previsto no artigo 78.º, n.º 1, II parte da LGT quando o seu fundamento consistir em imputável aos serviços, nada obsta a que a ilegalidade por violação do direito da União Europeia seja conhecida e decidida no procedimento de revisão oficiosa (v. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 12 de dezembro de 2001, processo n.º 026233).

 

A noção de “erro imputável aos serviços” constante do n.º 1 do artigo 78.º da LGT concretiza qualquer ilegalidade e compreende “não só o lapso, o erro material ou o erro de facto, como também o erro de direito, e essa imputabilidade é independente da demonstração da culpa dos funcionários envolvidos na liquidação afectada pelo erro” (v. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 8 de março de 2017, processo n.º 01019/14 e Acórdão do Tribunal Central Administrativo, de 7 de maio de 2020, processo n.º 19/10.3BELRS). O erro de direito pode, assim, resultar, quer da má interpretação das normas legais em vigor, quer da aplicação de normas desconformes com o bloco de legalidade que lhes serve de parâmetro, designadamente o direito europeu.

 

Não sendo ilegalidade imputável ao sujeito passivo, nem tendo o mesmo contribuído para a mesma, não pode deixar de ser atribuída à Administração, como já declarado em Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 13 de março de 2002, no processo n.º 026765:

“A obediência que a Administração deve à lei (vejam-se os artigos 266.º n.º 1 da Constituição e 55.º da LGT) abrange a de todos os graus hierárquicos, e a de todas as origens, não excluindo, nem a lei constitucional, nem a comunitária, não podendo considerar-se legal o acto que aplica lei ordinária que afronte princípios constitucionais ou normas de direito comunitário cuja observância se imponha ao Estado Português.

Como assim, o facto de a liquidação ter obedecido às disposições legais […] não exclui a existência de erro sobre os pressupostos de direito, consubstanciado na aplicação de lei que

não podia ser empregue, por contrária a normas de direito comunitário que vinculam o Estado Português.

Daí que os serviços da Administração tenham incorrido em erro, que apenas a eles é imputável, pois não se mostra ter sido o contribuinte a dar-lhe azo, propiciando informação que haja induzido o erro, o qual foi reconhecido pela sentença recorrida, por isso que anulou a liquidação por ele viciada.

Esta falta, demonstrada que fica com a procedência da impugnação, não deixa de ser imputável aos serviços pela eventual falta de culpa de qualquer dos seus agentes.”

 

Verificando-se o pressuposto de erro imputável aos serviços exigido pelo artigo 78.º, n.º 1 da LGT para que a Requerente acedesse ao prazo de 4 anos, o pedido de revisão oficiosa foi apresentado em prazo e a sua decisão é impugnável por via contenciosa.  

 

Não existem outras exceções a apreciar. O processo não enferma de nulidades.

 

III.      Questões a Apreciar

 

São essencialmente duas as questões a decidir na presente ação.

 

A primeira é de direito e consiste em saber se a CSR, caracterizada como imposto indireto não harmonizado incidente sobre produtos sujeitos a impostos especiais de consumo, é conforme ao direito da União Europeia, em concreto, à Diretiva 2008/118/CE, por se fundar em “motivos específicos”, conforme previsto no regime de exceção do seu artigo 1.º, n.º 2.

 

Na medida em que se conclua pela incompatibilidade com a Diretiva, suscita-se uma segunda questão, que é de facto. Prende-se com o direito ao reembolso da CSR liquidada em violação do direito da União, o qual é impedido (não sendo o reembolso devido) se se demonstrar que o tributo foi repercutido sobre terceiros de tal sorte que a sua restituição teria como consequência o enriquecimento sem causa da Requerente.

 

 

  1. Fundamentação de Facto

 

  1. Factos Provados

 

Com relevo para a decisão, importa atender aos seguintes factos:

 

  1. A A..., LDA., aqui Requerente, é uma sociedade que tem por objeto a exploração de postos de abastecimento e comércio por grosso de produtos petrolíferos, entre outras atividades – cf. PA, provado por acordo.
  2. A Requerente é um operador económico, detentor de estatuto IEC concedido ao abrigo do regime previsto no Código dos Impostos Especiais de Consumo. Enquanto operador IEC, a Requerente procede à introdução de produtos petrolíferos no mercado português, em particular gasolina e gasóleo rodoviários, submetendo, para esse efeito, as respetivas declarações de introdução no consumo junto da Alfândega competente que, no caso dos presentes autos, é a Alfândega de Leixões – cf. estância aduaneira identificada nos Documentos Únicos de Cobrança (“DUC”), juntos como Documento 1.
  3. A Requerente apresentou junto da Alfândega de Leixões, Declarações de Introdução no Consumo de produtos petrolíferos (“e-DIC”), com referência aos períodos/meses de janeiro a abril de 2022, das quais constam os produtos introduzidos no consumo e as respetivas quantidades – cf. PA e Documento 1.
  4. As referidas Declarações de Introdução no Consumo foram processadas, tendo a Alfândega de Leixões emitido os correspondentes Documentos Únicos de Cobrança, com referência aos períodos de janeiro a abril de 2022, nos quais procedeu à liquidação conjunta de ISP, CSR e outros tributos – cf. PA e Documento 1.
  5. A CSR foi liquidada tendo em conta as quantidades introduzidas e a taxa aplicável à data – € 87,00/1000l para a gasolina e € 111,00/1000l para o gasóleo rodoviário, nos termos do artigo 4.º, n.º 2 da Lei n.º 55/2007, de 31 de agosto, na redação dada pela Lei n.º 82-B/2014, de 31 de dezembro (Orçamento do Estado para 2015) – cf. PA e Documento 1.
  6. Em relação ao período de janeiro a abril de 2022, foi liquidada à Requerente CSR no montante total de € 7 937 725,34, conforme discriminado no quadro abaixo – cf. PA e Documento 1:

Mês

2022

Gasóleo

CSR

Gasóleo

Gasolina 95

CSR

Gasolina 95

Gasolina 98

CSR

Gasolina 95

 

 

 

 

 

 

 

Jan

14 479 165,00

1 607 187,32 €

3 372 660,00

293 421,42 €

208 906,00

18 174,82 €

Fev

14 365 868,00

1 594 611,35 €

3 828 849,00

333 109,86 €

200 699,00

17 460,81 €

Mar

16 506 991,00

1 832 276,00 €

3 848 928,00

334 856,74 €

222 642,00

19 369,85 €

Abr

14 277 371,00

1 584 788,18 €

3 334 156,00

290 071,57 €

132 499,00

12 397,41 €

 

 

 

 

 

 

 

Subtotal

 

6 618 862,85 €

 

1 251 459,59 €

 

67 402,90 €

Total

 

7 937 725,34

 

 

  1. Em 15 de julho de 2022, inconformada com a liquidação de CSR do período de janeiro de 2022, a Requerente apresentou junto da Alfândega de Leixões um pedido de revisão oficiosa do ato de liquidação de ISP/CSR efetuado em fevereiro de 2022, na parte respeitante à CSR – cf. PA e Documento 2.
  2. Na mesma data, a Requerente deduziu reclamação graciosa contra as liquidações de ISP/CSR dos períodos de janeiro a abril de 2022, efetuadas entre março de maio de 2022, na parte respeitante à CSR – cf. PA e Documento 3.
  3. A Requerente foi notificada dos projetos de decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa e da reclamação graciosa, para efeitos de exercício do direito de audição – cf. PA e Documentos 4 e 6.
  4. Por despachos de 21 de junho de 2023, do Diretor da Alfândega de Leixões, e de 29 de agosto de 2023, do Diretor adjunto, foram indeferidos o pedido de revisão oficiosa e a reclamação graciosa acima identificadas – cf. PA e Documentos 5 e 7.
  5. A decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa foi notificada à Requerente pelo ofício n.º 2023..., de 23 de junho de 2023, tendo sido rececionada em 4 de julho de 2023 – cf. PA e Documento 5.
  6. A decisão de indeferimento da reclamação graciosa foi notificada à Requerente pelo ofício n.º 2023..., de 31 de agosto de 2023, tendo sido rececionada em 4 de setembro de 2023 – cf. PA e Documento 7.
  7. O pedido de revisão oficiosa foi indeferido por ter sido considerado inadmissível e extemporâneo, dada a inexistência de “erro imputável aos serviços”, entendendo a Requerida que o juízo de desconformidade da legislação interna com o direito comunitário está reservado aos tribunais. Por outro lado, conclui pela ilegalidade do reembolso da CSR à Requerente, por considerar que esta foi repercutida no preço de venda ao público dos combustíveis, de acordo com a prova efetuada pela Unidade dos Grandes Contribuintes na Informação n.º 9-A ENG/2023, de 27 de abril de 2023, e, por isso, configura uma situação de enriquecimento sem causa – cf. PA.
  8. Os fundamentos do indeferimento da reclamação graciosa são idênticos, julgando indevido o reembolso da CSR à Requerente, por ter sido demonstrada a repercussão a terceiros e, assim sendo, configurar uma situação de enriquecimento sem causa da Requerente, estribando-se, de igual modo na Informação n.º 9-A ENG/2023, de 27 de abril de 2023, da Unidade dos Grandes Contribuintes de que se transcrevem os seguintes excertos, com relevância para a apreciação de mérito – cf. PA:

“[…] 3. Dos procedimentos adotados pela A...

[…]

No âmbito da atividade desenvolvida, procede à introdução de produtos petrolíferos no mercado, estando sujeita a ISP e CSR.

A A... regista os impostos/contribuições a que os produtos petrolíferos estão sujeitos na conta “3113 Mercadorias – ISP”, uma subconta da rubrica de compras de mercadorias.

Não segrega na conta referida o valor da CSR e do ISP, sendo esta distinção apenas evidenciada nas guias de pagamento de imposto, como se pode verificar na guia do mês de janeiro de 2022 liquidada pela Alfândega de Leixões (Anexo 1).

Sobre isto refere o sujeito passivo no Relatório & Contas que o pagamento do Imposto sobre os Produtos Petrolíferos, apesar de ter o correspondente gasto incluído no custo das mercadorias vendidas na demonstração de resultados é considerado como outros pagamentos operacionais na demonstração dos fluxos de caixa, reconhecendo o próprio que o ISP, onde se inclui a CSR, é um gasto incluído no Custo das Mercadorias Vendidas e das Matérias Consumidas (CMVMC).

O ISP/CSR é parte integrante do custo das mercadorias vendidas, como não pode deixar de ser, de acordo com a sua definição teórica e o seu enquadramento normativo (NCRF 18), como analisaremos no ponto seguinte.

É sobre o do custo das mercadorias vendidas (CMV), o qual integra o ISP e a CSR que a empresa aplica uma percentagem de forma a chegar a uma margem bruta que lhe permita conferir viabilidade e continuidade do negócio (a esta margem bruta serão ainda posteriormente deduzidos outros gastos, nomeadamente, impostos sobre lucros, gastos com financiamentos, salários, eletricidade, gastos administrativos, etc.).

Ou seja, mesmo que, por absurdo, todos os restantes gastos não existissem, a totalidade do CMV terá sempre que ser refletida no preço praticado ao cliente sob pena de, não só o negócio não ser viável, como inclusive incorrer em ilegalidade (preço de venda abaixo do respetivo preço de custo).

  1. Do conceito de CMVMC e respetivo tratamento contabilístico

No que respeita à questão da valorização dos inventários, no anexo às demonstrações financeiras da A... é referido que os inventários (mercadorias) são valorizados ao custo de aquisição que inclui:

  • Custos de compra (preço de compra, direitos de importação, impostos não recuperáveis, custos de transporte, manuseamento e outros diretamente atribuíveis à compra, deduzidos de descontos comerciais, abatimentos, (…));
  • Outros custos incorridos para colocar os inventários no seu locar e condições pretendidos.

Refere ainda que sempre que o valor realizável líquido é inferior ao custo de compra ou de conversão, procede-se à redução de valor dos inventários, mediante o reconhecimento de um ajustamento, o qual é revertido quando deixam de existir os motivos que o originaram.

Para a contabilização dos inventários a empresa utiliza o sistema de inventário permanente, que conceptualmente, pressupõe que a entidade a qualquer momento consegue determinar o valor dos inventários existentes, em quantidade e valor, através do abatimento ao mesmo em cada operação de venda e acréscimo em cada operação de compra, permitindo saber o valor das compras, quantidades em stock e custo das mercadorias vendidas.

A definição de inventário é apresentada pela Norma Contabilística e de Relato Financeiro 18 (NCRF 18), que estabelece orientações na contabilização dos inventários (sobretudo na determinação do custo e no seu subsequente reconhecimento como gasto) e nas fórmulas de custeio usadas para atribuição de custos aos inventários.

Genericamente, o custo da mercadoria vendida, deve compreender todos os gastos incorridos com a compra (armazenamento, transporte, impostos, seguros e outros) das mercadorias até que estejam no ponto de venda, prontas a serem comercializadas.

Reproduzimos alguns dos parágrafos da NCRF 18 mais relevantes para a matéria em análise.

  • Parágrafo 9: Os inventários devem ser mensurados pelo custo ou valor realizável líquido, dos dois o mais baixo;
  • Parágrafo 10: O custo dos inventários deve incluir todos os custos de compra, custos de conversão e outros custos incorridos para colocar os inventários no seu local e na sua condição atuais;
  • Parágrafo 11: Os custos de compra de inventários incluem o preço de compra, direitos de importação e outros impostos (que não sejam os subsequentemente recuperáveis das entidades fiscais pela entidade) e custos de transporte, manuseamento e outros custos diretamente atribuíveis à aquisição de bens, de materiais e de serviços. Os descontos comerciais, abatimentos e outros itens semelhantes devem ser deduzidos na determinação dos custos de compra;
  • Parágrafo 34: Quando os inventários forem vendidos, a quantia escriturada desses inventários deve ser reconhecida como um gasto do período em que o respetivo rédito seja reconhecido (…);
  • Parágrafo 35: A quantia de inventários reconhecida como um gasto durante o período, que é muitas vezes referida como o custo de venda, consiste nos custos previamente incluídos na mensuração do inventário agora vendido, nos gastos gerais de produção não imputados e nas quantias anormais de custos de produção de inventários.

                   Face ao tratamento contabilístico dos inventários preconizado na NCRF 18, e adotado pelo sujeito passivo, conclui-se o seguinte:

  • A CSR consubstancia uma verba que não é subsequentemente recuperável do estado pela entidade que procede à sua liquidação, como é o caso de outros impostos, como por exemplo o IVA, uma vez que o mesmo é passível de dedução ao imposto a liquidar, nos termos do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado. Desta forma, a CSR constitui uma componente do custo de compra dos inventários, como definido no § 11, que deve ser escriturada numa rubrica de compras, tal como adequadamente fez a A... (registou a CSR na conta “31119 Mercadorias – ISP”);
  • Os custos incluídos na escrituração mensurada do inventário, conforme § 10, registados na rubrica de compras/inventários são reconhecidos como gastos do período, na rubrica custo das mercadorias vendidas e das matérias consumidas  (CMVMC – conta 61), no mesmo período de relato em que o respetivo inventário é vendido (§ 34), sendo este o procedimento adotado, em conformidade com a norma;
  • Sendo a CSR um gasto do período em que os inventários (combustíveis) são vendidos, esta é repercutida no custo dos inventários, e naturalmente no preço de venda, pelo que será a entidade/consumidor final que adquire os combustíveis à A... que suporta o encargo com a CSR;
  • Consequentemente, a CSR não diminui o resultado do período apurado pela A..., na medida em que faz parte do CMVMC, antes pelo contrário, pois ao estar incluída na base sobre a qual irá ser aplicada a margem de lucro, poderá eventualmente contribuir para um acréscimo dos resultados apurados pela empresa.

Resumindo, do tratamento contabilístico adotado pelo sujeito passivo, o qual tem acolhimento na NCRF 18, constata-se, inequivocamente, que o resultado apurado pela A... não é inferior pelo facto de existir a CSR, dado que esta é incorporada no CMVMC dos combustíveis vendidos, sobre o qual é aplicada a margem de lucro, e concomitantemente repercutida no valor de venda, constituindo assim um encargo do   consumidor final, adquirente dos combustíveis, e não da A... (que apenas assume o papel de sujeito passivo do imposto), indo de encontro ao objeto de criação da CSR, de repercutir nos utilizadores da rodovia o encargo da CSR, ou seja, nos adquirentes dos combustíveis rodoviários.

  1. Da contabilização das operações

De seguida é apresentado um esquema genérico do processo de contabilização da CSR numa operação de compra a um fornecedor comunitário e respetiva venda a um cliente nacional de combustível, bem como do apuramento do resultado da operação:

  • (1) Compra de € 100,00 combustível (€ 23,00 IVA);
  • (2)  Registo de ISP + CSR de € 50,00;
  • (3) Venda da totalidade do combustível por € 158,25 (€ 36,40 IVA);
  • (4) Saída do inventário e reconhecimento do CMVMC no valor de € 150,00;
  • (5) Apuramento do resultado da operação € 8,25 [ € 158,25 (valor venda) - € 150,00 (CMCMV)]

 

 

Por recurso a diversos elementos fornecidos pelo sujeito passivo, demonstremos a contabilização efetuada pela A... de uma operação de venda e respetiva compra, como documentos juntos do Anexo 2.

  1. Contabilização de operação de venda de combustível

Seguidamente será apresentada a contabilização, de 2 itens, a título exemplificativo, da fatura emitida pela A..., referente a janeiro de 2022, n.º FT 40/11224 de 03-01-2022, no total de € 44.479,84, de venda de combustível, ao cliente B..., Lda, nas seguintes quantidades:

  • Gasolina s/chumbo 95: quantidade de 5.008 litros (Lt), ao valor unitário de € 1,2422;
  • Gasolina s/chumbo 98: quantidade de 1.999 litros (Lt), ao valor unitário de € 1,2872;

 

  1. Contabilização de operação de compra

 

Relativamente à operação de venda de combustível, identificada na alínea anterior, apresenta-se a contabilização, da operação de compra respetiva, respeitante ao fornecedor C..., SA, fatura nº 2022/FE/000001 de 04-01-2022 no total de 643.831,94. Sendo um fornecedor intracomunitário compete à A... proceder à liquidação do IVA, tendo o direito de exercer a correspondente dedução.

Por uma questão de simplificação, apresentamos somente o esquema da compra do combustível correspondente à fatura de venda, como se identifica:

  • Gasolina s/chumbo 95: quantidade de 5.008 litros (Lt), ao valor unitário de € 0,502505;
  • Gasolina s/chumbo 98: quantidade de 1.999 litros (Lt), ao valor unitário de € 0,534405;

Quanto à contabilização do ISP, também por motivos de simplificação se considera no exemplo apresentado, como um lançamento individualizado correspondente ao combustível vendido. Cálculo do ISP: € 3.503,50 (7.007 Lt * € 0,50 por Lt, correspondente ao valor médio do peso do ISP, CSR incluída).

 

Resumindo, conforme apresentado, o sujeito passivo, relativamente aos 7.007 Lt de combustível vendidos nesta operação, exemplificativa, apurou o CMVMC (conta SNC 61x) no total de € 7.088,33, incluindo o custo das compras de € 3.584,83 e ISP/CSR de € 3.503,50, sobre o qual foi adicionada a margem total de € 1.705,72 (correspondente à margem média de venda por litro de 0,2434), determinando o valor de venda de € 8.794,05.

 

  1. Do peso dos impostos e da CSR no CMVMC

Com base em informação recolhida para anos anteriores, uma vez que as demonstrações financeiras da A... para o ano 2022 ainda não se encontram disponíveis e não existindo alterações substanciais quer no enquadramento da CSR quer no modelo de negócio prosseguido pela A..., o peso que os impostos (entre 32% e 50%) e a CSR (entre 6% e 10%) assumem face ao total do CMVMC, nos anos analisados, são como quadro resumo:

 

Os valores apurados, refletem o peso significativo que os impostos e a CSR assumem face ao total do CMVMC, comparado com a média da margem bruta de comercialização, demonstrando claramente que estes não são um encargo suportado pela empresa, mas obrigatoriamente terão que ser repassados para os adquirentes do combustível, incluídos no CMVMC sobre o qual é aplicada a margem de comercialização, inviabilizando desta forma a argumentação que a CSR (bem como os restantes impostos) não é incluída no CMVMC, e subsequentemente no preço de venda, mas sim que se trata de um encargo da própria empresa.

De acrescentar que na análise do indicador da CSR/CMVMC deve ser levado em conta o facto de este variar em função do tipo de combustível (a CSR é de € 87/1000 l para a gasolina, de € 111/1000 l para o gasóleo rodoviário e de € 123/1000 kg para o GPL auto), e que os diferentes combustíveis têm preços distintos, pelo que o indicador pode oscilar em função do dos combustíveis no total dos combustíveis vendidos, ou seja, consoante a percentagem de venda de cada tipo de combustível a CSR assume um peso diferente no CMVMC.

A observação destes indicadores assume relevância, na medida em que o procedimento contabilístico adotado pela A..., no momento da contabilização das guias de pagamento mensais é efetuado pelo total da guia, não discriminando cada uma das verbas em causa (ISP, CSR, taxa de carbono), pelo que do ponto de vista contabilístico o tratamento dado à CSR é exatamente o mesmo que é dado ao ISP.

Assim sendo, se os impostos são tratados como um todo, e assumem um peso significativo no total do CMVMC, não é de todo plausível considerar que os mesmos (nos quais se inclui a CSR) não estão incluídos no preço de venda dos combustíveis. Caso assim não fosse o preço de venda seria inferior ao CMVMC, naquela ordem de grandeza, o que manifestamente seria impossível, pois a empresa não teria viabilidade económica e financeira.

 

  1. Do apuramento da margem bruta

Tal como supramencionado, dado que não dispomos ainda das demonstrações financeiras do ano de 2022, recorremos aos valores apurados em anos anteriores da margem bruta de comercialização como quadro seguinte:

 

De salientar que a margem bruta ainda deve absorver todos os restantes gastos de estrutura da empresa, designadamente fornecimentos e serviços externos e gastos com pessoal, que não foram incluídos no custo dos inventários.

Assim, da análise das margens indicadas nos vários anos, resulta claro que o ISP e a CSR estão incluídos no CMVMC, porquanto estas não permitiram absorver o impacto do peso dos impostos, e da CSR em particular. Caso assim não fosse a empresa estaria recorrentemente a incorrer em prejuízos nas vendas, ou a vender abaixo do preço de custo total, acrescendo ainda que de acordo com as normas contabilísticas, e como demonstrado dos procedimentos adotados pelo sujeito passivo, o valor dos impostos suportados é uma componente do custo dos inventários.

Vejamos, a título meramente exemplificativo, recorrendo ao exemplo apresentado no ponto 5, os valores que a margem, peso dos impostos e CSR assumem.

 

A margem bruta de comercialização apurada neste exemplo, referente a faturas de 2022, de 23,44% é ligeiramente superior à média calculada pela empresa nos anos de 2018 a 2021, que pode ser explicada, por exemplo, pela oscilação dos preços de compra e venda ao longo dos anos, todavia o peso dos IEC, e em particular da CSR, não oscila significativamente, pelo facto de ser calculado sobre quantidades (Lt) de produto vendido e não sobre o valor de venda.

Assim, verifica-se que a margem dos impostos (entre 32% e 50%) ou da CSR (entre 6% e 10%), nos anos anteriores a 2022, sobre o CMVMC, não é acomodável na média das margens de comercialização apuradas nos anos indicados estando indubitavelmente a CSR incluída no CMVMC, e concomitantemente no preço de venda (CMVMC + margem comercialização), sendo desta forma repercutido no consumidor final de combustível.

 

  1. Conclusão

Ao longo da presente informação foram apresentados os factos e argumentos que permitem concluir inequivocamente que a CSR foi incluída no preço de venda dos combustíveis alienados pela A... .

A CSR não é faturada separadamente nem reconhecida contabilisticamente numa conta de gastos ou rendimentos específica, sendo como se demonstrou, a CSR em conjunto com o ISP, registados na conta de “Mercadorias – ISP”, e subsequentemente incorporados na conta de CMVMC.

Em conformidade com o tratamento plasmado na NCRF 18 Inventários, o procedimento contabilístico adotado pela A... vai no sentido do seu reconhecimento numa conta de compras (e não como gasto do período) incorporado no CMVMC. A inclusão da CSR no CMVMC constitui o reconhecimento por parte da empresa que esta (tal como os restantes impostos ISP e taxa de carbono), incorpora o preço de custo dos combustíveis e consequentemente é incluída no respetivo preço de venda.

Adicionalmente, e atendendo a que o peso da CSR no preço de venda dos combustíveis é superior à margem bruta apurada pelo contribuinte, não pode invocar-se que a mesma não foi incluída no preço de venda dos combustíveis, pois tal significaria admitir-se que se estaria a praticar preços de venda inferiores aos respetivos preços de custo, prática proibida pela legislação nacional.

A A... trata contabilisticamente os impostos (ISP, CSR, taxa de carbono) como um todo, não registando de forma individualizada cada uma das rubricas, considerando que, nos anos indicativos de 2018 a 2012, o peso destes impostos (CSR incluída) representa peso muito significativo do CMVMC, e que a média da margem bruta de comercialização é diminuta (logo se infere que representa sensivelmente o mesmo peso no preço de venda dos combustíveis), não é razoável admitir a hipótese da CSR não estar incluída no preço de venda, e que é um encargo suportado pela A... .

Face ao exposto, conclui-se que a CSR está a ser incluída no CMVMC e subsequentemente no preço de venda dos combustíveis, e naturalmente constitui um encargo dos adquirentes dos combustíveis (e do consumidor final dos combustíveis na cadeia de revenda) mas de forma alguma constitui um encargo da A..., premissa validada pelos procedimentos contabilísticos adotados pelo sujeito passivo, em conformidade com a norma contabilística. Acresce que, atendendo à margem bruta de comercialização diminuta apurada pela empresa, e respetivo peso da CSR no CMVMC não é admissível argumentar-se que esta contribuição não foi incluída no preço de venda dos combustíveis, pois tal como referido, conduziria à prática ilegal de preços de venda inferiores ao respetivo custo, e que seria, para além disso, económica e financeiramente inviável.”

  1. Em discordância das liquidações de CSR reportadas aos períodos de janeiro a abril de 2022, na importância de € 7.937.725,34 e das decisões de indeferimento do pedido de revisão oficiosa e da reclamação graciosa que as mantiveram, a Requerente apresentou junto do CAAD, em 2 de outubro de 2023, o pedido de constituição do Tribunal Arbitral e de pronúncia arbitral que deu origem ao presente processo – cf. registo de entrada do pedido de pronúncia arbitral (“ppa”) no SGP do CAAD.

 

            2.         Motivação da Decisão da Matéria de Facto e Factos não Provados

 

Os factos pertinentes para o julgamento da causa foram escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, em face das soluções plausíveis das questões de direito, nos termos da aplicação conjugada dos artigos 123.º, n.º 2 do CPPT, 596.º, n.º 1 e 607.º, n.º 3 do Código de Processo Civil (“CPC”), aplicáveis por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e) do RJAT, não tendo o Tribunal que se pronunciar sobre todas as alegações das Partes, mas apenas sobre as questões de facto necessárias para a decisão.

 

No que se refere aos factos provados, a convicção dos árbitros fundou-se na análise crítica da prova documental junta aos autos pelas Partes.

 

Não se provou a alegação da Requerida de que o encargo fiscal da CSR foi efetivamente repercutido pela Requerente e suportado por uma pessoa diferente do sujeito passivo, nem em que medida é que o foi.

 

            Com relevo para a decisão não existem outros factos alegados que devam considerar-se não provados.

 

Não se deram como provadas nem não provadas alegações feitas pelas Partes e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insuscetíveis de prova e cuja validade terá de ser aferida em relação à concreta matéria de facto consolidada.

 

 

  1. Do Direito

 

  1. Motivo Específico

 

A CSR foi criada em 2007 para “financiar a rede rodoviária nacional a cargo da EP – Estradas de Portugal, E.P.E.[8]” e configura um imposto incidente sobre os principais combustíveis rodoviários – gasolina, gasóleo rodoviário e GPL auto –, sujeitos a ISP. Serve-se, em parte, das regras que disciplinam o ISP, nomeadamente no que se refere a isenções, liquidação, cobrança e pagamento, embora seja um imposto distinto deste, com enquadramento legal e finalidade próprias – v. artigos 4.º e 5.º da Lei n.º 55/2007, de 31 de agosto.

 

A questão da compatibilidade da CSR com o sistema harmonizado de tributação dos produtos sujeitos a IEC regido pela Diretiva 2008/118/CE[9] foi objeto de pronúncia do Tribunal de Justiça no processo de reenvio prejudicial C-460/21[10], com despacho de 7 de fevereiro de 2022, relativo a um processo arbitral tributário idêntico ao que nos ocupa.

O Tribunal de Justiça concluiu aí pela incompatibilidade da CSR com o direito da União Europeia, por aquela não se fundar num “motivo específico”, condição exigida para a sua aceitação no quadro do sistema harmonizado de tributação dos produtos petrolíferos (v. artigo 1.º, n.º 2 da citada Diretiva).

 

Com efeito, o Tribunal de Justiça assinala que, para prevenir que seja posto em causa o sistema harmonizado dos IEC, a Diretiva n.º 2008/118/CE subordina a criação de impostos não harmonizados sobre excisable goods à dupla condição de respeitarem a estrutura essencial dos IEC e do IVA e de terem como fundamento um “motivo específico”, sendo apenas este último que está em discussão (p. 21 e 22).

 

De acordo com a jurisprudência daquele Tribunal, uma finalidade meramente orçamental não constitui um “motivo específico”, sendo necessária uma relação direta entre a utilização das receitas e a finalidade (específica) da imposição em causa, por exemplo, através da tributação significativa dos produtos considerados para desencorajar o respetivo consumo (p. 23 a 27 e v. ainda Acórdãos do Tribunal de Justiça, de 5 de março de 2015, processo Statoil Fuel, C-553/13, e de 25 de julho de 2018, processo Messer France, C-103/17).

 

No caso da CSR, a afetação da receita ao financiamento da concessionária da rede rodoviária nacional para a prossecução das competências gerais que lhe são atribuídas não pode ser considerada requisito suficiente (p. 29).

 

Acresce que, para se concluir que a CSR tinha por objetivo específico a redução da sinistralidade e de sustentabilidade ambiental que foram atribuídos à concessionária da rede rodoviária nacional, conforme invocado pela Requerida, deveria destinar-se, por si só, a assegurar esse objetivo. “Seria esse o caso, nomeadamente, se o produto deste imposto devesse ser obrigatoriamente utilizado para reduzir os custos sociais e ambientais especificamente associados à utilização dessa rede que é onerada pelo referido imposto. Seria então estabelecida uma relação direta entre a utilização das receitas e a finalidade da imposição em causa” (p. 30. E v. ainda Acórdãos do Tribunal de Justiça, de 27 de fevereiro de 2014, processo Jordi Besora, C-82/12, e de 25 de julho de 2018, processo Messer France, C-103/17). Porém, tal circunstancialismo não se verifica.

 

Em relação à alegação da AT de que existe uma relação entre a afetação das receitas geradas pela CSR e o motivo específico que levou à instituição deste imposto (redução da sinistralidade da rede rodoviária nacional e sustentabilidade ambiental), o Tribunal de Justiça rejeita-a, uma vez que as receitas do imposto não estão afetas em exclusivo ao financiamento de operações que concorrem para a realização desses objetivos, destinando-se, antes, a toda a atividade da concessionária, abrangendo a “conceção, projeto, construção, conservação, exploração, requalificação e alargamento da rede rodoviária” (p. 31 e 32).

 

Adicionalmente, os objetivos de redução da sinistralidade da rede rodoviária nacional e de sustentabilidade ambiental “estão enunciados em termos muito gerais e não deixam transparecer, à primeira vista, uma real vontade de desencorajar a utilização quer dessa rede quer dos principais combustíveis rodoviários, como a gasolina, o gasóleo rodoviário ou o gás de petróleo liquefeito (GPL) automóvel. A este respeito, é significativo que o órgão jurisdicional de reenvio destaque, na redação da sua primeira questão prejudicial, que as receitas geradas pelo imposto são genericamente afetadas à concessionária da rede rodoviária nacional e que a estrutura deste imposto não atesta a intenção de desmotivar um qualquer consumo desses combustíveis.” (p. 33). Pressupostos que se mantêm nestes autos.

 

Por outro lado, o Tribunal de Justiça não identificou nenhum elemento que permita considerar que a CSR foi concebida de modo a dissuadir os sujeitos passivos de utilizarem a rede rodoviária nacional ou que os incentive a adotar comportamentos menos nocivos para o ambiente e que seria suscetível de reduzir os acidentes (p.34), concluindo que “não prossegue «motivos específicos» […] um imposto cujas receitas ficam genericamente afetadas a uma empresa pública concessionária da rede rodoviária nacional e cuja estrutura não atesta a intenção de desmotivar o consumo dos principais combustíveis rodoviários.”

 

Em síntese, a CSR é incompatível com o direito da União Europeia, não tendo por motivo específico a redução da sinistralidade e de sustentabilidade ambiental. Assim, deve ser desaplicado o regime nacional (Lei n.º 55/2007) em vigor à data dos factos, concluindo-se pela invalidade parcial das liquidações impugnadas de ISP/CSR no segmento que respeita à CSR.

 

  1. Repercussão e Enriquecimento sem Causa


            Constitui princípio assente na jurisprudência consolidada do Tribunal de Justiça que os sujeitos passivos têm o direito de obter o reembolso dos impostos cobrados pelos Estados-Membros em violação das disposições do direito da União. 

 

            Também sobre esta matéria se pronunciou o Tribunal de Justiça no processo C-460/21, declarando que: “o direito de obter o reembolso dos impostos cobrados num Estado‑Membro em violação das disposições do direito da União é a consequência e o complemento dos direitos conferidos aos particulares por estas disposições, conforme foram interpretadas pelo Tribunal de Justiça. Assim, um Estado‑Membro está, em princípio, obrigado a reembolsar os impostos cobrados em violação do direito da União, ao abrigo das regras processuais nacionais aplicáveis e no respeito pelos princípios da equivalência e da efetividade (v., neste sentido, designadamente, Acórdãos de 9 de novembro de 1983, San Giorgio, 199/82, EU:C:1983:318, n.º 12, e de 1 de março de 2018, Petrotel‑Lukoil e Georgescu, C‑76/17, EU:C:2018:139, n.º 32).” (p. 38).

           

            O mencionado princípio comporta apenas uma exceção: a da repercussão do imposto.

 

            A este respeito diz o Despacho Vapo Atlantic: “sob pena de conduzir a um enriquecimento sem causa dos titulares do direito, a proteção dos direitos garantidos na matéria pela ordem jurídica da União exclui, em princípio, o reembolso dos impostos, direitos e taxas cobrados em violação do direito da União quando seja provado que o sujeito passivo responsável pelo pagamento desses direitos os repercutiu efetivamente noutras pessoas (v., neste sentido, Acórdãos de 14 de janeiro de 1997, Comateb e o., C‑192/95 a C‑218/95, EU:C:1997:12, n.º 21, e de 1 de março de 2018, Petrotel‑Lukoil e Georgescu, C‑76/17, EU:C:2018:139, n.º 33).

 

            O Tribunal de Justiça salienta que os órgãos jurisdicionais nacionais devem assegurar o respeito pelo princípio da proibição do enriquecimento sem causa, mesmo quando nada conste a este respeito no direito nacional (p. 40).

 

            A recusa de reembolso de um imposto indireto contrário ao direito da União, como a CSR, não pode, no entanto, fundar-se numa presunção de repercussão. Neste âmbito, assinala o Tribunal de Justiça, de forma ilustrativa:

 

            “42  Por conseguinte, um Estado‑Membro só se pode opor ao reembolso de um imposto indevidamente cobrado à luz do direito da União quando as autoridades nacionais provarem que o imposto foi suportado na íntegra por uma pessoa diferente do sujeito passivo e quando o reembolso do imposto conduzisse, para este sujeito passivo, a um enriquecimento sem causa. Daqui resulta que, se só tiver sido repercutida uma parte do imposto, as autoridades nacionais só estão obrigadas a reembolsar o montante não repercutido (v., neste sentido, designadamente, Acórdãos de 9 de novembro de 1983, San Giorgio, 199/82, EU:C:1983:318, n.º 13; de 14 de janeiro de 1997, Comateb e o., C‑192/95 a C‑218/95, EU:C:1997:12, n.ºs 27 e 28; e de 2 de outubro de 2003, Weber’s Wine World e o., C‑147/01, EU:C:2003:533, n.º 94).

            43  Constituindo esta exceção ao princípio do reembolso dos impostos incompatíveis com o direito da União uma restrição a um direito subjetivo resultante da ordem jurídica da União, há que interpretá‑la de forma restritiva, atendendo nomeadamente ao facto de que a repercussão de um imposto no consumidor não neutraliza necessariamente os efeitos económicos da tributação no sujeito passivo (v., neste sentido, Acórdãos de 2 de outubro de 2003, Weber’s Wine World e o., C‑147/01, EU:C:2003:533, n.º 95, e de 1 de março de 2018, Petrotel‑Lukoil e Georgescu, C‑76/17, EU:C:2018:139, n.º 35).

            44  Com efeito, ainda que, na legislação nacional, os impostos indiretos tenham sido concebidos de modo a serem repercutidos no consumidor final e que, habitualmente, no comércio, esses impostos indiretos sejam parcial ou totalmente repercutidos, não se pode afirmar de uma maneira geral que, em todos os casos, o imposto é efetivamente repercutido. A repercussão efetiva, parcial ou total, depende de vários fatores próprios de cada transação comercial e que a diferenciam de outras situações, noutros contextos. Consequentemente, a questão da repercussão ou da não repercussão em cada caso de um imposto indireto constitui uma questão de facto que é da competência do órgão jurisdicional nacional, cabendo a este último apreciar livremente os elementos de prova que lhe tenham sido submetidos (v., neste sentido, Acórdãos de 25 de fevereiro de 1988, Les Fils de Jules Bianco e Girard, 331/85, 376/85 e 378/85, EU:C:1988:97, n.º 17, e de 2 de outubro de 2003, Weber’s Wine World e o., C‑147/01, EU:C:2003:533, n.º 96).

            45  Não se pode no entanto admitir que, no caso dos impostos indiretos, exista uma presunção segundo a qual a repercussão teve lugar e que cabe ao contribuinte provar negativamente o contrário. Sucede o mesmo quando o contribuinte tenha sido obrigado, pela legislação nacional aplicável, a incorporar o imposto no preço de custo do produto em causa. Com efeito, essa obrigação legal não permite presumir que a totalidade do imposto tenha sido repercutida, mesmo no caso de a violação de essa obrigação conduzir a uma sanção (Acórdão de 14 de janeiro de 1997, Comateb e o., C‑192/95 a C‑218/95, EU:C:1997:12, n.ºs 25 e 26).

            46  O direito da União exclui assim que se aplique toda e qualquer presunção ou regra em matéria de prova destinada a fazer recair sobre o operador em causa o ónus de provar que os impostos indevidamente pagos não foram repercutidos noutras pessoas e que visem impedir a apresentação de elementos de prova destinados a contestar uma pretensa repercussão (Acórdão de 21 de setembro de 2000, Michaïlidis, C‑441/98 e C‑442/98, EU:C:2000:479, n.º 42).

            47  Além disso, mesmo na hipótese de vir a ser provado que o imposto indevido foi repercutido sobre terceiros, o respetivo reembolso ao operador não implica necessariamente um enriquecimento sem causa por parte deste, visto que a integração do montante do referido imposto nos preços praticados pode dar origem a prejuízos associados à diminuição do volume das suas vendas (v., neste sentido, Acórdãos de 14 de janeiro de 1997, Comateb e o., C‑192/95 a C‑218/95, EU:C:1997:12, n.ºs 29 a 32, e de 6 de setembro de 2011, Lady & Kid e o., C‑398/09, EU:C:2011:540, n.º 21).”

 

            De acordo com o entendimento exposto, em princípio, a ilegalidade da liquidação de CSR realizada pela Requerida envolve a restituição das quantias pagas a este título pela Requerente a menos que aquela demonstre dois pressupostos, de verificação cumulativa:

  1. Que esta última procedeu à repercussão do imposto incorrido; e, bem assim
  2. Que tal repercussão neutralizou os efeitos económicos da tributação na Requerente, pelo que o reembolso do imposto conduziria a um enriquecimento sem causa desta.

 

            Importa, pois, aferir se estão preenchidas as condições assinaladas, na sequência da prova produzida nos autos.

 

            A Requerida começa por salientar, neste ponto, que a prova da repercussão da CSR nos preços praticados ao consumidor, só pode partir da análise de factos conhecidos e demonstráveis, não se podendo exigir uma prova impossível. E entende ter feito esta prova com a demonstração de que a CSR foi contabilizada pela Requerente, à semelhança do (e conjuntamente com o) ISP, numa subconta da conta #31 – Inventários, passando, portanto, a fazer parte integrante do custo das mercadorias vendidas e matérias consumidas (“CMVMC”) quando estas são alienadas.

 

            Porém, da referida contabilização, que se afigura correta atento o disposto na Norma Contabilística e de Relato Financeiro (“NCRF”) 18 – Inventários, entende este Tribunal que não se pode extrair, sem mais, a conclusão visada pela Requerida, ou seja, a repercussão.

 

            Com efeito, não existe nem pode ser estabelecida uma relação de causa-efeito (e muito menos uma relação necessária) entre a contabilização de um “gasto”[11] e a efetiva repercussão deste no preço dos produtos vendidos aos clientes. Basta pensar que os sujeitos passivos podem incorrer em diversos gastos que nem sequer tinham previsto, que têm de reconhecer contabilisticamente nas contas apropriadas, sem que isso represente que tivessem equacionado incorrer em tais gastos e que tivessem pensado e decidido a respetiva repercussão via preço, que, no caso dos gastos não antecipados/ desconhecidos, pode revelar-se (e na maioria dos casos, revela-se) inexequível.

 

            Mesmo em relação a gastos previsíveis e estimáveis, a sua contabilização, no momento em que são suportados, não evidencia se o sujeito passivo decidiu repercuti-los nos preços praticados, ou se optou por, no todo ou em parte, não os repercutir e diminuir a sua margem de lucro. Este raciocínio não está espelhado na contabilidade[12], nem este standard de medição visa manifestar essa realidade.

 

            Assim, a AT parte do pressuposto de que o reconhecimento/contabilização dos gastos pelo sujeito passivo implica que tais gastos tenham de estar a ser repercutidos, pressuposto que este Tribunal reputa erróneo.

             

            A questão da repercussão coloca-se noutro plano, distinto, o da formação do preço, pois respeita à transferência efetiva do encargo do imposto [CSR] ao elo subsequente do circuito económico, os clientes, por via da sua inclusão no preço de venda praticado. Quer o imposto seja repercutido, quer não o seja, deve ser sempre reconhecido na contabilidade do sujeito passivo como “gasto”. Pelo que o reconhecimento do imposto na contabilidade não pode constituir critério de diferenciação do imposto repercutido e não repercutido, pois é uma “propriedade” que se verifica em ambos os casos.

 

            Por outro lado, também não pode ser acolhida por este Tribunal a afirmação pela Requerida de que o elevado peso da CSR no total do CMVMC (entre 6% a 10%) e a diminuta margem bruta apurada pela Requerente, tendo por base referenciais de anos anteriores (5,54% em 2021; 2,72% em 2020; 0,92% em 2019 e 1,62% em 2018), por ainda não estarem disponíveis à data os elementos do período de tributação de 2022, inviabiliza qualquer argumentação no sentido da não inclusão da CSR no preço de venda dos combustíveis.

 

            Em rigor, o primeiro argumento, por si só, nada acrescenta. Um gasto pode ser elevado e não ser repercutido, ou não o ser totalmente.

 

            No que se refere ao segundo argumento, dir-se-á que pode do mesmo deduzir-se conclusão inversa e oposta àquela a que chegou Requerida. Na verdade, uma margem muito reduzida, por si só, a ser tomada como indício, é mais próxima da não repercussão do que da repercussão. Pois se os gastos são componentes negativas no apuramento da margem de lucro e dos resultados, a não repercussão implica necessariamente a redução das margens de lucro, apresentando-se estas menores em comparação com o que ocorreria se se tivesse verificado repercussão. Assim, tendencialmente é a não repercussão que gera uma margem mais reduzida e não o contrário.

 

            De igual modo, falece a alegação da Requerida de que a repercussão se concretizou, porque se não fosse assim o negócio da Requerente seria inviável e estaria a violar o disposto no artigo 5.º da Lei n.º 166/2013, de 27 de dezembro, que rege as práticas restritivas do comércio, segundo o qual é ilegal vender um bem a um preço inferior ao seu custo de aquisição efetivo, acrescido de impostos e encargos. Dito de outro modo, no entender da Requerida, se a Requerente não tivesse repercutido a CSR estaria a vender um bem abaixo do preço de custo e a praticar uma ilegalidade.

 

            Contudo, não é o facto de uma determinada conduta representar uma ilegalidade que impede que a mesma ocorra. Além de que, o facto de a Requerente não estar a repercutir, no todo ou em parte, a CSR, sendo o caso, não implica que esteja a praticar um preço de venda inferior ao custo de aquisição efetivo, acrescido de impostos e encargos.

 

            O que se verifica, e foi constatado pela AT, é que a Requerente tem uma margem bruta positiva, ainda que pequena, ou seja, que valor das receitas provenientes das respetivas vendas é superior ao dos custos dos combustíveis vendidos, pelo que está a ser cumprido o regime legal invocado. Quais as rubricas que estão a ser, ou que devam ser repercutidas, pelo operador económico não constitui aspeto de que cuide ou regule o referido regime, cuja preocupação é a de que não sejam feitas vendas com prejuízo, por razões que se prendem com práticas concorrenciais nocivas, e não quais as rubricas que são ou não repercutidas.

 

            Nem se afigura pertinente o argumento de que a repercussão se comprova com o facto de os clientes da Requerente virem suscitar igualmente, pela via contenciosa, a questão da ilegalidade e o consequente reembolso da CSR suportada. Esta circunstância pode derivar de diversos fatores, incluindo o próprio erro sobre os respetivos pressupostos. A aferição da efetiva repercussão e da sua medida pela Requerente não resulta da mera propositura de ações por parte dos seus clientes.

 

            Em relação às menções obrigatórias que devem constar das faturas detalhadas dos comercializadores em postos de abastecimento, não se trata de regime aplicável à Requerente, por não estar abrangida no seu âmbito subjetivo. 

 

            Flui do exposto que a Requerida não logrou demonstrar a medida da repercussão da CSR nos preços praticados pela Requerente com os seus clientes. Acresce que, ainda que seja possível e expectável que no preço dos combustíveis se repercuta, ao menos parcialmente, a CSR, isto não significa que o reembolso deste imposto à Requerente configure um caso de enriquecimento sem causa, o que competiria à Requerida demonstrar.

 

            Sobre as exigências de prova, interessa notar que a repercussão não constitui um facto negativo, pelo que não estamos perante uma categoria de prova (quase) impossível de ser concretizada pela AT, a chamada prova diabólica ou “diabolica probatio”. Porém, mesmo que o fosse, essa circunstância “não desonera a parte de o provar”, embora o julgador deva, nesses casos, seguir a máxima segundo a qual “iis quae difficilioris sunt probationis leviores probationes admittuntur”, pois a acrescida dificuldade da prova de factos negativos deve ter como corolário, por força do princípio da proporcionalidade, uma menor exigência probatória por parte do aplicador do direito, dando relevo a provas menos relevantes e convincentes que as que seriam exigíveis se tal dificuldade não existisse (v. Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 11 de abril de 2019, processo n.º 9477/16.1BCLSB).

 

            A Requerida invoca ainda a nova redação do artigo 2.º do Código dos IEC introduzida pela Lei n.º 24-E/2022, de 30 de dezembro[13], para demonstrar a repercussão, afirmando que o legislador veio esclarecer que o ISP/CSR é sempre repercutido nos consumidores.

 

            No entanto este raciocínio apresenta diversos problemas, pelo que não se pode acompanhar. Desde logo, porque a CSR tem um regime próprio, vertido na Lei n.º 55/2007, não sendo um dos tributos projetados no campo de incidência objetiva do Código dos IEC. No mencionado artigo 2.º não é feita qualquer referência à CSR, que aliás, foi extinta precisamente pela Lei n.º 24-E/2022 que alterou a redação desse artigo 2.º. A aplicação do Código dos IEC à CSR foi convocada pelo legislador apenas em relação à componente procedimental da sua “liquidação, cobrança e pagamento” (por remissão do artigo 5.º, n.º 1 da Lei n.º 55/2007), não podendo extrapolar-se uma aplicação generalizada desse compêndio a um tributo que no mesmo não está previsto.

 

            Acresce que a alteração legislativa operada no Código dos IEC que, como se disse, não é aplicável à CSR, é posterior à data dos factos sob apreciação, pelo que, se fosse de seguir a posição da Requerida, estar-se-ia, para mais, perante um caso flagrante de aplicação retroativa de normas fiscais. Esta conclusão não resulta afastada pela atribuição de natureza interpretativa pelo legislador[14], pois a retroatividade inerente às leis interpretativas “é necessariamente material e, caso esteja em causa a interpretação legal de normas fiscais, não pode deixar de estar abrangida pela proibição da retroatividade consagrada no artigo 103.º, n.º 3, da Constituição.” (v. Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 751/2020, de 16 de dezembro de 2020).

 

            Por outro lado, como declarado pelo Tribunal de Justiça no Despacho Vapo Atlantic, louvando-se em diversa jurisprudência anterior, mesmo que se demonstrasse a repercussão da CSR, esta não neutraliza necessariamente os efeitos económicos da tributação no sujeito passivo, pois a inclusão do imposto nos preços praticados pode dar origem a prejuízos associados à diminuição do volume das suas vendas (pontos 43 e 47) e, acrescentamos nós, à redução da margem de lucro do sujeito passivo.

 

            O enriquecimento sem causa alegado pela Requerida teria, assim, de ser por esta demonstrado, através de uma análise económica que tivesse “em conta todas as circunstâncias pertinentes” (v. Acórdão do Tribunal de Justiça, de 2 de outubro de 2003, C-147/01, Weber’s Wine World). Não é suficiente, para este efeito, esgrimir que a procura por este tipo de produtos (combustíveis) “apresenta características de inelasticidade”, não sendo alterada pela variação de preços. Desde logo porque, ainda que tenha pouca elasticidade, isso não impede de, em maior ou menor medida, poder existir um impacto. Esta análise económica pode ser complexa e trabalhosa, porém, não é impossível.

 

            Não tendo a Requerida demonstrado, como lhe competia, o enriquecimento sem causa da Requerente, não pode ficar impedido o reembolso da CSR indevidamente liquidada àquela. Assim, não só a respetiva liquidação enferma de ilegalidade (em relação à CSR), como tem por consequência a obrigação de restituição do imposto pago pela Requerente.

 

            Por fim, a Requerida invoca o princípio da justiça tributária “por via do consagrado no artigo 103.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa”, não se alcançando, contudo, que este princípio seja comprometido pela solução preconizada. Efetivamente, esta resulta da aplicação das regras do ónus da prova, afigurando-se desequilibrada a solução oposta, que seria a de conceder, sem cabal comprovação do enriquecimento sem causa, o produto do imposto ilegalmente cobrado, ao credor tributário, responsável pela liquidação ilegal. Este desfecho representaria um inaceitável venire contra factum proprium, pois o produto da ilegalidade reverteria a favor do ente infrator.

 

            Acresce salientar que a Requerida, não cumpriu o ónus da suscitação adequada do princípio constitucional da justiça, nomeadamente no que se refere à “precisa delimitação do seu objeto, mediante a especificação da norma, segmento normativo ou a dimensão normativa que se entende ser inconstitucional (acórdãos n.ºs 450/06, 21/06, 578/07, 131/08) e a indicação das razões pelas quais se considera verificada a violação de normas ou princípios constitucionais (acórdãos n.ºs 645/06, 708/06, 630/08), não bastando uma referência genérica a essas normas ou princípios ou a imputação da inconstitucionalidade aos próprios actos jurídicos que são objeto de impugnação judicial” – v. decisão arbitral no processo n.º 14/2021-T. 

 

            Em face do que antecede, conclui este Tribunal Arbitral que assiste razão à Requerente, pelo que devem ser parcialmente anuladas as liquidações de ISP/CSR, na parte que respeitam à CSR, como peticionado. De referir que em idêntico sentido se decidiu, entre outros, nos processos arbitrais 54/2020-T, 304/2022-T, 305/2022-T, 665/2022-T, 702/2022-T, 113/2023-T e 668/2023-T, acompanhando-se de perto a fundamentação deste último.

 

            No que se refere à determinação do valor de CSR, este não oferece dúvidas, pois resulta das liquidações de janeiro a abril de 2022 juntas aos autos, e da aplicação de cálculos aritméticos simples (valor por litro), pelo que, como consequência da anulação parcial das liquidações impugnadas, na parte da CSR, deve a Requerida restituir a importância de € 7.937.725,34, que se fixa na presente decisão, não havendo necessidade de remeter tal fixação para a fase de execução de sentença, uma vez que a mesma não oferece dúvidas e não está dependente de outras operações que envolvam o exercício da atividade administrativa (v. artigo 609.º, n.º 2 do CPC (a contrario), por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT).

 

* * *

 

Por fim, importa referir que foram conhecidas e apreciadas as questões relevantes submetidas à apreciação deste Tribunal, não o tendo sido aquelas cuja decisão ficou prejudicada pela solução dada a outras, ou cuja apreciação seria inútil, nos termos do disposto nos artigos 608.º e 130.º do CPC, ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.

 

  1. Juros Indemnizatórios

 

A Requerente, peticiona, como decorrência da anulabilidade parcial dos atos de liquidação de ISP/CSR, a condenação da AT ao pagamento de juros indemnizatórios.

 

A jurisprudência arbitral tem reiteradamente afirmado a competência destes Tribunais para proferir pronúncias condenatórias derivadas do reconhecimento do direito a juros indemnizatórios originados em atos tributários ilegais que aí sejam impugnados, ao abrigo do disposto nos artigos 24.º, n.º 1, alínea b) e n.º 5 do RJAT e 43.º e 100.º da LGT.

 

Esta disciplina deriva do dever, que recai sobre a AT, de reconstituição imediata e plena da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, como resulta do disposto nos artigos 24.º, n.º 1, alínea b) do RJAT e 100.º da LGT, fazendo este último preceito referência expressa ao pagamento de juros indemnizatórios, compreendido nesse efeito repristinatório do statu quo ante.

 

O que significa que na execução do julgado anulatório a AT deve reintegrar totalmente a ordem jurídica violada, restituindo as importâncias de imposto pagas em excesso e, neste âmbito, a privação ilegal dessas importâncias deve ser objeto de ressarcimento por via do cálculo de juros indemnizatórios, por forma a reconstituir a situação atual hipotética que “existiria se o ato anulado não tivesse sido praticado”.

 

O direito a juros indemnizatórios depende da ocorrência de “erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido” (v. artigo 43.º, n.º 1 da LGT).

 

Na situação vertente, em relação aos atos de liquidação controvertidos, verificou-se erro de direito imputável à Requerida (violação do direito da União Europeia), para o qual a Requerente nada contribuiu, pelo que é devida a restituição do montante pago a título de CSR, acrescido de juros indemnizatórios, nos termos dos artigos 43.º da LGT e 61.º do CPPT, para restabelecimento da situação que existiria se o ato tributário não tivesse sido praticado.

 

Contudo, o artigo 43.º, n.º 3, alínea c) da LGT institui uma disciplina específica para os casos de revisão do ato tributário por iniciativa do contribuinte, como sucede nos presentes autos, constituindo-se a obrigação de indemnizar na esfera da Requerida somente depois de decorrido um ano a contar do pedido de revisão (v., a título ilustrativo, o Acórdão do Pleno do Supremo Tribunal Administrativo, processo n.º 038/19, de 4 de novembro de 2020[15]).

 

Assim, o prazo de contagem dos juros indemnizatórios é distinto em relação à CSR cuja liquidação foi objeto de pedido de revisão oficiosa e a que foi impugnada por via de reclamação graciosa.

 

No caso do pedido de revisão oficiosa, nos termos do entendimento acabado de expor, tendo sido apresentado em 15 de julho de 2022, a contagem dos correspondentes juros indemnizatórios, calculados com base no valor de CSR pago com referência ao período de janeiro de 2022, só se inicia em 16 de julho de 2023.

 

No tocante à CSR objeto da reclamação graciosa (referente aos meses de fevereiro, março e abril de 2022), a contagem dos juros faz-se nos termos gerais, i.e., inicia-se a partir da data do pagamento indevido do imposto.

 

Em ambos os casos, o termo final de contagem dos juros indemnizatórios – dies ad quem – coincide com a data de processamento da nota de crédito em que estes (v. artigo 61.º, n.º 5 do CPPT, que, neste ponto, não é afastado pelo regime especial aplicável aos pedidos de revisão oficiosa).

 

    

  1. Decisão

 

            Atento o exposto, acordam os árbitros deste Tribunal Arbitral em julgar a ação arbitral procedente e, em consequência:

 

  1. Anular parcialmente as liquidações de ISP/CSR efetuadas à Requerente, com referência aos períodos de janeiro a abril de 2022, na parte referente à CSR, na importância de € 7.937.725,34;
  2. Anular as decisões de indeferimento do pedido de revisão oficiosa e da reclamação graciosa deduzidos contra as referidas liquidações de ISP/CSR, na medida em que as manteve integralmente;
  3. Condenar a AT ao pagamento de juros indemnizatórios nos termos supra expostos. 

 

Tudo com as legais consequências.

 

  1. Valor do Processo

 

            Fixa-se ao processo o valor de € 7.937.725,34, que corresponde à importância de CSR cuja anulação a Requerente pretende e não contestado pela Requerida, de harmonia com o disposto nos artigos 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (“RCPAT”), 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT e 306.º, n.ºs 1 e 2 do CPC, este último ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.

 

 

  1. Taxa de Arbitragem

 

            Dada a modalidade de designação de árbitro pelo sujeito passivo, a taxa de arbitragem, no montante de € 120.000,00 (cento e vinte mil euros), foi paga e constitui encargo da Requerente, nos termos do disposto no artigo 5.º do RCPAT e da Tabela de Custas a este anexa.

 

                        Notifique-se.

 

                        Lisboa, 21 de junho de 2024

 

Os árbitros,

 

Alexandra Coelho Martins, relatora

 

 

 

Miguel Patrício

 

 


João Taborda da Gama

 



[1] Acrónimo de Norma Contabilística e de Relato Financeiro.

[2] Por, à data, ainda não estarem disponíveis as demonstrações financeiras do ano 2022.

[3] Dispõe o n.º 1 do artigo 4.º do RJAT o seguinte: “A vinculação da administração tributária à jurisdição dos tribunais constituídos nos termos da presente lei depende de portaria […]”.

[4] V. Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.

[5] De referir ainda, a título de exemplo, as decisões arbitrais dos processos 629/2021-T, 305/2022-T, 665/2022-T,  113/2023-T e 332/2023-T.

[6] V. Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 7/2019.

[7] Proferidas no âmbito dos procedimentos de revisão oficiosa (CSR de janeiro de 2022) e de reclamação graciosa (CSR de fevereiro a abril de 2022).

[8] Entretanto transformada na Infraestruturas de Portugal, IP, S.A., como atrás referido.

[9]  A Diretiva n.º 2008/118/CE, de 16 de dezembro de 2008, fixa a estrutura comum dos Impostos Especiais de Consumo (“IEC”) harmonizados nos quais se inserem os impostos sobre os produtos energéticos [v.g. produtos petrolíferos] e da eletricidade regulados pela Diretiva n.º 2003/96/CE, de 27 de outubro de 2003.

[11] Neste caso, relativo a inventários, a contabilização é feita em duas etapas, primeiro na rubrica de inventários e, mais tarde, à medida que os produtos são vendidos, movimenta-se para uma conta de gastos (conta # 61 Custo das mercadorias vendidas e das matérias consumidas).

[12] O que se poderia retirar da contabilidade da Requerente, como indício idóneo para inferir a repercussão (ou alguma repercussão), seria, a título de exemplo, a análise comparativa das margens brutas dos sujeitos passivos, em períodos em que não ocorreu a incidência de CSR e em períodos em que a CSR estava em vigor, sem prejuízo de, mesmo aí, terem de ponderar-se outros fatores e variáveis que influenciem a subida ou diminuição da margem, para alcançar uma conclusão válida.

[13] O artigo 2.º do Código dos IEC passou a dizer o seguinte: “Os impostos especiais de consumo obedecem ao princípio da equivalência, procurando onerar os contribuintes na medida dos custos que estes provocam nos domínios do ambiente e da saúde pública, em concretização de uma regra geral de igualdade tributária”.

[14] V. artigo 6.º da Lei n.º 24-E/2022, de 30 de dezembro.

[15] Sobre a mesma questão podem ver-se também os Acórdãos de 28/01/2015, no processo n.º 0722/14, de 11/12/2019, no processo n.º 058/19.9BALSB, de 20/05/2020, no processo n.º 05/19.8BALSB, e de 26/05/2022, no processo n.º 159/21.3BALSB, todos do Supremo Tribunal Administrativo.