Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 700/2023-T
Data da decisão: 2024-06-11  ISV  
Valor do pedido: € 5.152,10
Tema: ISV – pedido de reembolso; incompetência do tribunal arbitral; indicação pela AT que pode recorrer à arbitragem tributária do CAAD.
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Sumário

I – O tribunal arbitral é incompetente para julgar indeferimento de reclamação graciosa, que na sua génese se refere a pedido de reembolso de ISV, pois a contestação não assenta na ilegalidade de ato de liquidação de imposto.

II – A competência do Tribunal arbitral está definida por lei; e o Tribunal arbitral não adquire competência, pelo facto da AT, por erro, ter informado o requerente que poderia recorrer à arbitragem tributária.

 

 

Decisão Arbitral

 

A árbitra do Tribunal Singular Dra. Catarina Belim, designada pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formar o presente Tribunal Arbitral, constituído em 14.12.2023, decide o seguinte:

 

  1. Relatório

 

  1. A... LDA, doravante designada por “Requerente”, número de identificação fiscal..., com morada em Rua ..., ...-... Leiria, tendo sido notificada do ato de indeferimento da  reclamação graciosa a solicitar reembolso de ISV,  n.º ..., de 30.05.2022, no valor de  € 5.152,10 (cinco mil cento e cinquenta e dois euros e dez cêntimos), apresentou, em 03.10.2023, pedido de constituição de Tribunal Arbitral com árbitro singular, ao abrigo do disposto nos artigos 5.º, n.º 2, alínea b), 10.º e 2.º n.º 1 alínea a) “declaração de ilegalidade de atos de liquidação de tributos”, do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (“RJAT”), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, tendo em vista ser declarado o deferimento do pedido de reembolso apresentado pela Requerente e, condenação o reembolso dos montantes devidos e condenação ao pagamento de juros indemnizatórios.

 

  1. É Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante “AT”).

 

  1. O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD em 04.10.2023.

 

  1. Em 22.11.2023, o Senhor Presidente do CAAD informou as Partes da designação da Árbitra, nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 1 do artigo 11.º do RJAT.

 

  1. Assim, em conformidade com o preceituado no n.º 8 do artigo 11.º do RJAT, decorrido o prazo previsto no n.º 1 do artigo 11.º do RJAT sem que as Partes se pronunciassem, o Tribunal Arbitral Singular ficou constituído em 14.12.2023.

 

  1. A Requerida apresentou Resposta e juntou “Processo Administrativo” (“PA”) no dia 30.01.2024.

 

  1. Por despacho de 29.02.2024 ao abrigo das alíneas a) e b) do artigo 16.º, e a alínea b) do n.º 1 do artigo 18.º do RJAT foi dispensada a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e concedido à Requerente o prazo de 15 dias para se pronunciar, querendo, sobre a exceção de incompetência material do tribunal arbitral invocada pela Requerida na sua resposta.

 

  1. A Requerente respondeu à exceção por requerimento de 11.03.2024, invocando que foi a própria AT, no despacho que notificou do indeferimento da reclamação graciosa, que reconheceu a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, para apreciação da impugnação contra tal indeferimento.        

 

  1. No dia 01.05.2024 foi proferido despacho do Tribunal Arbitral indicando que: por inexistir controvérsia relativamente  aos factos essenciais para a boa decisão da causa, sendo suficiente a prova documental não impugnada em  conjugação com a posição de cada uma das partes assumida nos respetivos articulados e tendo em conta que a questão central no presente processo é de direito e não se suscita questão adicional de prova, o Tribunal dispensa a apresentação de alegações finais, salvo oposição expressa das Partes no prazo de 5 dias, pronunciando-se sobre a matéria de exceção na decisão final. Não foi apresentada oposição das Partes a este despacho.

 

  1. Saneamento

 

  1.  O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído.

 

  1. As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março) e estão devidamente representadas.

 

  1. O processo não enferma de nulidades.

 

  1. Matéria de facto

 

3.1.  Factos provados

 

Consideram-se provados os seguintes factos relevantes para a decisão:

 a) Em 30.11.2021, a Requerente, sociedade comercial que se dedica ao comércio de veículos automóveis ligeiros e pesados, adquiriu 6 viaturas novas e procedeu às respetivas matriculações, em Portugal, com pagamento do ISV;

            b) Em 09.12.2021, expediu essas viaturas para o mercado alemão;

c) Em 07.11.2021, 02.12.2021 e 09.12.2021 procedeu ao cancelamento das matrículas dessas viaturas;

d) Em 30.05.2022, efetuou pedido de reembolso do ISV pago em excesso, com o pedido n.º ...,  nos termos do art. 29.º do CISV;

e) Esse pedido foi indeferido a 03.10.2022, e perante isso, a Requerente deduziu reclamação graciosa;

f) Em 09.6.2023, a reclamação graciosa foi indeferida (com despacho de notificação de 30.06.2023), dizendo-se, entre outras formas de contencioso subsequente, que a Requerente podia, querendo, apresentar ação arbitral no CAAD, conforme teor do despacho de notificação de 30.06.2023 junto ao PPA):

 

 

  1. Factos não provados

 

Com relevo para a decisão, não existem factos que devam considerar-se como não provados.

 

  1.  Fundamentação da decisão da matéria de facto

 

  1. Relativamente à matéria de facto, o Tribunal não tem de se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. art.º 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).

 

  1. Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis das questões de Direito (cfr. anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao atual artigo 596.º, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

 

  1. Tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110.º/7 do CPPT, a prova documental, a prova testemunhal e o PA juntos aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados, com base nos elementos documentais aí indicado
  1. Matéria de direito

 

Antes da apreciação do mérito da causa, importa analisar a questão prévia suscitada, relativa a incompetência do Tribunal arbitral em razão da matéria.

 

E aqui este Tribunal concorda com a decisão do processo n.º 699/2023-T, em tudo aplicável ao caso concreto, e cuja fundamentação se transcreve e adota no presente processo:

 

“O Tribunal arbitral só tem competência para analisar da ilegalidade dos atos de liquidação de impostos (art. 2.º, n.º 1, al. a), do RJAT). O ato sindicado tem de ser uma liquidação de imposto; e tem de se solicitar a sua ilegalidade (anulação), por vícios congénitos, de violação de lei, procedimento ou fundamentação (art. 99.º do CPPT).

 

Não é isso o que ocorre no caso dos autos: a) o requerente matriculou 6 viaturas e pagou o ISV correspondente; b) depois, expediu-os para a Alemanha, e cancelou as matrículas; c) e perante isso, solicitou o reembolso de parte do ISV pago; d) e porque indeferido, deduziu reclamação graciosa ulterior e intentou depois a presente ação arbitral.

 

Quer dizer: o requerente não contesta as liquidações de ISV; não lhes imputa quaisquer ilegalidades congénitas; ocorre simplesmente, na sua ótica, circunstância posterior (exportação quase imediata para a Alemanha e cancelamento de matrículas) que legitima que a ATA [“AT”]  lhe devolva parte do imposto pago (e legal), nos termos do art. 29.º do CISV.

 

Os atos originais sindicados não são liquidações de imposto (ISV); esses atos, quando emitidos são totalmente legais – e a requerente não lhes assaca qualquer ilegalidade; a posição da ATA sustenta-se em circunstâncias posteriores que legitimam a devolução de parte dos valores pagos, mas não envolvem a análise de qualquer ilegalidade das liquidações de imposto, que, por isso, não é o ato impugnado.

 

Donde, o tribunal arbitral não tem competência para conhecer a matéria deste processo.

 

É verdade, todavia, que na notificação do ato de indeferimento da Reclamação Graciosa, se indica, de forma expressa, que o requerente podia intentar ação arbitral junto do CAAD – o que veio a fazer, confiando nesta informação da AT. Há um claro erro da ATA, e o contribuinte não deve ser prejudicado por isso, pelo princípio da confiança e da boa-fé. Mas estes vetores não vão ao ponto de conceder competência ao Tribunal arbitral (até por ser matéria totalmente sujeita ao princípio da legalidade). E, por isso, o Tribunal tem de se declarar incompetente, até porque não tem modo de promover a convolação da ação no meio processual adequado, por limitação da sua competência referida no art. 2º do RJAT. Mas o sistema jurídico tem válvulas de escape de tutela da posição do contribuinte, entre outras no que se refere no art. 37.º, n.º 4 do CPPT e art. 24.º, n.º 3, do RJAT.

 

Assim, o tribunal não conhece o pedido, por incompetência em razão da matéria, mas por facto não imputável ao sujeito passivo, que se limitou a seguir precisa indicação errada por parte da ATA – que lhe disse que podia intentar ação arbitral junto do CAAD; o que cobra efeitos também na responsabilidade pelas custas. Como se dirá no final, a responsabilidade pela totalidade das custas é da ATA, porque a inutilidade e impossibilidade desta ação é da total responsabilidade da requerida: ao indicar ao autor que podia intentar ação arbitral, quando a lei não o consente, e a requerente limitou-se a seguir essa indicação de boa-fé e na confiança depositadas nas indicações do Estado.”

 

 

 

 

5.      Decisão  

 

Em face do exposto este Tribunal decide:

 

a) Ser este Tribunal Arbitral materialmente incompetente para julgar o presente litígio, nos termos do artigo 2.º do RJAT e, em consequência, absolver a Requerida da instância.

 

b) Condenar a Requerida nas custas do processo, porque a inutilidade e impossibilidade deste processo é da sua total responsabilidade.

 

6.      Valor do processo

 

De harmonia com o disposto nos artigos 306.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária
fixa-se ao processo o valor de € 5.152,10.

7. Custas

 

Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 612, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerida.

 

 

Lisboa, 11.06.2024

 

A Árbitra singular

 

(Catarina Belim)