Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 866/2023-T
Data da decisão: 2024-06-05  Selo  
Valor do pedido: € 122.457,89
Tema: Imposto do selo. Comissões de serviços de comercialização de unidades de participação de fundos de investimento. Violação do Direito da União Europeia.
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Decisão Arbitral

 

            Os árbitros Cons. Jorge Lopes de Sousa (árbitro-presidente), Dra. Carla Alexandra Pacheco de Almeida Rocha da Cruz e Dr. António de Barros Lima Guerreiro, designados pelo Conselho Deontológico do CAAD para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 06-02-2024, acordam no seguinte:

 

1. Relatório

           

A...- SOCIEDADE GESTORA DE ORGANISMOS DE INVESTIMENTO COLETIVO, S.A. (doravante designada, abreviadamente, por "A..." ou "REQUERENTE"), com o número único de matrícula e identificação fiscal ..., com sede na Rua ..., n.º ...- ..., ...-... Lisboa, veio requerer a constituição de Tribunal Arbitral nos termos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (doravante “RJAT”), tendo em vista que seja «determinada a ilegalidade e anulada a decisão de indeferimento proferida em sede de procedimento de revisão oficiosa, e bem assim declarada a ilegalidade dos actos de liquidação de Imposto do Selo da REQUERENTE respeitantes ao período compreendido entre julho de 2019 e julho de 2021, sobre (i) as comissões de comercialização cobradas pelas entidades comercializadoras e (ii) as comissões de gestão cobradas aos fundos de investimento por si geridos na medida em que incorporam as comissões de comercialização» e «determinado o reembolso do montante de € 122.457,89 a título de Imposto do Selo pago em excesso no período compreendido entre julho de 2019 e junho de 2021, acrescido dos correspondentes juros indemnizatórios».

É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (doravante “AT”).

O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT em 28-11-2023.

Em 17-01-2024, o Senhor Presidente do CAAD informou as Partes da designação dos Árbitros, nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 1 do artigo 11.º do RJAT.

Assim, em conformidade com o preceituado no n.º 8 artigo 11.º do RJAT, decorrido o prazo previsto no n.º 1 do artigo 11.º do RJAT sem que as Partes alguma coisa viessem dizer, o Tribunal Arbitral Colectivo ficou constituído em 06-02-2024.

A AT apresentou resposta em que suscitou a excepção dilatória de «erro parcial na forma de processo, que se traduz na incompetência do tribunal para conhecer parcialmente o pedido»  e defendeu a improcedência do pedido de pronúncia arbitral.

Por despacho de 12-03-2024, foi decidido dispensar e alegações, com possibilidade de a Requerente responder à excepção.

A Requerente pronunciou-se sobre a excepção.

O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março) e estão devidamente representadas.

O processo não enferma de nulidades.

 

 

2. Matéria de facto

 

2.1. Factos provados

 

            Consideram-se provados os seguintes factos relevantes para a decisão da causa:

 

  1. A Requerente tem por objeto social o exercício da atividade das sociedades gestoras de organismos de investimento coletivo, no âmbito da qual gere diversos fundos de investimento mobiliário e imobiliário ("fundos de investimento");
  2. Em virtude da sua atividade, julho de 2019 e julho de 2021, a Requerente cobrou comissões de gestão a esses mesmos fundos de investimento, sobre as quais liquidou imposto de selo à taxa de 4%, nos termos da verba 17.3.4. da Tabela Geral de Imposto de Selo;
  3. Tais fundos, geridos pela Requerente,  foram , entre outros, B..., C...,  D..., E..., H...,  G..., H..., I..., J..., K..., L..., M..., N..., O..., FIMA e FIMA Obrigações de Taxa Variável, FIMA de Obrigações;
  4. A comercialização e colocação dessas unidades de participação foi efetuada pelo intermediário financeiro, a P...;
  5. Adicionalmente, a atividade de comercialização das unidades de participação dos fundos de investimento geridos pela Requerente, foi desenvolvida igualmente por entidades comercializadoras (instituições de crédito) que atuaram enquanto intermediários financeiros, a quem a Requerente pagava uma remuneração inerente à subcontratação da atividade de comercialização, denominada de comissão de comercialização;
  6. No período compreendido entre julho de 2019 e julho de 2021, a Requerente liquidou imposto de selo sobre as referidas comissões de comercialização e comissões de gestão;
  7. Até abril de 2020, as entidades comercializadoras de fundos de investimento cobravam a componente correspondente às comissões de comercialização à Requerente, a qual por sua vez, imputava aqueles custos aos fundos de investimento por si geridos através da comissão de gestão;
  8. A partir de Maio de 2020, as entidades comercializadoras passaram a cobrar as comissões de comercialização diretamente aos fundos de investimento geridos pela Requerente, sobre as quais liquidam Imposto do Selo, à taxa de 4%, nos termos da verba 17.3.4 da TGIS; 
  9. No período compreendido entre Julho de 2019 e Julho de 2021, foi liquidado Imposto do Selo sobre as referidas comissões de comercialização e comissões de gestão, no montante total de € 122.457,89, conforme se refere nas tabelas que seguem: (facturas que constam dos documentos n.ºs 1, 2, 3, 4, 5, 6, relativamente à cobrança de Imposto do Selo pelo  Banco Q... e facturas emitidas pela Requerente que constam dos documentos n.ºs 7, 8 e 9, e guias de pagamento de Imposto do Selo que constam do documento n.º 10, todos juntos com o pedido de pronúncia arbitral cujos teores se dão como reproduzidos)

 

 

 

 

  1. Em 20-07-2023, a Requerente apresentou pedido de revisão oficiosa dos atos tributários de liquidação de Imposto do Selo referentes ao período compreendido entre julho de 2019 e julho de 2021, nos termos que constam do documento n.º 11 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido;
  2. O pedido de revisão oficiosa foi «rejeitado liminarmente, por intempestividade» por despacho de 10-08-2023 proferido pelo Chefe de Divisão de Serviço Central da Unidade dos Grandes Contribuintes, ao abrigo de Subdelegação de competências (Documento n.º 12 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
  3.  Na fundamentação da decisão de rejeição do pedido de revisão oficiosa, cujo teor se dá como reproduzido, refere-se, além do mais, o seguinte:

IV.2. Do meio processual apresentado e Legitimidade

8. O procedimento de revisão oficiosa constitui uma garantia dos contribuintes, consubstanciando-se num meio administrativo de correção de atos de liquidação ou autoliquidação de tributos, visando a anulação total ou parcial de um ato que já produziu efeitos na ordem jurídica, com fundamento em qualquer ilegalidade, erro imputável aos serviços, injustiça grave ou notória, ou duplicação de coleta, de acordo com o previsto no artigo 78.° da LGT.

9. Como se refere no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 12-07-2006, proferido no processo n.º 402/06, a revisão do ato tributário «constitui um meio administrativo de correcção de erros de actos de liquidação de tributos, que é admitido como complemento dos meios de impugnação administrativa e contenciosa desses actos, a deduzir nos prazos normais respectivos, que tem em vista possibilitar sanar injustiças de tributação tanto a favor do contribuinte como a favor da administração».

10. É um meio procedimental de revisão do ato tributário que não pode ser considerado como um meio excecional para reagir contra as consequências de um ato de liquidação, mas sim como um meio alternativo dos meios impugnatórios administrativos e contenciosos (quando for usado em momento em que aqueles ainda podem ser utilizados) ou complementar deles (quando já estiverem esgotados os prazos para utilização dos meios impugnatórios do ato de liquidação).

11. Ora, nos termos do art. 78º da LGT o «erro imputável aos serviços» concretiza qualquer ilegalidade, não imputável ao contribuinte mas à Administração, com ressalva do erro na autoliquidação que, para o efeito, é equiparado aos daquela primeira espécie - art. 78º, n.º 2 in fine, até à entrada em vigor da Lei n.° 7-A/2016, de 30 de março (Lei do Orçamento de Estado de 2016-LOE de 2016).

12. A redação do aludido artigo 78.° da LGT, foi alterada pela LOE de 2016, resultando na revogação do seu n.º 2, e em consequência, os erros na autoliquidação deixaram de fruir da ficção legal de imputabilidade aos serviços, e nessa medida, nada justifica tratamento diferente daquele que é conferido para a heteroliquidação.

13. Tal supressão, configura uma eliminação de uma garantia, pois por força da sua revogação os contribuintes passaram a ter o ónus de comprovar a imputabilidade do erro que, pela lei antiga, legalmente se presumia atribuída aos serviços, o que in casu, se aplica aos atos tributários em análise, ocorridos na vigência da nova lei, que entrou em vigor a 31 de março de 2016.

14. Resulta assim do artigo 78°, nº 1 da LGT, que a revisão dos atos tributários pode operar por iniciativa do sujeito passivo ou da Administração Fiscal; no primeiro caso o pedido deve ser interposto no prazo de reclamação administrativa e o fundamento pode ser qualquer ilegalidade; no segundo caso o prazo para interposição do pedido é de 4 anos, e o fundamento tem de ser, necessariamente, o erro imputável aos serviços.

(...)

 

17. No caso concreto, veio a Requerente, deduzir a presente revisão oficiosa da liquidação de Imposto do Selo, uma vez que a revisão do ato tributário por iniciativa da administração tributária pode ser efetuada a pedido do contribuinte, como resulta do artigo 78.° da LGT, no prazo de quatro anos contados da liquidação (ou, no caso o tributo não ter sido pago, a todo o tempo), ficando com isso investido de um direito a uma decisão sobre o pedido formulado.

(...)

20. Como tal, é hoje doutrinal e jurisprudencialmente pacífico o entendimento segundo o qual, existindo um erro de direito numa liquidação efetuada pelos serviços da administração tributária, e não decorrendo essa errada aplicação da lei de qualquer informação ou declaração do contribuinte, o erro em questão é imputável aos serviços, pois tanto o n.º 2 do artigo 266º da Constituição como o artigo 55º da Lei Geral Tributária estabelecem a obrigação genérica de a administração tributária atuar em plena conformidade com a lei, razão por que qualquer ilegalidade não resultante de uma atuação do sujeito passivo será imputável à própria Administração.

21. Em suma, a revisão do ato tributário por «iniciativa da administração tributária» pode ser efetuada «a pedido do contribuinte», como resulta do artigo 78.°, n. 7 da LGT e do artigo 86.°, n.° 4, alínea a), do CPPT, bem como dos princípios da legalidade, justiça, igualdade e imparcialidade - art. 266°, nº 2 da CRP. E o «erro imputável aos serviços» constante do artigo 78.°, n° 1, in tine, da LGT compreende o erro de direito e não apenas o lapso, erro material ou erro de facto, como aliás veio esclarecer o n.º 3 do artigo 78.° da LGT.

22. E uma vez que, a questão objeto da presente revisão prende-se com a aplicação de Imposto do Selo da verba 17.3.4. da TGIS, atinente ao período de junho de 2019 a junho de 2021, e consequentemente, ao pedido de pronúncia de anulação da liquidação de IS submetidas e respetiva restituição, pela AT, do montante de IS indevidamente suportado pela Requerente e pelos fundos por si geridos, considera-se como admissível a dedução de revisão oficiosa, como meio de reação, nos termos do artigo 78.° da LGT.

23. Quanto à legitimidade, a Requerente, enquanto sujeito passivo e titular do encargo do imposto do selo e representante dos fundos por si geridos, tem legitimidade no presente procedimento tributário, nomeadamente, nos termos do art.º 2.0 e 3º do Código do Imposto do Selo (CIS) e ao abrigo do disposto nos art.ºs 18.°e 65.° da LGT e art.°9.°n.° 1 do CPPT.

 

IV.3. Da Tempestividade

24. A Requerente apresentou a revisão oficiosa, em 20.07.2023, junto da administração tributária, e dado que os atos tributários de Imposto do Selo, referentes à verba 17.3.4. da TGIS, ora contestados, foram emitidos junho de 2019 e junho de 2021, verifica-se que o pedido é intempestivo, atendendo a que se refere a atos tributários de liquidação de IS, praticados a partir (inclusive) do dia 31 de março de 2016, situação que não preenche os pressupostos contidos na 2.ª parte e 1 .ª parte do n.° 1 do artigo 78.° da LGT.

25. Nem preenche os pressupostos do n.º 4 e 5 do art. 78.° da LGT, ao qual consagra que o «dirigente máximo do serviço pode autorizar, excecionalmente, nos três anos posteriores ao do ato tributário a revisão da matéria tributável apurada com fundamento em injustiça grave ou notória, desde que o erro não seja imputável a comportamento negligente do contribuinte.»

(...)

27. A situação em apreço não comporta qualquer "erro imputável aos serviços" e, como tal, neste sentido, o pedido de revisão oficiosa deve ser formulado no respetivo prazo de reclamação administrativa, à luz do preceituado na primeira parte do n. 1 do art78.° da LGT, ademais quando, consabido, o n.° 2 do art. 78.° da LGT se encontra revogado.

(...)

33. Contudo, conjugado os prazos legais referidos, no que toca ao imposto do selo de junho de 2019 a junho de 2021, resulta que a presente revisão oficiosa não foi apresentada dentro do prazo que dispunha para o efeito, constituindo-se como intempestiva esta e todas as contestadas.

Portanto,

34. É nosso entender que, face à situação subjuditio, não tem acolhimento legal a invocação do mecanismo previsto no atual art. 78. da LGT, por não preencher os seus pressupostos.

35. Pelo que, no caso em apreço, o requerimento no qual se consubstancia o presente pedido revisão oficiosa dos atos tributários contestados é, com efeito, intempestivo, dado ter sido apresentado em 20.07.2023, em consonância com o estabelecido no mencionado art. 78.° da LGT vigente, conjugado com o artigo 131.° do CPPT , pelo que resulta que, a presente revisão oficiosa não foi apresentada dentro do prazo de 2 anos de que dispunha para o efeito.

36. Aqui chegados, a nossa conclusão não pode ser outra que não aquela que comporte a rejeição liminar por intempestividade do pedido de revisão ora formulado nos autos pela Contribuinte, ora Requerente, uma vez que o pedido se encontra insindicável por se encontrar esgotado o prazo vertido no art. 78.º da LGT para o efeito.

 

(...)

62. O art. 78.°, n.º 2, da LGT, ficciona, para efeitos de revisão oficiosa do ato de liquidação, o erro na autoliquidação como erro imputável aos serviços. No entanto, o nº 2 foi revogado pela Lei 7-A/2016, de 30 de março (Lei do Orçamento de Estado de 2016-LOE de 2016).

63. O período em análise é de junho de 2019 a junho de 2021, assim, o pedido de revisão segue o regime previsto na 1a parte do nº 1 do artº 78° da LGT, ou seja, o pedido inserto nos presentes autos, para efeito de tempestividade deveria ter sido apresentado no prazo da Reclamação Administrativa, que no caso concreto são dois anos após apresentação da declaração, conforme dispõe o artº 131 ° nº1 do CPPT.

64. Sendo que, no que se refere aos atos tributários de autoliquidação de imposto do selo, a situação não preenche os pressupostos contidos na 1.° e 2.° parte do n. 1 do artigo 78.° da LGT, nem os pressupostos do n.° 4 do art° 78.° da LGT, ao qual consagra que o «dirigente máximo do serviço pode autorizar, excecionalmente, nos três anos posteriores ao do ato tributário a revisão da matéria tributável apurada com fundamento em injustiça grave ou notória, desde que o erro não seja imputável a comportamento negligente do contribuinte.»

65. E uma vez que, a questão objeto da presente revisão prende-se na sujeição das comissões pagas pela Requerente e pelos fundos por si geridos como "comissões de comercialização e comissões de gestão", não se vislumbra aqui qualquer erro imputável aos serviços.

66. As comissões são relativas a todos os serviços, indicados no art. 66.°, n.° 1, al. b), subalínea i) do regime Geral dos Organismos de Investimento coletivo (RGOIC) não são autónomos dos serviços de administração, são auxiliares do serviço de administração e diretamente dele dependentes. Os serviços da subalínea i) estão enunciados na al. b), o que indica que são realizados no âmbito da administração dos organismos de investimento coletivo, desde gestão de contabilidade, de esclarecimento e análise das questões e das reclamações dos participantes, de avaliação da carteira e determinação do valor das unidades de participação, da emissão de declarações fiscais aos participantes, de controlo da observância das normas aplicáveis, de registo e conservação dos documentos, de direitos com caráter remuneratório entre outros serviços.

67. Nestes termos, não está em causa qualquer restrição aos movimentos de capitais entre os Estados-Membros porque trata-se da tributação de um facto tributário, cujos elementos de conexão se verificam todos em território nacional. Pelo que, a sujeição a imposto de selo das comissões de gestão cobradas pela SGOIC, ora Requerente, aos OIC sob sua gestão, não é vedada pela Diretiva n.º 2008/7/CE de 12.02.2008, nem pelo art. 63.° do TJUE e conclui-se com a não verificação de erro imputável aos serviços, uma vez que não são operações que façam parte integrante de reuniões de capitais.

68. Nem quando intervêm terceiros como intermediários financeiros, as instituições de crédito, participam em várias operações de emissão de valores mobiliários, sob a forma de títulos negociáveis - obrigações e papel comercial - mediante a prestação de serviços de colocação desses títulos em mercado, o que fez relativamente a vários emitentes. E como remuneração pelo serviço prestado, cobrou as respetivas comissões, que apelidou de "comissão de comercialização e de colocação", sobre as quais fez incidir o imposto do selo, da identificada verba 17.3.4 da TGIS, na sua qualidade de sujeito passivo, sendo o encargo do imposto suportado pelas diversas entidades beneficiárias do serviço, elas próprias as emitentes dos títulos, que optaram por esta via para se financiarem.

69. A Requerente vem alegar a incompatibilidade com o direito europeu, designadamente com a Diretiva 2008/7/CE do Conselho, de 12 de fevereiro de 2008 e identifica o processo C-656/21 que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Centro de Arbitragem Administrativa - CAAD, no âmbito do processo 88/2021-T. Esta Diretiva, relativa aos impostos indiretos que incidem sobre as reuniões de capitais, visa eliminar fatores suscetíveis de distorção de concorrência ou obstar à livre circulação de capitais. No preâmbulo deste instrumento comunitário, esclarece-se que "[n]não deverão ser aplicados impostos indiretos às reuniões de capitais, exceto o imposto sobre as entradas

de capital. Em especial, não deve ser aplicado imposto de selo sobre os títulos, quer estes sejam representativos de capitais próprios das sociedades quer de capitais de empréstimo, e qualquer que seja a sua proveniência". Não cabe aqui, de modo algum, o imposto do selo que onera as mais diversas comissões cobradas pelas instituições financeiras, seja a que título for.

70. Na Diretiva ora em análise, a al. a) do n. 1 do art.° 5.° estipula que os Estados-Membros não devem sujeitar a qualquer forma de imposto indireto as entradas de capital, especificando na al. a) do seu n.º 2 a proibição do estabelecimento destes impostos sobre la criação, emissão, admissão à cotação em bolsa, colocação em circulação ou negociação de ações, de partes sociais ou de outros títulos da mesma natureza, bem como de certificados representativos desses títulos, independentemente de quem os emitiu. Por sua vez, a al. a) do n.º 1 do art.° 6.° da Diretiva dispõe que, em derrogação ao estabelecido no arte 5.°, os Estados-Membros podem cobrar impostos sobre a transmissão de valores

mobiliários, cobrados forfetariamente ou não.

71. Cumprindo clarificar que, não obstante o art.° 6.° da Diretiva permitir a tributação da transmissão de valores mobiliários, no caso de uma aquisição de UP's no contexto de um aumento de capital não está em causa a transmissão de valores mobiliários ou partes sociais, mas antes a entrada de capital por via da emissão de unidades de participação. E, a Diretiva não só não proíbe como permite, no artigo 6.°, que os Estados-Membros cobrem impostos sobre a transmissão de valores mobiliários (cf. alíneas a) do n. 1do art.°6.° da Diretiva, pelo que tal argumentação não nos parece sustentável.

72. Assim, todos os encargos decorrentes dos contratos de intermediação financeira, nas várias operações de emissão de valores mobiliários, sob a forma de títulos negociáveis, prestaram o serviço de colocação dos títulos em mercado, tendo por isso cobrado as ditas comissões de gestão/colocação/comercialização, são tributados em sede de imposto uma vez que preenchem cumulativamente os elementos de natureza objetiva e subjetiva previstos na Verba 17.3.41º da TGIS, e, em conformidade, estão sujeitas a imposto do selo por força do disposto no n° 1 do artigo 1 do CIS.

73. É, assim, manifesto não existir um "qualquer erro imputável aos serviços" nos termos do disposto no art.° 78.° da LGT, que possa ser invocado como fundamento do pedido de revisão oficiosa.

(...)

75. Nem tão pouco procede a alegação de que no caso concreto ocorre dupla tributação económica. A sociedade gestora liquida e paga imposto do selo sobre as comissões de gestão cobradas aos fundos de investimento, dos quais é responsável e representante. Do mesmo modo, paga imposto do selo que incide sobre as comissões de comercialização, por ser da sua responsabilidade as operações de comercialização das unidades de participações junto das diversas instituições financeiras, que lhe estão a divulgar e a propor a subscrição de unidades de participação, logo realiza serviços financeiros, que passaram a ser cobrados diretamente aos fundos por si geridos.

76. Concluímos que o caso em apreço não estamos perante qualquer tipo de erro imputável aos serviços e não tem aplicação na jurisprudência do TJUE, pelo que a verba 17.3.4. da TGIS, que prevê a sujeição a imposto do selo de comissões e contraprestações por serviços financeiros não é ilegal, e desse modo, as liquidações de imposto do selo impugnadas, tendo tido por base aquela disposição da TGIS, não enfermam de vício de violação de lei, por erros nos pressupostos de direito.

77. E estamos perante imposto do selo autoliquidado pelo sujeito passivo, nos termos do art. 2.° e 23.° do CIS, deve lançar-se mão do disposto no artigo 131 .º do CPPT, quanto há necessidade de reclamação graciosa prévia e necessária, dado ser o meio mais adequado de reação, o que agora afigura-se-nos como um ato processual totalmente inútil, dado já ter sido ultrapassado o término do prazo para o efeito.

78. Face a todo o exposto, a nossa conclusão não pode ser outra que não aquela que comporte a rejeição liminar do pedido de revisão ora formulado nos autos pela Contribuinte, ora Requerente, uma vez que o mesmo se encontra insindicável, por se encontrar esgotado o prazo vertido no art. 78.° da LGT para o efeito.

 

  1. Em 24-11-2023, a Requerente apresentou o pedido de pronúncia arbitral que deu origem ao presente processo.

 

 

2.2. Factos não provados e fundamentação da fixação da matéria de facto

 

Os factos foram dados como provados com base nos documentos juntos pela Requerente e os que constam do processo administrativo.

Não há controvérsia sobre a matéria de facto.

 

3. Excepção de erro parcial na forma de processo

 

A Autoridade Tributária e Aduaneira suscita a excepção de erro parcial sobre na forma de processo  por entender, em suma, que o acto que decidiu a rejeição do pedido de revisão oficiosa com fundamento em intempestividade,  é impugnável através de acção administrativa, por ser um acto relativo a questões tributárias que não comportem a apreciação da legalidade de um acto de liquidação.

A Requerente defende, em suma, que o despacho de rejeição do pedido de revisão oficiosa incide sobre a legalidade das liquidações controvertidas.

A competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD é, em primeiro lugar, limitada às matérias indicadas no artigo 2.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (RJAT).

Refere-se no artigo 2.º, n.º 1, do RJAT que a competência dos tribunais arbitrais compreende a apreciação das seguintes pretensões:

a) A declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta;

b) A declaração de ilegalidade de actos de fixação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de actos de determinação da matéria colectável e de actos de fixação de valores patrimoniais; (redacção da Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro)

 

Para além da apreciação directa da legalidade de actos deste tipo, o facto de a alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º do RJAT fazer referência aos n.ºs 1 e 2 do artigo 102.º do CPPT, em que se indicam os vários tipos de actos que dão origem ao prazo de impugnação judicial, em que se incluem os «actos que possam ser objecto de impugnação autónoma», entre os quais se inclui o indeferimento do pedido de revisão oficiosa, como decorre do n.º 1 e da alínea d) do n.º 2 do artigo 95.º da LGT.

Assim, serão abrangidos no âmbito da jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD todos os tipos de actos passíveis de serem impugnados através processo de impugnação judicial, abrangidos por aqueles n.ºs 1 e 2 do artigo 102.º do CPPT, desde que tenham por objecto um acto de um dos tipos indicados naquele artigo 2.º do RJAT.

Aliás, esta interpretação no sentido da identidade dos campos de aplicação do processo de impugnação judicial e do processo arbitral é a que está em sintonia com a referida autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, concedida pelo artigo 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril, em que se revela a intenção de o processo arbitral tributário constitua «um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária» (n.º 2).

Mas, resulta do teor do artigo 2.º do RJAT que a arbitragem tributária não foi implementada quanto às matérias susceptíveis de serem objecto de acção para reconhecimento de um direito ou interesse legítimo ou de acção administrativa, pois é manifesto que não se enquadram em qualquer das situações previstas.

De qualquer forma, extrai-se também da referida autorização legislativa, designadamente da alínea a) do n.º 4 do referido artigo 124.º da Lei n.º 3-B/2010, ao fazer referência aos «actos administrativos que comportem a apreciação da legalidade de actos de liquidação», que não se pretendeu estender o âmbito da arbitragem tributária à apreciação de actos que, nos termos do CPPT, não podem ser objecto de impugnação judicial, mas para que é adequada a acção administrativa.

Na verdade aquela expressão tem ínsita a exclusão dos «actos administrativos que não comportem a apreciação da legalidade de actos de liquidação» e das alíneas d) e p) do n.º 1 e do n.º 2 do artigo 97.º do CPPT infere-se a regra de a impugnação de actos administrativos em matéria tributária ser feita, no processo judicial tributário, através de impugnação judicial ou acção administrativa (que sucedeu ao recurso contencioso, nos termos do artigo 191.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos) conforme esses actos comportem ou não comportem a apreciação da legalidade de actos administrativos de liquidação. ( [1] )

É este o único critério de distinção dos campos de aplicação do processo de impugnação judicial e da acção administrativa, não havendo suporte legal para sustentar que, relativamente a impugnação de actos que comportem a apreciação da legalidade de actos de liquidação, se possa utilizar a acção administrativa, designadamente para apreciar questões relativas à verificação dos pressupostos de pedido de revisão oficiosa. ( [2] )

Mas, constatando-se que o acto impugnado comporta a apreciação da legalidade de acto de liquidação, fica definida a adequação do processo de impugnação judicial, independentemente das questões que foram apreciadas no acto impugnado e das que venha a ser necessário apreciar no processo judicial.

E, consequentemente, pelo que se referiu sobre a sobreposição dos campos de aplicação do processo de impugnação judicial e do processo arbitral (com excepção do que decorre do artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março), conclui-se que os tribunais arbitrais que funcionam no CAAD são competentes para apreciar a legalidade de decisões de recurso hierárquico que apreciam a legalidade de actos de liquidação, independentemente das questões que seja necessário apreciar.

Assim, como se refere no acórdão os Supremo Tribunal Administrativo de 18-11-2020, processo n.º 608/13.4BEALM 0245/18, «o meio processual tributário de impugnação judicial é de acionar em todas as situações onde se visem atos relativos a questões tributárias que impliquem, contendam com a apreciação (de qualquer ilegalidade) do ato de liquidação, ainda que, no mesmo processo se tenham de versar e dirimir questões relacionadas, em exclusivo, com um procedimento de cariz administrativo, quando este tenha tido, previamente, lugar». «Por contraposição, o meio processual da ação administrativa só pode utilizado, quando as questões tributárias levantadas (no procedimento administrativo e no tribunal) não impliquem apreciar-se da legalidade do ato de liquidação».

A esta luz, é manifesto que a decisão de rejeição do pedido de revisão oficiosa comporta a apreciação da legalidade dos actos de liquidação impugnados, pois na sua fundamentação refere-se:

65. E uma vez que, a questão objeto da presente revisão prende-se na sujeição das comissões pagas pela Requerente e pelos fundos por si geridos como "comissões de comercialização e comissões de gestão", não se vislumbra aqui qualquer erro imputável aos serviços.

 

67. Nestes termos, não está em causa qualquer restrição aos movimentos de capitais entre os Estados-Membros porque trata-se da tributação de um facto tributário, cujos elementos de conexão se verificam todos em território nacional. Pelo que, a sujeição a imposto de selo das comissões de gestão cobradas pela SGOIC, ora Requerente, aos OIC sob sua gestão, não é vedada pela Diretiva n.º 2008/7/CE de 12.02.2008, nem pelo art. 63.° do TJUE e conclui-se com a não verificação de erro imputável aos serviços, uma vez que não são operações que façam parte integrante de reuniões de capitais.

69. A Requerente vem alegar a incompatibilidade com o direito europeu, designadamente com a Diretiva 2008/7/CE do Conselho, de 12 de fevereiro de 2008 e identifica o processo C-656/21 que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Centro de Arbitragem Administrativa - CAAD, no âmbito do processo 88/2021-T. Esta Diretiva, relativa aos impostos indiretos que incidem sobre as reuniões de capitais, visa eliminar fatores suscetíveis de distorção de concorrência ou obstar à livre circulação de capitais. No preâmbulo deste instrumento comunitário, esclarece-se que "[n]não deverão ser aplicados impostos indiretos às reuniões de capitais, exceto o imposto sobre as entradas

de capital. Em especial, não deve ser aplicado imposto de selo sobre os títulos, quer estes sejam representativos de capitais próprios das sociedades quer de capitais de empréstimo, e qualquer que seja a sua proveniência". Não cabe aqui, de modo algum, o imposto do selo que onera as mais diversas comissões cobradas pelas instituições financeiras, seja a que título for.

 

71. Cumprindo clarificar que, não obstante o art.° 6.° da Diretiva permitir a tributação da transmissão de valores mobiliários, no caso de uma aquisição de UP's no contexto de um aumento de capital não está em causa a transmissão de valores mobiliários ou partes sociais, mas antes a entrada de capital por via da emissão de unidades de participação. E, a Diretiva não só não proíbe como permite, no artigo 6.°, que os Estados-Membros cobrem impostos sobre a transmissão de valores mobiliários (cf. alíneas a) do n. 1do art.°6.° da Diretiva, pelo que tal argumentação não nos parece sustentável.

72. Assim, todos os encargos decorrentes dos contratos de intermediação financeira, nas várias operações de emissão de valores mobiliários, sob a forma de títulos negociáveis, prestaram o serviço de colocação dos títulos em mercado, tendo por isso cobrado as ditas comissões de gestão/colocação/comercialização, são tributados em sede de imposto uma vez que preenchem cumulativamente os elementos de natureza objetiva e subjetiva previstos na Verba 17.3.4 da TGIS, e, em conformidade, estão sujeitas a imposto do selo por força do disposto no n° 1 do artigo 1 do CIS.

73. É, assim, manifesto não existir um "qualquer erro imputável aos serviços" nos termos do disposto no art.° 78.° da LGT, que possa ser invocado como fundamento do pedido de revisão oficiosa.

 

 

É claro pelo pontos transcritos que na fundamentação da decisão de rejeição se apreciou a legalidade dos actos impugnados pela Requerente, manifestando a Autoridade Tributária e Aduaneira o seu entendimento de que não enfermam de ilegalidade à luz da Diretiva 2008/7/CE do Conselho, de 12 de Fevereiro.

Por isso, a legalidade do pedido de declaração de ilegalidade e anulação da decisão do pedido de revisão oficiosa pode ser apreciada em processo de impugnação judicial e,  consequentemente, essa apreciação insere-se nas competências dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD.

            Improcede, assim a excepção suscitada pela Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

 

4. Matéria de direito

 

É controvertida no presente processo a legalidade de actos de liquidação de Imposto do Selo (IS), ocorridos de Julho de 2019 e Julho de 2021, no valor de € 122.457,89, sobre  as comissões de comercialização cobradas pelas entidades comercializadoras de unidades de participação de fundos de investimento e as comissões de gestão cobradas aos fundos de investimento por si geridos na medida em que incorporam as comissões de comercialização, nos termos previstos na verba 17.3.4. da Tabela Geral do Imposto de Selo (TGIS).

Deve notar-se que, embora a Autoridade Tributária e Aduaneira aluda a actos de «autoliquidação» o que está em causa é a impugnação de actos de liquidação, praticados pelo Banco Q..., quanto às comissões de comercialização, e pela Requerente quanto às comissões de gestão que incorporam aquelas comissões, mas esta liquidação tem como contribuintes os fundos de investimento, actuando a Requerente como substituta.

«Quando, por imposição da lei, a prestação tributária for exigida a pessoa diferente do contribuinte», está-se perante substituição tributária, como resulta do artigo 20º, n.º 1, da LGT, e não perante umas situação de autoliquidação.

No caso em apreço, não se está, em nenhum caso, perante autoliquidação de impostos, que se reporta à liquidação efectuada pelos próprios contribuintes, que neste caso são os fundos de investimento, mas sim de liquidação efectuada por terceiros, a que são adequadas as designações de «liquidação por terceiro» ou «liquidação em substituição». ( [3] )

A Requerente imputa às liquidações de Imposto do Selo impugnadas vício de violação do artigo 5.º, n.º 2, alínea a), da Directiva  n.º 2008/7/CE, de 17-02-2008.

No entanto, a rejeição do pedido de revisão oficiosa baseia-se em intempestividade, no pressuposto de que as liquidações não enfermam de «erro imputável aos serviços», para efeito da parte final do n.º 1 do artigo 78.º da LGT.

Assim importa apreciar não são se são ilegais as liquidações de Imposto do Selo impugnadas, mas também se, a enfermarem de ilegalidade, o erro é imputável aos serviços, na medida e que, se o não for, a revisão oficiosa não poderia ter sido efectuada, com consequente consolidação daquela na ordem jurídica, decorrente do decurso dos prazos em que podiam ser impugnadas.

 

4.1. Questão da violação do artigo 5.º, n.º 2, alínea a), da Directiva  n.º 2008/7/CE, de 17-02-2008

  

O imposto do Selo liquidado pelo Banco Q... e pela Requerente sobre comissões de comercialização e comissões de gestão que incorporam aquelas comissões de comercialização, baseou-se na verba 17.3.4 da Tabela Geral do Imposto do Selo (TGIS), que prevê a tributação à taxa de 4% das 17.3.4 «outras comissões e contraprestações por serviços financeiros».

A Requerente imputa às liquidações impugnadas vício de violação do artigo 5.º da Directiva n.º 2008/7/CE, por entender que proíbe a imposição de tributação em Imposto do Selo às comissões de comercialização de unidades de participação de fundamentos de investimento, bem com às comissões de gestão que incorporam essas comissões de comercialização.

O artigo 5.º da Directiva 2008/7/CE, de 12 de Fevereiro, do Conselho da União Europeia estabelece o seguinte:

Artigo 5.o

Operações não sujeitas a impostos indirectos

1.   Os Estados-Membros não devem sujeitar as sociedades de capitais a qualquer forma de imposto indirecto sobre:

a) Entradas de capital;

b) Empréstimos ou prestações de serviços, efectuadas no âmbito das entradas de capital;

c) Registo ou qualquer outra formalidade prévia ao exercício de uma actividade a que uma sociedade de capitais esteja sujeita em consequência da sua forma jurídica;

d) Alterações do acto constitutivo ou dos estatutos de uma sociedade de capitais, designadamente as seguintes:

i) a transformação de uma sociedade de capitais numa sociedade de capitais de tipo diferente,

ii) a transferência de um Estado-Membro para outro Estado-Membro da sede de direcção efectiva ou da sede estatutária de uma sociedade de capitais,

iii) a alteração do objecto social de uma sociedade de capitais,

iv) a extensão do período de duração de uma sociedade de capitais;

e) As operações de reestruturação referidas no artigo 4.o

 

2.   Os Estados-Membros não devem sujeitar a qualquer forma de imposto indirecto:

a) A criação, emissão, admissão à cotação em bolsa, colocação em circulação ou negociação de acções, de partes sociais ou de outros títulos da mesma natureza, bem como de certificados representativos desses títulos, independentemente de quem os emitiu;

b) Os empréstimos, incluindo os estatais, contraídos sob a forma de emissão de obrigações ou outros títulos negociáveis, independentemente de quem os emitiu, e todas as formalidades conexas, bem como a criação, emissão, admissão à cotação em bolsa, colocação em circulação ou negociação dessas obrigações ou de outros títulos negociáveis.

 

A questão de violação do Direito da União Europeia suscitada pela Requerente foram apreciadas pelo TJUE no acórdão 22-12-2022, processo n.º C-656/21, IM GESTÃO DE ATIVOS, em que se entendeu, em suma, o seguinte:

– o Imposto do Selo sobre os títulos enquadra-se no âmbito de aplicação da Directiva (n.º 22);

– «qualquer sociedade, associação ou pessoa coletiva com fins lucrativos que não pertença às categorias de sociedades de capitais mencionadas no n.° 1 do mesmo artigo é equiparada a uma sociedade de capitais» (n.º 23)

– os fundos de investimento se enquadram no conceito de «associação com fins lucrativos» para efeitos do n.º 2 do artigo 2.º desta Directiva: «um agrupamento de pessoas sem personalidade jurídica, cujos membros entram com capitais para um património separado para atingir um fim lucrativo, deve ser considerado uma «associação com fins lucrativos» na aceção do artigo 2.°, n.° 2, da Diretiva 2008/7, pelo que, em aplicação desta última disposição, é equiparado a uma sociedade de capitais para efeitos desta diretiva (v., neste sentido, Acórdão de 12 de novembro de 1987, Amro Aandelen Fonds, 112/86, EU:C:1987:488, n.° 13)» (n.º 25);

– «fundos comuns de investimento, como os que estão em causa no processo principal, devem ser equiparados a sociedades de capitais e, por conseguinte, são abrangidos pelo âmbito de aplicação da Diretiva 2008/7» (n.º 26);

«uma vez que serviços de comercialização de participações em fundos comuns de investimento, como os que estão em causa no processo principal, apresentam uma ligação estreita com as operações de emissão e de colocação em circulação de partes sociais, na aceção do artigo 5.°, n.° 2, alínea a), da Diretiva 2008/7, devem ser considerados parte integrante de uma operação global à luz da reunião de capitais» (n.º 31);

–  «Por outro lado, há que observar que o efeito útil desta disposição ficaria comprometido se, apesar de impedir a incidência de um imposto do selo sobre as remunerações auferidas pelos bancos a título de serviços de comercialização de novas participações de fundos comuns de investimento junto da sociedade de gestão destes, fosse permitido que esse imposto do selo incidisse sobre as mesmas remunerações quando estas são redebitadas pela referida sociedade de gestão aos fundos em causa» (n.º 37).

 

Como corolário destas considerações, o TJUE declarou o seguinte:

 

O artigo 5.°, n.° 2, alínea a), da Diretiva 2008/7/CE do Conselho, de 12 de fevereiro de 2008, relativa aos impostos indiretos que incidem sobre as reuniões de capitais,  deve ser interpretado no sentido de que:  se opõe a uma legislação nacional que prevê a incidência de um imposto do selo, por um lado, sobre a remuneração que uma instituição financeira recebe de uma sociedade de gestão de fundos comuns de investimento pela prestação de serviços de comercialização para efeitos de novas entradas de capital destinadas à subscrição de participações de fundos recentemente emitidas e, por outro, sobre os montantes que essa sociedade de gestão recebe dos fundos comuns de investimento na medida em que esses montantes incluam a remuneração que a referida sociedade de gestão pagou às instituições financeiras por esses serviços de comercialização.

 

As liquidações impugnadas têm subjacente a aplicação da verba 17.3.4. da TGIS, interpretada como prevendo, por um lado, a incidência de Imposto do Selo sobre as comissões cobradas por bancos às entidades gestoras de fundos por prestação de serviços a estas de serviços de comercialização de participações em fundos de investimento e, por outro lado, sobre as mesmas remunerações de comercialização quando estas são redebitadas pela referida sociedade de gestão aos fundos em causa.

Assim, no caso em apreço, está-se perante situações enquadráveis nas hipóteses subjacentes a esta jurisprudência do TJUE:

– relativamente às comissões de comercialização cobradas  à Requerente pelo Banco Q..., está-se perante «um imposto do selo (...) sobre a remuneração que uma instituição financeira recebe de uma sociedade de gestão de fundos comuns de investimento pela prestação de serviços de comercialização para efeitos de novas entradas de capital destinadas à subscrição de participações de fundos recentemente emitidas» (1.ª parte da decisão do TJUE);

– no que concerne às comissões de gestão cobradas pela Requerente aos fundos de  investimento, que incorporaram as comissões cobradas pelo Banco Q... à Requerente, está-se perante «montantes que essa sociedade de gestão recebe dos fundos comuns de investimento na medida em que esses montantes incluam a remuneração que a referida sociedade de gestão pagou às instituições financeiras por esses serviços de comercialização» (2.ª parte da decisão do TJUE).

 

O artigo 8.º, n.º 4, da CRP estabelece que «as disposições dos tratados que regem a União Europeia e as normas emanadas das suas instituições, no exercício das respectivas competências, são aplicáveis na ordem interna, nos termos definidos pelo direito da União, com respeito pelos princípios fundamentais do Estado de direito democrático».

Desta norma decorre a primazia do Direito da União Europeia sobre o Direito Nacional, quando não está em causa os princípios fundamentais do Estado de direito democrático.

Como tem sido pacificamente entendido pela jurisprudência e é corolário da obrigatoriedade de reenvio prejudicial prevista no artigo 267.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (que substituiu o artigo 234.º do Tratado de Roma, anterior artigo 177.º), a jurisprudência do TJUE tem carácter vinculativo para os Tribunais nacionais, quando tem por objecto questões de Direito da União Europeia ( [4] ).

Assim, aplicando a jurisprudência do TJUE, conclui-se que as liquidações impugnadas são ilegais, por a verba 17.3.4. da TGIS, em que se basearam, ser ilegal, por incompatibilidade com o artigo 5.º, n.º 2, alínea a), da Diretiva 2008/7/CE do Conselho, de 12 de Fevereiro de 2008, interpretada como prevendo a incidência de Imposto do Selo sobre as comissões cobradas pelos bancos à sociedade gestora de fundos de investimento e sobre e o redébito dessas comissões aos fundos de investimento, pela entidade gestora.

Pelo exposto, tanto as liquidações efectuadas pelo Banco Q... como as efectuadas pela Requerente, estas últimas na medida em que esses montantes incluam a remuneração que a Requerente pagou ao Banco Q..., enfermam de vícios de violação de lei, por erro sobre os pressupostos de direito, que são fundamento da sua anulação, nos termos do artigo 163.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea c), da LGT.

Por outro lado, havendo jurisprudência do TJUE sobre as questões de Direito da União, não se justifica o reenvio prejudicial, como foi decidido no acórdão de 06-10-1982, no Caso Cilfit, Processo n.º 283/81, Recueil, página 3415.

 

 

4.2. Questão da tempestividade do pedido de revisão oficiosa

 

 

Assente que as liquidações de Imposto do Selo impugnadas enfermam de ilegalidade, importa apurar se a impugnação efectuada através do pedido de revisão oficiosa foi tempestiva, pois, se o não for, terá caducado o direito da Requerente as impugnar, com a consequente consolidação daquela na ordem jurídica.

No regime de revisão dos actos tributários, que consta do artigo 78.º, n.º 1, da LGT, prevêem-se duas situações essenciais em que é admitida a revisão:

– por iniciativa do sujeito passivo, no prazo de reclamação administrativa e com fundamento em qualquer ilegalidade (artigo 78.º, n.º 1, 1.ª parte);

– por iniciativa da administração tributária, no prazo de quatro anos após a liquidação ou a todo o tempo se o tributo ainda não tiver sido pago, com fundamento em erro imputável aos serviços (artigo 78.º, n.º 1, 2.ª parte).

 

Tem sido entendido que o prazo da reclamação administrativa é o da reclamação graciosa e que, quando o pedido de revisão oficiosa é apresentando no prazo desta a esta, é a ela equiparável ( [5] ).

O Imposto do Selo, designadamente no caso da verba 17.3.4 da TGIS, visa onerar os titulares do interesse económico conexionado com as comissões por serviços financeiros, que são os clientes das «operações financeiras realizadas por ou com intermediação de instituições de crédito, sociedades ou outras instituições financeiras» [artigo 3.º, n.ºs 1 e 2, alínea g], do Código do Imposto do Selo].

No entanto, no caso das comissões por prestação de serviços financeiros, os sujeitos passivos do Imposto do Selo são as instituições financeiras referidas na alínea c) do n.º 1 do artigo 2,º do CIS.

Está-se, assim, perante uma situação de substituição tributária, já que «a substituição tributária verifica-se quando, por imposição da lei, a prestação tributária for exigida a pessoa diferente do contribuinte» (artigo 20.º, n.º 1, da LGT).

Na substituição tributária, «o estado não exige o tributo directamente daquele que preenche as normas de incidência - o "contribuinte directo" - mas de outra pessoa que, pela sua capacidade de organização, está melhor habilitada ao cumprimento desses deveres e faculta uma gestão mais eficaz da receita tributária. A diferença porém, é que na substituição com retenção o substituto é a fonte dos rendimentos do contribuinte, pelo que ao substituto cabe reter dada percentagem desses valores, ao passo que na substituição sem retenção o contribuinte é a fonte dos rendimentos do substituto, pelo que a tarefa deste é a de cobrar o tributo juntamente com os valores que tem a haver» ( [6] ).

No caso em apreço trata-se de substituição tributária sem retenção na fonte, pois não está em causa a retenção de quaisquer rendimentos da Requerente ou dos fundos de  investimento, mas sim a imposição por terceiro de pagamento de um tributo conjuntamente com outras quantias de que é credor: «o substituto é credor do contribuinte substituído obrigando-o a lei, em primeiro lugar, a cobrar o tributo juntamente com os valores que tenha a receber do contribuinte substituído, depois, a entregar o tributo assim arrecadado ao estado» ( [7] )

O direito de o substituto e o substituído impugnarem os actos de liquidação nas situações de substituição tributária é regulado pelo artigo 132.º do CPPT, mesmo nos casos  em que a substituição não se concretiza através de retenção na fonte.

Com efeito, embora o artigo 132.º do CPPT se refira expressamente aos casos de substituição com retenção na fonte, esse regime deve aplicar-se a todos os casos de substituição. ( [8] ) Na verdade, como foi esclarecido na redacção do n.º 2 do artigo 20.º da LGT introduzida pela Lei n.º 7/2021, de 26 de Fevereiro, ao dizer que «a substituição tributária é efetivada, designadamente, através do mecanismo de retenção na fonte do imposto devido», a retenção na fonte do imposto devido é apenas uma das formas de substituição tributária ( [9] ) e os fundamentos do reconhecimento do direito de impugnação do substituto e do substituído valem manifestamente para todas as situações de substituição.

A aplicação do regime do artigo 132.º, com as adaptações que eventualmente forem necessárias, a todos os casos de substituição tributária, inclusivamente sem retenção na fonte, decorre desde logo, do teor expresso da epígrafe da SECÇÃO VIII, em que está incluído o art. 132.º: «SECÇÃO VIII Da impugnação dos atos de autoliquidação, substituição tributária, pagamentos por conta e dos atos de liquidação com fundamento em classificação pautal, origem ou valor aduaneiro das mercadorias».

Nesta epígrafe nem se faz referência a «retenção na fonte», mas apenas a «substituição tributária», o que revela uma intenção legislativa, que acabou por ser mal traduzida na letra do artigo 132.º, de estabelecer um regime aplicável a todos os casos de substituição tributária.

A confusão dos conceitos, reduzindo os casos de substituição tributária aos de retenção na fonte, já vem do Código de Processo Tributário de 1991, mas poderá ter sido incentivada pelo infeliz artigo 20.º da LGT, na redacção inicial, que dizia que «a substituição tributária é efectivada através do mecanismo da retenção na fonte do imposto devido», embora fosse evidente que havia casos de substituição sem retenção na fonte.( [10] )

A Lei n.º 7/2021, de 26 de Fevereiro, na nova redacção que deu ao n.º 2 do artigo 20.º da LGT, acabou por reconhecer expressamente que há substituição tributária sem retenção na fonte ao dizer que «a substituição tributária é efetivada, designadamente, através do mecanismo de retenção na fonte do imposto devido».

Mas, no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 06-09-2023, processo n.º 67/09.6BELRS acaba por se concluir, embora sem fundamentação explícita, que o artigo 132.º do CPPT, «exprime, no plano processual, um princípio material aplicável a todos os casos de substituição tributária».

Dando alguma solidez hermenêutica a esta conclusão, poderá dizer-se que a regra se aplicará com base numa interpretação extensiva: disse-se «retenção na fonte» no artigo 132.º do CPPT quando pretendia incluir-se na SECÇÃO VIII em que aquele artigo se insere o regime da impugnação dos actos praticados no âmbito de substituição tributária, independentemente de se tratar de casos em que ela opera através de retenção na fonte.

Em última análise, se se entendesse inviável uma interpretação extensiva (apesar do seu suporte expresso na epígrafe referida), em face do reconhecimento constitucional do direito de impugnação de todos os actos lesivos, sempre se teria de concluir que se estaria perante uma lacuna de regulamentação, que importaria preencher através da aplicação do regime do artigo 132.º do CPPT, com as adaptações necessárias, por existir evidente paralelismo das situações de substituição com e sem retenção na fonte, a nível dos direitos de impugnação do substituto e do substituído, o que seria fundamento para a sua aplicação analógica.

Aplicando os n.ºs 2, 3 e 4 do artigo 132.º. conclui-se que o prazo de reclamação graciosa, quer pelo substituto quer pelo substituído, é de 2 anos a contar do termo do ano do pagamento indevido.

 

4.2.1. Prazo para pedir a revisão oficiosa no prazo da reclamação administrativa relativamente aos pagamentos efectuados em 2019

 

Relativamente aos pagamentos de Imposto do Selo efectuados no ano de 2019, o prazo de 2 anos a contar do seu termo terminaria, em princípio, em 31-12-2021.

Mas, o prazo para apresentar reclamação graciosa (como o prazo para pedir a revisão oficiosa) é de caducidade, pelo que há que ter em conta que, a partir de 09-03-2020, ficaram suspensos todos prazos de caducidade relativos a todos os tipos de processos, por força do preceituado no n.º 4 do artigo 7.º e no artigo 10.º da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de Março, com a interpretação autêntica efectuada pelo artigo 5.º da Lei n.º 4-A/2020, de 6 de Abril.

 A suspensão do prazo de caducidade manteve-se até à revogação do referido artigo 7.º operada pela Lei n.º 16/2020, de 29 de Maio, que entrou em vigor no quinto dia seguinte, isto é, em 03-06-2020, e, nos termos do artigo 6.º desta Lei os prazos de "caducidade que deixem de estar suspensos por força das alterações introduzidas pela presente lei são alargados pelo período de tempo em que vigorou a sua suspensão".

Por isso, esteve suspenso o prazo para pedir a revisão oficiosa entre 09-03-2020 e 03-06-2020, isto é, durante 87 dias.

Para além disso, nos termos do artigo 6.º-C, n.ºs 1, alínea c) e 2, daquela Lei n.º 1-A/2020, aditado pela Lei n.º 4-B/2021, de  e de Fevereiro,  os prazos para a prática de actos por particulares em procedimentos tributários, inclusivamente os prazos de interposição de procedimento de impugnação de actos tributários entre os quais se inclui o pedido de revisão oficiosa (procedimento de «natureza idêntica» à reclamação graciosa)  estiveram suspensos a partir de  22 de Janeiro de 2021, nos termos do artigo 4.º daquela Lei n.º 4-B/2021, até 6 de Abril de 2021 por força da revogação daquele artigo 6.º-C, pelo artigo 6.º da Lei n.º 13-B/2021, de 05 de Abril,  com entrada em vigor em 06-04-2021, e o prazo de caducidade foi alargado «pelo período correspondente à vigência da suspensão», nos termos do artigo 5.º desta mesma Lei.

Isto é, o prazo para pedir a revisão oficiosa esteve suspenso entre 22-01-2021 e 04-04-2021, durante 74 dias.

Assim, o prazo para pedir a revisão oficiosa, ao abrigo da 12.ª parte do artigo 78.º, n.º1, da LGT, relativamente aos pagamentos efectuados em 2019, terminou em 09-06-2022 (160 dias após o termo dos 2 anos). 

Como o pedido de revisão oficiosa foi apresentado em 20-07-2023, tem de se concluir que, relativamente aos pagamentos efectuados no ano de 2019, o pedido de revisão oficiosa não foi apresentado dentro do prazo da reclamação graciosa, pelo que não pode enquadrar-se na 1.ª parte do n.º 1 do artigo 78.º da LGT.

Falta resolver a questão de saber se o pedido de revisão oficiosa pode enquadrar-se na 2.ª parte do n.º 1 do artigo 78º da LGT, quanto às liquidações relativas ao ano de 2019.

 

 

4.2.2. Prazo para pedir a revisão oficiosa no prazo da reclamação administrativa relativamente aos pagamentos efectuados em 2020

 

Relativamente aos pagamentos efectuados em 2020, o prazo de 2 anos para reclamação graciosa a contar do termo daquele ano, começou a contar-se em 01-01-2021 e terminaria, em princípio, em 31-12-2022.

Mas, pelo que se referiu, o prazo este suspenso durante 74 dias, pelo que se conclui que o prazo terminou em 15-03-2023.

Como o pedido de revisão oficiosa foi apresentado em 20-07-2023, tem de se concluir que, relativamente aos pagamentos efectuados no ano de 2020, o pedido de revisão oficiosa não foi apresentado dentro do prazo da reclamação graciosa, pelo que não pode enquadrar-se na 1.ª parte do n.º 1 do artigo 78.º da LGT.

Falta resolver a questão de saber se o pedido de revisão oficiosa pode enquadrar-se na 2.ª parte do n.º 1 do artigo 78.º da LGT, quanto às liquidações relativas ao ano de 2020.

 

4.2.3. Prazo para pedir a revisão oficiosa no prazo da reclamação administrativa relativamente aos pagamentos efectuados em 2021

 

Aplicando as mesmas regras do artigo 132.º do CPPT, o relativamente aos pagamentos efectuados no ano de 2021, o prazo de 2 anos a contar do seu termo terminou em 31-12-2023.

Como o pedido de revisão oficiosa foi apresentado em 20-07-2023, tem de se concluir que, relativamente aos pagamentos efectuados no ano de 2021 o pedido de revisão oficiosa foi apresentado dentro do prazo da reclamação graciosa, pelo que que se enquadra na 1.ª parte do n.º 1 do artigo 78.º da LGT.

Relativamente a pedidos de revisão oficiosa enquadráveis na 1.ª parte do n.º 1 do artigo 78.º da LGT, pode ser invocada qualquer ilegalidade, independentemente de ser ou não imputável aos serviços, pelo que as liquidações de Imposto do Selo efectuadas em 2021 relativamente a comissões de comercialização enfermam de vício de violação do artigo5.º, n.º1, alínea a), da Directiva n.º 2008/7/CE, de 17-02-2008.

Por isso, as liquidações de Imposto do Selo efectuadas em 2021 têm de ser anuladas, nas partes em se reportam às comissões de comercialização cobradas nesse ano.

 

4.2.4. Questão do prazo para pedir a revisão oficiosa ao abrigo da 2.ª parte do n.º 1 do artigo 78.º da LGT

 

Como se referiu, relativamente às liquidações de imposto selo  relativas aos anos de 2019 e 2020, a possibilidade de revisão oficiosa depende do seu enquadramento na 2.ª parte do 1 do artigo 78.º da LGT em que se estabelece que a revisão pode ser efectuada no prazo de 4 anos após a liquidação, «com fundamento em erro imputável aos serviços».

No caso em apreço, as liquidações impugnadas mais antigas foram efectuadas no mês de Junho 2019.

A apresentação do pedido de revisão oficiosa ocorreu em 30-07-2023, mas, como aquele prazo de 4 anos é de caducidade e os prazos de caducidade estiveram suspensos durante 160 dias, entre 09-03-2020 e 03-06-2020 e 22-01-2021 e 04-04-2021, como se refere no ponto 4.2.1. deste acórdão.

Por isso, sendo a liquidação mais antiga de Junho de 2019, é manifesto que a apresentação do pedido de revisão oficiosa, que ocorreu em 30-07-2023, foi efectuada dentro do prazo de 4 anos, com os alargamentos referentes aos períodos de suspensão, determinados pelo artigo 6.º da Lei n.º 16/2020, de 29 de Maio, e pelo artigo 5.º da Lei n.º 13-B/2021, de 05 de Abril.

Assente que  a apresentação do pedido de revisão oficiosa ocorreu dentro do prazo previsto na 2.ª parte do n.º 1 do artigo 78.º da LGT, resta saber se a sua aplicação é possível por ter ocorrido erro imputável aos serviços.

Antes de mais, deve dizer-se que a revogação do n.º 2 do artigo 78.º da LGT, onde se ficcionava que era imputável aos serviços o erro na autoliquidação, não tem qualquer relevo para a apreciação do caso, pois não se está perante um caso de autoliquidação, mas de liquidação por terceiro ou liquidação em substituição, como se referiu no ponto 4 deste acórdão.

No entanto, também sob esta perspectiva a Autoridade Tributária e Aduaneira não tem razão, pois, como vem sendo entendido pacificamente pela jurisprudência dos tribunais superiores, constitui erro imputável aos serviços qualquer ilegalidade não imputável ao contribuinte, isto é, qualquer ilegalidade para a qual não tenha contribuído, por qualquer forma, o contribuinte através de uma conduta activa ou omissiva, determinante da liquidação, nos moldes em que foi efectuada. ( [11] )

A ilegalidade da liquidação em substituição, efectuada por terceiro, quando não é  baseada em informações erradas do contribuinte, não lhe é imputável, mas sim «aos serviços» ( [12] ), devendo entender-se que se integra neste conceito a entidade que procede à liquidação, na qualidade de substituto tributário, que assume perante quem suporta o encargo do imposto o papel da Administração Tributária na liquidação e cobrança do imposto ( [13] ).

Como se refere no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 09-11-2022, processo n.º 087/22.5BEAVR, relativamente a substituição através de actos de retenção, praticados por terceiros, «justifica-se igualmente nestas situações que os erros praticados no ato de retenção sejam imputáveis à Administração Tributária, para efeitos do disposto no nº 1 do artigo 78º da LGT, pois está fora de questão responsabilizar o contribuinte pela atuação do substituto, sob pena de violação dos seus direitos garantísticos».

Na mesma linha, refere-se no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 29-03-2023, processo 02087/15.2BEPRT, que «os actos de retenção na fonte devidamente comunicados aos serviços da administração tributária competente cabem no conceito de «actos de liquidação» para os efeitos da sua impugnação administrativa e da segunda parte do n.º 1 do artigo 78.º da Lei Geral Tributária em particular».

Apesar de este acórdão ter por objecto actos de retenção na fonte, as considerações que nele se fazem são manifestamente aplicáveis aos casos de substituição sem retenção, «não faria sentido algum que o legislador alargasse o direito à revisão aos atos de autoliquidação e deixasse de fora os atos de retenção na fonte, praticados por alguém que não é administração e que se substitui ao contribuinte».

Ainda na mesma linha, relativamente a actos de autoliquidação em que o contribuinte incorrera em erros, mas com fundamentação que, por maioria de razão, vale para os casos de liquidação por terceiro, refere-se no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 21-01-2015, processo n.º 0843/14, «tratando-se de verdadeira liquidação tributária para todos os efeitos, na medida em que o cidadão é utilizado em funções que lhe não são próprias, mas próprias de um funcionário da Administração Tributária, nos casos em que, ao mencionar os factos ou na subsunção dos mesmos ao direito, incorre em erro, esse erro não pode deixar de considerar-se como erro da própria Administração Tributária». ( [14] )

No caso em apreço, não houve qualquer intervenção dos fundos de investimento na elaboração das liquidações efectuadas pelo Banco Q... e pela Requerente, pelo que, desde logo, não há fundamento para considerar que o erro não seja imputável aos «serviços», entendidos como todos os intervenientes na liquidação dos tributos, para além do contribuinte.

Por isso, podia ser utilizado o prazo de 4 anos a contar das liquidações, previsto na 2.ª parte do n.º 1 do artigo 78.º da LGT, para pedir a revisão oficiosa dos actos de liquidação de Imposto do Selo referidos nos autos, prazo esse que é alargado pelos períodos de suspensão, como se referiu no ponto 4 deste acórdão.

Pelo exposto, conclui-se que  estão reunidos os requisitos de que depende a anulação das liquidações impugnadas e da decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa.

 

 

                       

5. Reembolso de quantas pagas e juros indemnizatórios

 

5.1. Reembolso

 

A Requerente pede reembolso do imposto pago indevidamente, no montante de
€ 122.457,89., acrescido de juros indemnizatórios.

Assim, na sequência da anulação das liquidações a Requerente tem direito a ser reembolsada das quantias pagas relativamente às liquidações impugnadas, no montante global de € 122.457,89.

No pedido de revisão oficiosa, a Requerente referiu um valor superior, por incluir também o valor do imposto do selo referente a comissões de gestão do ano de 2021, que não indicou no presente processo.

 

5.2. Juros indemnizatórios

 

No que concerne a direito a juros indemnizatórios, o TJUE tem decidido que a cobrança de impostos em violação do direito da União tem como consequência não só direito ao reembolso como o direito a juros, como pode ver-se pelo acórdão de 18-04-2013, processo n.º
C-565/11 (e outros nele citados), em que se refere:

 

21 Há que lembrar ainda que, quando um Estado-Membro tenha cobrado impostos em violação do direito da União, os contribuintes têm direito ao reembolso não apenas do imposto indevidamente cobrado mas igualmente das quantias pagas a esse Estado ou por este retidas em relação direta com esse imposto. Isso inclui igualmente o prejuízo decorrente da indisponibilidade de quantias de dinheiro, devido à exigibilidade prematura do imposto (v. acórdãos de 8 de março de 2001, Metallgeselischaft e o., C-397/98 e C-410/98, Colet., p. I-1727, n.ºs 87 a 89; de 12 de dezembro de 2006, Test Claimants in the FII Group Litigation, C-446/04, Colet., p. I-11753, n.º 205; Littlewoods Retail e o., já referido, n.º 25; e de 27 de setembro de 2012, Zuckerfabrik Jülich e o., C-113/10, C-147/10 e C-234/10, n.º 65).

 

22 Resulta daí que o princípio da obrigação de os Estados-Membros restituírem com juros os montantes dos impostos cobrados em violação do direito da União decorre desse mesmo direito da União (acórdãos, já referidos, Littlewoods Retail e o., n.º 26, e Zuckerfabrik Jülich e o., n.º 66).

 

23 A esse respeito, o Tribunal de Justiça já decidiu que, na falta de legislação da União, compete ao ordenamento jurídico interno de cada Estado-Membro prever as condições em que tais juros devem ser pagos, nomeadamente a respetiva taxa e o modo de cálculo. Essas condições devem respeitar os princípios da equivalência e da efetividade, isto é, não devem ser menos favoráveis do que as condições relativas a reclamações semelhantes baseadas em disposições de direito interno, nem organizadas de modo a, na prática, impossibilitar ou dificultar excessivamente o exercício dos direitos conferidos pelo ordenamento jurídico da União (v., neste sentido, acórdão Littlewoods Retail e o., já referido, n.ºs 27 e 28 e jurisprudência referida).   

 

No entanto, como se refere neste n.º 23, cabe a cada Estado-Membro prever as condições em que tais juros devem ser pagos, nomeadamente a respetiva taxa e o modo de cálculo.

O regime substantivo do direito a juros indemnizatórios é regulado no artigo 43.º da LGT, que estabelece, no que aqui interessa, o seguinte:

 

 

Artigo 43.º

Pagamento indevido da prestação tributária

 

1 – São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

2 – Considera-se também haver erro imputável aos serviços nos casos em que, apesar da liquidação ser efectuada com base na declaração do contribuinte, este ter seguido, no seu preenchimento, as orientações genéricas da administração tributária, devidamente publicadas.

3. São também devidos juros indemnizatórios nas seguintes circunstâncias:

a) Quando não seja cumprido o prazo legal de restituição oficiosa dos tributos;

b) Em caso de anulação do acto tributário por iniciativa da administração tributária, a partir do 30.º dia posterior à decisão, sem que tenha sido processada a nota de crédito;

c) Quando a revisão do acto tributário por iniciativa do contribuinte se efectuar mais de um ano após o pedido deste, salvo se o atraso não for imputável à administração tributária.

d) Em caso de decisão judicial transitada em julgado que declare ou julgue a inconstitucionalidade ou ilegalidade da norma legislativa ou regulamentar em que se fundou a liquidação da prestação tributária e que determine a respetiva devolução.

 

4. A taxa dos juros indemnizatórios é igual à taxa dos juros compensatórios.

5. No período que decorre entre a data do termo do prazo de execução espontânea de decisão judicial transitada em julgado e a data da emissão da nota de crédito, relativamente ao imposto que deveria ter sido restituído por decisão judicial transitada em julgado, são devidos juros de mora a uma taxa equivalente ao dobro da taxa dos juros de mora definida na lei geral para as dívidas ao Estado e outras entidades públicas.

 

            O n.º 1 do artigo 43.º da LGT reconhece o direito como quando se determinar em processo de reclamação graciosa ou impugnação judicial que houve erro imputável aos serviços.

            O pedido de revisão do acto tributário é equiparável a reclamação graciosa quando é apresentado dentro do prazo da reclamação administrativa, que se refere no n.º 1 do artigo 78.º da LGT, como se refere nos citados acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 12-7-2006, processo n.º 0402/06; de 14-11-2007, processo 0565/07; de 30-09-2009, processo n.º 0520/09; de 12-09-2012, processo n.º 0476/12;  do Pleno de 03-06-2015, processo n.º 0793/14; de 18-11-2015, processo n.º 01509/13.

            Quando o pedido de revisão oficiosa é  apresentado após o termo do prazo da reclamação graciosa, os juros indemnizatórios não são regulados pelo n.º 1 do artigo 43.º da LGT, mas sim pela alínea c) do n.º 3 do mesmo artigo, só sendo devidos decorrido um ano após o pedido de promoção da revisão oficiosa e até à data da emissão das respetivas notas de crédito, como decidiu o Pleno do Supremo Tribunal Administrativo no acórdão uniformizador m.º 4/2023, de 30-09-2020, proferido no processo n.º 040/19.6BALSB, publicado no Diário da República, I Série, de 16-01-2023.

Como se referiu sobre a questão da legitimidade, na esteira do acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 06-09-2023, processo n.º 67/09.6BELRS, deve entender-se que o regime do artigo 132.º do CPPT é aplicável a todos os casos de substituição tributária.

            Assim, o prazo da reclamação graciosa de actos de liquidação praticados pelo substituído é o de dois anos, a contar do termo do ano em que for efectuado o pagamento indevido, como resulta dos n.ºs 2 e 3 do artigo 132.º do CPPT, aplicável por remissão do seu n.º 4.

            A Requerente apresentou o pedido de revisão oficiosa em 20-07-2023, pelo que foi apresentado dentro do prazo da reclamação graciosa quanto aos pagamentos efectuados nos anos de 2021, como se referiu no ponto 4.2.3.

 

5.2.1. Pagamentos efectuados nos anos de 2019 e 2020

 

            Como se referiu, quanto aos pagamentos efectuados nos anos de 2019 e 2020, o pedido de revisão oficiosa foi apresentado para além do prazo da reclamação graciosa.        

Nos casos em que é apresentada pedido de revisão oficiosa fora do prazo da reclamação graciosa, o direito a juros indemnizatórios só existe decorrido um ano após o pedido de promoção da revisão oficiosa, nos termos do artigo 43.º, n.º 3, alínea c), da LGT, como decidiu o Pleno do Supremo Tribunal Administrativo no acórdão uniformizador n.º 4/2023, de 30-09-2020, proferido no processo n.º 040/19.6BALSB, publicado no Diário da República, I Série, de 16.01-2023.

            Assim, aplicando esta jurisprudência, não tendo decorrido mais de um ano desde a data em que foi apresentado o pedido de revisão oficiosa, o Requerente não tem direito a juros indemnizatórios, relativamente às quantias a reembolsar referentes aos anos de 2019 e 2020.

 

             5.2.2. Pagamentos efectuados no ano de 2021

           

Relativamente aos pagamentos de CSR efectuados nos anos de 2021 e 2022 o pedido de revisão oficiosa foi apresentado dentro do prazo da reclamação graciosa, referido no n.º 3 do artigo 132.º do CPPT), pelo que é equiparável a esta.

O Pleno do Supremo Tribunal Administrativo uniformizou jurisprudência, especificamente para os casos de retenção na fonte seguida de reclamação graciosa, no acórdão de 29-06-2022, processo n.º 93/21.7BALSB, nos seguintes termos:

 

Em caso de retenção na fonte e havendo lugar a impugnação administrativa do acto tributário em causa (v.g. reclamação graciosa), o erro passa a ser imputável à A. Fiscal depois de operar o indeferimento do mesmo procedimento gracioso, efectivo ou presumido, funcionando tal data como termo inicial para cômputo dos juros indemnizatórios a pagar ao sujeito passivo, nos termos do artº. 43, nºs. 1 e 3, da L.G.T.

 

Esta jurisprudência, emitida relativamente a situação de substituição tributária com retenção na fonte, é transponível para todos os casos de substituição tributária, por evidente analogia.

De resto, a situação de a Autoridade Tributária e Aduaneira manter uma situação de ilegalidade, quando devia repô-la deverá ser enquadrada, por mera interpretação declarativa, no n.º 1 do artigo 43.º da LGT, pois trata-se de uma situação em que há nexo de causalidade adequada entre um erro imputável aos serviços e a manutenção de um pagamento indevido e a omissão de reposição da legalidade quando se deveria praticar a acção que a reporia deve ser equiparada à acção. ( [15] )

Assim, na linha daquela jurisprudência, é de concluir que a Requerente tem direito a juros indemnizatórios a partir da data de 10-08-2023, em que foi proferida a decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa, relativamente aos pagamentos efectuados no ano de 2021.

Os juros indemnizatórios deverão ser calculados sobre a quantia que deve ser reembolsada, relativa ao ano de 2021, desde 10-08-2023, até integral reembolso ao Requerente, à taxa legal supletiva, nos termos dos artigos 43.º, n.º 4, e 35.º, n.º 10, da LGT, do artigo 61.º do CPPT, do artigo 559.º do Código Civil e da Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril.

 

 

6. Decisão

 

De harmonia com o exposto acordam neste Tribunal Arbitral em:

  1. Julgar improcedente a excepção suscitada pela Autoridade Tributária e Aduaneira;
  2. Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral;
  3. Anular as liquidações de Imposto do Selo que constam das facturas relativas a comissões de comercialização reproduzidas nos documentos n.ºs 1 a 6 juntos com o pedido de pronúncia arbitral;
  4. Anular parcialmente as liquidações de Imposto do Selo que constam das facturas relativas a comissões de gestão, na parte correspondente ao valor das comissões de comercialização nelas englobadas;
  5. Julgar procedente o pedido de reembolso, quanto ao valor de € 122.457,89 e condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira a pagar essa quantia à Requerente;
  6. Julgar parcialmente procedente o pedido de juros indemnizatórios, nos termos referidos no ponto 5.2.2. deste acórdão, e condenar a Administração Tributária a pagá-los à Requerente.

 

 

7. Valor do processo

 

De harmonia com o disposto nos artigos 296.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 122.457,89, indicado pela Requerente e sem oposição da Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

8. Custas

 

Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 3.060,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

 

Lisboa, 05-06-2024

 

Os Árbitros

 

 

 

(Jorge Lopes de Sousa)

(Relator)

 

 

 

(Carla Alexandra Pacheco de Almeida Rocha da Cruz)

 

 

 

 

(António de Barros Lima Guerreiro)

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

DECLARAÇÂO DE VOTO (PROC. Nº 866/2023-T).

 

 

Em minha opinião, o Tribunal Arbitral não  se deveria ter pronunciado  sobre a pretensão da Requerente de anulação do indeferimento dos pedidos  de revisão oficiosa dos atos tributários de autoliquidação de imposto do selo referentes ao período compreendido entre julho de 2019 e julho de 2021, uma vez a impugnação de  tais atos depender de reclamação prévia, a deduzir no prazo  de dois anos de dois anos, nos termos do nº 1 do art. 131º do CPPT,  de efeitos preclusivos, direito que a Requerente não exerceu atempadamente.

 

Com efeito, a apreciação da legalidade de tais atos  não cabe no âmbito das competências   do CAAD, mais especificamente, como vem definidas, no que interessa ao presente caso, pelo  art. 2º da Portaria   nº 112-A/2011, de 22/3, que exclui da vinculação da AT à jurisdição do CAAD os atos  de autoliquidação  que não tiverem sido precedidos do recurso à via administrativa, nos termos dos arts.   131º, 132º e 133º  do CPPT.

 

Aliás, segundo o  Acórdão  do Tribunal Central Administrativo Sul , de 18/5/2023, proc. 151/19.8BCLSB, o conceito de “pronúncia indevida”,  referido na   alínea a) do nº 1 do  art.º 28.ºdo RJAT, fundamento de recurso para esse Tribunal  das decisões dos tribunais arbitrais, abrange a impugnação da  decisão arbitral com fundamento na incompetência material do tribunal arbitral, vício , aliás, que, sendo de conhecimento oficioso, é  causa de nulidade e não de mera anulabilidade das retenções.

 

O ónus de reclamação prévia é consequência da alínea a) do nº 4 do art. 18º da LGT , que garante aos interessados, em caso de repercussão legal,  o direito de reclamação ou impugnação . O interesse  legítimo do contribuinte que suporta por repercussão o encargo tributário é, assim, garantido por uma ação impugnatória, em vez de , o que seria uma opção possível,  mas que o legislador não consagrou , por uma  ação para o reconhecimento de um direito.

 

Tal direito deve ser exercido, como refere essa norma , “nos termos da lei”, ou seja de acordo com a regulamentação  concreta aplicável ao  meio procedimental  ou processual utilizado

 

Esse ónus de reclamar no prazo de dois anos( e não quatro)  imposto no nº 1 do art. 131º do CPPT  é, assim ,  aplicável a quem quer que impugne a autoliquidação, desde que disponha da necessária legitimidade processual(  Decisão Arbitral nº 778/2023- T, sobre caso idêntico ao discutido no  presente processo arbitral).

 

Outro entendimento não é compatível com o art. 2º da Portaria   nº 112-A/2011.

 

Qualquer ampliação da competência dos tribunais arbitrais que resultasse de uma interpretação   extensiva desse art. 2º  ,   dependeria , nos termos do nº 2  do art. 9º do Código Civil,  de ela ter  um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso, não bastando a mera demonstração, “maxime” através da consulta dos trabalhos preparatórios  , de um mera intenção do autor da lei, que, de acordo com tal critério, não se vislumbra..

 

O meio do nº 1 do art. 131º do CPPT não é, no entanto, reservado aos sujeitos passivos, mas atribuído toda e qualquer pessoa, física ou jurídica, titular de um interesse legalmente protegido.

 

É o que resulta de quem for titular de um interesse legalmente protegido ter legitimidade procedimental, nos termos do art. 65º da LGT..

 

No entanto, segundo o nº 2 desse art. 131º, quando estiver exclusivamente em causa matéria de direito e a autoliquidação tiver sido efetuada de acordo com orientações genéricas emitidas pela administração tributária, não há lugar à reclamação necessária prevista no n.º 1.

 

A aplicação desse nº 3 do art. 131º do CPPT, exceção à regra da reclamação prévia necessária dos atos de autoliquidação depende, assim, de dois requisitos cumulativos.

 

a) O erro na  autoliquidação ser somente de direito.

 

b) O contribuinte ter seguido na autoliquidação  as instruções genéricas da administração tributária, considerando-se para esse efeito, nos termos dos nºs 1 e 3 do art. 55º do CPPT,  apenas as orientações necessariamente de carácter abstrato, sancionadas pelo seu dirigente máximo  visando a uniformização da interpretação e aplicação das normas de direito tributário,  constantes de circulares administrativas devidamente publicadas.  

 

O indeferimento anterior de reclamação graciosa com os mesmos fundamentos de direito da impugnação da  autoliquidação  não pode ser considerado orientação genérica, já que o objeto do ato  é a apreciação da legalidade de um concreto ato de liquidação, não vinculando os serviços a decidir ulteriormente do mesmo modo (nesse sentido, Acórdão do STA de 19/1/2023, no proc. 01917/214BELRS, ainda não publicado por, tendo sido admitido recurso de revista por Acórdão de 24/5/2023, não ter ainda transitado em julgado).

 

Nenhuma Circular administrativa, na data das liquidações, determinou que  as operações sobre unidades de participação em  fundos de investimento estavam sujeitas a imposto de selo e, em boa verdade, também o não poderia fazer, por  não haver base legal para isso.

 

Com efeito, a  P... (P...) , entidade  comercializadora dos fundos administrados pela Requerente, é uma Caixa Económica Bancária regida pelo Regime Jurídico das Caixas Económicas (DL 190/2015, de 10/9).

 

A sua transformação em sociedade anónima, ocorrida em 2017, implicou, como é fato público e notório, a alteração dos seus estatutos e consequente modelo de administração, deixando de ser uma mera associação mutualista para passar a ser uma instituição financeira de base mutualista, sujeita em aspetos essenciais aos mesmos  princípios dos bancos universais, adquirindo, assim, para efeitos da verba 17.3.3 da Tabela Geral, a condição de sujeito passivo de imposto de selo.

 

Apesar de sujeitos,  os serviços financeiros remunerados com essa comissão de gestão estavam, no entanto. isentos, de imposto de selo  enquanto  operações sobre certificados representativos de unidades de participação emitidos por fundos de investimento mobiliário ou imobiliário(artºs. 4º do DL nº 20/86, de 13/2, e 8º do DL nº 1/87, de 3/1).

 

Esse benefício não estava sujeito  ao prazo de caducidade dos benefícios fiscais do nº 1 do art. 3º do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF), de acordo com o qual as normas que consagram os benefícios fiscais constantes das partes ii e iii do Estatuto vigoram durante um período de cinco anos,  salvo quando disponham em contrário.Com efeito, a regra da caducidade apenas é aplicável a uma parte dos benefícios fiscais , os previstos nas partes I e II do EBF  , mas não aos benefícios fiscais previstos  nos códigos tributários ou em legislação avulsa.

 

Por operações sobre certificados representativos de unidades de participação emitidos por fundos de investimento mobiliário isenta de imposto de selo nos termos do art. 4º do  DL nº 20/986 deveriam entender-se:

-  as comissões cobradas aos participantes  no ato de subscrição de novas unidades de participação, com base geralmente  numa percentagem pré-fixada, como é o caso do presente processo..

- as  comissões de resgate  debitadas aos participantes sobre o valor patrimonial líquido das unidades de participação na data-valor do respetivo reembolso (ou resgate), calculada  também com base numa percentagem pré-fixada.

- as comissões de gestão pagas  periodicamente pelos OICs  à entidade gestora, destinadas a cobrir as suas despesas e a remunerar os seus serviços de gestão., que pode ser composta por uma componente fixa (calculada com base numa percentagem pré-fixada, sobre o valor patrimonial líquido do OIC) e por uma componente variável (resultante da valorização do património dos OICs).

- as comissões de depósito destinadas a remunerar os serviços do depositário; igualmente  calculadas com base numa percentagem pré-fixada, sobre o valor patrimonial líquido do património do Fundo.

Tais comissões eram reguladas  a quando dos factos pela   Lei nº 16/2015, de 24/2, e atualmente pelo Regime Geral de Gestão de Ativos, DL  nº 27/2023, de 28/4: O DL nº 7/2015, de 13/1, limitou-se a proceder à revisão dos  benefícios fiscais aos OICs em sede de imposto sobre o rendimento, deixando de lado o imposto de selo.

 

É igualmente público e notório que, a  quando da preparação do Orçamento de Estado para 2018 ,  que viria a integrar  a Lei nº 71/2018 de 31/12, , foi anunciada por entidades que colaboram com o setor financeiro a revogação do DL nº 20/86.

 

A Lei  nº 71/2018, no entanto, não foi de encontro a essas expectativas, já que não  contém qualquer norma revogatória desse tipo.

 

Várias instituições financeiras, passaram a liquidar e cobrar imposto de selo sobre as comissões de gestão, o que teria base legal de acordo as  Decisões  Arbitrais nºs 107/2022-7 e 578/2022-T, que  nesta parte não se  acompanham.

 

Esse benefício terminaria apenas,  com a alínea d) do art. 5º da Lei nº 28/2021,  de18/5, que expressamente  aboliu todo o DL n~2/86. ,determinando o  art. 17º que  a determinação expressa de não vigência de atos legislativos feita por essa  Lei não alteraria o momento ou os efeitos daquela cessação de vigência.

 

Apenas a Informação  Vinculativa  2020000510, n.º 17743 com despacho concordante de 15/4/2021 , da Diretora-Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira, na perspetiva  da então  iminente alteração legislativa, esclareceria a sujeição a  imposto de selo das comissões de gestão dos fundos de investimento mobiliário estarem sujeitas e não isentas do imposto de selo

 

Não se vê, assim, como possam ser imputáveis aos serviços liquidações que estes foram alheios, que foram efetuadas sem a vontade ou conhecimento da administração tributária.

 

É certo que, segundo o   acórdão do STA  de 12/12/2001, proferido no rec. 26.233:   “ havendo erro de direito na liquidação, por aplicação de normas nacionais que violem o direito comunitário e sendo ela efetuada pelos serviços, é à administração tributária que é imputável esse erro, sempre que a errada aplicação da lei não tenha por base qualquer informação do contribuinte.

 

Ainda segundo tal Acórdão, esta imputabilidade aos serviços seria  “independente da culpa de qualquer dos seus funcionários ao efetuar liquidação afetada por erro» já que a administração tributária está genericamente obrigada a atuar em conformidade com a lei , nos termos do  nº 1 do art. 266°, e do art.  55° da LGT), pelo que, independentemente da prova da culpa de qualquer das pessoas ou entidades que a integram, qualquer ilegalidade não resultante de uma atuação do sujeito passivo será imputável a culpa dos próprios serviços”.

 

Essa jurisprudência pressupõe, no entanto, ao contrário do presente caso, uma liquidação efetuada pelos “serviços” e não pela administração fiscal (acórdãos do STA nºs 114/02, de 2975, e 772/04,de 11/7).

 

Posteriormente, o  Acórdão  do STA de 21/5/2015,  proc. 0843/14, pronunciar-se-ia no sentido em que , por  a autoliquidação  consistir em uma  verdadeira liquidação tributária para todos os efeitos, na medida em que o cidadão é utilizado em funções que lhe não são próprias, mas próprias de um funcionário da Administração Tributária, nos casos em que o seu autor , ao mencionar os factos ou o subsumi-los  ao direito, incorra em erro, esse erro não pode deixar de ser imputado à Administração Tributária.

 

Da doutrina desse Acórdão, a não ser  a partir de citações isoladas deslocadas do contexto,   não se pode, no entanto, inferir uma pretensa responsabilidade objetiva, independente da culpa da administração fiscal  pelos atos praticados pelos substitutos tributários ou  repercutentes,, artificialmente transformados para o efeito  em “serviços” ou funcionários desses “serviços”.

 

Diz-se, com efeito,  também nesse Acórdão .

 

“Por isso se o contribuinte no cumprimento duma norma legal procede a uma liquidação que a lei lhe impõe e essa norma vem posteriormente a ser declarada inconstitucional todos os efeitos decorrentes de uma aplicação viciada apesar de serem obrigatoriamente anulados, o certo é que tal anulação não decorre de qualquer conduta da Administração Tributária nem de erro por si praticado que se refletiria na esfera da AT

 

Esse vício,  reitera-se , não podendo ser atribuído ao contribuinte e consequentemente também o não podendo in casu ser atribuído à AT não pode legitimar a condenação nos juros indemnizatórios pedidos ao abrigo do art.  43 da LGT por se não verificar um pressuposto de facto constitutivo de tal direito – o erro imputável ao serviços da AT”.

 

A sujeição a juros indemnizatórios depende, assim, da inexigibilidade  da outra conduta á administração tributária , que acontece quando esta, por exemplo em virtude do princípio da legalidade, aplica normas só posteriormente declaradas ilegais ou inconstitucionais. nesse caso, nos termos da alínea d) do nº 3 do art. 43º da LGT os juros indemnizatórios apenas são reconhecidos em caso de decisão judicial transitada em julgado que declare ou julgue a inconstitucionalidade ou ilegalidade da norma legislativa ou regulamentar em que se fundou a liquidação da prestação tributária e que determine a respetiva devolução.

 

Só nesse caso de não   exigibilidade de comportamento diverso  há “erro imputável aos serviços”, a não ser na bizarra hipótese de o legislador,  ter usado no mesmo instrumento normativo em sentidos diferentes,

 

Com  a  revogação expressa, operada pela alínea h) do nº 1 do art. 215º da Lei nº 7-A/2016, de 30/3, do  nº 2 do art. 78º da LGT que ficcionava como imputável aos serviços  ,  para efeitos da aplicação  do nº 1 do art. 78º, .sem prejuízo dos  ónus legais de reclamação ou impugnação o erro na autoliquidação,  operada, muito antes dos factos  sobre que recai o presente pedido de pronúncia arbitral,  o erro na autoliquidação deixou de   ser imputável  á  administração fiscal.

 

Durante o período de vigência desse nº 2 , o STA considerou o anterior nº 1 aplicável à retenção da fonte, dado esta integrar uma liquidação.

Citando essa jurisprudência (Acórdão do STA de 8/5/2024, proc. 0512716.4BESNT):

“A apresentação da declaração periódica de rendimentos nos termos do art 120.º do Código do IRC constitui uma forma de autoliquidação do imposto. É o que resulta, designadamente, da alínea a) do  art, 89.ºdo mesmo Código.

Embora a expressão «ato tributário» não seja utilizada nas leis tributárias sempre com o mesmo sentido, o n.º 1 do artigo 78.º da Lei Geral Tributária, ao aludir à «revisão dos atos tributários pela entidade que os praticou» parece excluir do seu âmbito a autoliquidação, porque a revisão da autoliquidação nunca é efetuada pela entidade que a efetuou.

Mas o seu n.º 2 (antes da sua revogação pela alínea h) do n.º 1 do artigo 215.º da Lei n.º 7-A/2016) infirmava este entendimento, porque considerava imputável aos serviços, para os efeitos daquele n.º 1, «o erro na autoliquidação».

Por outro lado, a alínea ) do nº 2 do  art, 95.º, da LGT inclui expressamente nos atos de liquidação de tributos (que são atos tributários por inerência) os «atos de autoliquidação».

O que sucede porque, sendo muito discutida a natureza jurídica da «autoliquidação», da retenção na fonte e e do «pagamento por conta» e estando em causa o acesso à justiça tributária, o legislador entendeu que não poderia subsistir qualquer indefinição neste domínio.

Assim, deve entender-se que, embora tivesse em vista principalmente os atos de liquidação administrativa, o legislador pretendeu que também os «atos de autoliquidação» de impostos fossem suscetíveis de revisão nos termos daquele dispositivo legal.

Ora, esta constatação ajuda-nos a interpretar corretamente a segunda parte do preceito. Porque, se os «atos de autoliquidação» são «atos de liquidação de tributos» para este efeito, a expressão «…no prazo de quatro anos após a liquidação» deve ser interpretada com um sentido igualmente abrangente.

Ou seja, no sentido de que a revisão pode ser efetuada «…no prazo de quatro anos após a autoliquidação», quando for a autoliquidação o ato a rever.

Só assim, não seria se resultasse da própria norma que a expressão fosse ali utilizada num sentido diverso.

Dizendo de outro modo: se o legislador pretendesse relacionar o prazo de quatro anos com a nota administrativa que fosse emitida depois da autoliquidação teria a obrigação de o dizer expressamente. Precisamente porque teve o cuidado de dizer expressamente que considera «liquidação» a «autoliquidação» quando esta exista.

A confirmar o acerto desta interpretação, vem o  nº 1 do art. 131º do CPPT. Porque, também ali o termo inicial do prazo de impugnação da autoliquidação foi relacionado com a apresentação da declaração do contribuinte e não com a nota administrativa de liquidação que lhe pudesse suceder.

E bem se compreende que assim seja. Porque o dever do pagamento do imposto autoliquidado também está relacionado com a apresentação da declaração – art,  109.º do Código do IRC. O que significa que a tutela dos direitos de defesa do contribuinte não pode ficar dependente da prática de um ato da administração ou da emissão e um documento administrativo”.

Á luz dessa jurisprudência, a eliminação do nº 2 do art 78º da LGT implica a cessação da equiparação  da  retenção na fonte à autoliquidação.

 

Ao contrário do que sustenta a Decisão Arbitral,  o sujeito passivo do imposto de selo, como do IVA,  não é  um substituto tributário, desempenhando funções públicas por delegação.

 

Isso apenas seria possível se, na liquidação e cobrança do imposto de selo as instituições financeiras agissem, não por  em  seu nome e por sua conta, mas  em nome por conta dos seus clientes( Acórdãos do TJUE nos procs. C- 618/11,  C-637/11 e C-659/11, sobre questão idêntica colocada a propósito do  IVA).

 

Quando liquida e cobra imposto de selo, como  no entanto, o banco cumpre, assim,  um dever próprio ,  não agindo como substituto de qualquer terceiro, incluindo o que suporta o encargo do imposto.

 

É o caso de do imposto de selo, em que a liquidação do imposto não se integra na figura da substituição tributária, mas da autoliquidação  ( Acórdão do STA  de 9/1/22, proc. 087/22. 5BEAVR). 

 

Ainda que assim não fosse, ou seja, a liquidação do imposto de selo integrasse o fenómeno da substituição tributári,a a pretensão em causa estaria excluída da jurisdição arbitral.

 

A impugnação na retenção na fonte pelo substituído tributário , no caso, a Requerente, é regulada pelo nº3 ,   por remissão,   do  subsequente nº 4, ambos  fazendo parte do art. 132º do CPPT, dependendo o regime aplicável de a retenção na fonte ser  definitiva ou por conta do imposto devido a final.

 

Com efeito, segundo esse nº4 , á   impugnação pelo substituído da retenção que lhe tiver sido efetuada, é aplicável o nº 3 anterior,  salvo quando a retenção tiver a mera natureza de pagamento por conta do imposto devido a final, caso em que o erro na retenção deve ser impugnado, não autonomamente ,  mas  no próprio  ato tributário de liquidação.

 

É  uma consequência lógica do princípio da impugnação unitária do ato tributário consagrado no art. 54º do  CPPT, em que os vícios dos chamados atos interlocutórios são impugnados nessa liquidação.

 

A impugnação na retenção na fonte pelo substituído tributário , no caso, a Requerente, é regulada pelo nº3 ,   por remissão,   do  subsequente nº 4, ambos  fazendo parte do art. 132º do CPPT, dependendo o regime aplicável de a retenção na fonte ser  definitiva ou por conta do imposto devido a final.

 

Com efeito, segundo esse nº4 , á   impugnação pelo substituído da retenção que lhe tiver sido efetuada, é aplicável o nº 3 anterior,  salvo quando a retenção tiver a mera natureza de pagamento por conta do imposto devido a final, caso em que o erro na retenção deve ser impugnado, não autonomamente ,  mas  no próprio  ato tributário de liquidação.

 

É  uma consequência lógica do princípio da impugnação unitária do ato tributário consagrado no art. 54º do  CPPT, em que os vícios dos chamados atos interlocutórios são impugnados nessa liquidação.

 

 Segundo tal nº 3 do art. 132º, o substituto que quiser impugnar reclamará graciosamente para o órgão periférico regional da administração tributária competente no prazo de 2 anos a contar do termo do prazo no nº1 , que impõe ao substituto tributário o dever de descontar o imposto entregue a mais  nas entregas seguintes da mesma natureza do ano do pagamento o indevido.

 

Tal prazo, como da reclamação da autoliquidação, seria sempre  perentório.

 

Ainda que indevidamente se assimilasse o sujeito passivo do imposto de selo ao substituto,  a Requerente não cumpriu do mesmo modo a condição de  o que  depende

o seu acesso à jurisdição arbitral.

 

Lisboa, 11/6/2024

 

O Árbitro Adjunto

 

 

(António Lima Guerreiro)

 

 

 

 

 



( [1] )        No conceito de «liquidação», em sentido lato, englobam-se todos os actos que se reconduzem a aplicação de uma taxa a uma determinada matéria colectável e, por isso, também os actos de retenção na fonte (para além dos de autoliquidação e pagamento por conta, que não interessam para a decisão do presente processo).

( [2] )        Aliás, o Supremo Tribunal Administrativo tem apreciado sempre a questão da tempestividade de pedidos de revisão oficiosa quando é colocada em recursos interpostos em processos de impugnação judicial como pode ver-se, entre muitos, pelos acórdãos de 05-11-2014, processo n.º 01474/12, de 04-05-2016, processo n.º 0407/15, e de 08-03-2017, processo n.º 01019/14.

[3] CASALTA NABAIS, Direito Fiscal, 7.ª edição, páginas 293, 294, 301, 320 e 352.

Na mesma linha, LOURENÇO VILHENA DE FREITAS, A Autoliquidação: Contributo para uma análise da sua natureza jurídica, publicado em Ciência e Técnica Fiscal, n.º 405, página 21: 

«Posto isto, cumpre dizer que a substituição tributária diverge da autoliquidação sendo certo que têm em comum a causa - o princípio da eficácia funcional tributária - e, em parte os efeitos - ambos implicam um acto de "accertamento" da dívida tributária - e, eventualmente uma identidade de teor subjectivo - ambos os actos implicam eventualmente a liquidação por privados.

Verificam-se, contudo, diferenças quanto aos sujeitos, dado que existe uma heteronomia subjectiva, na substituição, por definição o sujeito sobre quem impende o dever declarativo, encarregue da liquidação e do cumprimento de outras obrigações conexas, é diferente do verdadeiro sujeito passivo ao passo que, diferentemente, na autoliquidação o sujeito sobre que impendem os deveres declarativos e o dever de liquidação coincide com o sujeito passivo.»

[4] Neste sentido, podem ver-se, entre muitos, os seguintes Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo: de 25-10-2000, processo n.º 25128, publicado em Apêndice ao Diário da República de 31-1-2003, página 3757; de 7-11-2001, processo n.º 26432, publicado em Apêndice ao Diário da República de 13-10-2003, página 2602; de 7-11-2001, processo n.º 26404, publicado em Apêndice ao Diário da República de 13-10-2003, página 2593.

[5] Neste sentido tem vindo a entender uniformemente o Supremo Tribunal Administrativo Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 12-07-2006, proferido no processo n.º 0402/06. de 14-11-2007, processo n.º 0565/07. de 18-11-2015, processo n.º 01509/13. do Pleno de 03-06-2015, processo n.º 0793/14.

[6] SÉRGIO VASQUES, Manual de Direito Fiscal, 2011, página 333.

[7] SÉRGIO VASQUES, Manual de Direito Fiscal, 2011, página 333.

[8] Como, no essencial, entendeu o Supremo Tribunal Administrativo no acórdão de 06-09-2023, processo n.º 067/09.6BELR, identificando «o princípio segundo o qual tem direito ao reembolso o substituto em caso de entrega em excesso e o substituído em caso de pagamento ou retenção em excesso».

[9] Como já era entendimento doutrinal anterior, como pode ver-se em CASALTA NABAIS, Direito Fiscal, 7.ª edição, 2012, página 255, SÉRGIO VASQUES, Manual de Direito Fiscal, 2011, página 333, e ANA PAULA DOURADO, Direito Fiscal – Lições, 2016, página 73.

[10] Ao  tempo da aprovação do Código de Processo Tributário, havia lugar a substituição tributária se retenção na fonte relativamente a várias taxas, como, por exemplo, a  «taxa anual de radiodifusão», prevista no Decreto-Lei n.º 389/76, de 24 de Maio, em cujo artigo 2.º, n.º 1, se estabelece que «é instituída uma taxa anual de radiodifusão de âmbito nacional, a cobrar em duodécimos, mensal e indirectamente, por intermédio das distribuidoras de energia eléctrica, a ela ficando sujeitos os consumidores domésticos de iluminação e outros usos».

Outro exemplo, é a «taxa de seguração» criada pelo DL n.º 102/91 de 8 de Março, que opera através de um mecanismo de substituição tributária, nos termos do qual a operadora de transporte aéreo substitui o INAC na cobrança da taxa aos passageiros e substitui-se aos passageiros na entrega do seu valor ao INAC, a que se refere o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 06-09-2023, processo n.º 67/09.6BELRS.

[11] Essencialmente neste sentido, podem ver-se os seguintes acórdãos:

– do Tribunal Central Administrativo Sul de 23-03-2017, processo n.º 1349/10.0BELRS;

– do Tribunal Central Administrativo Norte de 05-03-2020, processo n.º 00412/12.7BEPRT;

– do Tribunal Central Administrativo Sul de 05-11-2020, processo n.º 325/05.3BEALM.

[12] Os «serviços» são, na LGT, um conceito que não se restringe aos actos praticados pela Administração Tributária, como se depreende do n.º 2 do artigo 43.º e do actualmente revogado n.º 2 do artigo 78.º da LGT.

De resto, há actos tributários que tanto podem ser praticados por entidades públicas como privadas, como sucede, por exemplo, com os emolumentos notariais e impostos cobrados por notários, que podem ser entidades públicas ou privadas.

[13]  CASALTA NABAIS, Direito Fiscal, 7.ª edição, 2012, página 256: «muito embora tanto em termos legais como em termos doutrinais a substituição tributária seja definida exclusivamente com referência ao contribuinte, o certo é que a figura da substituição não deixa, a seu modo, de se reportar também à Administração Fiscal. Efectivamente, no quadro actual da “privatização” da administração ou gestão dos impostos, o substituto tributário acaba, de algum do, por “substituir” também a Administração Fiscal na liquidação e cobrança dos impostos. O que, de algum modo,  não deixa de ser denunciado pela inserção sistemática dos deveres de retenção na fonte os quais aparecem integrados no Código do IRS no capítulo do pagamento e no Código do IRC no capítulo relativo à liquidação». 

ANA PAULA DOURADO, Direito Fiscal – Lições, 2016 (reimpressão): «Os deveres de retenção e entrega do tributo significam a delegação do exercício de uma atividade que em princípio deveria caber ao fisco, mas entende-se que o exercício destas funções no interesse público, não restringe desproporcionalmente o direito ao exercício de atividades privadas e por isso não é inconstitucional».

[14] Entendimento reafirmado pelo Supremo Tribunal Administrativo no acórdão de 18-11-2020, proferido no processo n.º 02342/12.3BELRS 0400/18.

[15]          ANTUNES VARELA, Das Obrigações em Geral, 10.ª edição, página 528:

              «A omissão, como pura atitude negativa, não pode gerar física ou materialmente o dano sofrido pelo lesado; mas entende-se que a omis­são é causa do dano, sempre que haja o dever jurídico especial de praticar um acto que, seguramente ou muito provavelmente, teria impedido a consumação desse dano».