SUMÁRIO:
I – A designação que o legislador adoptou para uma parcela do ISP que, durante algum tempo, foi dele legalmente autonomizada, é irrelevante para determinar a sua natureza jurídica.
II – Todos os tribunais arbitrais são dotados da competência da competência e esta implica que possam determinar a natureza jurídica das situações que lhe podem ser submetidas.
III – Tendo sido formulados pedidos de declaração de ilegalidade dos actos de repercussão da CSR e de actos de liquidação desta por parte de Requerentes que não são sujeitos passivos de ISP/CSR, importa aferir preliminarmente a possibilidade de o Tribunal arbitral se pronunciar sobre uns e sobre outros.
IV – Uma vez que a competência dos Tribunais arbitrais se circunscreve, no aqui relevante, à avaliação de actos de liquidação, os actos de repercussão são, qua tale, inarbitráveis.
V – Os únicos factos relevantes para apurar a legitimidade das Requerentes para impugnar os actos de liquidação da CSR são os referentes às relações estabelecidas com os sujeitos passivos que intervieram nesses actos.
VI – Havendo um regime especial de revisão no Código dos Impostos Especiais de Consumo, para o qual remetia o n.º 1 do artigo 5.º da Lei n.º 55/2007, o círculo dos potenciais impugnantes dos actos de liquidação da CSR coincide necessariamente com o círculo dos potenciais credores do reembolso (até porque só eles podem invocar um interesse relevante) e está delimitado no artigo 15.º, n.º 2, do CIEC.
DECISÃO ARBITRAL
-
RELATÓRIO
-
No dia 29 de Setembro de 2023, na sequência da presunção de indeferimento tácito de um pedido de promoção de revisão oficiosa apresentado em 10 de Março de 2023 junto da Alfândega do Jardim do Tabaco,
-A..., LDA., titular do número único de pessoa coletiva ..., com sede em ..., ..., ..., ...-... ... ( A..., Lda.),
- B..., LDA., titular do número único de pessoa coletiva..., com sede em ..., ..., ..., ...-... ... (B...),
-C..., LDA., titular do número único de pessoa coletiva ..., com sede em ..., ..., ..., ...-... ... (C...), e
-D..., LDA., titular do número único de pessoa coletiva..., com sede em..., ..., ..., ...-... ... (D...)
(Requerentes), apresentaram pedido de constituição de tribunal arbitral, nos termos do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, al. a), 3.º-A, n.º 2, e 10.º, n.º 1, al. a), e n.º 2, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária - RJAT).
-
Pretendiam que fosse declarada “a ilegalidade dos atos de repercussão da CSR [Contribuição de Serviço Rodoviário] consubstanciados nas faturas referentes ao gasóleo rodoviário e à gasolina adquiridos pelas Requerentes durante o período compreendido entre março de 2019 e novembro de 2022 e, bem assim, das correspondentes liquidações de CSR praticadas pela Administração [Sic] Tributária e Aduaneira com base nas DIC [Declaração de Introdução no Consumo] submetidas pela respetivas Fornecedoras de Combustíveis”, no montante total de € 1.811.082,57 (um milhão, oitocentos e onze mil, oitenta e dois euros e cinquenta e sete cêntimos).
-
Em 12 de Outubro, a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT ou Requerida) apresentou requerimento, dirigido ao Presidente do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), nos seguintes termos:
“A AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (AT), notificada em 9/10/2023 do pedido de constituição de tribunal arbitral no processo supramencionado, apresentado por A..., LDA. E OUTRAS., NIPC ..., vem informar, que analisado o pedido, não detetou a identificação de qualquer ato tributário. Identificação que, aliás, também não consta da plataforma do Centro de Arbitragem Tributária.
Tendo em conta, que
a) A competência dos tribunais arbitrais, que funcionam no CAAD, abrange exclusivamente a apreciação direta da legalidade de ato(s) de liquidação ou de ato(s) de segundo ou terceiro grau que tenham por objeto a apreciação da legalidade de ato(s) daquele tipo, conforme decorre do n.º 1, do artigo 2.º do RJAT e como se depreende das referências expressas que se fazem na alínea a), do n.º 1, do artigo 10.º, do RJAT ao n.º 2 do artigo 102.º do CPPT;
b) Conforme dispõe expressamente a alínea b), do nº 2, do artigo 10º do RJAT, do requerimento em que é formulado o pedido de constituição de tribunal arbitral deve constar a identificação do ato ou atos tributários objeto do pedido de pronúncia arbitral;
c) Sem a identificação, por parte dos interessados, do ato ou atos tributários, cuja ilegalidade é invocada, não pode o dirigente máximo da AT exercer a faculdade prevista no artigo 13.º do RJAT.
Solicita-se que seja(m) identificado(s) os ato(s) de liquidação cuja legalidade o requerente pretende ver sindicada, entendendo-se que o termo inicial do prazo para o exercício da faculdade prevista no artigo 13º do RJAT só ocorre após a notificação, à Autoridade Tributária e Aduaneira, da identificação, em concreto, do(s) ato(s) de liquidação cuja ilegalidade é suscitada.”
-
Nomeados os árbitros que constituem o presente Tribunal Arbitral em 22 de Novembro de 2023, e não tendo nem a Requerente nem a Requerida suscitado qualquer objecção, o Tribunal Arbitral ficou constituído em 14 de Dezembro.
-
Tendo o Presidente do CAAD entendido que seria o Tribunal Arbitral a entidade competente para a pronúncia sobre o requerido pela AT, foi o requerimento referido em 3. integrado nos autos. Porém, sendo ele dirigido a entidade alheia ao Tribunal Arbitral Colectivo, entendeu este que a pretensão da Requerida poderia ser-lhe apresentada na sua resposta, razão pela qual, em 10 de Julho, foi proferido despacho a convidar a AT a, querendo, apresentá-la e solicitar a produção de prova adicional no prazo de 30 dias.
-
Em 25 de Janeiro, a AT apresentou resposta – em que, entre o mais, suscitou as excepções adiante apreciadas e, para o caso da sua improcedência, solicitou a intervenção provocada da “Fornecedora de Combustíveis” à Requerente (a E..., SA) – e juntou o processo administrativo (PA).
-
Em 9 de Fevereiro, a AT solicitou a junção aos autos da decisão proferida no processo n.º 332/2023 “relativa a pedido de reembolso de CSR, em moldes similares ao do presente processo”.
-
Em 1 de Abril, foi proferido despacho que, entre o mais, concedia prazo às Requerentes para “exercer o contraditório, por 15 dias, sobre as excepções invocadas pela AT ou resultantes da decisão que esta fez juntar aos autos.”.
-
Em 23 de Abril, as Requerentes apresentaram a sua réplica e juntaram aos autos cópias de sete decisões proferidas por tribunais constituídos no CAAD (nos processos 294/2023-T, 374/2023-T, 465/2023-T, 486/2023-T, 298/2023-T, 410/2023-T e 676/2023-T).
-
Em 15 de Maio, a Requerente solicitou a junção aos autos de quatro declarações idênticas da E..., SA, assinadas por “F...”. Como só a entidade mencionada era diferente, reproduz-se o seu texto comum e, entre parêntesis rectos, a identificação das destinatárias dos fornecimentos:
“E..., S.A., pessoa coletiva n.º..., com sede na Rua ..., ..., ...-... Lisboa, pela presente declara, para os devidos efeitos, que a Contribuição de Serviço Rodoviário por si entregue, na qualidade de sujeito passivo, junto dos cofres do Estado, por referência ao combustível rodoviário fornecido à
[D..., Lda, com o número de identificação de pessoa coletiva...;
B..., Lda, com o número de identificação de pessoa coletiva...;
A..., Lda, com o número de identificação de pessoa coletiva...;
C..., Lda, com o número de identificação de pessoa coletiva ...],
nos anos de 2019 a 2022, foi por si integralmente repercutida na esfera da referida empresa.”
-
Na mesma ocasião, a Requerente juntou outra declaração, em papel timbrado (e com carimbo) da G..., Lda., com assinatura de “G...”, do seguinte teor:
“a G..., Lda., pessoa coletiva nº..., com sede em ..., ..., ...-... ..., vem declarar, que no âmbito da relação comercial existente na aquisição de combustíveis, do período de 01/01/2019 a 31/12/2022 por parte da vossa empresa B..., LDA, pessoa coletiva nº...; A..., Lda, com o número de identificação de pessoa coletiva..., foi por si integralmente repercutida na esfera da referida empresa.”
-
PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS
-
O tribunal arbitral foi regularmente constituído.
-
Requerentes e Requerida gozam de personalidade e de capacidade judiciárias e encontram-se regularmente representadas.
-
Importa estabelecer preliminarmente – e oficiosamente – se o pedido de pronúncia arbitral (PPA) se contém no âmbito das atribuições do tribunal arbitral e, atentas também as excepções invocadas pela AT, a da sua legitimidade passiva e a da legitimidade activa das Requerentes.
-
É o que se verá a seguir.
-
DIREITO
III.1. Questões a decidir
Seguindo o percurso argumentativo das decisões dos processos n.os 296/2023-T e 332/2023, ambas de 1 de Fevereiro de 2024, com as devidas adaptações às circunstâncias do caso, entende o presente Tribunal que o primeiro núcleo de questões a discutir é o da arbitrabilidade da disputa.
Isso supõe estabelecer, em primeiro lugar, duas coisas:
a) que a jurisdição arbitral pode aferir se a CSR é um imposto ou uma contribuição;
b) que, sendo uma contribuição, ainda assim está dentro do perímetro de jurisdição atribuída legalmente aos Tribunais Arbitrais do CAAD e está compreendida no âmbito de vinculação que foi fixado para a AT pela Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março (que “Vincula vários serviços e organismos do Ministério das Finanças e da Administração Pública à jurisdição do Centro de Arbitragem Administrativa”, em cumprimento do disposto no n.º 1 do artigo 4.º do RJAT).
Ambas as questões são puramente de Direito.
Em segundo lugar, e caso se conclua pela competência do Tribunal para decidir sobre matérias atinentes à CSR, importa apurar se é igualmente competente para se pronunciar sobre ambos os pedidos das Requerentes: sobre os actos de repercussão de que alega terem sido sujeitos passivos e sobre os actos de liquidação que ocorreram a montante desses.
Um segundo núcleo de questões é o que se prende com a posição das Requerentes no processo arbitral. Assim, passado o anterior nível de análise, importa avaliar:
a) se foi liquidada CSR às Requerentes, ou, pelo menos, se adquiriram combustíveis a alguém que a tenha pago; para se aferir da viabilidade de cada um dos dois pedidos formulados pelas Requerentes a matéria de facto relevante é apenas essa;
b) a legitimidade e interesse das Requerentes em relação aos dois pedidos formulados (ou só em relação àquele que seja considerado arbitrável, se algum), uma vez que os requisitos para se conhecer da “ilegalidade dos atos de repercussão da CSR consubstanciados nas faturas referentes ao gasóleo rodoviário e à gasolina adquiridos pelas Requerentes” (que é o pedido – e o interesse – imediato destas) não são idênticos aos que se colocam para se poder decidir sobre “a ilegalidade (…) das correspondentes liquidações de CSR praticadas pela Administração [Sic] Tributária e Aduaneira com base nas DIC submetidas pelas respetivas Fornecedoras de Combustíveis” (que constitui o pedido “consequencial” das Requerentes);
c) a admissibilidade da coligação de requerentes e da cumulação de pedidos.
Um terceiro núcleo de questões a discutir – caso se ultrapassem as anteriores – é o da regularidade do PPA. Isso implica estabelecer, em primeiro lugar, que
a) o PPA não era inepto (por não identificação dos actos de liquidação visados, como foi alegado pela AT, ou por contradição entre o pedido e a causa de pedir); e que
b) o que o PPA visa não é uma pronúncia abstracta sobre o regime da CSR (como entende a AT).
Um quarto núcleo de questões, se acaso se resolverem positivamente as anteriores, tem a ver com a regularidade do pedido de revisão oficiosa, pressuposto necessário, desde logo, da tempestividade do pedido arbitral. No caso, isso passaria por estabelecer:
a) a legitimidade da Requerente para solicitar essa “revisão oficiosa” (sendo certo que o estatuto de sujeito passivo da relação tributária – o único para o qual remete a norma do n.º 1 do artigo 78.º da Lei Geral Tributária (LGT), que as Requerentes designam na “réplica” como o “regime geral” de revisão – não é o seu; e sendo certo que há uma norma específica do CIEC – a do n.º 2 do seu artigo 15.º, que as Requerentes designam na “réplica” como o “regime especial de revisão oficiosa” – que reserva aos sujeitos passivos da relação tributária a possibilidade de obter o reembolso desses impostos);
b) a tempestividade do pedido de revisão (quer em termos do fundamento invocado –uma vez que os prazos do n.º 1 do artigo 78.º da LGT são diferentes consoante tais fundamentos –, quer em termos da contagem desses prazos a partir do dies a quo relevante); e
c) a regularidade do pedido de revisão (na medida em que tem de ser dirigido ao autor do acto – o n.º 1 do artigo 78.º da LGT prevê a “revisão dos actos tributários pela entidade que os praticou” e o n.º 3 do artigo 15.º do CIEC estipula que o “pedido de reembolso deve ser apresentado na estância aduaneira competente”; e na medida em que as entidades a quem as Requerentes endossaram tal pedido poderiam não ter sido, no caso, as autoras dos actos antecedentes).
Uma quinta questão, a ser abordada só após resolvidas as anteriores a favor da competência do Tribunal, da arbitrabilidade da questão suscitada e da legitimidade, tempestividade e regularidade das pretensões formuladas junto da alfândega do Jardim do Tabaco, da Alfândega de Aveiro e da Delegação Aduaneira da Covilhã e, consequentemente – mas não só consequentemente – também junto deste Tribunal, seria a da (i)legalidade da cobrança dos valores da CSR face ao Direito da União ou à Constituição. Sobretudo porque o que está em causa, na materialidade das coisas, é apenas uma (transitória) alteração da designação atribuída a uma parte do ISP, que era integralmente válido antes de o legislador lhe mudar o nome para CSR (e de consignar essa parcela do que era antes o ISP), e continuou a sê-lo depois de o legislador ter deixado de lhe chamar CSR (mesmo tendo continuado a consignar a mesma receita à mesma entidade)[1].
Um sexto núcleo de questões seria o da possibilidade de dissociação dos actos de liquidação da CSR e do ISP, sendo certo que só aqueles estavam em causa – o que se poderia designar como a questão da dissociação jurídica; e, sendo certo que a não repercussão integral e exacta dos montantes de tributação incidentes sobre os combustíveis poderia ter a ver com qualquer das componentes da imposição fiscal única, determinar qual delas (ou qual a percentagem de qualquer delas) é que não teria sido repercutida integralmente – o que se poderia designar como a questão da dissociação económica.
Finalmente, um sétimo núcleo de questões teria a ver com tecnicalidades da decisão a proferir em caso de juízo de desconformidade da CSR e das implicações dessa desconformidade na situação das Requerentes (e das suas Fornecedoras de Combustíveis), designadamente:
-
A possibilidade de duplicação dos “reembolsos”, caso as Fornecedoras de Combustíveis entendessem usar dos mesmos mecanismos (ou de outros) para obter o reembolso dos montantes pagos a título de CSR;
-
A não-homogeneidade da tributação no momento da introdução no consumo e no da sua repercussão (os problemas da ampliação dos volumes com a variação das temperaturas e do possível desfasamento entre sujeitos passivos e repercutidos, miscigenando os volumes de combustíveis que passam de uns para outros);
-
A correspondência a estabelecer entre a tributação por grosso e a repercussão a retalho e entre as entidades que aparecem como responsáveis pela introdução no consumo e as entidades que comercializam os combustíveis já onerados com a CSR;
-
A correspondência a estabelecer entre as facturas identificadas pelas Requerentes e as declarações de introdução no consumo que originaram a cobrança da CSR;
-
A possibilidade de as Requerentes terem já obtido a recuperação de CSR ao abrigo do regime de reembolso de impostos sobre combustíveis para as empresas de transporte de mercadorias[2];
-
A possibilidade de ter havido também repercussão a jusante e as suas implicações, tanto mais que uma das Requerentes (a D...) tem como seu objecto social, além de outras actividades, “Comercialização de combustíveis, lubrificantes e afins. Exploração e gestão de postos de combustíveis, de estações e áreas de serviço e atividades relacionadas.”.
Prossigamos então, por ordem, começando pelas questões de competência e âmbito da jurisdição, que, nos termos do artigo 13.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA) – aplicável por força do disposto na alínea c) do n.º 1 artigo 29.º do RJAT – “precede o de qualquer outra matéria”.
III.2. A questão da arbitrabilidade
III.2.1. A possibilidade de haver processos arbitrais sobre contribuições e a natureza da CSR
Uma vez que a competência dos tribunais arbitrais a constituir no âmbito do CAAD está estabelecida no artigo 2.º do RJAT e abrange (al. a) do seu n.º 1) a “declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta;”, mas o proémio do n.º 2 da já citada Portaria n.º 112-A/2011 circunscreveu – ao menos literalmente – tal vinculação às “pretensões relativas a impostos cuja administração (…) esteja cometida” à AT, tem-se discutido se as pretensões referentes a “contribuições” podem ser objecto de apreciação por tais tribunais[3].
Face à argumentação desenvolvida pela AT em anteriores respostas, negando à CSR a natureza de imposto, a primeira das questões contenciosas era logo a da sua natureza. Não assim nos presentes autos, em que a resposta da AT se limita a invocar algumas decisões arbitrais que recusaram arbitrabilidade a contribuições financeiras que foram tidas como tais (decisões dos processos n.os 182/2019-T, 138/2019-T, 123/2019-T, 248/2019-T, 714/2020-T e 585/2020-T) e a socorrer-se de duas das decisões em que se considerou prejudicada essa indagação na jurisdição arbitral por se entender que a vinculação da AT a essa jurisdição se faz nos estritos termos da redacção da norma da Portaria n.º 112-A/2011 (decisões dos processos n.os 31/2023-T e 508/2023-T). E isto não obstante essas decisões terem admitido a eventual classificação doutrinal da CSR como imposto – uma vez que em ambas se escreveu que (negrito aditado),
“utilizando a Constituição e a Lei designações específicas para classificar os vários tipos de tributos, terá de se presumir também que, para efeito da definição das competências dos tribunais arbitrais, se pretendeu aludir à classificação que a legislativamente foi adoptada em relação a cada tributo e não à que o intérprete poderá considerar mais apropriada, como base em considerações de natureza doutrinal.”
Na verdade, porém, das mesmas decisões poderia resultar um outro obstáculo à intervenção dos tribunais arbitrais do CAAD porque, nas suas palavras (negritos aditados),
“nem se pode aceitar, à face da presunção de que o legislador soube exprimir o seu pensamento em termos adequados (artigo 9.º, n.º 3, do Código Civil), que fosse atribuída à CSR a designação de «contribuição» se legislativamente se pretendesse que ela fosse considerada como um «imposto» e não como uma das «demais contribuições financeiras a favor das entidades públicas» a que aludem o artigo 165.º, n.º 1, alínea i) da CRP e o artigo 3.º, n.º 2, da LGT. A expressão do pensamento em termos adequados faz-se necessariamente através da expressão correcta e não uma outra que o dissimule.”
Essa dupla fundamentação – a invocação do que parece ser uma presunção judicial iuris et de iure de falta de vinculação da AT por causa da terminologia da portaria de vinculação e uma presunção judicial iuris et de iure de que a designação dada pelo legislador a um tributo é insindicável (aparentemente até fora da jurisdição arbitral[4]) – não é inteiramente reproduzida na Resposta da AT, que se limita a defender a incompetência do presente Tribunal com base – não na alegada natureza de “contribuição” (e não de imposto) da CSR, como em outros processos, mas – nas “preocupações legislativas e regulamentares na limitação do âmbito da arbitragem tributária e ao alcance restritivo do artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, quando se refere a «impostos»”, invocando, como referido, o decidido no “processo n.º 31/2023-T, em que foi Árbitro Presidente o Senhor Juiz Conselheiro Jorge Lopes de Sousa”, bem como o decidido pelo colectivo por si presidido no processo n.o 508/2023-T (e o seu voto de vencido no processo n.º 294/2023-T).
A primeira variante dessa argumentação renuncia expressamente a estabelecer, por via arbitral, a natureza da CSR – em homenagem à liberdade de vinculação que o legislador atribuiu ao autor da portaria de vinculação, por entender que outra solução implicaria “impor indagações com esse nível de dificuldade, incerteza de resultados e morosidade para definição da competência dos tribunais arbitrais”. Nesse sentido, como se escreveu na decisão n.º 31/2023-T (negrito aditado) e depois se veio a repetir,
“aquele artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011 não se estará a reportar a tributos que pela lei são denominados como «taxas» ou «contribuições financeiras a favor das entidades públicas», que não se enquadrem na definição das referidas «contribuições especiais», mesmo que, após análise aprofundada das suas características pelo tribunal previamente definido como competente, se possa concluir que devem ser considerados como impostos especiais, designadamente para efeitos de aplicação das exigências constitucionais relativas a impostos.”.
A ideia de que a vinculação da AT à jurisdição arbitral depende estritamente da letra da portaria – quaisquer que pudessem ser as reservas que existiriam na altura da sua aprovação quanto à jurisdição arbitral tributária –, vedando a esta jurisdição arbitral a competência da competência que lhe é típica (cfr. artigo 18.º da Lei da Arbitragem Voluntária - LAV[5]), como reconhecido pelo Supremo Tribunal de Justiça[6], não parece ser congruente com o pacífico alargamento da competência dos tribunais arbitrais para lá da letra do RJAT, designadamente onde a letra da Portaria n.º 112-A/2011 apontava para outra solução. Recorde-se, por exemplo, o que se escreveu na decisão do processo n.º 51/2012-T (negritos aditados, excepto onde assinalado por nota):
“A leitura do artigo 2.º, alínea a) da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, publicada conforme o disposto no artigo 4.º n.º 1 do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, exclui (literalmente) do âmbito da vinculação da ATA à jurisdição arbitral, “(…) as pretensões relativas à declaração de ilegalidade de actos (…) de retenção na fonte que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º a 133.º CPPT.” (nosso sublinhado).
Sendo inquestionável a natureza administrativa do procedimento revisão oficiosa, não se distinguindo este, nesse plano, do procedimento de reclamação graciosa, certo é que o nº 3, aplicável por remissão do nº 4, ambos do artigo 132º CPPT, apenas refere expressamente este último.
Porém, tendo o legislador dotado o procedimento de revisão oficiosa de um regime próprio, previsto no artigo 78ºLGT, com especificidades relativamente aos fundamentos, prazos, entidade competente para a sua apreciação e, sobretudo, efeitos, referentes aos previstos em sede de procedimento de reclamação graciosa do artigo 68º e seguintes, importa determinar qual o alcance da remissão da Portaria n.º 112-A/2011 aos “termos dos artigos 131º e 133º.”
Não cuidando, por ora, de apreciar o problema à luz da natureza do processo arbitral, em tese, duas interpretações são admissíveis, a saber:
a) ao remeter para os artigos 131º e 132º CPPT, a AT pretendeu apenas impedir que o contribuinte ficasse habilitado a reagir directamente, junto da jurisdição arbitral, contra actos de retenção na fonte, entre outros, sem necessidade de exame prévio por parte da AT, abrindo assim a porta à equiparação, para efeitos de impugnabilidade, do procedimento de revisão oficiosa ao procedimento de reclamação graciosa.
Será esta a tese propugnada pela REQUERENTE, que legitima a sua interpretação com base na construção doutrinária, designadamente LOPES DE SOUSA (Código de Procedimento e Processo Tributário, anotado e comentado[7], I Volume, 2006, pp. 945-959), e corrente jurisprudencial, nomeadamente seguida pelos Acórdãos citados pela REQUERENTE nos esclarecimentos à p.i. que apresentou), segundo a qual o racional da necessidade de reclamação graciosa prévia não se prende com o regime próprio desta (diverso da revisão oficiosa), mas antes com a oportunidade de a AT se pronunciar sobre a pretensão do contribuinte, evitando assim a submissão aos tribunais de putativos litígios. Dito de outro modo, não se terá querido atribuir competência também aos tribunais arbitrais relativamente a actos subtraídos da competência dos tribunais judiciais, corolário do princípio que aqueles devem funcionar como jurisdição alternativa destes.
Não se descura que esta tese traduz uma visão ampla da vinculação da AT à jurisdição arbitral, que contrasta com a segunda tese, segundo a qual:
b) ao remeter para os artigos 131º e 132º CPPT, a AT pretendeu efectivamente remeter para a regime aí previsto, portanto exigindo como condição da sua vinculação à pronúncia arbitral em sede de impugnação da ilegalidade de actos de retenção na fonte, entre outros, a precedência de procedimento próprio de reclamação graciosa.”
Há-de reconhecer-se que não há lógica alguma em pretender, em simultâneo, alargar e restringir o âmbito das previsões expressas da Portaria, como não a há na defesa, por um lado, do estrito respeito ao âmbito de vinculação expresso na Portaria e, por outro, na defesa do alargamento dos actos sujeitos à jurisdição arbitral – caso em que se poderia entender que a suposta “intenção de restringir o âmbito inicial da arbitragem tributária” seria, pelo menos, igual. No entanto, escreveu-se, por exemplo, na decisão do processo n.º 742/2014-T (negritos aditados):
“No art. 2.º do RJAT, em que se define a «Competência dos tribunais arbitrais», não se inclui expressamente a apreciação de pretensões de declaração de ilegalidade de actos de indeferimento de pedidos de revisão oficiosa de actos tributários, pois, na redacção introduzida pela Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro, apenas se indica a competência dos tribunais arbitrais para «a declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta» e «a declaração de ilegalidade de actos de fixação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de actos de determinação da matéria colectável e de actos de fixação de valores patrimoniais».
Porém, o facto de a alínea a) do n.º 1 do art. 10.º do RJAT fazer referência aos n.ºs 1 e 2 do art. 102.º do CPPT, em que se indicam os vários tipos de actos que dão origem ao prazo de impugnação judicial, inclusivamente a reclamação graciosa, deixa perceber que serão abrangidos no âmbito da jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD todos os tipos de actos passíveis de serem impugnados através processo de impugnação judicial, abrangidos por aqueles n.ºs 1 e 2, desde que tenham por objecto um acto de um dos tipos indicados naquele art. 2.º do RJAT.”
Outro tanto poderia ainda dizer-se quanto à condenação em juros indemnizatórios nos casos de procedência do pedido arbitral. Por exemplo, no processo n.º 66/2013-T escreveu-se (negrito aditado):
“Na verdade, apesar de não existir qualquer norma expressa nesse sentido, tem-se vindo pacificamente a entender nos tribunais tributários, desde a entrada em vigor dos códigos da reforma fiscal de 1958-1965, que pode ser cumulado em processo de impugnação judicial pedido de condenação no pagamento de juros indemnizatórios com o pedido de anulação ou de declaração de nulidade ou inexistência do acto, por nesses códigos se referir que o direito a juros indemnizatórios surge quando, em reclamação graciosa ou processo judicial, a administração seja convencida de que houve erro de facto imputável aos serviços.”
Já que, então, a letra da Portaria e da lei umas vezes é um limite intransponível, outras um mero ponto de partida para que o intérprete e aplicador determine(m) o âmbito da jurisdição arbitral ou as consequências das suas decisões, é de duvidar que a “boa hermenêutica”[8] seja a da vinculação estrita à letra das normas (e não a, oposta, do seu alargamento sem o seu amparo). Mas mesmo que assim fosse, essa “boa hermenêutica” teria uma particularidade no que diz respeito às questões colocadas nos tribunais arbitrais sobre a CSR: em situações em que as Requerentes não são sujeitos passivos da relação tributária, chega à mesma solução, em termos materiais, das teses que, por caminhos não coincidentes, recusam conhecer de mérito – quer por diagnosticarem falta de legitimidade das Requerentes (decisões dos processos n.os 296/2023-T, 332/2023-T, 375/2023-T, 376/2023-T, 408/2023-T, 409/2023-T, 438/2023-T, 466/2023-T, 467/2023-T, 490/2023-T, 537/2023-T, 604/2023-T, 847/2023-T e 981/2023-T), quer por identificarem ineptidão da petição inicial (decisões dos processos n.º 364/2023-T; n.os 376/2023-T, 467/2023-T e 981/2023-T[9]; e n.º 537/2023-T[10]).
Na verdade, com qualquer desses fundamentos (ilegitimidade ou ineptidão), a AT é absolvida da instância e as custas arbitrais recaem sobre as Requerentes – exactamente como na corrente (certo que mais genérica, por abranger também situações em que os requerentes são os próprios sujeitos passivos da relação tributária) que nega a competência dos Tribunais do CAAD para arbitrar as questões referentes à CSR. E, assim sendo, a “boa hermenêutica” e o que, à sua face, só pode então ser uma menos boa hermenêutica, coincidem na recusa da possibilidade de os tribunais arbitrais determinarem a anulação de actos de liquidação praticados pela AT em relação à introdução de combustíveis no mercado quando quem recorre à jurisdição arbitral não é sujeito passivo dos impostos liquidados por verificação desse facto tributário – isto é, quando quem pretende obter essa anulação é um terceiro não interveniente nessa relação tributária. O que implica que a corrente arbitral verdadeiramente minoritária é a que anula as liquidações em benefício de terceiros a elas, e apenas na medida em que eles sejam afectados por uma suposta repercussão de uma específica componente dessas liquidações (a da CSR), corrente essa que, até ao momento, se circunscreve às decisões dos processos n.os 294/2023-T, 298/2023-T, 374/2023-T, 410/2023-T, 465/2023-T, 486/2023-T, 491/2023-T, 523/2023-T, 534/2023-T, 676/2023-T e 800/2023-T.
Uma vez que se afigura ao presente Tribunal, com a jurisprudência maioritária do CAAD sobre a CSR[11], que esta era um imposto (mal) disfarçado de contribuição[12], e como entende que as designações que o legislador escolhe para os tributos não vinculam o aplicador[13] (desde o Imposto de Justiça do Código das Custas Judiciais aprovado pelo Decreto-Lei n.º 44.329, de 8 de Maio, que era uma taxa, à Taxa Municipal de Protecção Civil, que o Tribunal Constitucional repetidamente entendeu que não é uma taxa[14], às possíveis configurações da taxa de realização de infra-estruturas urbanísticas, que nalgumas circunstâncias será uma taxa e em outras não[15]), julga-se improcedente a argumentação da AT nesta parte e afirma-se a competência do presente Tribunal Arbitral para avaliar questões relacionadas com a CSR.
Quais sejam elas, é do que se trata a seguir.
III.3. A questão da posição das Requerentes no processo arbitral
Como se viu, as Requerentes solicitaram ao Tribunal duas coisas: que fosse declarada a ilegalidade
- “dos atos de repercussão da CSR consubstanciados nas faturas referentes ao gasóleo rodoviário e à gasolina adquiridos pelas Requerentes durante o período compreendido entre março de 2019 e novembro de 2022”
e
- “das correspondentes liquidações de CSR praticadas pela Administração Tributária e Aduaneira com base nas DIC submetidas pelas respetivas Fornecedoras de Combustíveis”.
A arbitrabilidade do litígio tanto pode resultar do primeiro pedido, como do segundo, como de ambos. A jurisprudência arbitral sobre CSR que tinha sido desencadeada pelos sujeitos passivos, ie, pelos intervenientes na relação jurídico-tributária, não abordou a questão de saber se
a) é possível em geral aos tribunais arbitrais apreciarem “a ilegalidade dos actos de repercussão”; e se, sendo isso possível em geral,
b) também é possível apreciar “a ilegalidade dos atos de repercussão da CSR” (como se pretendia no pedido das Requerentes).
Ambas as questões foram, porém, objecto de tratamento nas decisões proferidas nos processos entrados no CAAD a partir de 2023.
Vejamos então, começando por estabelecer os factos necessários a decidir dessas possibilidades:
III.4. Factos provados
-
A Requerente A..., LDA. (NIPC...), tem como objeto social “Indústria de transportes de quaisquer mercadorias”;
-
A Requerente C... LDA. (NIPC...), tem como objeto social “Indústria de Transportes em Automóveis”;
-
A Requerente B..., LDA. (NIPC...), tem como objeto social “prestação de serviços nas áreas dos transportes e distribuição de mercadorias e logística, a fabricação de carroçarias, reboques e semi reboques”;
-
A Requerente D..., LDA. (NIPC...), tem como objeto social “Aluguer de viaturas com e sem condutor e atividades complementares. Transportes públicos de mercadorias em ligeiros. Importação, comercialização e montagem de viaturas; Importação, comercialização, fabrico, montagem, reparação e assistência de carroçarias de carga. Prestação de serviços de manutenção, reparação e assistência a veículos. Comercialização e montagem de pneus; Comercialização e aluguer de equipamentos, acessórios e produtos relacionados com veículos e com a atividade transportadora. Comercialização de combustíveis, lubrificantes e afins. Exploração e gestão de postos de combustíveis, de estações e áreas de serviço e atividades relacionadas. Gestão de frotas de veículos e da respetiva documentação, bem como de parques e de equipamentos. Gestão e exploração de franquias.”;
-
Em 2019, 2020, 2021 e 2022, a Requerente A..., LDA. adquiriu à E..., SA, e à H... [Fornecedoras de Combustível] gasóleo rodoviário, sobre o qual incidiu CSR, nos montantes correspondentes à seguinte listagem de facturas:
-
Em 2019, 2020, 2021 e 2022, a Requerente B... adquiriu à E..., SA, à, à I... e à G... [Fornecedoras de Combustível] gasóleo rodoviário e gasolina, sobre os quais incidiu CSR, nos montantes correspondentes à seguinte listagem de facturas:
-
Em 2019, 2020, 2021 e 2022, a Requerente C... adquiriu à E... , SA, e à H... [Fornecedoras de Combustível] gasóleo rodoviário, sobre o qual incidiu CSR, nos montantes correspondentes à seguinte listagem de facturas:
-
Em 2021 e 2022, a Requerente D... adquiriu à E..., SA [Fornecedora de Combustível] gasóleo rodoviário, sobre o qual incidiu CSR, nos montantes correspondentes à seguinte listagem de facturas:
III.5. Fundamentação dos factos provados
As listagens supra reproduzidas consolidavam as facturas que as Requerentes juntaram aos autos, e não foram postas em causa pela AT na estrita dimensão do que se deu como provado: que as Requerentes adquiriram, às referidas fornecedoras de combustíveis, gasóleo rodoviário e gasolina, sobre os quais tinha incidido CSR no momento da introdução no consumo.
III.6. A possibilidade de os tribunais arbitrais sindicarem actos de repercussão
Como os Colectivos que decidiram os processos n.os 296/2023-T, 332/2023-T, 375/2023-T, 376/2023-T, 409/2023-T, 466/2023-T, 467/2023-T, 490/2023-T, 537/2023-T e 847/2023-T, o presente Tribunal arbitral entende que não tem competências para apreciar actos de repercussão. Ainda que se possam integrar numa relação tributária complexa, tais actos ocorrem a jusante dos actos de liquidação e a competência que o legislador atribuiu aos tribunais arbitrais esgota-se – no que ao caso importa[16] – na sindicância dos actos de liquidação. Isso decorre directamente das normas legais, mas corresponde também ao ensinamento da doutrina: Alberto Xavier[17], distinguindo a substituição tributária da repercussão, escrevia que nesta temos “um devedor de imposto, que é do mesmo passo contribuinte, e um terceiro que não desempenha qualquer papel na obrigação tributária.”
Para Leite de Campos/Benjamim Rodrigues/Lopes de Sousa[18], entre o terceiro repercutido
“e o sujeito activo não existe vínculo jurídico, no sentido de que o repercutido não é devedor do sujeito activo. A sua obrigação não nasce da realização do facto tributário, mas sim da realização de um facto ao qual a lei liga o direito de o sujeito passivo de repercutir e a correlativa obrigação do repercutido de reembolsar o sujeito passivo quando este exerça o seu direito. Daqui decorre, nomeadamente, que as relações entre o sujeito passivo e o repercutido inadimplente se regem pelo Direito privado.”
Sendo isso assim em tese geral, face ao elenco das competências dos tribunais arbitrais constituídos no âmbito do CAAD, e que constam dos artigos 2.º a 4.º do RJAT, nem sequer é preciso discutir a natureza jurídica desses actos de repercussão porque, qualquer que seja, não estão contemplados na única potencial norma atributiva de competência a este Tribunal: a da alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do RJAT: “A declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta;”. Quer dizer que este Tribunal se declara liminarmente incompetente para apreciar o primeiro pedido da Requerente (declarar a ilegalidade dos actos de repercussão da CSR consubstanciados nas facturas referentes ao gasóleo rodoviário e à gasolina adquiridos pela Requerente).
Tal não impede que, por via do seu segundo pedido (o de que o Tribunal declare a ilegalidade das correspondentes liquidações de CSR praticadas pela AT com base nas DIC submetidas pela respectiva Fornecedora de Combustíveis), a Requerente possa ainda obter uma pronúncia de mérito da jurisdição arbitral. Isso, porém, depende de outra indagação:
III.7. A possibilidade de os tribunais arbitrais sindicarem actos de liquidação (inerentemente ligados a actos de repercussão) por solicitação dos repercutidos
Numa passagem do seu manual[19], Sérgio Vasques afirma que “Se o repercutido estará à margem da relação tributária, não estará por isso à margem do direito.”, referindo que a LGT lhe reconhece o direito “à reclamação, recurso, impugnação ou pronúncia arbitral”[20].
Qualquer que seja a posição a adoptar em tese geral – e, salvo disposição legal em contrário, não há razões para pôr em causa a possibilidade de os contribuintes de facto serem admitidos a invocarem perante os Tribunais, incluindo arbitrais, a ilegalidade dos impostos que efectivamente pagaram –, tem de se ter em conta o quadro legislativo, e este foi invocado pela AT na sua Resposta para pôr em causa a possibilidade de a repercutida poder vir pedir a revisão de liquidações que lhe eram alheias[21]. Fê-lo a coberto do argumento da ineptidão do PPA por não incluir “a identificação do ato ou atos tributários objeto do pedido arbitral;”, como expressamente exigido na alínea b) do n.º 2 do artigo 10.º do RJAT; fê-lo invocando o “Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul datado de 30-06-2022, processo n.º 138/17.5BELRS (…) “a petição inicial de impugnação que não identifica o acto tributário impugnado, que não formula a pretensão concreta por referência àquele e que não indica os factos concretos que justificariam a adopção da providência judiciária requerida é inepta””; mas fê-lo igualmente com base numa alegada restrição legal do círculo de sujeitos que podem solicitar o reembolso da CSR, fazendo a equiparação desses pedidos de reembolso a pedidos de revisão (sublinhado no original):
“apenas os sujeitos da liquidação, i.e. os sujeitos passivos que declararam os produtos para consumo e que efetuaram o pagamento das imposições correspondentes, podem solicitar a revisão das liquidações/reembolso da CSR junto da alfândega competente e reúnem as condições para e podem identificar os atos de liquidação.”
Isto porque “no âmbito dos IEC, de acordo com o estatuído nos artigos 15.º e 16.º do CIEC, os múltiplos adquirentes dos produtos não têm legitimidade para efeitos de solicitação da revisão do ato tributário e consequente pedido de reembolso do imposto;”.
Acrescentando que
“Prevê o CIEC normativos legais que se fundamentam no regime próprio dos impostos especiais de consumo, designadamente, por se tratarem de impostos monofásicos, que incidem apenas na fase da declaração para consumo, o que, regra geral, ocorre uma única vez (ao contrário dos impostos plurifásicos, que incidem em todas as fases do circuito económico, através do crédito do imposto a jusante e do débito a montante);”.
Em todo o caso, invocando o Acórdão do TJUE de 20 de Outubro de 2011, proferido no âmbito do processo C-94/10, concluía:
“ainda que a repercussão económica viesse a ser provada no âmbito do presente processo, entende o TJUE que um Estado-Membro se pode opor a um pedido de reembolso de um imposto indevido, apresentado pelo comprador sobre quem esse imposto tenha sido repercutido, com o fundamento de não ter sido esse comprador que
o pagou às autoridades fiscais, desde que, nos termos do direito interno, esse comprador possa exercer uma ação civil de repetição do indevido contra o sujeito passivo e que o reembolso do imposto indevido, por parte deste último, não seja, na prática, impossível ou excessivamente difícil;
*
O Tribunal entendeu ser incompetente para se pronunciar sobre a declaração de ilegalidade da repercussão (o primeiro pedido da Requerente) –, porque esta é subsequente e exterior ao acto tributário, decorrendo de uma relação de direito privado e, portanto, não cabe no âmbito dos actos da AT que o legislador lhe permitiu sindicar –, mas entende que tem obviamente competência para se pronunciar sobre o segundo pedido da Requerente – a declaração de ilegalidade do acto tributário. Ser competente, porém, apenas preenche o pressuposto processual referente ao Tribunal, não o que é respeitante à Requerente. A questão é: pode ela suscitar a revisão das liquidações de CSR em que não teve intervenção – e que, aliás, não consegue identificar – ainda que apenas na medida em que tais liquidações contendam com os pagamentos por ela feitos? Rectius: pode ela, supondo que todo o iter procedimental que desembocou no PPA cumpre os requisitos (o que ainda teria de se apurar) – pode a Requerente, perguntava-se, suscitar a revisão das liquidações conjuntas (e acumuladas) de ISP e CSR no segmento que invoca dizer-lhe respeito?
A questão está em saber se, portanto, no quadro processual que ficou descrito, pode este Tribunal declarar a ilegalidade das “liquidações de CSR praticadas pela Administração Tributária e Aduaneira com base nas DIC submetidas pelas respetivas Fornecedoras de Combustíveis”, ainda que delimitando o âmbito da ilegalidade de tais liquidações pela correspondência aos “atos de repercussão da CSR consubstanciados nas faturas referentes ao gasóleo rodoviário e à gasolina adquiridos pelas Requerentes durante o período compreendido entre março de 2019 e novembro de 2022” – uma vez que, em tudo o que as exceda, não foi formulada qualquer pretensão arbitral.
Num comentário de divulgação das primeiras decisões arbitrais sobre a CSR[22] escreveu-se (p. 10):
“o parque automóvel português é composto por 6,5 milhões de veículos ligeiros, a que acrescem 500 mil veículos pesados, num total de cerca de 7 milhões de veículos em circulação.
Se, por hipótese, admitirmos que cada automobilista fará, relativamente à CSR, um “pedido de revisão do ato de liquidação” e considerando que podem ser revistos os atos de liquidação relativos aos últimos quatro anos, temos que este contencioso poderá somar 28 milhões de processos!”
Numa publicação anterior da mesma fonte[23] tinha-se escrito:
“Com efeito, tem sido pacífico na doutrina e na jurisprudência que os IECs [Impostos Especiais de Consumo] implicam casos de repercussão legal. Sustenta-se, nesse sentido, que os impostos especiais de consumo procuram onerar os contribuintes na medida dos custos que estes provocam nos domínios do ambiente e da saúde pública e que, por essa razão, deverá ser o verdadeiro titular da capacidade contributiva a ser onerado com o encargo do imposto.”
A confirmar-se a natureza “pacífica” de tal entendimento – o que não é relevante apurar para os presentes autos – tal permitiria considerar legítima a determinação legislativa do artigo 6.º da Lei n.º 24-E/2022, de 30 de Dezembro (“Altera o Código dos Impostos Especiais de Consumo, a Lei n.º 55/2007, de 31 de agosto, e o Decreto-Lei n.º 91/2015, de 29 de maio, transpondo as Diretivas (UE) 2019/2235, 2020/1151 e 2020/262”) ao atribuir natureza interpretativa à “redação conferida pela presente lei ao artigo 2.º do Código dos IEC”. Isto porque, dada a proibição constitucional da retroactividade de disposições fiscais que abranjam os elementos essenciais dos impostos (artigo 103.º da Constituição), só nesse caso é que tal alteração (a introdução do inciso “sendo repercutidos nos mesmos” – sendo os “mesmos” os “contribuintes” onerados segundo o “princípio da equivalência”, “na medida dos custos que (…) provocam, designadamente nos domínios do ambiente e da saúde pública”) seria verdadeiramente interpretativa e, portanto, constitucionalmente legítima.
Ora, como também se referiu, qualquer que seja, em tese geral, a possibilidade de o repercutido invocar a ilegalidade das liquidações que originam a repercussão, no âmbito dos impostos especiais de consumo há uma norma que o veda e que o legislador manteve incólume ao longo das 25 alterações que, em 24 anos, introduziu no CIEC: a do n.º 2 do artigo 15.º (epigrafado “Regras gerais do reembolso”), assim redigida:
“Podem solicitar o reembolso os sujeitos passivos referidos no n.º 1 e na alínea a) do n.º 2 do artigo 4.º que tenham procedido à introdução no consumo dos produtos em território nacional e provem o pagamento do respectivo imposto.”.
Por sua vez, as disposições relevantes desse artigo 4.º (epigrafado “Incidência subjectiva”), para as quais tal norma remete, têm a seguinte redacção:
“1 - São sujeitos passivos de impostos especiais de consumo:
a) O depositário autorizado, o destinatário registado e o destinatário certificado;
(…)
2 - São também sujeitos passivos, sem prejuízo de outros especialmente determinados no presente Código:
a) A pessoa que declare os produtos ou por conta da qual estes sejam declarados, no momento e em caso de importação;”
Desde a redacção inicial destas normas, dada pelo Decreto-Lei n.º 73/2010, de 21 de Junho, também a única alteração substancial registada foi o aditamento (pela Lei n.º 24-D/2022, de 30 de Dezembro) do “destinatário certificado” entre os sujeitos passivos identificados à cabeça da norma sobre “Incidência subjectiva”. Quer dizer que nenhum legislador – nem mesmo o que entendeu atribuir natureza interpretativa à alusão à tipicidade da repercussão dos impostos especiais de consumo – considerou necessário, para o que ora importa, alargar o círculo dos “sujeitos passivos” para lá do “destinatário certificado”.
Quer dizer que só os sujeitos passivos aí identificados – e só quando preencham requisitos adicionais – podem suscitar questões sobre, como se escreve no n.º 1 desse artigo 15.º, “o erro na liquidação”.
*
Sobre a possibilidade de certos interessados serem impedidos de contestar a legalidade de certos tributos (em geral ou numa específica jurisdição) já o TJUE referiu[24] que
“na ausência de regulamentação comunitária em matéria de repetição de impostos nacionais indevidamente cobrados, cabe à ordem jurídica interna dos Estados-Membros designar os órgãos jurisdicionais competentes e regular as modalidades processuais dos recursos judiciais destinados a assegurar a protecção dos direitos de que os cidadãos gozam com base no direito comunitário.
38. Por razões de segurança jurídica, os Estados-Membros estão, em princípio, autorizados a limitar, a nível nacional, o reembolso de impostos indevidamente cobrados. Contudo, estas limitações devem respeitar o princípio da equivalência, nos termos do qual as disposições nacionais devem aplicar-se de maneira idêntica às situações puramente nacionais e às situações reguladas pelo direito comunitário, e o princípio da eficácia, que impõe que o exercício dos direitos conferidos pela ordem jurídica comunitária não se torne praticamente impossível ou excessivamente difícil.”
Daqui resulta que, na lógica do Direito da União, nada impede que o legislador nacional limite (e não apenas na jurisdição arbitral, embora por maioria de razão nesta, dada a sua competência por atribuição), os modos e as condições de, e os interessados na, obtenção da declaração de ilegalidade dos actos de liquidação por razões ligadas à prevalência do Direito da União – designadamente excluindo a possibilidade de quem quer que seja que não tenha tido intervenção neles suscitar a avaliação dessa desconformidade[25].
Diga-se, mas apenas como obiter dictum, que tal opção legislativa, que tem de se admitir justificada face à impraticabilidade de se gerir um sistema, digamos, “aberto” (como o que resultaria dos números indicados acima), foi aliás, no que diz respeito à contrariedade de tais liquidações com o Direito da União, considerada justificável no despacho do TJUE no Processo n.º C-94/10, desde que o “comprador possa exercer uma acção civil de repetição do indevido contra o sujeito passivo e que o reembolso do imposto indevido, por parte deste último, não seja, na prática, impossível ou excessivamente difícil”.
Se essa condição está ou não preenchida no caso não cabe, evidentemente, a este Tribunal apurar: tal perquisição só poderia ocorrer aquando da aferição da conformidade do sistema legal de recuperação de montantes pagos a título de CSR com o Direito da União (na fase da decisão sobre o fundo), e o Tribunal já concluiu que a Requerente não está em condições de o poder levá-lo a confrontar-se com tal questão (como o poderiam fazer os sujeitos passivos da relação tributária).
III.8. Conclusão sobre a legitimidade da Requerente e sobre as demais questões enunciadas
Concluindo-se que o presente Tribunal arbitral é incompetente para se pronunciar sobre o primeiro pedido da Requerente (porque não pode pronunciar-se sobre actos subsequentes aos, e autónomos dos, actos de liquidação), e resultando da lei que a Requerente é parte ilegítima para suscitar o segundo (questionar os actos de liquidação da CSR que pudessem ter alguma ligação com os ditos actos de repercussão), conclui-se que a Requerida terá de ser absolvida da instância, ficando prejudicados todos os passos seguintes no iter cognoscitivo acima delineado.
Não se opinando sobre o mérito, ficam igualmente prejudicados os pedidos de “restituição” e de pagamento de juros indemnizatórios.
-
DECISÃO
Nos termos e com os fundamentos expostos, decide-se:
-
Considerar o presente Tribunal arbitral incompetente para se pronunciar sobre o pedido de declaração dos “actos de repercussão da CSR consubstanciados nas faturas referentes ao gasóleo rodoviário e à gasolina adquiridos pelas Requerentes durante o período compreendido entre março de 2019 e novembro de 2022”;
-
Considerar a Requerente parte ilegítima para suscitar a declaração de “ilegalidade (…) das correspondentes liquidações de CSR praticadas pela Administração Tributária e Aduaneira com base nas DIC submetidas pelas respetivas Fornecedoras de Combustíveis”;
-
Em consequência, absolver a AT da instância, condenando a Requerente nas custas, nos termos abaixo fixados.
-
VALOR DO PROCESSO
Competindo ao Tribunal fixar o valor da causa (artigo 306.º do Código de Processo Civil, subsidiariamente aplicável por força do artigo 29.º, n.º 1, al. e), do RJAT) e devendo ele, correspondendo à utilidade económica do pedido, equivaler à importância cuja anulação se pretende (alínea a) do n.º 1 do artigo 97.º-A do CPPT, ex vi da alínea a) do artigo 6.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária - RCPAT), fixa-se o valor do processo em € 1.811.082,57 (um milhão, oitocentos e onze mil, oitenta e dois euros e cinquenta e sete cêntimos).
-
CUSTAS
Custas a cargo das Requerentes, no montante de € 23.868,00 (vinte e três mil, oitocentos e sessenta e oito euros), nos termos da Tabela I do RCPAT e do disposto no seu artigo 4.º, n.º 5, e nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, do RJAT.
Lisboa, 14 de Junho de 2024
A redacção da presente decisão segue a ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990 excepto em transcrições que o sigam.
O árbitro presidente e relator
Victor Calvete
A árbitro adjunta
Marisa Isabel Almeida Araújo
O árbitro adjunto (com voto de vencido)
Vítor Braz
Declaração
Atento o teor do douto acórdão e a decisão sobre a incompetência do Tribunal arbitral e a ilegitimidade da Requerente, apresento as observações seguintes:
Sobre a competência do Tribunal arbitral
O Tribunal de Justiça da União Europeia, em Despacho proferido a 7 de fevereiro de 2022, sobre o Processo C‑460/21, conclui que a CSR foi criada com uma finalidade puramente orçamental de obtenção de receita (imposto), não lhe estando subjacente qualquer “motivo específico” de política ambiental, energética ou social, dando-se por reproduzidos os demais argumentos sobre a ilegalidade desse tributo.
No âmbito da CSR estamos perante uma questão jurídica que integra a competência do Tribunal arbitral, relacionada com a apreciação da legalidade dos atos tributários e respetiva legalidade dos inerentes atos de liquidação desse imposto, criado pela Lei n.º 55/2007, de 31 de agosto. Tributo entendido como em desconformidade com o Direito da União Europeia, nomeadamente, com o n.º 2 do artigo 1.º da Diretiva n.º 2008/118/CE, de 16/12/2008, tendo por base o entendimento sufragado pelo referido Despacho proferido pelo TJUE em 07/02/2022, no Proc. C-460/21.
Sobre a CSR e as respetivas taxas, verifica-se que possuem valor fixo, estabelecido na Lei n.º 55/2007, de 31 de agosto, incidindo sobre os litros do produto transacionado/introduzido no consumo e não sobre o valor da transação, reforçando a sua natureza de imposto específico, uma vez que possui um valor fixo, independente do nível de preço.
Observa-se que na interpretação das peças processuais devem observar-se o princípio constitucional da tutela jurisdicional efetiva, pelo que o Tribunal deve extrai da redação dada ao pedido na petição inicial o sentido mais favorável aos interesses do peticionante.
Da conjugação do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do RJAT ( norma que atribui aos tribunais arbitrais a competência para a declaração de ilegalidade de atos de liquidação de tributos), com o n.º 2 do artigo 3.º da LGT (norma que identifica como tributos os impostos e outras espécies tributárias criadas por lei, designadamente as taxas e demais contribuições financeiras a favor de entidades públicas), resulta a conclusão de que a competência material dos tribunais arbitrais compreende a declaração de ilegalidade dos atos inerentes ou decorrentes da liquidação de tributos.
Por outro lado, a disposição do artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março, ao declarar que a AT se vincula à jurisdição dos tribunais arbitrais que tenham por objeto a apreciação das “pretensões relativas a impostos cuja administração lhes esteja cometida”.
Impõe-se concluir que todos os atos tributários relacionados com um imposto (CSR) – como sucede com os atos objeto da presente ação – são arbitráveis, nos termos dos artigos 2.º da Portaria n.º 112- A/2011, de 22 de março e do art.º 2.º do RJAT.
Observa-se anterior Decisão e respetiva fundamentação, a qual concluiu, em síntese, que: “não procede a alegada exceção de incompetência material do Tribunal Arbitral em virtude da natureza do tributo, uma vez que a competência dos tribunais arbitrais abrange a apreciação das pretensões dos sujeitos passivos referentes a qualquer espécie de tributo, nos termos do art.º 2.º do RJAT; e também não se verifica a falta de vinculação prévia da Autoridade Tributária à jurisdição dos tribunais arbitrais no presente processo, por força do art.º 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, que limita essa vinculação prévia às “pretensões relativas a impostos” (…) Nos termos do corpo do art.º 99.º do CPPT, “constitui fundamento de impugnação qualquer ilegalidade”, entendendo-se que aqui se inclui a ilegalidade abstrata da liquidação (CAAD, decisão arbitral de 31.01.2018, Proc. nº 104/2017-T).” – Cf. Proc. 304/2022T.
Nos presentes autos pretende-se a apreciação da ilegalidade de atos tributários de CSR, incluindo de repercussão, decorrentes da aplicação de um regime – o da CSR – desconforme com o direito da União, nos termos já decretados pelo TJUE. A este propósito, entendemos que a invalidade dos atos tributários corresponde “a uma consequência da sua desconformidade perante a ordem jurídica. Embora o legislador tributário faça expressa referência ao conceito de “ilegalidade”, deverá o conceito ser interpretado em termos amplos, no sentido de desconformidade jurídica, por referência a imperativos de natureza constitucional, internacional, de direito da União, legal, regulamentar, ou mesmo por referência a atos tributários anteriores (…)” (cf. Hugo Flores da Silva, O regime das invalidades e da revogação no novo CPA e o seu impacto no procedimento tributário, in Temas de Direito Tributário, 2017, Centro de Estudos Judiciários, p. 18).
Nesse sentido, refira-se posição doutrinal: “[h]á (…) fundamentos que são invocáveis tanto como fundamento de oposição à execução fiscal como de impugnação judicial. Estão nestas condições a (…) ilegalidade abstrata da liquidação, por a ilegalidade não residir no ato que faz aplicação da lei ao caso concreto, mas residir na própria lei cuja aplicação é feita. Cabem aqui os casos de normas que violam regras de hierarquia superior como as normas constitucionais ou de direito comunitário ou internacional vigente em Portugal (…) ou leis de valor reforçado (…) ou mesmo normas legislativas de direito ordinário quando é feita aplicação de normas regulamentares. A ilegalidade é abstrata porque, afetando a própria lei, não depende do ato que faz a sua aplicação em concreto. Estando prevista como fundamento de oposição à execução fiscal, esta ilegalidade abstrata constitui também um vício de violação de lei, pois a liquidação terá feito aplicação de uma norma que não é válida à face de uma regra de hierarquia superior” - cf. Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário Anotado e Comentado, 6.ª edição, 2011, p. 709.
Acresce referir que se integram no “conceito de ilegalidade abstrata todos os casos de atos que aplicam normas que violam regras de hierarquia superior, designadamente, além das normas constitucionais, as de direito comunitário ou internacional vigente em Portugal” - cf. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 09-04-2014, proferido no processo n.º 076/14.
Essa apreciação cabe na competência jurisdicional dos tribunais – entre os quais, do presente Tribunal Arbitral –, sublinhando o Supremo Tribunal Administrativo, a este propósito, que, “Como dizem Mário Esteves de Oliveira e Rodrigo Esteves de Oliveira, in CPTA e ETAF anotados, p. 440, “Excluída da competência dos tribunais administrativos encontra-se a declaração de inconstitucionalidade (material, orgânica ou formal) com força obrigatória geral de quaisquer normas administrativas, por se tratar de matéria constitucionalmente reservada ao Tribunal Constitucional (alínea a) do artigo 281.º da CRP). O que se permite aos tribunais administrativos é coisa diferente: é que, num processo que não tenha por objeto a declaração da ilegalidade com força obrigatória geral do regulamento, mas uma outra pretensão ou pedido, desapliquem o regulamento inconstitucional ou qualificadamente ilegal aos feitos submetidos a julgamento, é dizer, que julguem incidentalmente dessas questões e vícios regulamentares, com efeitos circunscritos ao processo em causa.” - cf. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 21-01-2009, proferido no processo n.º 0811/08.
Acresce que, tendo-se pretendido criar, por via de lei, um regime de arbitragem em matéria tributária suficientemente amplo de modo que o recurso aos Tribunais arbitrais constituísse uma real alternativa aos tribunais tributários (quer na vinculação da AT, quer na apreciação da legalidade dos factos e dos atos tributários subjacentes e que sustentam o próprio ato de liquidação), os Tribunais arbitrais são competentes para se pronunciarem sobre respetiva legalidade – cf. al. a) n.º 1, art.º 2.º e art.º 4.º, ambos do RJAT.
Sobre a legitimidade da/s Requerente/s
Quando é cobrado imposto em violação do direito da União Europeia é entendido que subiste a obrigação de restituí-lo ao sujeito passivo (SP), nos termos da lei e da jurisprudência da EU e nacional, salvaguardadas as situações de enriquecimento sem causa.
O pedido em apreciação consiste em saber se nos termos desses ordenamentos jurídicos, os restantes intervenientes nas operações comerciais e, em regra, os contribuintes consumidores finais a quem o imposto possa ter sido repercutido e que o possam ter suportado economicamente têm o direito de exigir diretamente da Requerida/Estado a apreciação das respetivas liquidações e o reembolso do imposto indevidamente pago, caso seja provado ter sido acrescido ao preço de compra do bem/produto por eles adquirido.
As empresas petrolíferas, em regra, repercutem o ISP e, no caso a CSR, nos operadores a jusante. Enquanto impostos aplicados ao consumo, estes caracterizam-se pelo facto de o seu encargo financeiro poder ser repercutido -repercussão fiscal - nos intervenientes na atividade comercial, maxime, no consumidor final.
A legitimidade deve ser enquadrada no âmbito das relações jurídicas tributárias que se estabelecem entre a administração tributária e as pessoas singulares ou coletivas e entidades equiparadas - têm legitimidade no procedimento os sujeitos passivos da relação tributária e quaisquer pessoas que provem um interesse legalmente protegido. - cf. n.º 2 do art.º 1.º e art.º 65.º da LGT.
Nos termos da alínea a) do n.º 4 do art.º 18.º da LGT assiste o “direito de reclamação, recurso, impugnação ou de pedido de pronúncia arbitral nos termos das leis tributárias” a quem “suporte o encargo do imposto por repercussão legal”. Nesse sentido, o CPPT contém uma norma específica sobre a legitimidade no processo judicial tributário, atribuindo-a aos “contribuintes, incluindo substitutos e responsáveis, outros obrigados tributários, as partes dos contratos fiscais e quaisquer outras pessoas que provem interesse legalmente protegido” – cf. art.º 9.º do CPPT.
No caso da CSR alegadamente paga pela/s Requerente/s, enquanto consumidor final, existe a demonstração de um interesse legalmente protegido e que merece a tutela do direito, porquanto é no contribuinte consumidor final que, em regra, recai o pagamento dos tributos indiretos.
Por fim, atenta a jurisprudência da UE, o “Tribunal de Justiça referiu expressamente a possibilidade de o comprador final poder exigir, directamente às autoridades nacionais, a restituição do montante do imposto indevido cujo encargo suportou. “ – cf. Acórdão Comateb e O (-192/95 a C-218/95, Colect., p. I-165, n.º 20) de 14 de Janeiro de 1997.”
A plena eficácia do direito de reparação e a proteção efetiva dos contribuintes poderia ficar manifestamente prejudicada perante uma interpretação restrita no sentido de apenas os SP (no caso de CSR) gozarem do direto de ação e de pedirem o reembolso ao Estado – art.ºs. 4.º a 12.º e 15.º a 20.º do CIEC, limitando-se formalmente a outros sujeitos da relação tributária a efetiva reparação dos prejuízos incorridos - os contribuintes que possam ter suportado efetivamente o imposto e ser objetivamente lesados pelos respetivos atos de liquidação.
Nesse sentido, aquele Tribunal afirma: “Por conseguinte, no caso em que um Estado-Membro tenha cobrado um imposto especial sobre o consumo em violação do direito da União e o sujeito passivo tiver repercutido este sobre o seu cliente, um direito a indemnização deste cliente contra o Estado não pode ser recusado com o fundamento de que é de excluir de antemão um nexo de causalidade directo entre a cobrança do imposto e o dano do cliente.” – cf. Proc. C-94/10, conclusões.
Termos em que a/s Requerente/s, na qualidade de consumidor final dos produtos sujeitos a ISP e, subsequentemente a CSR, a quem este imposto possa ter sido repercutido, é titular de um interesse legalmente protegido e, ipso facto, de legitimidade processual, enquanto forma de acesso à justiça e de proteção dos direitos e reparação dos prejuízos que suportou com o pagamento da CSR, considerada em desconformidade com o direito da União.
Por sua vez, o invocado direito de acesso à justiça, em matéria tributária, através da jurisdição civil contra o SP, o qual se limitou a cumprir a lei vigente e que, em princípio, não obteve qualquer ganho, afigura-se que tal possibilidade seria difícil ou inexistente, na medida em que não ocorre nenhuma das situações previstas no artigo 476º do Código Civil. Observa-se que a repetição do indevido dependeria, ainda, do enriquecimento sem causa do SP, o qual, em regra, não ocorreu por ter entregado ao Estado um imposto que repercutiu no consumidor final.
Por fim, atento o princípio da efetividade deve ser igualmente reconhecido ao consumidor final, em regra, o repercutido de impostos indiretos, o direito de reclamar diretamente junto da administração tributária os montantes de imposto indevidamente liquidados e alegadamente pagos, com os demais poderes de impugnação junto dos Tribunais, incluindo o presente Tribunal arbitral - cf. Acórdão do TJUE de 20 de outubro de 2011, Proc. C-94/10.
O árbitro adjunto,
Vítor Braz
[1] O n.º 2 do artigo 4.º (epigrafado “Montante da consignação”) da Lei n.º 24-E/2022, de 30 de Dezembro, manteve os montantes exactos que antes correspondiam à dita “CSR”:
“A parte da receita de imposto sobre os produtos petrolíferos e energéticos a consignar ao serviço rodoviário é de 87 (euro)/1000 l da receita relativa à gasolina, de 111 (euro)/1000 l da receita relativa ao gasóleo rodoviário e de 123 (euro)/1000 kg da receita relativa ao GPL auto, montantes que integram os valores das taxas unitárias fixados nos termos do n.º 1 do artigo 92.º do Código dos Impostos Especiais de Consumo, aprovado em anexo ao Decreto-Lei n.º 73/2010, de 21 de junho.”
Ou seja: uma vez que não se divisa que tais montantes de ISP sejam desconformes com o Direito da União, o que, em direitas contas, foi julgado desconforme com ele – na sequência do pedido de reenvio prejudicial que levou ao despacho proferido em 7 de Fevereiro de 2022 no Proc.º C-460/21 –, foi apenas a designação do primeiro regime de consignação de receitas que o legislador desavisadamente criou…
[2] Diga-se que as Requerentes juntaram com o pedido uma listagem dos reembolsos de CSR derivados desse regime em relação à A... Lda. (num total de € 480.322,13), à B... (num total de € 123.154,49), e à C... (num total de € 86.720,99).
[3] Na fórmula usada na decisão do processo n.º 629/2021-T, “Isso não releva do âmbito de competência do tribunal, releva do âmbito de sujeição a ele de um dos intervenientes processuais.”, invocando em nota a “decisão do caso n.º 146/2019-T (com um voto de vencido) que acaba por reconduzir a primeira [“competência – delimitada legislativamente”] a incompetência absoluta e a segunda [“vinculação – delimitada pela portaria dentro da liberdade de opção atribuída por lei”] a incompetência relativa.”.
[4] Sublinhe-se que o argumento da “evidente intenção de restringir o âmbito inicial da arbitragem tributária em relação à amplitude permitida pela lei de autorização legislativa” também é utilizado por ligação à designação que o legislador que criou a CSR lhe atribuiu (cfr. as decisões dos processos n.os 31/2023-T, 520/2023-T – reproduzido depois na decisão do Processo n.º 467/2023-T – e 876/2023-T). Recorde-se o último trecho citado (e realçado) das decisões invocadas pela AT: “A expressão do pensamento em termos adequados faz-se necessariamente através da expressão correcta e não uma outra que o dissimule.”.
[5] A lei sobre arbitragem voluntária é expressamente invocada pelo artigo 181.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA) e este é aplicável na jurisdição arbitral por via da alínea c) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT. A epígrafe do referido artigo 18.º da LAV é “Competência do tribunal arbitral para se pronunciar sobre a sua competência”. O seu n.º 1 dispõe do seguinte modo:
“O tribunal arbitral pode decidir sobre a sua própria competência, mesmo que para esse fim seja necessário apreciar a existência, a validade ou a eficácia da convenção de arbitragem ou do contrato em que ela se insira, ou a aplicabilidade da referida convenção.”
[6] Por último, pode ver-se o Acórdão do STJ de 17 de Abril de 2024, no processo 3283/22.1 T8STR.E1.S1, onde se escreveu o seguinte:
“Como decidiu o Acórdão do STJ de 10.03.2011, P. 5961/09.1TVLSB.L1,S1:
“Não podendo olvidar-se que sendo os tribunais arbitrais constitucionalmente configurados como “tribunais” – isto é, como entidades dotadas das características de independência e imparcialidade que caracterizam o núcleo essencial da função jurisdicional, a que compete definir o direito nas concretas situações litigiosas entre os particulares – não poderá deixar de lhes estar reservada uma relevante parcela da jurisdição, abrangendo, desde logo e em primeira linha, a aferição da sua própria competência emergente do legítimo exercício da autonomia privada pelos interessados, consubstanciada na convenção de arbitragem.”
[8] Assim designada nas decisões dos processos n.os 31/2023-T, 508/2023-T, 520/2023-T, 675/2023-T e 876/2023-T e ainda, por reprodução da primeira, no processo n.o 372/2023-T. O argumento foi igualmente invocado nos votos de vencido nos processos n.os 294/2023-T, 363/2023-T e 410/2023-T.
[9] Estas três decisões assentam numa dupla fundamentação: ilegitimidade das Requerentes e ineptidão da petição inicial e, por isso, surgem em duplicado na listagem.
[10] No decisório só se invoca a ilegitimidade da Requerente, mas no Sumário, a mais desta, faz-se referência à ineptidão da Petição inicial, razão pela qual também surge em duplicado na listagem.
[11] Até ao presente, a mais das 11 decisões enumeradas no parágrafo anterior do texto, foram proferidas decisões no CAAD que envolviam a CSR nos processos n.os 83/2012-T, 69/2018-T, 564/2020-T, 629/2021-T, 304/2022-T, 305/2022-T, 644/2022-T, 665/2022-T, 702/2022-T, 24/2023-T, 113/2023-T, 296/2023-T, 332/2023-T, 363/2023-T, 364/2023-T, 372/2023-T, 375/2023-T, 376/2023-T, 396/2023-T, 397/2023-T, 398/2023-T, 294/2023-T, 408/2023-T, 409/2023-T, 438/2023-T, 452/2023-T, 466/2023-T, 467/2023-T, 490/2023-T, 508/2023-T, 520/2023-T, 537/2023-T, 604/2023-T, 644/2023-T, 675/2023-T, 874/2023-T e 981/2023-T.
[12] Como se escreveu no Sumário da decisão do processo n.º 629/2021-T – para o qual se remete se mais detença porquanto, no presente caso, a AT não chega a pôr em causa a natureza de imposto da CSR (só a sua vinculação pela designação adoptada na Portaria) –,
“Uma parcela de um imposto especial de consumo não deixa de ser um imposto especial de consumo por o legislador lhe atribuir uma narrativa (de resto oscilante entre a compensação de custos e a contrapartida de benefícios) e lhe providenciar uma consignação orgânica (mormente se a entidade que dela beneficia deixa de ter como função única providenciar a suposta contrapartida que justificaria a alteração de género).”
[13] Dizia Américo Braz Carlos, Impostos - Teoria Geral, 5.ª Ed. Actualizada, Almedina, Coimbra, 2020, p. 42: “a qualificação formal das prestações exigidas nem sempre é coincidente com a sua real natureza. Têm existido tributos formalmente designados por taxas que são verdadeiros impostos e vice-versa.”
[14] Cfr. Suzana Tavares da Silva, As taxas e a coerência do sistema tributário, 2.ª Ed., Coimbra Ed., Coimbra, 2013, pp. 45 e ss.
[15] Vg. Acórdãos n.os 418/2017, 611/2017, 848/2017, 34/2018, 332/2018, 4/2020, e Decisões Sumárias n.os 331/2019, 348/2019 e 423/2019.
[16] Nos termos do disposto na alínea b) do n.º 1 do RJAT, os tribunais arbitrais constituídos no CAAD também são competentes para “A declaração de ilegalidade de actos de fixação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de actos de determinação da matéria colectável e de actos de fixação de valores patrimoniais;”.
[17] Manual de Direito Fiscal I, Reimpressão, s/ed., Lisboa, 1981, p. 409.
[18] Lei Geral Tributária Anotada e Comentada, 4.ª ed, encontro da escrita, Lisboa, 2012, p. 187, Tenha-se em conta que, embora os AA. admitissem que essa “primeira impressão” desse lugar a “uma nova noção de sujeito passivo” (p. 188), acabavam por concluir (p. 189) que “A repercussão efectua-se fora do âmbito da obrigação tributária.” e (p. 190), que “a repercussão é estranha à relação jurídico tributária”.
No mesmo sentido – ainda que aparentemente por referência ao IVA, Nina Aguiar, in Códigos Anotados e Comentados - Justiça Tributária - LGT.CPPT.RGIT.RCPITA.RAT.LPFA, Lexit, 2018, p. 45: “aquele que suporta o imposto”, “Não é (…) sujeito de qualquer relação jurídica tributária.”
[19] Manual de Direito Fiscal, 2.ª ed., Almedina, Coimbra, p. 401.
[20] Dispõe o n.º 4 do artigo 18.º do RJAT que
“Não é sujeito passivo quem:
a) Suporte o encargo do imposto por repercussão legal, sem prejuízo do direito de reclamação, recurso, impugnação ou de pedido de pronúncia arbitral nos termos das leis tributárias; (…)”.
[21] O Tribunal não fez uma indagação de Direito Comparado, mas como resulta do n.º 58 da decisão que o TJUE proferiu, em 2 de Outubro de 2003, no processo C-147/01 (Weber's Wine World Handels-GmbH et al. v. Abgabenberufungskommission Wien), essa é uma solução que não é específica do Direito nacional:
“na medida em que tenha efectivamente havido repercussão, foram os consumidores que suportaram o encargo do imposto sobre as bebidas alcoólicas. Ora, nem a ordem jurídica do Land de Viena nem a da República da Áustria oferecem, em geral, aos consumidores a possibilidade de invocarem, no quadro de um procedimento de tributação, a ilegalidade de um imposto assim repercutido.”
[24] Nos ns. 37 e 38 da decisão citada na nota 21.
[25] Como se referiu supra, nota 21, é o que acontece na Áustria.