Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 915/2023-T
Data da decisão: 2024-06-11  IRS  
Valor do pedido: € 86.661,64
Tema: IRS; mais-valias; isenção; reinvestimento; ilegalidade da fundamentação a posteriori.
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SUMÁRIO:

1.Os argumentos novos trazidos pela AT na Resposta (contestação) não podem ser tidos em conta, por força do princípio da proibição da fundamentação a posteriori., o qual é totalmente aplicável também na arbitragem tributária por ser, ainda e também, um contencioso de anulação de liquidações de imposto.

2. No contencioso de mera legalidade, como é o caso do processo de impugnação judicial previsto no artigo 99.º e seguintes do CPPT, o tribunal tem de conter-se na formulação de um juízo sobre a legalidade do ato sindicado em face da fundamentação contextual integrante do próprio ato, estando impedido de valorar razões de facto e de direito que não constam dessa fundamentação, quer estas sejam por ele eleitas, quer sejam invocados a posteriori.

3.Não pode a AT, em sede de impugnação jurisdicional, pretender que se aprecie a legalidade da correção que esteve na base da liquidação impugnada à luz de outros fundamentos não aqueles que constam da declaração fundamentadora que oportunamente externou.

 

 

ACÓRDÃO ARBITRAL

Os árbitros Rui Morais, Jónatas Machado e Jorge Bacelar Gouveia, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, acordam no seguinte:

 

1RELATÓRIO

 

1 A...¸ NIF: ..., com domicílio fiscal em ..., ..., ...-..., tomou conhecimento, alegadamente em sede de execução fiscal, da demonstração de liquidação de IRS (Documento...), emitida pelo Serviço de Finanças de Loulé – ..., relativa à sua declaração de IRS apresentada no ano de 2019, relativa aos rendimentos auferidos em 2018, da qual resultaram a liquidação adicional oficiosa de imposto no valor de 84.305,70€, a demonstração de acerto de contas (Documento ...), com saldo apurado de imposto a pagar de 86.661,64€, e liquidação de juros. Não se conformando e pretendendo a sua anulação, veio, nos termos conjugados do disposto no artigo 102º do CPPT, Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março na atual redação (introduzida pela Portaria n.º 287/2019, de 03/09) e no artigo 2º do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, apresentar o presente pedido de pronúncia arbitral.

 

2. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi apresentado em 30.11.2023 e aceite pelo Senhor Presidente do CAAD, em 04.12.2023, e automaticamente notificado à Requerida.

 

3. A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, nos termos do disposto na alínea a), do n.º 2, do artigo 6.º e da alínea a), do n.º 1, do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou os três árbitros do tribunal arbitral coletivo, no dia 23.01.2024.

 

4. As partes foram devidamente notificadas dessa nomeação, não tendo manifestado vontade de a recusar, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT, e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico e, em conformidade com o preceituado na alínea c), do n.º 1, do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral ficou constituído em 12.02.2024.

 

5. Na sua Resposta, apresentada em 15.03.2024, a AT veio sustentar que, atento o deferimento parcial da pretensão da Requerente em sede de procedimento administrativo, o presente Pedido deve ser considerado improcedente por falta de apoio legal.

 

6. Por ter sido solicitada pela Requerente e o presente Tribunal a ter considerado útil para o esclarecimento dos factos, foi proferido despacho, no dia 25.03.2024, a agendar a reunião a que se refere o art.18.º do RJAT para o dia 09.05.2024, tendo aí sido ouvidas as testemunhas arroladas pela Requerente e decidido conceder às partes a faculdade de apresentarem alegações finais simultâneas no prazo de 20 dias, as quais foram apresentadas, por ambas, em 29.05.2024.

 

1.1Dos factos alegados pela Requerente

 

7. A Requerente alega ser a única dona e legítima proprietária de um prédio urbano, onde tinha o seu domicílio fiscal, situado em..., n.º ..., ...-..., ..., Vila Moura, denominado “Lote...” situado em Vilamoura, freguesia

 de ..., Concelho de Loulé, descrito na Conservatória do Registo Predial de Loulé sob o número ... daquela freguesia e inscrito na respetiva matriz predial urbana sob o artigo ... . No dia 15.11.2018, a Requerente vendeu o aludido seu prédio urbano, pelo preço de 980.000,00€ (novecentos e oitenta mil euros), por contrato de conta e venda celebrado por escritura pública de fls. 64 a fls. 65v do livro de notas para escrituras diversas número ... do Cartório Notarial de Loulé ao cuidado da Senhora Dra. B..., notária (Doc. 1).

 

8. No dia 30.11.2018, a Requerente adquiriu pelo preço de 280.000,00€ (duzentos e oitenta mil euros) um prédio urbano situado em ..., freguesia de ..., concelho de Loulé, descrito na Conservatória de Registo Predial de Loulé sob o número ... daquela freguesia e inscrito na respetiva matriz predial urbana sob o artigo ... (Docs. 2, 3 e 4), tendo declarado, na respetiva escritura de compra e venda, que o referido imóvel se destinava (destinaria, como destina) a sua habitação própria permanente.

 

9. O prédio adquirido pela Requerente encontrava-se inabitável, em ruínas, mostrando-se essencial realizar um profundo trabalho de recuperação com vista a dotá-lo de necessárias condições de habitabilidade – assim se explicando o facto de um prédio situado em Loulé, com a área total de 4780 m2, ser vendido pelo preço de apenas 280.000,00€ – pretendendo a Requerente reinvestir o preço recebido pelo imóvel vendido no imóvel comprado para onde pretendia transferir a sua habitação após a realização de obras.

 

10. O reinvestimento daquele valor, a realizar pela Requerente, pela própria natureza das coisas, seria, em dois tempos: (i) uma parte no pagamento do preço de aquisição do referido prédio (naquelas condições degradadas) e despesas inerentes a tal aquisição; (ii) a parte restante, no pagamento de todos os encargos e despesas necessários ao licenciamento e realização das obras de que aquele prédio necessita para ser dotado, de novo, de indispensáveis condições de habitabilidade.

 

11. Na declaração de IRS que apresentou no ano de 2019, relativa aos rendimentos auferidos durante o ano de 2018, a Requerente declarou ter já reinvestido, no ano da declaração, e após a data da alienação do imóvel identificado no artigo 1º supra, o valor de 302.025,75€ na aquisição de novo imóvel (preço do prédio acrescido dos encargos suportados com a respetiva aquisição: IMT, IS, escritura e pedidos de registo) - campo 5008 da sua declaração de IRS (Doc. 5), e declarou ainda pretender reinvestir, do valor realizado, um total de 687.974,25€, incluindo obras a integrar para o dotar de adequadas condições de habitabilidade - campo 5006 da sua declaração de IRS.

 

12. Em consequência de tal declaração, foi-lhe liquidado imposto a título de IRS respeitante aos rendimentos do ano de 2018, no valor de 27.118,31€ que a Requerente pagou (Doc. 6), tendo esta, a 05.07.2019 sido notificada pelo Serviço de Finanças de Loulé ... de uma alegada divergência relativa à declaração de rendimentos respeitante ao ano de 2018, com vista a que prestasse “esclarecimentos” sobre a sua declaração de rendimentos respeitante ao referido ano (Doc. 7).

 

13. Por correio eletrónico, de 15.07.2019, emitido pelos serviços de contabilidade que assessoraram a Requerente na sua declaração de IRS respeitante aos rendimentos de 2018, a Requerente veio prestar todos os esclarecimentos julgados pertinentes, esclarecendo que: a) vendeu o prédio urbano inscrito na matriz da freguesia de ... sob o artigo ... no ano de 2018; b) esse prédio constituía a sua morada permanente; c) adquiriu, para reinvestimento, o prédio inscrito no artigo matricial n.º ... da freguesia de..., no ano 2018; d) pretende proceder ao reinvestimento do ganho com o prédio alienado; e) o prédio adquirido carece de obras, por não ter condições de habitabilidade; f) solicitou parecer à Comissão da Reserva Agrícola do Algarve (CRAAL), da viabilidade das obras efetuar; g) após deferimento teria de obter aprovação do projeto junto da Câmara Municipal de Loulé. À sua resposta juntou a escritura de compra e venda do prédio adquirido, o pedido de parecer apresentado junto da CRAAL e um conjunto de fotografias do estado real do aludido imóvel – em ruína. Doc. 8, fls. 2 e 3).

 

14. Na sua resposta, a AT sustentou a) não ser possível cumular o valor da aquisição com os encargos referentes a obras de melhoramento nesse mesmo imóvel, de harmonia com o n.º 5 do Artigo 10º do CIRS, devendo a Requerente apresentar declaração de substituição de IRS, entendendo, além disso, que, 2) quanto ao tipo, o prédio adquirido, identificado pelo artigo ... da freguesia de ... e concelho de Loulé, é um “Prédio em prop. Total sem andares nem div. Susc. De utiliz. Independente” e não “Ruinas” e, finalmente, que c) o n.º 6, do artigo 10.º do CIRS dispõe que o SP / agregado familiar tem que afetar o imóvel à habitação própria permanente até decorridos 12 meses após o reinvestimento (Doc.8).

 

15. Em 06.02.2020, a Requerente foi notificada, para efeitos de audição prévia, da intenção da AT proceder à liquidação adicional de imposto (IRS respeitante aos rendimentos de 2018), em função daqueles atrás descritos negócios, sendo que, depois dessa audição, a AT manteve o projeto de decisão, o que levou à necessidade de recurso por parte desta ao CAAD com vista à anulação da dita liquidação – processo que correu termos sob o número P. 299/2020-T, sendo que, corridos os autos, aos 10.11.2021 foi proferida decisão de inutilidade superveniente da lide, fruto da anulação da liquidação por iniciativa da AT, já na pendencia do processo arbitral, tendo sido anulada a liquidação adicional de IRS emitida pelo serviço de finanças (Doc. 9)

 

16. Desde então até ao presente, a Requerente realizou quase na totalidade o reinvestimento que declarou pretender realizar (aquando da apresentação de declaração de IRS no ano de 2018) até novembro de 2022, tendo-o concluído até novembro de 2023, visto que, por várias vicissitudes (v.g. atraso na obtenção de parecer da Reserva Ecológica Nacional; atraso no deferimento do projeto de arquitetura) a Requerente foi impedida de, dentro do tempo pretendido, realizar a integralidade do reinvestimento previsto no imóvel de chegada, fruto da alegada passividade da CM de Loulé, que só em 22.10.2021 aprovado os competentes projetos de especialidades e só em Julho de 2022 foi emitido o competente alvará de obras, prevendo um período de duração dos trabalhos de 2 anos.

 

17. Estas circunstâncias, ao longo do tempo – e desde 2018 – motivaram a apresentação de diversos pedidos de prorrogação do prazo de reinvestimento junto do Serviço de Finanças de Loulé, sendo que que o último pedido por si apresentado de prorrogação de prazo para realização do reinvestimento foi indeferido com base na alínea b), do n.º 5, do artigo 10º do CIRS (Doc.11), crendo a Requerente que terá sido na sequência desta decisão que terá sido elaborada nova liquidação de IRS – aquela aqui em causa – no valor de 84.305,70€ (acrescido de juros), por ter a AT considerado que, no prazo legal, não foi realizado e reinvestimento devido (nos termos da declaração de IRS apresentada pela Requerente respeitante aos rendimentos do ano de 2018).

 

18. A Requerente, apesar de não ter sido notificada do teor das liquidações propriamente ditas, acabou por tomar conhecimento da sua existência fruto da instauração pelo SF de Loulé de Execução Fiscal com vista à respetiva cobrança, tendo, em 09.05.2023, apresentado Reclamação Graciosa junto do aludido serviço de finanças, que ainda não foi decidida, tendo apresentado pedido de suspensão da execução fiscal, oferecendo competente garantia, pretensão esta que a AT indeferiu, o que levou a Requerente a impugnar o despacho de indeferimento de prestação da caução junto do competente Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé (Processo n.º .../23.2BELLE), que procedeu à sua anulação. 

 

19. Entretanto, o n.º 6, do art.º 50, da Lei 56/2023, de 6.10.2023 –  norma inserida na Lei “Mais Habitação” –, veio suspender durante dois anos, com efeitos a partir de 01.01.2020, o prazo para reinvestimento das mais valias obtidas com a venda de habitação própria (é o caso), sendo que não obstante os factos, a decisão judicial e a lei invocados, a AT promoveu e continua a promover penhoras no seu património, maxime contas bancárias e vencimentos, situação tanto mais grave quanto a requerente é médica, exercendo funções no Serviço Nacional de Saúde por um lado e, por outro, se vê privada de rendimentos indispensáveis à sua subsistência, ao mesmo tempo que a AT não decide a reclamação graciosa interposta pela requerente há 6 meses.

 

 

1.2Argumentos das partes

20. O Requerente sustenta a ilegalidade das liquidações acima mencionadas com os argumentos de facto e de direito que a seguir se sintetizam:

  1. A presunção do indeferimento da reclamação oficiosa oportunamente apresentada pela requerente ao fim de 4 meses posteriores à sua apresentação, ou seja 9.09.2023, pelo que está a decorrer o prazo do contribuinte para apresentar impugnação judicial dos referidos atos ou, em alternativa, apresentar pedido igual a este Centro de Arbitragem;
  2. Por via da Lei.º 1-A/2020, de 19 de março, alterada pela Lei n.º 4-A/2020, de 6 de abril, foi decretada a suspensão da maior parte dos prazos processuais e procedimentais, de natureza judicial e administrativa, até à cessação da situação excecional de prevenção, contenção, mitigação e tratamento da infeção epidemiológica por SARS-CoV-2 e da doença COVID-19, a definir por decreto-lei;
  3. Os prazos para a prática de atos em processos contraordenacionais, bem como os prazos de procedimentos administrativos, ficaram suspensos desde o dia 9 de março de 2020, bem como os prazos de prescrição e de caducidade relativos a todos os tipos de processos e procedimentos, acautelando-se a prática de atos urgentes dos processos de contraordenação. art.º 7.º da Lei 1-A/2020, de 19 de março, na redação dada pela Lei 4-A/2020, de 6 de abril e art.º 6.º da Lei 4-A/2020, de 6 de abril;
  4. Relativamente aos prazos de prescrição e caducidade que deixaram de estar suspensos pelo levantamento do regime da suspensão dos prazos, foram os mesmos alargados pelo período de tempo em que vigorou a sua suspensão (cfr. art.º 6.º da Lei n.º 16/2020 de 29 de maio), tendo-se sucedido um conjunto muito significativo de leis que, ao longo do tempo e até finais de 2021, dispuseram sobre a suspensão e prorrogação dos prazos de caducidade e prescrição, também no que toca a processos e procedimentos de natureza administrativa e fiscal;
  5. Quanto aos prazos para reinvestimento em concreto, no que toca às pessoas coletivas e ao IRC, o artigo 6.º da Lei n.º 21/2021, de 20 de abril, veio determinar, com efeitos retroagidos a 1 de janeiro de 2020, que “fica suspensa, durante o período de tributação de 2020 e durante o período de tributação seguinte, a contagem do prazo de reinvestimento previsto na alínea a) do n.º 1 do artigo 48.º do Código do IRC”;
  6. É público e notório, dispensando prova, que durante cerca de dois anos, foram seriamente condicionados: (i) o acesso a serviços de construção civil e a respetiva execução; (ii) o acesso a armazéns e espaços comerciais destinados à venda de materiais de construção; (iii) o acesso e regular funcionamento de serviços públicos (designadamente camaras municipais), inviabilizando, e em muitos casos impossibilitando, o normal cumprimento do ónus de reinvestimento – por circunstâncias manifestamente alheias à vontade dos particulares;
  7. Assim se explica que, tendo a Requerente mantido sempre toda a mais rigorosa diligência no cumprimento de todas as solicitações e imposições da CM de Loulé com vista ao regular andamento do licenciamento apresentado, só em Julho de 2022 tenha sido emitido o competente alvará de construção por tal entidade;
  8. Verificou-se, pois, verdadeira impossibilidade objetiva de a Requerente concluir as obras no seu imóvel e o inerente reinvestimento da mais valia obtida em 2018 até Novembro de 2021 (três anos após a alienação do imóvel identificado em 1) - por motivo a esta totalmente estranho resultante da situação de atraso no licenciamento da entidade administrativa – C.M. Loulé;
  9. Deve considerar-se aplicável a suspensão por 2 anos do prazo legal para reinvestimento aprovado para as pessoas coletivas (decorrente da Lei 21/2021 de 20 de Abril) também ao prazo para reinvestimento de mais valias tributadas em sede de IRS, sob pena de manifesta e grosseira violação do princípio da igualdade tributária, constitucionalmente consagrado (artigos 13.º, 103.º e 104.º da CRP);
  10. No limite, deveria sempre considerar-se suspenso o aludido prazo, nos termos da Lei n.º 1-A/2020 e sucessivas alterações, prorrogando-se o mesmo por igual período ao da duração das sucessivas suspensões de prazos processuais e procedimentais no âmbito da legislação excecional de combate à pandemia por Covid-19, o que, num caso ou noutro, sempre legitimaria a Requerente a concluir o reinvestimento da mais valia obtida em 2018 pelo menos até Novembro de 2023 (como efetivamente concluiu);
  11. Em face do exposto, deve ser anulada a liquidação adicional de IRS realizada à Requerente, respeitante à sua declaração de IRS do ano de 2018, tudo com as devidas consequências legais, na certeza de que, até novembro de 2023 a Requerente concluiu integralmente o reinvestimento das mais valias que obteve em 2018 com a alienação do imóvel acima identificado.

 

21. A AT sustenta a manutenção do ato impugnado com base nos fundamentos sinteticamente elencados:

  1. A Requerente submeteu ao CAAD, no Proc.º 299/2020, uma liquidação referente ao exercício de 2018 (nota de liquidação n.º 2020...), onde foi proferida decisão transitada em julgado no sentido da verificação da inutilidade da lide, porquanto, em síntese, no decurso do processo, foi emitida uma (re)liquidação (com o n.º2020...) que esvaziou de objeto a impugnação arbitral;
  2. A liquidação oficiosa em crise nos presentes autos – n.º ...da mais-valia decorrente da alienação do imóvel em causa, assente no facto de a Requerida o ter excedido (de 15.11.2018 até 15.11.2021);
  3. Por despacho de 10.03.2024, a liquidação em crise foi parcialmente revogada, tendo em conta que, nos termos do n.º 6 do artigo 50.º do CIRS, o prazo para o reinvestimento poderia ter lugar até ao dia 14.11.2023 (cfr. Doc. n.º 1 da Resposta);
  4. Deve ser considerado o montante de reinvestimento de € 280.000 na aquisição, ocorrida em 30.11.2018, do imóvel inscrito na matriz predial urbana da freguesia de..., concelho de Loulé, sob o artigo..., obtido com a alienação do seu congénere inscrito na matriz predial urbana da freguesia de ..., concelho de Loulé, sob o artigo ..., e ainda o montante de  4.452,35 €, titulado por duas faturas-recibo emitidas sob forma legal acima melhor identificadas durante o ano de 2021, pelo que o valor total a considerar a título de reinvestimento ascende a 284.452,35€, estando em causa os segmentos da liquidação que se mantêm na ordem jurídica, após aquele despacho, e que se prendem com as despesas imputadas à ampliação ou melhoramento do imóvel alienado;
  5. No que se refere às despesas com obras de reconstrução/ampliação, para efeitos de reinvestimento, as mesmas têm que se encontrar devidamente comprovadas com documentos emitidos sob a forma legal, nomeadamente, que correspondam a faturas/recibos de quitação que, de uma forma inequívoca, se mostrem relacionadas com as ditas obras no imóvel e reúnam os requisitos legais estabelecidos para o efeito, nos termos do disposto no n.º 5 do artigo 36.º do CIVA;
  6. Se a subalínea i), da alínea b), do n.º 6 do artigo 78º do CIRS estipula que os documentos de suporte à dedução à coleta têm de ser emitidos nos termos do CIVA, não podem ser menores as exigências formais para a emissão de documentos que sustentem uma exclusão de tributação, como é o caso da situação prevenida no n.º 5 do artigo 10.º do CIRS;
  7. Uma parte significativa das despesas alegadamente efetuadas com a ampliação ou melhoramento do imóvel adquirido não pode ser considerada para os fins pretendidos, porque as correspondentes faturas não estão acompanhadas por recibo de quitação (art. 786º, n.º 1, do C. Civil);

 

1.3. Saneamento  

 

 

22. O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo, nos termos n.º 1 do artigo 10.º do RJAT e as partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e mostram-se devidamente representadas.

 

23. O Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído (artigos 5.º, n.º 2, 6.º, n.º 1, e 11.º do RJAT), e é materialmente competente (artigos 2.º, n.º 1, alínea a) do RJAT), de acordo com os fundamentos infra. 

 

24. O processo não padece de nulidades podendo prosseguir-se para a decisão sobre o mérito da causa.

 

2FUNDAMENTAÇÃO

2.1Factos dados como provados

25. Com base nos documentos constantes do Processo Administrativo (PA) e trazidos aos autos e são dados como provados os seguintes factos relevantes para a decisão do caso sub judice:

  1. No dia 15.11.2018, a Requerente vendeu um prédio urbano, onde tinha domicílio fiscal, em ..., n.º ..., ...-..., ..., Vila Moura, denominado “Lote...”, em Vilamoura, freguesia de Quarteira, Concelho de Loulé – descrito na Conservatória do Registo Predial de Loulé sob o número ... daquela freguesia e inscrito na respetiva matriz predial urbana sob o artigo ... – pelo preço de 980.000,00€, por contrato de compra e venda (Doc. 1);
  2. No dia 30.11.2018, a Requerente adquiriu pelo preço de 280.000,00€ um prédio urbano situado em ..., freguesia de ..., concelho de Loulé, descrito na Conservatória de Registo Predial de Loulé sob o número ... daquela freguesia e inscrito na respetiva matriz predial urbana sob o artigo ... tendo declarado, na escritura de compra e venda, que o referido imóvel se destinava à sua habitação própria permanente; (Docs. 2, 3 e 4)
  3. O prédio comprado pela Requerente encontrava-se inabitável, em ruínas, ainda que identificado pelo artigo ... da freguesia de ... e concelho de Loulé, é um identificado como “Prédio em prop. Total sem andares nem div. Susc. De utiliz. Independente” e não “Ruinas”; (Doc.8)
  4. Em 09.04.2019 foi entregue pelos sujeitos passivos, com os NIF ...  e ..., uma declaração modelo 3 de IRS, referente a 2018, acompanhada do Anexo A, na qual eram indicados dois dependentes, um deles a ora Requerente, que declarou ter já reinvestido, no ano da declaração, e após a data da alienação do imóvel, o valor de 302.025,75€ na aquisição de novo imóvel (preço acrescido dos encargos com a aquisição: IMT, IS, escritura e pedidos de registo) - campo 5008 da sua declaração de IRS (Doc. 5), e declarou ainda pretender reinvestir, do valor realizado, um total de 687.974,25€, incluindo obras a integrar para o dotar de adequadas condições de habitabilidade - campo 5006 da sua declaração de IRS;
  5. Em 28.06.2019 a Requerente apresentou, em nome próprio, a declaração modelo 3 de IRS (...), relativa a 2012, tendo declarado no Anexo G: (i) No quadro 4, campo 4001, a alienação pelo valor de 495.000€ de uma quota-parte de 50% do imóvel inscrito na matriz predial urbana da freguesia de ..., concelho de Loulé sob o artigo..., e a respetiva aquisição em janeiro de 2016 pelo montante de 204.960€; declarou ainda como despesas o montante de 67.650€ (ii) No quadro 4, campo 4002, a alienação pelo valor de 495.000€ de uma quota-parte de 50% do imóvel inscrito na matriz predial urbana da freguesia de... concelho de Loulé sob o artigo ..., e a respetiva aquisição, em dezembro de 2014, pelo montante de 204.960€; (iii)No quadro 5 A, campo 5006 (valor de realização que pretende investir – sem recurso ao crédito) a intenção de reinvestir o montante de 687.974,25€;
  6. Com base na declaração entregue pela Requerente, respeitante aos rendimentos do ano de 2018, foi emitida, em 29.06.2019, a liquidação de IRS n.º 2019..., com imposto no valor de 27.118,31€, que a Requerente pagou (Doc. 6), tendo na mesma data sido instaurado no Serviço de Finanças (SF) de Loulé ... um procedimento de gestão de divergências em nome da Requerente, relativo à declaração ... de IRS de 2012, subordinado ao motivo traduzido pelo código D25, correspondente a “Residência de titular diferente do imóvel objeto do reinvestimento e/ou comprovação dos valores dos empréstimos ou de valores de reinvestimentos declarados; (Doc. 7)
  7. A 05.07.2019, a Requerente foi notificada pelo Serviço de Finanças de Loulé ... de uma alegada divergência relativa à declaração de rendimentos respeitante ao ano de 2018, tendo o procedimento de gestão de divergências levado, em 11.03.2020, à elaboração pelos serviços da AT de uma declaração oficiosa modelo 3 de IRS em nome da Requerente, relativa ao ano de 2018, a qual foi igualmente acompanhada do anexo G e, em 17.03.2020, sido dado como “findo com correções” ; (Doc. 7)
  8. Por correio eletrónico, de 15.07.2019, emitido pelos serviços de contabilidade que assessoraram a Requerente na sua declaração de IRS respeitante aos rendimentos de 2018, a Requerente havia prestado todos os esclarecimentos julgados pertinentes, e juntou a escritura de compra e venda do prédio adquirido, o pedido de parecer apresentado junto da CRAAL e um conjunto de fotografias do estado real do aludido imóvel – em ruína. Doc. 8, fls. 2 e 3);
  9. A declaração oficiosa de 11.03.2020 tem preenchido, no quadro 5ª, o campo 5006 (valor que pretende reinvestir) – 687.974,25€  e anulado o preenchimento do campo 5008/valor reinvestido e a identificação matricial de qualquer imóvel que constituísse objeto de reinvestimento, deu lugar à liquidação n.º 2020..., no âmbito da qual foi apurado o montante de imposto a pagar de 111.424,01€, a que acresceu a quantia de 2.226,59€ de juros compensatórios, o que perfez a quantia total a pagar de 113.650,60€ (quantia a pagar no montante de 86.532,29 € = 113.650,60€ - 27.228,31€ já pagos;
  10. Em 06.02.2020 a Requerente foi notificada, para efeitos de audição prévia, da intenção de a AT proceder à liquidação adicional de imposto (IRS respeitante aos rendimentos de 2018), em função daqueles atrás descritos negócios, sendo que, depois dessa audição, a AT manteve o projeto de decisão, o que levou ao recurso por parte da Requerente ao CAAD com vista à anulação da dita liquidação – processo que correu termos sob o número P n.º 299/2020-T, sendo que, no decurso da impugnação arbitral, foi emitida, em 12.05.2020, uma (re)liquidação 2020..., no montante de 27.228,31€ (coincidente com a importância apurada na liquidação n.º 202...), que deu origem à nota de anulação do montante de 86.532,29€  (nota de anulação n.º 2020...), tendo em 10.11.2021 o tribunal arbitral do CAAD proferido decisão de inutilidade superveniente da lide (Doc. 9);
  11. A Requerente realizou quase na totalidade o reinvestimento que declarou pretender realizar até novembro de 2022, tendo-o concluído até novembro de 2023;
  12. Várias vicissitudes (v.g. atraso na obtenção de parecer da Reserva Ecológica Nacional; atraso no deferimento do projeto de arquitetura) impediram a Requerente de, dentro do tempo pretendido, realizar a integralidade do reinvestimento previsto no imóvel de chegada (Testemunha na Reunião do artigo 18.º); 
  13. A CM de Loulé, aprovou, em 22.10.2021, os competentes projetos de especialidades e emitiu, em julho de 2022, o alvará de obras, prevendo um período de duração dos trabalhos de 2 anos;
  14. Em 27.10.2021 a Requerente requereu o registo matricial das alterações efetuadas ao imóvel adquirido em 30.11.2018, tendo sido criado o artigo ..., que teve na sua origem o artigo 12731, correspondendo ao motivo da criação do novo artigo o código 52 “prédio melhorado/modificado/reconstruído” no âmbito do IMI;
  15. A Requerente apresentou vários pedidos de prorrogação do prazo de reinvestimento junto do Serviço de Finanças de Loulé, sendo que que o último pedido por si apresentado de prorrogação de prazo para realização do reinvestimento foi indeferido com base na alínea b), do n.º 5, do artigo 10.º do CIRS (Doc.11)
  16. Em 04.11.2022 a Requerente alterou o seu domicílio fiscal para ... s/n Sitio da ... (Doc. 3; Testemunha da Reunião do artigo 18.º).
  17. Em 30.11.2022 foi emitida a liquidação n.º 2022..., com imposto a pagar no montante de 111.424,01€, mas, por acerto de contas com o valor de imposto já pago, a importância apurada para pagamento é de 86.532,20€ - a liquidação impugnada nos presentes autos –que foi objeto de cobrança coerciva – PEF n.º ... - atualmente suspenso ao abrigo do artigo 276.º do CPPT.
  18. A AT emitiu a liquidação de IRS em causa – no valor de 84.305,70€ (acrescido de juros), por considerar que, no prazo legal, não foi realizado e reinvestimento devido (nos termos da declaração de IRS apresentada pela Requerente respeitante aos rendimentos do ano de 2018);
  19. A Requerente, tomou conhecimento da liquidação pela instauração pelo SF de Loulé de Execução Fiscal de procedimento com vista à respetiva cobrança;
  20. Em 09.05.2023, a Requerente apresentou Reclamação Graciosa contra a liquidação n.º 2022..., que ainda não foi decidida, tendo apresentado pedido de suspensão da execução fiscal, oferecendo competente garantia, pretensão esta que a AT indeferiu, o que levou a Requerente a impugnar o despacho de indeferimento de prestação da caução junto do competente Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé (Processo n.º .../23.2BELLE), que procedeu à sua anulação;
  21. Com suporte na liquidação oficiosa n.º 2020... foi efetuada em 13.10.2023 uma nova liquidação à qual foi atribuído o n.º 2023... e que se encontra a aguardar autorização para ser manualmente processada;
  22. Por despacho de 10.03.2024, a liquidação em crise foi parcialmente revogada, tendo em conta que, nos termos do n.º 6 do artigo 50.º do CIRS, o prazo para o reinvestimento poderia ter lugar até ao dia 14.11.2023; (Doc. n.º 1 da Resposta)

 

2.2Factos não provados

 

26. Com relevo para a decisão sobre o mérito não existem factos alegados que devam considerar-se como não provados, para além dos expressamente elencados na fundamentação do acórdão.

 

2.3Motivação

 

27. Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da matéria não provada (cf. art.º 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).

 

28. Os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis das questões objeto do litígio (v. 596.º, n.º 1, do CPC, ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

 

2.4Questão decidenda

 

29. A questão controvertida diz respeito ao regime de exclusão de tributação previsto no n.º 5 do artigo 10.º do CIRS e, especificamente, na verificação dos requisitos para exclusão da tributação de mais-valias resultantes da alienação, em 15.11.2018, do prédio inscrito na matriz predial urbana da freguesia de ..., concelho de Loulé, sob o artigo..., e reinvestidas na aquisição, em 30.11.2018, e subsequente ampliação ou melhoramento de outro imóvel de um prédio inscrito na matriz predial urbana da freguesia de ..., concelho de Loulé, sob o artigo..., nos termos, da alínea a), do n.º 5 do artigo 10.º do CIRS. No procedimento administrativo não se discute a verificação, nas transações em presença, dos pressupostos respeitantes à habitação própria permanente, constantes dos n.ºs 5 e 6 do artigo 10.º do CIRS, pelo que essa questão estará de fora da análise e da pronúncia deste tribunal arbitral.    

 

30. Deve concordar-se com a AT na resposta que deu ao pedido formulado pela Requerente no sentido de se considerar que o prazo para reinvestimento, previsto no n.º 5 do artigo 10.º do CIRS, deveria considerar-se suspenso por força do disposto na Lei n.º 1-A/2020, de 19.03. Este diploma veio, efetivamente, consagrar um conjunto de medidas excecionais e temporárias de resposta à situação epidemiológica provocada pelo coronavírus SARS-CoV-2 e a doença COVID-19. O n.º 1 do artigo 7.º daquele diploma, incluía a aplicação do regime previsto para o período de férias judicias aos atos processuais e procedimentais que deviam ser praticados no âmbito dos processos e procedimentos que corressem os seus termos nos tribunais judiciais, tribunais administrativos e fiscais, Tribunal Constitucional, Tribunal de Contas e demais órgãos jurisdicionais, tribunais arbitrais, Ministério Público, julgados de paz, entidades de resolução alternativa de litígios e órgãos de execução fiscal. Por sua vez, o n.º 3 desse mesmo preceito dispunha que “[a] situação excecional constitui igualmente causa de suspensão dos prazos de prescrição e de caducidade relativos a todos os tipos de processos e procedimentos.”

 

31. Sucede, porém, que o n.º 5 do artigo 10.º do CIRS não implica a instauração de qualquer procedimento administrativo ou processo judicial, supondo apenas a intenção de reinvestimento, a sua concretização, a respetiva menção na declaração de IRS do ano da alienação do bem geradora de mais-valias, idêntica comunicação à AT, na mesma declaração, do montante reinvestido anteriormente à alienação ou no ano em que esta teve lugar e a comunicação à AT, na respetiva declaração, do reinvestimento levado a cabo em cada um dos três anos posteriores à alienação de que resultaram mais-valias. Mesmo que a Requerente seja da opinião de que a solução por si defendida era a materialmente justa de iure condendo, a verdade é que, de iure condito, a mesma não foi contemplada no regime excecional da Lei n.º 1-A/2020, de 19.03.

 

32. O mesmo se diga, de resto, da proposta da Requerente no sentido de se aplicar ao prazo previsto na alínea b), do n.º 5, do artigo 10º, do CIRS, a suspensão excecional, prevista na alínea b), do artigo 6.º, da Lei n.º 21/2021, de 20.04, para os períodos de tributação de 2020 e 2021, do prazo de reinvestimento previsto na alínea a), do n.º 1, do artigo 48.º do CIRC. Tratando-se, como se lê na epígrafe do artigo 6.º da Lei n.º 21/2021, de uma “Medida extraordinária de contagem de prazos no âmbito do imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas”, está-se diante de uma norma excecional, de incidência ponderada e deliberadamente circunscrita, insuscetível aplicação por analogia por parte da AT ou dos tribunais tributários (cfr artigos 2.º, alínea d), 11.º, n.º 1, da LGT e 11.º do Código Civil), vinculados que estão pelo princípio da legalidade tributária.

 

33. No que diz respeito à invocação pela Requerente do n.º 6, do artigo 50.º da Lei n.º 56/2023, de 06.10, onde se lê que “[f]ica suspensa a contagem do prazo para o reinvestimento previsto na alínea b), do n.º 5, do artigo 10.º do Código do IRS, durante um período de dois anos, com efeitos a 1 de janeiro de 2020”, esteve bem a AT ao considerar que tendo a Requerente alienado, em 15,11.2018 o imóvel de partida pelo montante de 990.000,00€ e adquirido em 30.11.2018, pelo valor de € 280.000, o imóvel de chegada, a Requerente dispunha, nos termos do disposto na alínea b) do n.º 5 do artigo10.º do CIRS, de 36 meses para proceder ao reinvestimento da mais-valia que auferiu, até 14.11.2021.

 

34, Diante da suspensão por dois anos deste prazo, prevista no n.º 6 do artigo 50.º da Lei n.º 56/2023, de 06.10, a Requerente podia reinvestir até à data de 14.11.2023. Tendo a liquidação contestada in casu sido efetuada em 28.11.2022 –  quase um ano antes de decorrido o prazo para efeitos de reinvestimento previsto na alínea b) do n.º 5 do artigo 10.º do CIRS – andou bem a AT ao concluir que a liquidação contestada foi efetuada em violação da suspensão do prazo consagrada por este diploma. Com base nestes fundamentos, o presente tribunal confronta-se agora com um Despacho emitido em 10.03.2024, de revogação parcial da liquidação em crise, de que resulta a inutilidade superveniente de parte da lide.

 

35. Importa agora analisar o que resta da liquidação e que conserva a utilidade parcial do presente processo. A Requerente declarou, no campo 5008 do Anexo G, ter já reinvestido a quantia de 302.025,75€, que corresponde ao preço do imóvel (280.000,00€), acrescido dos encargos suportados com a respetiva aquisição: IMT, IS, escritura e pedidos de registo. Como sustenta a AT, as despesas a título de IMT e IS e, bem assim, despesas comprovadas com registos, notariado e certificação energética, são gastos/encargos considerados fiscalmente relativamente aos imóveis que geram mais-valias, acrescendo ao respetivo valor de aquisição.

 

36. Porém, o artigo 10, n.º 5, alínea a), do CIRS, dá orientações precisas quanto aos termos do reinvestimento a efetuar, ao dispor que são excluídos da tributação os ganhos provenientes da transmissão onerosa de imóveis destinados a habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar, desde que o valor de realização, deduzido da amortização de eventual empréstimo contraído para a aquisição do imóvel, seja reinvestido na aquisição da propriedade de outro imóvel, de terreno para construção de imóvel e ou respetiva construção, ou na ampliação ou melhoramento de outro imóvel exclusivamente com o mesmo destino.

 

37. O teor literal do preceito exclui a consideração de outro tipo de encargos não diretamente relacionados com a aquisição do imóvel ou terreno, construção do imóvel e sua ampliação ou melhoramento. Isso permite considerar e dar como certo como valor inicial do reinvestimento montante de 280 000€ relativo ao preço do imóvel de chegada, mas exclui liminarmente, por exemplo, despesas relativas a decoração de interiores, mesmo que justificadas através de fatura e respetivo recibo[1].

 

38. Do Ponto 4 da ficha doutrinária extraída na sequência da prestação de informação vinculativa que teve lugar no âmbito do procedimento instaurado sob o n.º 1560/2018, que obteve despacho concordante da Diretora de Serviços do IRS exarado em 18.09.2018, consta que “no que se refere às obras de reconstrução/ampliação, para efeitos de reinvestimento, terão as mesmas que se encontrar devidamente comprovadas com documentos emitidos sob a forma legal, nomeadamente, que correspondam a faturas/recibos de quitação que de uma forma inequívoca se mostrem relacionadas com as ditas obras no imóvel e reúnam os requisitos legais estabelecidos para o efeito, nos termos do disposto no n.º 5 do artigo 36.º do Código do IVA.”

 

39. O recibo de quitação, previsto nos artigos 786.º e 787.º do Código Civil, assume um relevo fundamental na comprovação do pagamento efetivo das despesas de reinvestimento realizadas. Seguindo de perto o STA, deve considerar-se que existiu pagamento efetivo da uma despesa que seja questionada, se a mesma se mostrar comprovada pela emissão, no período relevante, da respetiva fatura, do cheque para pagamento da mesma e do correspondente recibo de quitação, entendidos como realidades documentais distintas[2].

 

40. Percebe-se que assim seja, do ponto de vista racional-sistemático, pois que, se a subalínea i) da alínea b) do n.º 6 do artigo 78.º do CIRS estipula que os documentos de suporte à dedução à coleta têm de ser emitidos nos termos do CIVA, iguais ou maiores devem ser as exigências formais para a emissão de documentos que sustentem uma exclusão de tributação, como é o caso da situação prevista na alínea a), do n.º 5, do artigo 10.º do CIRS.

 

41. No entanto, só será assim tendencialmente, na medida em que se tem entendido entre nós que a expressão “devidamente documentado” se refere­  ao juízo cognitivo­ decisório a fazer sobre o suporte documental de toda a contabilidade, envolvendo a consideração não só dos documentos internos que titulam o registo contabilístico da despesa, como de todos os demais documentos lançados na mesma contabilidade, incluindo dos respeitantes aos proveitos, podendo a dúvida sobre a prova documental ser esclarecida por prova testemunhal. Ou seja, se nos custos documentados se presume a veracidade da despesa, nos gastos sem documento compete ao contribuinte, por qualquer meio ao seu alcance, a alegação e prova de que se verificou tal despesa, não obstante a omissão ou insuficiência formal[3].

 

42. O n.º 1, do artigo 74.° da LGT, dispõe que o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque. À Requerente competia provar de maneira inequívoca que os valores constantes das faturas cujas cópias anexou ao requerimento foram efetivamente pagos às entidades que as emitiram, mediante a exibição dos recibos comprovativos dessas mesmas aquisições de bens e/ou serviços, ou, no mínimo, de documentos relativos a transferências de verbas, àqueles destinadas, relativas aos pagamentos de tais aquisições.

 

43. Ora, de uma análise dos documentos trazidos aos autos resulta as faturas foram incluídas no processo administrativo sem que o seu valor contabilístico probatório tenha sido posto em causa pela AT na fundamentação dos seus atos, consubstanciando a sua desconsideração pela AT com base em insuficiências formais alegadas uma nova fundamentação, designada como fundamentação a posteriori.

 

44.  Constitui jurisprudência assente e uniforme nos tribunais superiores, que a AT não pode efetuar qualquer fundamentação a posteriori, sendo a mesma totalmente aplicável também na arbitragem tributária, por ser ainda e também um contencioso de anulação de liquidações de imposto[4].

 

45. No contencioso de mera legalidade, como é o caso do processo de impugnação judicial previsto no artigo 99.º e seguintes do CPPT, o tribunal tem de conter-se na formulação de um juízo sobre a legalidade do ato sindicado em face da fundamentação contextual integrante do próprio ato, estando impedido de valorar razões de facto e de direito que não constam dessa fundamentação, quer estas sejam por ele eleitas, quer sejam invocados a posteriori. Pelo que não pode a AT, em sede de impugnação jurisdicional, pretender que se aprecie a legalidade da correção que esteve na base da liquidação adicional impugnada à luz de outros fundamentos não aqueles que constam da declaração fundamentadora que oportunamente externou.

 

46.  Uma vez que a legalidade do ato tributário deve ser aferida face à sua fundamentação, que deve ser coeva deste, não sendo válida a chamada fundamentação sucessiva ou a posteriori, o presente tribunal arbitral não pode senão anular a decisão aqui sob apreciação e respetiva liquidação adicional.

 

47. Diga-se, por último, ser evidente a falta de profundidade da instrução do procedimento administrativo que conduziu à liquidação impugnada. Uma investigação mais cuidada facilmente levaria a concluir não serem os prédios em causa (quer o vendido, quer o adquirido) residência habitual da Requerente, mas apenas seus domicílios fiscais “de conveniência”. 

 

3DECISÃO

 

Termos em que, atento o deferimento parcial da pretensão da Requerente, se decide neste Tribunal Arbitral:

  1. Julgar procedente o Pedido da Requerente;
  2. Anular a decisão aqui sob apreciação e a liquidação adicional oficiosa de imposto no valor de 84.305,70€, a demonstração de acerto de contas (Documento ...), com saldo apurado de imposto a pagar de 86.661,64€, e a liquidação de juros;
  3. Condenar a Requerida ao pagamento da totalidade das custas.

 

4VALOR DO PROCESSO

 

Fixa-se o valor do processo em  86.661,64 € nos termos do artigo 306.º, n.º 1 do CPC e do 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, interpretados em conformidade com o artigo 10.º, n.º 2, alínea e), do RJAT.

 

5CUSTAS

 

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em 2 754.00 €, a cargo da Requerida e, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e do artigo 4.º, n.º 4, do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária e da Tabela I anexa ao mesmo.

Notifique-se.

 

11 de junho de 2024

 

Os Árbitros

 

 

Rui Morais (Presidente)

 

 

 

Jónatas E. M. Machado (Relator)

 

 

 

 

Jorge Bacelar Gouveia

 

 



[1] Como se decidiu no tribunal arbitral do CAAD no Processo n.º 802/2022-T “[d]everão ser considerados como abrangidos pela previsão do art. 51º, n. º1, al. a.) do CIRS os encargos efetivamente suportados que sejam suscetíveis de valorizar economicamente o bem alienado, excluindo-se as simples despesas de manutenção e conservação, elementos decorativos autónomos e destacáveis do imóvel ou eletrodomésticos.”. Em sentido convergente, sustentou-se, no Proceesso n.º 257/2021-T  que “[n]ão se pode considerar como despesa necessária inerente à alienação de um imóvel as despesas suportadas relacionadas com execução de trabalhos de carpintaria, fornecimento e instalação de material de cozinha, casa de banho, serviço de limpeza e de deslocação para pequenos arranjos domésticos.”

[2] Acórdão do STA, Processo n.º 02773/11.6BEPRT 0501/18, de 11.10. 2018.

[3] Cfr. Acórdão do STA, Processo n,º 028/15, de 09.09.2015.

[4] Cfr., por todos, Acórdão do STA, Processo n.º 2887/13.8BEPRT de 28.10.2020.