SUMÁRIO
Dos Acórdãos de uniformização de jurisprudência proferidos no âmbito dos processos n.ºs 102/22.2BALSB, em 23-02-2023, e 115/23.7BALSB, em 22-11-2023, resulta uma preclusão absoluta da possibilidade de os sujeitos passivos arguirem a errónea fixação do Valor Patrimonial Tributário através de pedido de revisão oficiosa dos atos de liquidação de IMI e AIMI emitidos com base no mesmo.
DECISÃO ARBITRAL
Os árbitros Professora Doutora Rita Correia da Cunha (presidente), Dr. Pedro Miguel Bastos Rosado e Dr. Nuno Pombo, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formarem o Tribunal Arbitral Tributário, acordam no seguinte:
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RELATÓRIO
A..., S.A., contribuinte fiscal n.º..., com sede na ... n.º ... -..., na qualidade de sociedade gestora e em representação do FUNDO DE INVESTIMENTO IMOBILIÁRIO FECHADO B..., contribuinte fiscal n.º ... (em diante abreviadamente designado “Requerente”), veio, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º, e n.ºs 1 e 2 do artigo 10.º, ambos do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”), e dos artigos 1.º e 2.º da Portaria n.º 112‐A/2011, de 22 de março, e da alínea d) do n.º 1 do artigo 102.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (“CPPT”), requerer a constituição de tribunal arbitral coletivo e apresentar pedido de pronúncia arbitral (“PPA”) com vista à (1) declaração de ilegalidade e anulação parcial das Liquidações de Imposto Municipal sobre Imóveis (“IMI") n.ºs 2018 ... de 04-04-2019, 2018 ... de 01-07-2019, 2018 ... de 17-07-2019, e 2018 ... de 17-10-2019 (ano de 2018), e da Liquidação de Adicional ao IMI (“AIMI”) n.º 2019 ... de 30-06-2019 (ano de 2019) (“Liquidações Contestadas”), emitidas por referência aos terrenos para construção identificados nas mesmas (“Terrenos para Construção”), no montante total de € 99.671,77, (2) declaração de ilegalidade e anulação do indeferimento tácito dos pedidos de revisão oficiosa apresentados contra as Liquidações Contestadas, bem como ao (3) reembolso do montante de € 99.671,77, acrescido de juros indemnizatórios, contados desde 30-12-2023 (um ano após a apresentação dos pedidos de revisão oficiosa) até integral reembolso.
É demandada a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante referida por “AT” ou “Requerida”).
O pedido de constituição do Tribunal Arbitral e o PPA foram apresentados no dia 31-07-2023, tendo sido aceites pelo Exmo. Presidente do CAAD e notificados à Requerida. Em conformidade com o disposto nos artigos 5.º, n.º 3, alínea a), 6.º, n.º 2, alínea a), e 11.º, n.º 1, alínea a), todos do RJAT, o Exmo. Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou os ora signatários como árbitros do Tribunal Arbitral Coletivo, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável. As partes, notificadas dessa designação, não manifestaram vontade de a recusar.
O Tribunal Arbitral Coletivo foi constituído em 11-10-2023.
Em 15-11-2023, a Requerida apresentou resposta com defesa por exceção, não tendo, contudo, junto o processo administrativo.
Em 21-11-2023, o Tribunal Arbitral dispensou a realização da reunião do artigo 18.º do RJAT, notificou a AT para juntar o processo administrativo e notificou as partes para, querendo, apresentarem alegações escritas. A Requerente apresentou alegações em 04-12-2023.
Em 11-12-2023, a Requerida juntou aos autos o Acórdão de uniformização de jurisprudência proferido no âmbito do processo n.º 115/23.7BALSB, em 22-11-2023.
Notificada para se pronunciar sobre este Acórdão, por despacho de 18-12-2023, a Requerente apresentou requerimento em 15-01-2024, alegando, entre o mais, que o Acórdão em apreço ainda não transitou em julgado por ter sido apresentado recurso para o Tribunal Constitucional.
Em 02-02-2024, a Requerida veio informar que Acórdão proferido no processo n.º 115/23.7BALSB transitou em julgado em 01-02-2024, por o Tribunal Constitucional ter decidido não tomar conhecimento do recurso (ao qual coube o n.º 9/24).
Por despacho de 09-02-2024, o Tribunal Arbitral notificou a AT para informar, de forma clara, se foram interpostos recursos para o Tribunal Constitucional do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 23-02-2023, proferido no processo n.º 0102/22.2BALSB, e/ou do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 22-11-2023, proferido no processo n.º 115/23.7BALSB.
Em 29-02-2024, a Requerente veio juntar aos autos cópia da referida decisão proferida no processo 564/2023-T.
Em 01-03-2024, a Requerida veio esclarecer que o Acórdão de 23-02-2023, prolatado no processo n.º 102/22.2BALSB1, transitou em julgado em 09-03-2023, e que o Acórdão de 22-11-2023, transitou em julgado em 18-01-2024. Disse ainda que, com referência ao Acórdão no processo n.º 115/23.7BALSB, o Tribunal Constitucional proferiu a decisão sumária n.º 27/2024, processo n.º 9/2024, no sentido de não conhecer o objeto do recurso.
Por despacho de 08-04-2024, o Tribunal determinou o seguinte:
“1. Dado não ser possível ao Tribunal Arbitral aceder ao texto do Acórdão do Tribunal Constitucional proferido no processo n.º 9/2024, que culminou com decisão sumária n.º 27/2024, notifique-se a Requerida para, no prazo de 10 dias, juntar aos autos cópia do referido Acórdão, em cumprimento do dever de colaboração com o Tribunal Arbitral.
2. Notifique-se a Requerida para, querendo, no mesmo prazo de 10 dias, exercer o seu direito de contraditório relativamente ao requerimento e documento juntos aos autos pela Requerente em 01-03-2024.
3. Notifique-se as partes da prorrogação do prazo do artigo 21.º, n.º 1, do RJAT, por um período de dois meses, dado que a AT Requerida ainda não juntou ao autos cópia do Acórdão do Tribunal Constitucional que invocou em defesa da sua posição no presente processo, e relativamente o qual a Requerente não teve ainda oportunidade de se pronunciar ou exercer o contraditório”.
As partes nada vieram a acrescentar.
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SANEAMENTO
O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias (cf. artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT, e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março) e estão devidamente representadas.
É admitida a cumulação de pedidos, face ao disposto no artigo 3.º, n.º 1, do RJAT, sempre que, como é o caso, “a procedência dos pedidos dependa essencialmente da apreciação das mesmas circunstâncias de facto e da interpretação e aplicação dos mesmos princípios ou regras de direito”.
O processo não enferma de nulidades.
Tendo a Requerida suscitado exceções suscetíveis de obstar ao conhecimento do mérito da causa e determinar a absolvição da instância, o Tribunal apreciará primeiramente tais exceções, e, seguidamente, caso se pronuncie pela improcedência das mesmas, os vícios alegados pela Requerente suscetíveis de determinar a ilegalidade e consequente anulação do referido ato de indeferimento e das Liquidações Contestadas (cf. artigo 89.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos e artigos 278.º e 608.º do Código de Processo Civi (“CPC”), aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas d) e e), do RJAT).
Da excepção de inimpugnabilidade dos atos de liquidação de IMI com fundamento em vícios próprios dos atos de fixação do Valor Patrimonial Tributário
Posição das partes
A Requerida alega que os vícios dos atos de fixação do Valor Patrimonial Tributário (“VPT") não são sindicáveis aquando da impugnação das liquidações de imposto neles baseadas, ou da impugnação das decisões de indeferimento de pedidos de revisão oficiosa que versem sobre as referidas liquidações de imposto, conforme foi expressamente reconhecido no Acórdão Uniformizador de Jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, proferido no processo n.º 102/22.2BALSB, em 23-02-2023.
A Requerente defende que o Acórdão de uniformização de jurisprudência proferido no âmbito do processo n.º 102/22.2BALSB, em 23-02-2023, afasta a possibilidade de os sujeitos passivos contestarem a legalidade de liquidações de IMI e AIMI, com fundamento em ilegalidade na fixação do VPT a elas subjacente, através de pedido de revisão oficiosa apresentado ao abrigo do artigo 78.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária (“LGT”), mas não através do mecanismo excecional previsto no artigo 78.º, n.ºs 4 e 5, da LGT.
Invocando o n.º 2 do artigo 266.º da Constituição da República Portuguesa (“CRP”), a Requerente argumenta que uma interpretação conforme à Lei Fundamental do disposto nos artigos 78.º, n.ºs 4 e 5, da LGT e 115.º, n.º 1, alínea c), do Código do IMI conduzirá inelutavelmente à conclusão de que a AT estava efetivamente obrigada a rever oficiosamente as Liquidações Contestadas na sequência dos pedidos de revisão oficiosa apresentados pela Requerente e que, não o tendo feito, as decisões de indeferimento tácito podem ser sindicadas junto do presente Tribunal Arbitral. A Requerente refere também o princípio da legalidade tributária estabelecido no 103.º, n.º 3, da CRP para concluir que a AT está assim vinculada a rever oficiosamente liquidações de impostos que impliquem, para os sujeitos passivos, o pagamento de impostos em excesso e sem qualquer correspondência com a realidade, existindo, para esse efeito, diversos mecanismos e, com relevância no presente caso, o mecanismo excecional revisão oficiosa da matéria tributável com fundamento em injustiça grave ou notória e com impacto direto nas liquidações, cujas regras devem ser interpretadas em conformidade com a CRP e, designadamente, com o princípio da legalidade tributária. Por último, a Requerente invoca também os princípios constitucionais da proibição da denegação da justiça e da tutela judicial efetiva insítos no artigo 20.º da CRP.
Após a junção aos autos do Acórdão de uniformização de jurisprudência proferido no âmbito do processo n.º 115/23.7BALSB, em 22-11-2023, veio a Requerente acrescentar que a interpretação normativa que parece ter sido adotada pelo STA do disposto no artigo 78.º, n.º 4, da LGT é ostensivamente inconstitucional. Com efeito, entende a Requerente que as normas legais constantes do artigo 78.º, n.ºs 4 e 5 da LGT, quando interpretadas no sentido de não ser possível o recurso ao mecanismo excecional de revisão oficiosa de liquidações de IMI e/ ou de Adicional ao IMI com fundamento em injustiça grave ou notória em resultado de erro grosseiro na fixação do VPT que serviu de base a tais liquidações, são inconstitucionais por violação dos princípios constitucionais da justiça, da igualdade e da legalidade tributária previstos nos artigos 266.º, n.º 2, 13.º e 103.º, n.º 3, da CRP, respetivamente, e, bem assim, do princípio constitucional da tutela jurisdicional efetiva e da proibição da denegação de justiça previstos nos artigos 20.º e 268.º, n.º 4, da CRP.
Apreciação do Tribunal Arbitral
Dos Acórdãos de uniformização de jurisprudência proferidos no âmbito dos processos n.ºs 102/22.2BALSB, em 23-02-2023, e 115/23.7BALSB, em 22-11-2023, resulta claro e evidente que o Douto Supremo Tribunal Administrativo pretendeu afastar a possibilidade de os sujeitos passivos contestarem a legalidade de liquidações de IMI e AIMI, seja com fundamento em ilegalidade na fixação do VPT a elas subjacente, através de pedido de revisão oficiosa apresentado ao abrigo do artigo 78.º, n.º 1, da LGT, seja com fundamento em injustiça grave e notória, nos termos do artigo 78.º, n.ºs 3 e 4, da LGT.
Independentemente da posição dos ora signatários em Decisões Arbitrais anteriores, os mesmos aceitam o carácter orientador e persuasivo dos Acórdãos de uniformização de jurisprudência referidos supra. Nos termos do artigo 8.º, n.º 3, do Código Civil, “Nas decisões que proferir, o julgador terá em consideração todos os casos que mereçam tratamento análogo, a fim de obter uma interpretação e aplicação uniformes do direito.”
Tanto quanto é do conhecimento dos ora signatários, o Tribunal Constitucional ainda não se pronunciou sobre as questões de inconstitucionalidade suscitadas pela Requerente. A este propósito, a maioria do Coletivo segue de perto o decidido na Decisão Arbitral de 04-03-2024, processo n.º 694/2023-T, entendendo igualmente não estar ferido de inconstitucionalidade material o artigo 78.º, n.º 4, da LGT, interpretado, como fez o Supremo Tribunal Administrativo na uniformização de jurisprudência a que nos vimos referindo, com o alcance de não viabilizar a revisão oficiosa quando a causa da injustiça é um ato de fixação de valor patrimonial tributário, em si mesmo impugnável:
“Na verdade, o que está em causa não é propriamente uma restrição ao direito de impugnação contenciosa dos actos de liquidação, mas sim a caducidade do direito de impugnar os actos de fixação de valores patrimoniais, por falta de impugnação tempestiva pelos meios próprios previstos na lei.
Como efeito, os actos de fixação de valores patrimoniais podem ser impugnados contenciosamente, com fundamento em qualquer ilegalidade, e a condição do esgotamento dos meios administrativos previstos para a sua revisão, que consta do n.º 2 do artigo 86.º da LGT e do n.º 7 do artigo 134.º, do CPPT, é justificada, pois tem em vista atenuar a margem de subjectividade inerente aos conceitos indeterminados que influenciam a avaliação de imóveis (como, por exemplo, a «qualidade construtiva» ou a «localização excepcional». E, decerto, como dizem as Requerentes, a 2.ª avaliação nem será necessária quando estiver em causa a impugnação de actos de fixação de valores patrimoniais com fundamento em vícios que não tenham a ver com a avaliação, como é o caso dos vícios de falta de fundamentação e de forma.
De qualquer modo, à face da referida jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, não é por as Requerentes não terem requerido 2.ª avaliação que é de rejeitar a possibilidade de revisão oficiosa, mas sim por não terem impugnado tempestivamente, por qualquer forma, os actos de fixação de valores patrimoniais.
Como já se referiu, o regime de impugnação autónoma de actos de avaliação justifica-se por razões de coerência do sistema jurídico tributário inerentes ao facto de cada acto de avaliação poder servir de suporte a uma pluralidade de actos de liquidação de impostos e ser relevante para vários outros efeitos.
Por outro lado, como também já se referiu, a caducidade do direito de acção decorrente da inércia do lesado por actos administrativos, é justificada por razões de segurança jurídica, que é um valor constitucional, ínsito no princípio do Estado de Direito.
Para além disso, como também já se disse, o prazo de três meses para impugnação de actos de fixação de valores patrimoniais, previsto no n.º 1 do artigo 134.º do CPPT, afigura-se ser razoável para assegurar adequadamente os direitos de impugnação contenciosa.
Neste contexto, tendo em mente o princípio da segurança jurídica, afigura-se que é materialmente constitucional o artigo 78.º, n.º 4, da LGT, interpretado, como fez o Supremo Tribunal Administrativo, com o alcance de não viabilizar a revisão oficiosa quando a causa da injustiça é um acto de fixação de valor patrimonial tributário”.
Pelo exposto, julga-se procedente a exceção invocada pela Requerida.
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DECISÃO
Termos em que, de harmonia com o exposto, decide-se neste Tribunal Arbitral julgar improcedente o pedido de pronúncia arbitral.
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VALOR DA CAUSA
De harmonia com o disposto no artigo 306.º, n.ºs 1 e 2, do CPC, no artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT (aplicáveis ex vi alíneas c) e e) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT) e no artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 99.671,77, correspondente ao valor contestado pela Requerente (conforme indicado no PPA e não contestado pela Requerida).
V. CUSTAS
Nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, do RJAT, 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, e da Tabela I anexa a esse Regulamento, fixa-se o montante das custas arbitrais em € 2.754,00, a cargo da Requerente, em razão do decaimento.
Notifique-se.
CAAD, 7 de junho de 2024
A Presidente do Tribunal Arbitral,
Rita Correia da Cunha
O Árbitro Adjunto,
Pedro Miguel Bastos Rosado
O Árbitro Adjunto,
Nuno Pombo
DECLARAÇÃO DE VOTO
A Decisão do Tribunal Arbitral segue os Acórdãos uniformizadores do Supremo Tribunal Administrativo proferidos no âmbito dos processos n.ºs 102/22.2BALSB, em 23-02-2023, e 115/23.7BALSB, em 22-11-2023, dos quais resulta uma preclusão absoluta da possibilidade de os sujeitos passivos arguirem a errónea fixação do VPT através de pedido de revisão oficiosa dos atos de liquidação de IMI e AIMI emitidos com base no mesmo. Não há, assim, dúvida quanto à correção da Decisão Arbitral neste sentido, à luz do disposto no artigo 8.º, n.º 3, do Código Civil (“Nas decisões que proferir, o julgador terá em consideração todos os casos que mereçam tratamento análogo, a fim de obter uma interpretação e aplicação uniformes do direito”).
Parece-me, no entanto, uma abordagem problemática em face da nossa Constituição.
Aliás, nos Acórdãos uniformizadores de jurisprudência supra referidos, o Supremo Tribunal Administrativo não se pronunciou sobre a conformidade com a nossa Constituição de uma preclusão absoluta da possibilidade de os sujeitos passivos arguirem a errónea fixação do VPT através de procedimentos administrativos, ou de ação judicial ou arbitral, contra atos de liquidação de IMI e AIMI emitidos com base no mesmo. No sumário do Acórdão uniformizador do Supremo Tribunal Administrativo proferido no âmbito do processo n.º 102/22.2BALSB, em 23-02-2023, pode ler-se:
“Deixando o contribuinte precludir a possibilidade de sindicar o valor patrimonial tributário nos termos previstos nos artigos 76.º e 77.º do Código do IMI, não pode arguir a ilegalidade da liquidação com fundamento na ilegalidade subjacente ao cálculo do valor patrimonial tributário que lhe serviu de matéria coletável”.
No texto do Acórdão não são apreciadas as questões constitucionais repetidamente discutidas pelos tribunais arbitrais nos últimos anos. No Acórdão uniformizador proferido no âmbito do processo n.º 115/23.7BALSB, em 22-11-2023, o Douto Supremo Tribunal Administrativo também não apreciou a relevância do artigo 103.º, n.º 3, do CRP para a apreciação da questão em apreço, ao invés observando que o artigo 78.º, n.º 4, da LGT não se aplica a atos de fixação de valores patrimoniais:
“se é verdade que está em causa um verdadeiro direito do contribuinte, no sentido de exigir da AT que expurgue da ordem jurídica, total ou parcialmente, um acto ilegal, bem como a restituição do que tenha sido ilegalmente cobrado, com base no artigo 103º nº 3 da Constituição da República Portuguesa, que não permite a cobrança de tributos, nem os respectivos montantes, que não estejam previstos na lei, não pode olvidar-se que este procedimento apenas tem por objecto os “actos tributários” em sentido estrito, aqui se incluindo os actos de liquidação e de alteração da matéria colectável quando não dê lugar a qualquer liquidação, não abrangendo os actos administrativos em matéria tributária, como são os actos de fixação de valores patrimoniais (art. 97º, nº 1 alíneas a), b) e f), do CPPT)”.
A mesma posição foi adotada nos Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo proferidos em 24-01-2024, processos n.ºs 0134/23.3BALSB e 0133/23.5BALSB.
No decorrer do presente processo arbitral, não foi possível ao Tribunal Arbitral determinar se o Tribunal Constitucional já se pronunciou sobre as questões constitucionais que têm sido repetidamente discutidas pelos tribunais arbitrais nos últimos anos. Por um lado, a AT nunca chegou a juntar cópia dos Acórdãos do Tribunal Constitucional que referiu ao longo do processo arbitral, não obstante ter sido notificada para o efeito. Por outro lado, os ditos Acórdãos não foram publicados, não sendo possível ao Tribunal Arbitral aceder aos mesmos.
Ficam, assim, por esclarecer, de forma definitiva, as questões constitucionais suscitadas no presente processo arbitral pela Requerente, cuja entendimento acompanho, e que me parecem ser certamente merecedoras de análise e reflexão cuidada num Estado de Direito Democrático. E não poderia de deixar de expressar a minha
concordância com a posição da Requerente em declaração de voto autónoma em relação à Decisão Arbitral.
Rita Correia da Cunha