Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 546/2023-T
Data da decisão: 2024-06-17  IRC  
Valor do pedido: € 93.324,91
Tema: IRC – constituição de provisão para a reparação de danos de caráter ambiental (artigo 40º, do CIRC) – pressupostos
Versão em PDF

Sumário: I A constituição de provisão fiscalmente dedutível para a reparação de danos de caráter ambiental obedece ao cumprimento das regras ou critérios previstos nos artigos 39º-1/d) e 2 e 40º, do CIRC, designadamente a sujeição à apresentação à AT de plano previsional de encerramento da exploração dos locais de exploração de aterros. II – Não será, por si só, de desconsiderar fiscalmente a provisão se esta, cumprindo os respetivos requisitos legais, não foi justificada ou validada no exercício respetivo pela comunicação à Autoridade Tributária e Aduaneira até ao termo final do prazo previsto no artigo 40º-2, in fine, do CIRC.

 

 

DECISÃO ARBITRAL

 

Acordam os árbitros José Poças Falcão (árbitro-presidente), Pedro Miguel Abreu Marques e João Taborda da Gama (árbitros adjuntos), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 3 de outubro de 2023:

 

 

I - Relatório

  1. A..., S.A. – abreviadamente “A...” -  NIPC..., com sede na Rua..., n.º ..., ...-... Linda-a-Velha, notificada da decisão de indeferimento expresso da reclamação graciosa apresentada contra o ato de liquidação adicional de IRC n.º 2021...,  relativo ao ano de 2017, tendo por base a fundamentação apresentada no relatório final de inspeção tributária relativo ao procedimento inspetivo credenciado pela ordem de serviço n.º OI2021..., dos Serviços de Inspeção Tributária da Direção de Finanças de Lisboa e dos respetivos juros compensatórios, bem assim como da demonstração de acerto de contas, da qual resultou um valor total de 57.624,51 € e com estes procedimentos não se conformando, veio requerer PRONÚNCIA ARBITRAL, nos termos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro.
  2. É requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT)

 

Fundamentos do pedido

  1. Invoca, a fundamentar o pedido, no essencial e em síntese:
  • a Requerente foi objeto de uma inspeção que incidiu sobre o ano de 2017, credenciada pela Ordem de Serviço n.º OI2021..., levada a cabo pelos Serviços de Inspeção Tributária da Direção de Finanças de Lisboa;
  • desta inspeção resultaram correções à matéria tributável em sede de IRC, para o ano de 2017, fundamentadas no relatório da inspeção tributária (RIT) junto aos autos;
  • em consequência do RIT a Autoridade Tributária notificou a Requerente do ato de liquidação adicional de IRC n.º 2021..., no valor de 204.541,28€ a reembolsar, e do respetivo acerto de contas n.º 2021..., do qual resultou o valor de 57.624,51€ a ser (alegadamente) devolvido pela Requerente, a título de reembolso de IRC recebido em excesso, correspondente à diferença entre o valor de IRC a reembolsar inicialmente apurado pela Requerente (262.165,79€) enquanto sociedade dominante do grupo societário tributado ao abrigo do regime especial de grupos de sociedades (“RETGS”), por referência ao exercício de 2017, e o valor de reembolso a receber após as correções promovidas pelos SIT à matéria tributável da sociedade dominada, B..., S.A., e, consequentemente, do seu reflexo na esfera do grupo fiscal, a saber, 204.541,28 €, acrescido do valor de 4.360,07€, a título de juros compensatórios por (alegado) recebimento indevido (Doc 1, junto com o pedido);
  • a Requerente não concordando com o teor do referido relatório, apresentou reclamação graciosa contra o ato de liquidação adicional de IRC e respetivo acerto de contas, como resulta do documento que junta e dá por reproduzido. (Documento n.º 2);
  • a reclamação graciosa, a que foi atribuída o número ...2022..., viria a ser expressamente indeferida, por decisão da Direção de Finanças de Lisboa, notificada por ofício datado de 19/04/2023, conforme documento que se junta e dá por reproduzida. (Documento n.º 3).
  • visa o presente pedido de pronúncia arbitral, a anulação da decisão de indeferimento da reclamação graciosa e, consequentemente, a anulação do ato de liquidação adicional de IRC e respetivo acerto de contas, do qual resultou um valor de reembolso de IRC;
  • a Requerente foi notificada da liquidação adicional n.º 2021..., bem como da demonstração de acerto de contas com o nr. de compensação 2021...;
  • da demonstração de acerto de contas resulta um montante a pagar de 57.624,51 €.
  • a Requerente, apesar de não concordar com a referida liquidação, procedeu ao pagamento da mesma em 27/01/2022, conforme comprovativo que se junta e dá por reproduzido. (Documento n.º 4)
  • o relatório de inspeção que sustenta a liquidação adicional sob censura padece do vício de erro nos pressupostos de facto e do vício de violação de lei;
  • a correção ao lucro tributável da sociedade dominada B..., S.A., (adiante “B...”), em particular no que respeita aos gastos com provisões de carácter ambiental, assenta numa errónea interpretação dos factos, em particular do conhecimento e da eficácia temporal do ato de aprovação do plano previsional apresentado pela B... junto da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional de Lisboa e Vale do Tejo (adiante apenas “CCDR -LVT”).
  • a Requerente, enquanto sociedade dominante de Grupo Fiscal, insurge-se perante os pressupostos em que assenta a referida correção, no valor de 93.324,42 €, a qual se traduz consequentemente numa correção ao lucro tributável do Grupo.
  • a B... iniciou o desenvolvimento da atividade de deposição de resíduos durante o exercício de 2017, sendo certo que à data, de um ponto de vista contabilístico, não lhe era possível estimar no imediato, com a certeza e viabilidade necessárias, qual o montante dos encargos que iria incorrer com a reparação dos danos de caráter ambiental dos locais afetos à atividade de deposição de resíduos, vulgo, aterros.
  • daí que, não sendo possível alcançar uma estimativa viável e com caráter regular dos custos a incorrer, naturalmente que, em cumprimento dos critérios resultantes do disposto no § 12, ex vi  § 40, da Norma Contabilística e de Relato Financeiro 26, a Requerente foi forçada a adotar um critério contabilístico distinto, dotado de maior viabilidade, para a constituição e reforço da provisão criada para o efeito, designadamente o recurso ao quociente entre os gastos estimados das operações de selagem e monitorização dos aterros após o seu encerramento e o total de toneladas de resíduos a depositar, de modo a quantificar concretamente os montantes da dotação da provisão para cada exercício e proceder ao seu respetivo registo contabilístico como gasto do período;
  • no RIT, a AT não teve em consideração esta realidade, tendo optado por pura e simplesmente a desconsiderar, traduzindo assim um erro sobre os pressupostos de facto sobre os quais incidiram as correções à matéria tributável da sociedade dominada B... com consequente reflexo no resultado fiscal em sede de IRC apurado pelo Grupo Fiscal de que é sociedade dominante a Requerente, por referência a 2017;
  • a dedutibilidade fiscal do gasto associado à constituição e reforço de provisões constituídas nos termos acima indicados, resulta expressa e inequivocamente da norma da alínea d) do n.º 1 do artigo 39.º do CIRC...
  • ...ao mesmo passo, que o n.º 2 do artigo 40.º do mesmo diploma, refere expressamente a possibilidade de, nos casos em que se preveja um nível de exploração irregular ao longo do tempo, o sujeito passivo poder deduzir enquanto gasto fiscal, um montante distinto do estipulado pela regra geral do n.º 1, sendo certo que, o n.º 3 do artigo 40.º do CIRC exige, para que a provisão seja constituída, que o sujeito passivo apresente à AT, um plano previsional de encerramento da exploração, com indicação detalhada sobre:
    1. Trabalhos a realizar com a reparação;
    2. dos danos de carácter ambiental;
    3. Estimativa dos encargos inerentes;
    4. Referência ao número de anos de exploração previsto e eventual irregularidade ao longo do tempo do nível previsto de atividade, sujeito a aprovação pelos organismos competentes;
  • tendo a B... apresentado junto da AT o referido plano previsional de encerramento da exploração, com todas as indicações acima mencionadas o qual ratifica o procedimento adotado pela sociedade dominada pela Requerente, em matéria de selagem, manutenção e controlo na fase pós-encerramento do aterro sito na freguesia da ..., bem como, quanto à constituição da provisão relativa aos encargos a suportar com a reparação de danos de carácter ambiental, nos exercícios de 2017 e seguintes, ...
  • ...plano previsional aprovado e validado pela própria CCDR-LVT, de forma a estarem assim preenchidos os requisitos enunciados na alínea a) do n.º 3 e do n. º 2 do artigo 40.º do CIRC;
  • Por outro lado, o dever de comunicação à AT decorrente da parte final do n.º 2 do artigo 40.º do CIRC, é um requisito meramente formal para validar a dedutibilidade efetiva dos gastos incorridos pelo sujeito passivo com a constituição ou reforço de provisão de carácter ambiental, não podendo o atraso na comunicação dos referidos elementos à AT, ser argumento bastante para negar, sem mais, a dedutibilidade dos gastos incorridos com a constituição ou reforço da provisão,
  • A dedutibilidade destes gastos deve ser auferida em termos materiais, de acordo com os critérios dos artigos 23.º, n.º 1, 39.º, n.º 1, alínea d) e 40.º, n.º 2, primeira parte, todos do CIRC, pois a segunda parte do n.º 2 e o próprio n.º 3 do artigo 40.º do CIRC, dispõem apenas sobre os critérios que devem presidir à constituição de uma provisão de carácter ambiental,
  • em suma: a interpretação pelos SIT da factualidade e da legislação aplicável ao caso concreto, e que foi a mesma que serviu de suporte para a decisão de indeferimento da AT sobre a reclamação graciosa apresentada pela Requerente, viola não só o disposto nos artigos 23.º, n.º 2, alínea i), 39.º, n.º 1, alínea d), 40, n.º 2 e n.º 3, todos do CIRC,  mas também o princípio da tributação pelo rendimento real, concretizada pelos artigos 104.º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa, 5.º, n.º 2 da Lei Geral Tributária e ainda do próprio 3.º, n.º 1 do CIRC. A Requerente, entendendo que se enquadra no conceito de “instituição financeira”, apresentou reclamação graciosa em 20-1-2023 com vista a que lhe fosse reconhecido o direito à isenção de imposto do selo, prevista no artigo 7.º, n.º 1, al. e) do CIS, com a consequente anulação dos atos tributários ora sindicados.
  • Indeferida a sobredita reclamação, apresentou o presente pedido de pronúncia arbitral em 31-8-2023

 

Resposta da AT (em síntese)

 

  1. Alega a AT, na Resposta apresentada na sequência em consequência da notificação prevista no artigo 18º, do RJAT:
  • a matéria em análise no presente processo prende-se, em suma, com a resposta à seguinte questão: Relativamente à provisão constituída, em 2017, pela sociedade dominada B..., no montante de €93.324,42, para fazer face aos encargos com a reparação de danos de caráter ambiental dos locais afetos à exploração e reconhecida contabilisticamente de forma irregular, encontram-se preenchidos os condicionalismos para se considerar fiscalmente dedutível nos termos da alínea d) do n.º 1 do artigo 39.º e 40.º do CIRC apesar de,  não reunir as condições referidas na alínea a) do n.º 3 do artigo 40º do CIRC e não ter sido cumprida a formalidade de comunicação à Autoridade Tributária e Aduaneira, até ao termo do 1.º período de tributação em que sejam reconhecidos gastos com a sua constituição ou reforço, de um plano de constituição da provisão que tenha em conta aquele nível de exploração, nos termos expressamente previstos no n.º 2 artigo 40º do código do IRC, formalidade que apenas veio cumprir em outubro de 2019?
  • a correção à B..., no montante de €93.324,42, resultou do facto de esta ter reconhecido tal valor como gasto para efeitos de apuramento do resultado tributável de 2017, com referência à dotação da provisão para fazer face aos encargos com a reparação de danos de caráter ambiental, tendo concluído os SIT que,
  • ... a B... não reunia as condições referidas na al. a) do n.º 3 do art.º 40.º do CIRC, pois não apresentou o plano previsional de encerramento da exploração com indicação detalhada dos trabalhos a realizar com a reparação dos danos de caráter ambiental e a estimativa dos encargos inerentes e a irregularidade ao longo do tempo da atividade, plano que apenas veio a ser apresentado em 28 em outubro de 2019, tendo recebido aceitação por parte da agência portuguesa do ambiente em 27 de dezembro de 2019 e, ainda,
  • não ter sido comunicado à AT, até ao termo do primeiro período de tributação em que os gastos com a sua constituição ou reforço foram reconhecidos, um plano de constituição da provisão que previsse um nível de exploração irregular ao longo do tempo, pelo que os mesmos não foram considerados fiscalmente dedutíveis, conforme RIT elaborado após apreciação dos argumentos suscitados no direito de audição, devidamente notificado à sociedade dominada e que se transcrevem,  em parte: “(…) Acontece que, o sujeito passivo comunicou, através de exposição apresentada em 30 de outubro de 2019, que a constituição e reforço da provisão para recuperação de danos de caráter ambiental, relacionada com o encerramento, selagem e monitorização do aterro sanitário, estavam a ser reconhecidos na sua contabilidade não de uma forma retilínea, conforme previsto no n.º 1 do artigo 40º do Código do IRC, mas sim pelo quociente entre os gastos estimados das operações de selagem e monitorização dos aterros após o seu encerramento e o total de toneladas aprovadas na Licença Ambiental n.º .../0.0/2013, de 20 de maio, emitida pela Agência Portuguesa do ambiente. Ora o sujeito passivo iniciou a deposição de resíduos em 2017 e constituiu a provisão para a reparação de danos de caráter ambiental, partindo do pressuposto da irregularidade da atividade não em função do numero de anos previstos de exploração da mesma (24 anos). Verifica-se assim que, quando em 2017 iniciou a atividade com a deposição de resíduos na célula 1, o sujeito passivo não reunia as condições impostas pelo artigo 40º do Código do IRC, para a constituição da provisão em causa, ou seja, mais especificamente, a condição prevista na alínea a) do n.º 3 do citado artigo 40º não se verificava, uma vez que apenas apresentou o plano previsional de encerramento da exploração com indicação detalhada dos trabalhos a realizar com a reparação dos danos de caráter ambiental e a estimativa dos encargos inerentes e a irregularidade ao longo do tempo da atividade, 24 anos, em 28 de outubro de 2019, tendo recebido aceitação por parte da APA em 27 de dezembro de 2019.
  • Assim. considerando que o sujeito passivo não reunia as condições referidas na alínea a) do n.º 3 do artigo 40º do Código do IRC e, ainda, porque não comunicou à AT, um plano de constituição da provisão que previsse um nível de exploração irregular ao longo do tempo, até ao termo do primeiro período de tributação, em que os gastos com a sua constituição ou reforço foram reconhecidos, tais gastos, no montante total de € 93.324,42, não são aceites como fiscalmente dedutíveis, nos termos das citadas normas.”
  • a ação inspetiva efetuada à aqui Requerente, mais não fez do que refletir no resultado fiscal do grupo, a correção firmada na esfera da B... .
  • a constituição da citada provisão terá de observar as seguintes condições.

a) Apresentação de um plano previsional de encerramento da exploração, com indicação detalhada dos trabalhos a realizar com a reparação de danos de caráter ambiental e a estimativa dos encargos inerentes, e a referência ao número de anos da exploração previsto e eventual irregularidade ao longo do tempo do nível previsto de atividade, sujeito a aprovação pelos organismos competentes.

b) Constituição de um fundo, representado por investimentos financeiros, cuja gestão pode caber ao próprio sujeito passivo, de montante equivalente ao do saldo acumulado da provisão no final de cada período de tributação

  • a constituição do fundo supramencionado pode ser dispensada, quando seja exigida a prestação de caução a favor da entidade que aprova o Plano Ambiental e de Recuperação Paisagística, de acordo com o regime jurídico de exploração da respetiva atividade, cf. n.º 5 do art.º 40.º do CIRC;
  • a B..., apenas em 30 de outubro de 2019, remeteu exposição, dirigida à diretora de serviços da Direção de Serviços do IRC (DSIRC), em que comunicava que a constituição e reforço da provisão para recuperação de danos de caráter ambiental, relacionada com o encerramento, selagem e monitorização dos aterros sanitários, estavam a ser relevados na sua contabilidade não de forma retilínea, ou seja, a dotação da provisão não tinha sido calculada dividindo o montante dos encargos previstos com as operações referidas após cessar a exploração dos aterros, pelo número de anos previsíveis da exploração (conforme previsto no n.º 1 do art.º 40.º do CIRC), mas sim, pelo quociente entre os gastos estimados das operações de selagem e monitorização do aterro após o seu encerramento e o total de toneladas aprovadas na Licença Ambiental n.º .../0.0/2013, de 20 de maio, emitida pela APA (Agência Portuguesa do Ambiente).
  • daí que,  tal como consta do parecer da DSIRC, emitido na sequência daquela exposição, no período de tributação de 2017, ano em que iniciou a atividade com a deposição de resíduos , a B... não reunia as condições impostas no art.º 40.º do CIRC para a constituição da provisão em causa, ou seja, a condição prevista na alínea a) do n.º 3 do art.º 40.º do CIRC não se verificava, uma vez que a requerente apenas apresentou o plano previsional de encerramento da exploração com a indicação detalhada dos trabalhos a realizar com a reparação dos danos de caráter ambiental e a estimativa dos encargos inerentes e a irregularidade ao longo do tempo da atividade, à Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional de Lisboa e Vale do Tejo, em 28/10/2019 para que esta se pronunciasse tendo em vista a constituição da provisão para reparação de danos de caráter ambiental ao abrigo do art.º 40.º do Código do IRC, tendo recebido a aceitação do mesmo por parte daquela entidade em 27/12/2019.
  • em conclusão: “relativamente aos períodos de 2017 e 2018, as dotações da provisão não são aceites como gasto fiscal, por a requerente não ter dado cumprimento a al. a) do nº 3 do artº 40º do CIRC, pelo que deve entregar as respetivas declarações de rendimentos mod.22, de substituição, acrescendo no quadro 07 das mesmas, os valores respetivos em causa…” (ponto V. da informação proferida em sede de reclamação, com despacho de 07.03.2023).
  • Assim, de acordo com o n.º 3 do art.º 40.º do CIRC, as dotações para a provisão para a reparação de danos de caráter ambiental só serão aceites para efeitos fiscais, a partir do período de tributação de 2019 e seguintes, uma vez que nos períodos de 2017 e 2018 (período de tributação que não se encontra em causa nos presentes autos), não se verificou a condição da alínea a) do n.º 3 do art.º 40.º do CIRC.

 

 

  1. Após regulamentar tramitação, o Tribunal, coletivo, ficou constituído em 3-10-2023.
  2. Para além de prova documental, foi produzida prova testemunhal, em audiência realizada em 27-2-2024 (cfr ata respetiva).
  3. Ambas as partes apresentaram alegações finais escritas após encerramento da instrução do processo, concluindo, no essencial, pela mesma forma que o haviam anteriormente feito nos respetivos articulados.
  4. Com fundamento nos despachos de 6-4-2024 e 1-6-2024, foi prorrogado o prazo para a prolação e notificação da decisão arbitral final.

 

Saneamento do processo

  1. O Tribunal é materialmente competente, o processo é o próprio e as partes legítimas, capazes e devidamente representadas.
  2. Não há exceções ou questões prévias a apreciar e decidir.
  3. O processo não enferma de nulidades e/ou irregularidades.

 

Cumpre apreciar e decidir o litígio.

 

II Fundamentação

 

  • Os factos provados

 

  1. São os seguintes os factos essenciais provados:
  1. A Requerente é uma sociedade anónima, dominante de um grupo de sociedades identificadas a fls 9 e 12 a 17, do RIT (relatório da inspeção tributária);
  2. Está inscrita, entre outras, para o exercício da atividade de “recolha de outros resíduos não perigosos” – CAE 3812 -, que é a atividade principal;
  3. É tributada segundo o regime geral de tributação, com opção, desde janeiro de 2011 pelo Regime Especial de Tributação dos Grupos de Sociedade (RETGS);
  4. Pela Ordem de Serviço interna nº OI2021... foi a Requerente alvo de uma ação inspetiva tributária, em sede de IRC, visando o controlo declarativo e a fazer refletir no resultado do Grupo societário as correções efetuadas em sede inspetiva às sociedades dominadas, C..., SA e B..., SA;
  5. Em resultado dessa ação foi emitido e notificado em 26-11-2021 o respetivo relatório final (RIT), com a proposta de correção do resultado fiscal do Grupo no valor de € 93.324,42...
  6. ... baseada na conclusão da desconsideração como gasto fiscal de provisões pela empresa dominada do Grupo,  B..., para fazer face aos encargos com a reparação dos danos ambientais dos locais afetos à exploração (artigos 39º-1, do CIRC) ...
  7. ...por, designadamente, não se considerarem reunidas as condições previstas no artigo 40º-3/a), do CIRC;
  8. A requerente exerceu o seu direito de audição em 16-11-2021 (fls 31 e ss., do RIT);
  9. A correção proposta foi mantida e emitida, em 6-12-2021, a liquidação adicional nº 2021..., no valor de €204.541,28 e do respetivo acerto de contas nº 2021..., ora objeto de impugnação e...
  10. ...de que resultou o valor de €57.624,15 a ser devolvido pela Requerente a título de reembolso de IRC recebido em excesso [diferença entre o valor inicialmente apurado pela Requerente (€262.165,79) e o valor do reembolso a receber após as correções promovidas pela AT à matéria tributável da sociedade dominada, B..., SA, com reflexo na esfera do Grupo fiscal (€204.541,28+€4.360,07, a título de juros compensatórios por recebimento indevido) – Cfr Doc 1, junto com o PPA;
  11. A Requerente apresentou a Reclamação Graciosa (RG) nº ...2022... (Doc 2, com o PPA) ...
  12. ...que foi indeferida por despacho de 17-4-2023, proferido pela Chefe de Divisão do Direção de Finanças de Lisboa, fundamentado na seguinte argumentação (citando): «Alega o SP que se encontram cumpridos os requisitos enunciados na al. a) do nº 3 do artº 40º do CIRC para o direito à dedutibilidade do gasto associado à constituição da provisão para a reparação de danos de carater ambiental. Porém, e tal como foi observado no âmbito da inspeção tributária, foi entregue pelo SP uma petição dirigida à Diretora de Serviços da DSIRC, em cumprimento do determinado no nº 2 do artº 40º do CIRC, na qual comunica à AT um plano de constituição da provisão para reparação de danos de caráter ambiental, que tivesse em conta o nível de exploração apresentado, e seria determinado pelo quociente entre o total de toneladas depositadas em cada ano e a capacidade de deposição da totalidade licenciada de deposição multiplicada por 5,40€. A petição foi analisada pela DSIRC, tendo merecido despacho concordante, mas apenas com início a partir do período de tributação de 2019 e seguintes, uma vez que nos anos de 2017 e 2018 não se mostrava verificada a condição prescrita na al. a) do nº 3 do artº 40º do CIRC. O referido parecer que recaiu sobre a petição acrescentava ainda que “Relativamente aos períodos de 2017 e 2018, as dotações da provisão não são aceites como gasto fiscal, por a requerente não ter dado cumprimento a al. a) do nº 3 do artº 40º do CIRC, pelo que deve entregar as respetivas declarações de rendimentos mod.22, de substituição, acrescendo no quadro 07 das mesmas, os valores respetivos em causa…Parece-nos assim, não terem os SIT incorrido em alguma ilegalidade que nos mereça qualquer reparo, porquanto, quem não deu cumprimento à lei, foi o SP, ao não ter cumprido o prazo para comunicar à AT o plano de constituição da provisão, até ao termo do 1º período de tributação em que sejam reconhecidos gastos com a sua constituição ou reforço, violando, assim, o disposto no nº 2 do artº 40º do CIRC.» (Doc 3, com o PPA);
  13. a Requerente efetuou o pagamento da sobredita liquidação em 27-1-2022 (Doc 4, com o PPA);
  14. Foi no exercício de 2017 que a sociedade dominada B... iniciou o desenvolvimento da atividade de deposição de resíduos e...
  15. ...por não ser possível então uma estimativa viável e com caráter regular dos custos a incorrer com a reparação dos danos de caráter ambiental dos locais afetos à atividade de deposição de resíduos (vulgo “aterros”) ...
  16. ...adotou o critério contabilístico possível para a constituição e reforço da provisão criada para os citados custos: o do quociente entre os gastos estimados das operações de selagem e monitorização dos aterros após o seu encerramento e o total de toneladas de resíduos a depositar...
  17. ...concretizando deste modo os montantes da dotação da provisão para os exercícios de 2017 e seguintes e consequente registo contabilístico como gasto incorrido em cada período;
  18. a exploração do sobredito aterro pela sociedade dominada B... teve início em 2017, tendo sido apresentado à AT, em outubro de 2019, o plano previsional de encerramento da exploração, com indicação detalhada sobre (i) trabalhos a realizar com a reparação dos danos de caráter ambiental, (ii) estimativa de encargos inerentes, (iii) referência ao número de anos de exploração previsto e eventual irregularidade ao longo do tempo do nível previsto de atividade, sujeito a aprovação pelos organismos competentes
  19. ...sobre o qual a CCDRLVT (Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional de Lisboa e Vale do Tejo) emitiu pronúncia nos seguintes termos (Doc 5, com o PPA):

 

 

  • Factos não provados

 

  1. Não se surpreendem factos essenciais não provados.

 

  • Motivação

 

  1. Assinale-se, preliminarmente, que segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal baseia a sua decisão, em relação às provas produzidas, na sua íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a sua experiência de vida e conhecimento das pessoas (cfr. artigo 607.º, n.º 5 do CPC); somente quando a força probatória de certos meios se encontrar pré-estabelecida na lei (e.g. força probatória plena dos documentos autênticos, cfr. artigo 371.º do Código Civil) é que não domina na apreciação das provas produzidas o princípio da livre apreciação. 
  2. Assim, a convicção do Tribunal fundou-se no acervo documental junto aos autos, nomeadamente o assinalado supra e que  não foi impugnado, incluindo-se aí a cópia do PA junta pela AT,  bem como nas posições assumidas pelas partes neste litígio cujo objeto fundamental é, como melhor se analisará infra, essencialmente de direito traduzido em saber se a provisão constituída em 2017 pela sociedade dominada B..., no montante de €93.324,42 para fazer face aos encargos com a reparação de danos de caráter ambiental dos locais afetos à exploração de aterros, preenche os requisito ou condicionalismos legais para se considerar fiscalmente dedutível à luz dos artigos 39º-1/d) e 40º, do CIRC, mais concretamente, se estão ou não reunidos os pressupostos ou condições referidas no nº 3/a), do citado artigo 40º, do CIRC e, finalmente, qual relevância do incumprimento da formalidade de comunicação à Autoridade Tributária e Aduaneira até ao termo do 1º período de tributação em que sejam reconhecidos gastos com a constituição ou reforço da sobredita provisão.
  3. Relevantes ainda para perceber todas as dificuldades que precederam a tramitação, desde data anterior a 2017, do processo desenvolvido para encontrar a autoridade ou organismo competente para aprovar o plano previsional de encerramento da exploração previsto no artigo 40º-3/a), do CIRC,  dificuldades essas também inerentes ao início dessa atividade pela sociedade dominada, B..., foram relevantes e esclarecedores os depoimentos prestados em audiência pelas testemunhas, D..., contabilista certificado e E..., gestor de projetos de participadas, quadros da Requerente, que confirmaram, no essencial, os argumentos e factos invocados pela Requerente no pedido de pronúncia arbitral formulado.

 

Fundamentação (cont): O Direito

 

  1. A questão essencial que constitui o thema decidendum reconduz-se, como já se deixou assinalado, em saber, agora mais sinteticamente,  se pode ser validada fiscalmente a provisão para reparação de danos de caráter ambiental quando a comunicação à Autoridade Tributária e Aduaneira ocorre para além do termo do 1º período de tributação em que sejam reconhecidos gastos com a sua constituição, ainda que todos os demais requisitos, com exceção do temporal, se verifiquem (artigos 39º-1/d), 40º-2 e 3, do CIRC).

 

Vejamos:

  1. De acordo com o disposto no artigo 39.º, n.º 1, alínea d), do CIRC (“Provisões fiscalmente dedutíveis”), na redação em vigor à data dos factos, “podem ser deduzidas para efeitos fiscais as seguintes provisões: (…) d) As constituídas com o objetivo de fazer face aos encargos com a reparação dos danos de caráter ambiental dos locais afetos à exploração, sempre que tal seja obrigatório nos termos da legislação aplicável e após a cessação desta”.
  2. E o n.º 2 do mesmo artigo refere ainda que “A determinação das provisões referidas no número anterior deve ter por base as condições existentes no final do período de tributação”.
  3. No artigo 40.º do CIRC (“Provisão para a reparação de danos de carácter ambiental”), na redação em vigor à data dos factos, dispõe-se, no n.º 1, que “a dotação anual da provisão a que se refere a alínea d) do n.º 1 do artigo 39º corresponde ao valor que resulta da divisão dos encargos estimados com a reparação de danos de carácter ambiental dos locais afetos à exploração (…) pelo número de anos de exploração previsto em relação aos mesmos”
  4. E nos termos do n.º 3 do mesmo artigo, a constituição da provisão fica subordinada à observância de duas condições:  (i) A primeira, referida na alínea a), consiste na apresentação de um “ (…) plano previsional de encerramento da exploração, com indicação detalhada dos trabalhos a realizar com a reparação dos danos de carácter ambiental e a estimativa dos encargos inerentes, e a referência ao número de anos de exploração previsto e eventual irregularidade ao longo do tempo do nível previsto de atividade, sujeito a aprovação pelos organismos competentes;”  (ii) a segunda, constante da alínea b), é a “constituição de um fundo representado por investimentos financeiros cuja gestão pode caber ao próprio sujeito passivo, de montante equivalente ao do saldo acumulado da provisão no final de cada período de tributação.”.
  5. De acordo com o n.º 4 do artigo 40.º, do CIRC “sempre que da revisão do plano previsional (…) resultar uma alteração da estimativa dos encargos inerentes à recuperação ambiental dos locais afetos à exploração, ou se verificar uma alteração no número de anos de exploração previsto, deve proceder-se do seguinte modo: a) tratando-se de acréscimo dos encargos estimados ou de redução do número de anos de exploração, passa a efetuar-se o cálculo da dotação anual considerando o total dos encargos ainda não provisionado e o número de anos de atividade que ainda restem à exploração, incluindo o do próprio período de tributação da revisão; b) tratando-se de diminuição dos encargos estimados ou de aumento do número de anos de exploração, a parte da provisão em excesso correspondente ao número de anos já decorridos deve ser objeto de reposição no período de tributação da revisão
  6. Por outro lado, nos termos do disposto nos n.ºs 6 e 7 do referido artigo 40.º do CIRC, “a provisão deve ser aplicada na cobertura dos encargos a que se destina até ao fim do terceiro período de tributação seguinte ao do encerramento da exploração” sendo que “decorrido o prazo previsto no número anterior sem que a provisão tenha sido utilizada, total ou parcialmente, nos fins para que foi criada, a parte não aplicada deve ser considerada como rendimento do terceiro período de tributação posterior ao do final da exploração”.
  7. Conforme decorre do exposto a aceitação fiscal do reconhecimento de uma provisão para danos de carater ambiental fica deste modo dependente da apresentação de um plano previsional de encerramento de exploração e da constituição de um fundo representado por investimentos financeiros de montante equivalente ao do saldo acumulado da provisão no final de cada período de tributação. A constituição deste fundo é dispensada sempre que seja exigida a prestação de caução a favor da entidade que aprova o Plano Ambiental e de Recuperação Paisagística, de acordo com o n.º 5 do artigo 40.º do CIRC.
  8.  Pois bem – e descendo ao caso sub juditio -, a Requerente viu denegado fundamento à reclamação que apresentou porque, relativamente ao ano ou exercício em causa e ao contrário dos exercícios subsequentes, em  2017 “(...)não se mostrava verificada a condição prescrita na al. a) do nº 3 do artº 40º do CIRC (...)” mais concretamente   que “ (...) relativamente aos períodos de 2017 e 2018, as dotações da provisão não são aceites como gasto fiscal, por a requerente não ter dado cumprimento a al. a) do nº 3 do artº 40º do CIRC, pelo que deve entregar as respetivas declarações de rendimentos mod.22, de substituição, acrescendo no quadro 07 das mesmas, os valores respetivos em causa(…)”, não tendo sido dado cumprimento pelo contribuinte ao “(...)prazo para comunicar à AT o plano de constituição da provisão, até ao termo do 1º período de tributação em que sejam reconhecidos gastos com a sua constituição ou reforço, violando, assim, o disposto no nº 2 do artº 40º do CIRC.» (Doc 3, com o PPA e XII dos factos provados elencados supra)
  9. Ou seja: para a AT o não cumprimento literal do disposto ou da condição prescrita na alínea a), do nº 3, do artigo 40º, do CIRC, designadamente o incumprimento do prazo estabelecido no nº 2, do citado normativo, acarreta como consequência a desconsideração da provisão no exercício de 2017, ainda que ulteriormente se verifique ou reconheça que, para a exploração em causa, iniciada em 2017, a entidade ou organismo competente viesse a aprovar o plano previsional de encerramento dessa exploração e este viesse a ser considerado pela AT para reconhecer as provisões constituídas em ulteriores exercícios.
  10. Será de assinalar, com relevo, os fundamentos do ato de indeferimento da reclamação graciosa apresentada ou, noutra perspetiva, os fundamentos da liquidação adicional de IRC porquanto serão esses e só esses os sindicados em sede de contencioso de anulação como acontece na arbitragem tributária.
  11. No  essencial, os fundamentos da  decisão da AT para a liquidação adicional residem na circunstância de que, pese embora ter sido comunicado pelo contribuinte e aceite pela AT um plano de constituição de provisão para reparação de danos de caráter ambiental tendo em conta o nível de exploração apresentado e que seria determinado pelo quociente entre o total de toneladas depositadas em cada ano e a capacidade de deposição da totalidade licenciada de deposição multiplicada por 5,40€, foi esta aceitação pela AT considerada apenas para os exercícios de 2019 e seguintes “(...) uma vez que nos anos de 2017 e 2018 não se mostrava verificada a condição prescrita na al. a), do nº 3, do artº 40º, do CIRC (...)”.

Será assim?

  1. Respondemos clara, decidida e decisivamente de forma negativa.
  2. Na verdade, o que aconteceu no caso, foi que a atividade em causa, de deposição de resíduos, se iniciou em 2017 e por vários anos, sendo o plano previsional de encerramento dessa exploração apresentado, não no exercício de 2017 mas no exercício de 2019, sendo óbvio que para o cálculo das provisões a constituir para acautelar a responsabilidade do contribuinte pelo danos de caráter ambiental verificados no final ou com a selagem dessa exploração, tomam em conta o período global da exploração e o inerente juízo de prognose relativo aos danos ambientais.
  3. Por isso é que, será irrelevante ou sem o efeito cominatário de desconsideração dessas provisões quando as mesmas são fundamentadas perante a AT e esta as aceita em 2019, não fazendo sentido que, estando em causa a mesma exploração, as provisões sejam desconsideradas nos primeiros anos dessa exploração (2017 e 2018) pela circunstância de que nesses anos ainda não havia notícia na AT do plano previsional de encerramento da exploração previsto no artigo 40º-3/a), do CIRC.
  4. Dito doutro modo: a apresentação e aprovação em 2019 do citado plano previsional como que ratifica a constituição da provisão no exercício de 2017 na medida em que não só esta (provisão) obedeceu aos critérios legais citados exigidos, como sobretudo o valor fiscalmente dedutível em 2019 e aceite pela AT é o que foi apurado e praticado pela Requerente.
  5. A acolher-se o entendimento da AT, então o montante plurianual fiscalmente dedutível seria diferente (menor) do respetivo montante contabilístico, suscitando legítimas dúvidas sobre a aceitação fiscal do gasto, no final da exploração, na parte coberta pela provisão não deduzida.
  6. De facto, e conforme já mencionado anteriormente, o n.º 4 do citado art. 40º do CIRC esclarece que sempre que existir uma alteração da estimativa de encargos, deve o respetivo valor da provisão ser retificado.
  7. A norma refere a expressão “deve”, não “pode”, pelo que sempre se poderá concluir que não sendo efetuada a provisão conforme concedido pelo CIRC, então o respetivo custo não poderá ser dedutível quando este efetivamente ocorrer.
  8. E a ser assim, sempre se entraria no indesejável e inadmissível campo da prevalência da forma sobre a substância, resultando essa prevalência (também) num grave e notório prejuízo para a Requerente, não permitindo deduzir fiscalmente parte dos encargos associados com a reparação dos encargos de carácter ambiental que legalmente está obrigada a suportar.
  9. O ato de indeferimento da reclamação graciosa e os consequentes atos de liquidação e de acerto de contas enfermam assim dos invocados vícios de erro nos pressupostos de facto e de violação de lei.

 

Juros indemnizatórios

  1. A Requerente pede o reembolso do imposto e juros indevidamente pagos, no montante de € 57.624,51 acrescido de juros indemnizatórios, à taxa legal, nos termos do art. 43.º da LGT.
  2. De harmonia com o disposto na alínea b) do art. 24.º do RJAT a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a administração tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exatos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, “restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito”, o que está em sintonia com o preceituado no art. 100.º da LGT [aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do art. 29.º do RJAT] que estabelece, que “a administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamação, impugnação judicial ou recurso a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da legalidade do ato ou situação objeto do litígio, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso, a partir do termo do prazo da execução da decisão”.
  3. Embora o art. 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT utilize a expressão “declaração de ilegalidade” para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, não fazendo referência a decisões condenatórias, deverá entender-se que se compreendem nas suas competências os poderes que em processo de impugnação judicial são atribuídos aos tribunais tributários, sendo essa a interpretação que se sintoniza com o sentido da autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, em que se proclama, como primeira diretriz, que “o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à ação para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária”.
  4. Por outro lado, o processo de impugnação judicial, apesar de ser essencialmente um processo de anulação de atos tributários, admite a condenação da Administração Tributária no pagamento de juros indemnizatórios, como se depreende do art. 43.º, n.º 1, da LGT, em que se estabelece que “são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido” e do art. 61.º, n.º 4 do CPPT (na redacção dada pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, a que corresponde o n.º 2 na redacção inicial), que «se a decisão que reconheceu o direito a juros indemnizatórios for judicial, o prazo de pagamento conta-se a partir do início do prazo da sua execução espontânea».
  5. Assim, o n.º 5 do art. 24.º do RJAT ao dizer que “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário” deve ser entendido como permitindo o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral.
  6. No caso em apreço, é manifesto que, na sequência da ilegalidade do ato de liquidação, há lugar a reembolso do imposto, por força dos referidos arts. 24.º, n.º 1, alínea b), do RJAT e 100.º da LGT, pois tal é essencial para “restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado”.
  7. No que concerne aos juros indemnizatórios, é também claro que a ilegalidade do ato é imputável à Administração Tributária e Aduaneira, que, por sua iniciativa o praticou sem suporte legal.
  8. Encontramo-nos assim perante um vício de violação de lei substantiva, consubstanciado em erro nos pressupostos de direito, imputável à Administração Tributária.
  9. Consequentemente, a Requerente tem direito a juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43.º, n.º 1, da LGT e do artigo 61.º do CPPT, calculados sobre a quantia que pagou e que se revelou indevida.
  10. Destarte, deverá a Autoridade Tributária e Aduaneira dar execução ao presente acórdão, nos termos do art. 24.º, n.º 1, do RJAT, determinando o montante a restituir à Requerente com o cálculo dos respetivos juros indemnizatórios, à taxa legal supletiva das dívidas cíveis, nos termos dos arts. 35.º, n.º 10, e 43.º, n.ºs 1 e 5, da LGT, 61.º, do CPPT, 559.º do Código Civil e Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril (ou diploma ou diplomas que lhe sucederem).
  11. Os juros indemnizatórios são devidos desde a data do pagamento (27-1-2022), até à do processamento da nota de crédito, em que são incluídos (art. 61.º, n.º 5, do CPPT).

 

III – Decisão

 

            Nos termos e pelos fundamentos expostos, decide este Tribunal Coletivo:

 

  1. Julgar totalmente procedente o pedido formulado pela Requerente, A..., S.A, e, em consequência:
  2. Anular, por ilegalidade e erro nos pressupostos de facto:
  1. O ato de indeferimento da sobredita reclamação graciosa nº ...2022... e
  2. Os atos de liquidação e de acerto de contas supra identificados;
  1. Condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira na restituição, com juros indemnizatórios nos termos expostos, a importância da €57.624,51 e
  2. Condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira nas custas do processo, atento o seu total decaimento.

 

Valor do processo:

Fixa-se o valor do processo em EUR 93.324,91, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 3 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

Custas

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em EUR 2.754,00 nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pela Requerida, conforme condenação supra, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT.

 

  • Registe e notifique, incluindo o Ministério Público.

 

 

 

Lisboa, 17 de junho de 2024

 

 

 

O Tribunal Arbitral Coletivo,

 

 

 

 

José Poças Falcão

(Árbitro-Presidente)

 

 

 

Pedro Miguel Abreu Marques

(Árbitro Adjunto)

 

 



 

João Taborda da Gama

(Árbitro Adjunto)