Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 376/2023-T
Data da decisão: 2024-06-05   Outros 
Valor do pedido: € 174.648,29
Tema: Contribuição de Serviço Rodoviário- competência dos Tribunais Arbitrais-legitimidade do repercutido para contestar a legalidade da liquidação
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SUMÁRIO:

 

  1. A Contribuição de Serviço Rodoviário (CSR) é um tributo que, tanto á luz do direito nacional como do Direito  Comunitário, se qualifica como “imposto” e não como “contribuição”, pelo que os Tribunais Arbitrais são competentes para apreciar matérias a ela respeitantes.
  2. Os Tribunais Arbitrais são competentes para apreciar a legalidade de atos de liquidação de CSR e já não de atos de repercussão daquele imposto.
  3. A falta de identificação dos atos de liquidação de CSR contestados, cuja declaração de ilegalidade e anulação se requer, implica a ineptidão do pedido arbitral.
  4. A Requerente não suportou o encargo da CSR por repercussão legal, pelo que carece de legitimidade processual para contestar a legalidade dos atos de liquidação daquele imposto.

 

 

DECISÃO ARBITRAL

 

I-RELATÓRIO

 

1.Identificação das partes.

 

1.1. Requerentes

A..., S.A., (A...), NIPC ..., B..., S.A., (B...), NIPC..., C..., S.A., (C...), NIPC ..., D..., S.A., (D...), NIPC..., E..., S.A., (E...), NIPC..., F..., S.A., (F...), NIPC..., G..., S,A, (G...), NIPC ... .

 

1.2.Requerida.

AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA  (AT).

2. Tramitação do processo.

2.1- A 24/5/2023,  a Requerente apresentaria o pedido de pronúncia arbitral e a 25/5/2023, juntaria um conjunto de faturas emitidas por seus fornecedores , titulando  transferência  do encargo da CSR que estes alegadamente suportaram. 

2.2.- Nessa data, o pedido de pronúncia arbitral seria reencaminhado para a Requerida , que viria a ser notificada da ação a 30/5/023.

2.3- A 6/6/2023, a Requerida  manifestaria junto do presidente do CAAD o  entendimento  de que analisado o pedido não detetou a identificação de qualquer ato tributário, a qual  também não consta da plataforma do Centro de Arbitragem Tributária.

2..4- Prosseguiria afirmando  que , a  competência dos tribunais arbitrais, que funcionam no CAAD, abrange exclusivamente a apreciação direta da legalidade de ato(s) de liquidação ou de ato(s) de segundo ou terceiro grau que tenham por objeto a apreciação da legalidade de ato(s) daquele tipo, conforme decorre do nº 1 do art. 2º do RJAT e que,   sem a identificação, por parte dos interessados, do ato tributário, cuja ilegalidade invoca, o dirigente máximo da AT não pode exercer a faculdade prevista no art.  13.º do RJAT. , pelo que solicitaria  que seja(m) identificado(s) os atos de liquidação cuja legalidade o requerente pretende ver sindicada, entendendo-se que o termo inicial do prazo para o exercício da faculdade prevista nessa norma do  do RJAT só ocorre após a notificação da identificação, em concreto, do(s) ato(s) de liquidação cuja ilegalidade é suscitada.

2.5-  Na mesma data, o presidente do CAAD remeteria a apreciação dessas questões para o Tribunal Arbitral a constituir no âmbito do CAAD.

 

2.6- A 4/7/2023, a diretora –geral da AT designaria  representantes processuais as juristas H... e I... .

2.7- A 13/7/2023, o  CAAD designaria árbitro presidente, o prof.  Vítor Calvete e árbitros auxiliares os juristas António Alberto  Franco  e António Lima Guerreiro.

2.8- A 31/ 7 /2023, despacho do  presidente do Conselho Deontológico do CAAD procederia à constituição do Tribunal Arbitral.

 2.9- A 1/8/2023, o Presidente do Tribunal Arbitral notificaria a Requerida, nos termos do art. 17º do RJAT, para, no prazo de 30 dias, apresentar Resposta, juntar o Processo Administrativo (PA) e, se entendesse necessário, requerer prova adicional

2.10- A 1/10/2023, a requerida apresentou Resposta e, no dia seguinte, juntou o PA,

2.11- A 15/12/2023, a Requerente juntou aos autos declarações emitidas pelas fornecedoras

J..., S.A. (J...), K..., S.A. (K...) e L..., Lda. (L...), enquanto empresas fornecedoras de combustível à F..., S.A  (F...),  declarando  que a CRS  que pagaram  foi integralmente repercutida á   F...,

 

2.12- Nessa data, o presidente do Tribunal Arbitral emitiria o seguinte despacho

“Em conformidade com as alíneas a) e b) do artigo 16.º, e a alínea b) do n.º 1 do artigo 18.º do RJAT, e porque o cumprimento do princípio do contraditório poderá ser melhor assegurado por escrito, dispensa-se a reunião prevista nesse artigo 18.º ao abrigo do princípio da autonomia do Tribunal na condução do processo e na determinação das regras a aplicar, e concede-se à Requerente o prazo de 20 dias para se pronunciar, querendo, sobre:

- a arbitrabilidade da (i)legalidade da CSR;

- a (in)competência material do tribunal arbitral para se pronunciar sobre o regime da CSR;

- a (invocada) ineptidão da petição inicial;

- a destacabilidade da liquidação da CSR da liquidação de ISP;

- a (im)possibilidade de se fazer a ligação entre as facturas apresentadas e as declarações de introdução no consumo – e, logo, um qualquer acto específico de liquidação;

- a sua qualificação como sujeito passivo para efeito do disposto no artigo 15.º do CIEC;

- a identificação de fornecedores de combustíveis que não são sujeitos passivos de ISP/CSR;

- a competência dos tribunais arbitrais para decidirem da ilegalidade de actos de repercussão;

- a duplicidade da presunção da repercussão dos montantes da CSR pagos a montante e a não presunção de qualquer repercussão a jusante;

- a distorção introduzida pela temperatura de referência na medição dos volumes de combustíveis introduzidos no consumo e efectivamente comercializados e as suas implicações na repercussão da CSR;

- a distorção introduzida pelo reembolso obtido pela F... em sede de ISP, incluindo a CSR, no âmbito do regime de reembolso parcial de imposto para o gasóleo profissional, ao abrigo do artigo 93.º-A, do CIEC;

- a legitimidade de cada uma das Requerentes para accionar o pedido de revisão oficiosa e a jurisdição arbitral;

- a tempestividade de tal pedido – atento o fundamento invocado, atenta a entidade a quem o dirigiu, e atenta a ignorância sobre quem introduziu os combustíveis no consumo, o dies a quo dos correspondentes atos de liquidação e subsequentes pagamentos correspondentes a cada uma das específicas liquidações globais - e, consequentemente, a tempestividade e a delimitação do objeto dos presentes autos;

- a (im)possibilidade de estabelecer uma correspondência específica entre a liquidação dos montantes calculados de CSR por grosso e a sua repercussão a retalho;

- a inexistência de atos de introdução no consumo por parte de algumas das “fornecedoras de combustíveis”, no período identificado;

- a possibilidade de também estas (e as que os introduziram) reclamarem a "devolução" do montante de CSR pago ou sobre elas (presumivelmente) repercutido; 

- a (im)possibilidade de estabelecer uma correspondência específica entre a liquidação dos montantes calculados de CSR por grosso e a sua repercussão a retalho, atenta a fungibilidade do produto;

- a interferência no apuramento dos actos de liquidação da possível desconformidade entre entidade que aparece como responsável pela introdução no consumo e a entidade que comercializa o combustível já onerado com a CSR;

- a verificação "das mesmas circunstâncias de facto" nas aquisições de combustíveis de cada uma das Requerentes às suas "fornecedoras de combustíveis" (sendo que umas os introduziram no consumo e outras não) e a possibilidade de a "coligação de autores" poder alterar as regras de competência dos tribunais arbitrais (no caso, em função do valor);

- a possibilidade de se suscitar a intervenção principal provocada da M..., da K..., da N... e da J... .

Sem prejuízo de a decisão ser proferida até ao termo do prazo previsto no artigo 21.º do RJAT ou do seu eventual prolongamento, deve a Requerente proceder ao pagamento do remanescente da taxa arbitral até ao fim do próximo mês de Janeiro..

2.13- A 18/12/2023, a  AT pronunciar-se-ia no seguinte sentido sobre as declarações juntas aos autos.

 

“1. As declarações apresentadas, assinadas por pessoas que alegadamente são representantes das empresas declarantes, mas que não consegue a Requerida atender de quem se trata, e se vincula as declarantes, são simples documentos sem qualquer efeito legal, que não comprovam os factos concretos que a F... se propõe provar.

 

2. As declarações nos moldes em que foram emitidas, isto é, sem identificação das liquidações e explicitação dos montantes alegadamente repercutidos, nomeadamente os períodos em que o foram, não podem ser consideradas como prova bastante, quer para efeitos de identificação das liquidações, quer para comprovar os montantes que a F... alega ter suportado a título de CSR.

 

3. Os documentos ora juntos apenas contêm meras declarações genéricas e vagas, sem  qualquer informação que possa permitir estabelecer uma relação entre o combustível adquirido pela F... e as liquidações de CSR, nomeadamente, qualquer indicação referente às datas das compras, períodos em causa, comprovativos de pagamento, entre

outros.

 

4. As declarações foram, assim, solicitadas e realizadas exclusivamente de acordo com o pedido da F... . Menos imparcial não poderia ser a “informação” junta ao processo!

 

5. Ao contrário do que afirma a fornecedora L..., não foram processadas quaisquer declarações de introdução no consumo (DIC) em nome da L..., nem existem liquidações em que tal entidade figure como sujeito passivo de ISP/CSR, relativamente aos produtos e período considerados.

 

6. Já a J... e a K..., assumem uma posição de intermediários na cadeia de abastecimento dos combustíveis fornecidos à F..., não tendo como fazer prova do que alegam, isto é, de que a CSR paga pelo(s) sujeito(s) passivo(s), foi, por este(s), total ou parcialmente repercutida no preço de venda (às fornecedoras e, por estas, sucessivamente, à F...).

 

7. Pelo que, reitera-se, as declarações apresentadas não tem qualquer valor probatório, quer para efeitos de identificação das liquidações, quer para comprovar os montantes que a F... alega ter suportado a título de CSR.”

 

8- A 4/1/2024, a Requerida juntaria aos autos  mensagem de correio eletrónico  da Direção de Serviços dos Impostos Especiais de Consumo e Imposto sobre veículos (DSIECIV) de 19/12/2023, com os comprovativos do reembolso parcial de ISP, onde se inclui a CSR, para o gasóleo profissional, ao abrigo do artigo 93.º-A do CIEC, efetuados à F..., no período em causa, conforme referenciado nos artigos 57. e 188. da Resposta da Requerida.

 

2.14-A 17/1/2024, a Requerida juntaria cópia da Decisão Arbitral n º 375/2023- T, que teria tido por objeto caso análogo ao discutido no presente processo arbitral

 

2.15-A 19/1/2023, a Requerente  informaria o Tribunal Arbitral que as entidades fornecedoras de combustível lhe  repercutiram a CSR  nas faturas emitidas, já que, se assim não fosse, , não haveria lugar a reembolso nos termos do art. 93º- a do CIEC. Apenas ao  montante do reembolso  acresceram  ainda juros indemnizatórios o que justificaria a diferença de valores verificada.

 

2.16- A  24/1/2024, a Requerente apresentaria Réplica, em que responderia às questões  suscitadas pelo despacho do Presidente do Tribunal Arbitral de 15/12/2023.

 

2.17-A 28/2/2024, a Requerida juntaria ao processo a Decisão Arbitral nº 332/2023- T, a seu ver também  relevante para o conhecimento  da causa.

 

2.18-A 28/3/2024, o Presidente do Tribunal Arbitral designaria o atual relator por vencimento em substituição do relator anteriormente designado.

 

 

 3.1 Pressupostos processuais.

3.1-O tribunal arbitral foi regularmente constituído.

3.2- As Partes gozam de personalidade e de capacidade judiciárias, são legítimas, e encontram-se regularmente representadas

3.3-   A  apreciação dos pressupostos da competência do  Tribunal  Arbitral e da legitimidade das Requerentes integra a fundamentação de direito do presente Decisão  Arbitral, para qual se remete.

4. Objeto

 

É objeto do presente processo arbitral o presumido indeferimento tácito dos pedidos de revisão oficiosa, apresentados pelas Requerentes  em 29/11/2022 junto da Alfândega de Aveiro, da Alfândega de Braga, da Alfândega de Alverca, da Alfândega de Viana do Castelo, da Alfândega de Peniche e da Delegação Aduaneira da Figueira da Foz, com fundamento na ilegalidade dos atos de repercussão da CSR consubstanciados nas faturas referentes à gasolina, ao gasóleo rodoviário e ao GPL Auto, adquiridos pelas requerentes no decurso do período compreendido entre novembro de 2018 e agosto de 2022, e, bem assim, das correspondentes liquidações de CSR praticadas pela administração tributária e aduaneira com base nas DIC submetidas pelas respetivas fornecedoras de combustíveis, com o consequente reembolso de todas as quantias suportadas a esse título num total global de l de € 174.648,29 Desse montante, € 14.192,24 respeitam à A..., € 1.349,27 á B...€  60.34,31 à C..., € 1.385,24 á D..., € 1.558, 40 à E..., € 95.253, 89 à F... e € 550,00 à  G....

 

Os fornecedores das Requerentes emitentes dessas faturas  são M..., S.A. (M...), O..., Lda. (O...), K..., S.A. (K...), P..., S.A. (P...), L..., Lda. (L...), Q..., Lda. (Q...), N..., Unipessoal, Lda. (N...), R..., S.A. (R...), S..., Lda. (S...), J..., S.A. (J...) e T..., Lda. (T...),

 

A cumulação de pedidos  e a  pluralidade de autores que o pedido de pronúncia arbitral comporta não implicam qualquer erro na forma de processo arbitral .

.

Com efeito, nos termos do  nº 1 do art. 118º do CPPT ,na redação do art. 2º  da Lei nº 118/2019, de 7/9,  aplicável  “ex vi” da alínea a) do  nº 1 do art. 29º do RJAT, ,na impugnação judicial é admitida a cumulação de pedidos, ainda que relativos a diferentes atos, e a coligação de autores, desde que, cumulativamente:

 
a) Aos pedidos corresponda a mesma forma processual; e
b) A sua apreciação tenha por base as mesmas circunstâncias de facto ou o mesmo relatório de inspeção tributária, ou sejam suscetíveis de ser decididos com base na aplicação das mesmas normas a situações de facto do mesmo tipo.
 

Anteriormente a essa nova redação ,  o art. 3º do RJAT já dispunha a cumulação de pedidos ainda que relativos a diferentes atos , e a coligação de autores serem  admissíveis quando a procedência dos pedidos dependa essencialmente da apreciação das mesmas circunstâncias de facto e da interpretação e aplicação dos mesmos princípios ou regras de direito.
 

As questões de fato e  de direito fundamento da ação  suscitadas pelas Requerentes são essencialmente idênticas, não obstando a esse juízo o facto de os pedidos de  revisão oficiosa terem sido deduzidos junto da alfândegas diferentes. Por outro lado, a Requerida não pôs em causa a legalidade da forma de processo escolhida pelas Requerentes, mas outros pressupostos processuais, não havendo, assim, qualquer obstáculo legal a opor à cumulação de pedidos ou à coligação de autores.

4- Posição das Requerentes

 

Segundo as Requerentes, a repercussão da CSR impugnada não tem fundamento legal, dado a liquidação do imposto repercutido violar o  Direito Comunitário

 

Por outro lado, tal como no ISP, também na CSR a repercussão efetuada pelos  sujeitos passivos que introduzem o combustível no consumo decorre de uma imposição legal. .

 

Resulta, com efeito, do artº  2.° do Código dos Impostos sobre o Consumo (CIEC). aplicável à CSR por remissão do art 5.° da Lei n.° 55/2007,  de 31/8, que os impostos especiais sobre o consumo obedecem ao princípio da equivalência, procurando onerar os contribuintes na medida dos custos que estes provocam, designadamente nos domínios do ambiente da saúde pública, sendo repercutidos nos mesmos, em concretização  de uma regra geral de igualdade tributária.

 

 A regra da repercussão sobre o consumidor decorre de razões históricas que privilegiaram a eficácia e simplicidade na gestão dos impostos gerais sobre o consumo pelo Estado e levaram a opção do legislador comunitário e, na sua senda, também a do nacional, a não fazerem coincidir os contribuintes de facto, os consumidores, com os sujeitos passivos do imposto em nome dos quais são declarados os produtos para introdução no consumo.

 

Assim, embora as Requerentes não tenham a qualidade de sujeito passivo do imposto ,  estão totalmente legitimadas para apresentar o presente pedido de pronúncia arbitral,  tendo sido elas quem efetivamente suportou o encargo do imposto em crise.

 

Não subsistem quaisquer dúvidas que aos repercutidos assiste o direito  a obter a restituição do tributo ilegalmente liquidado e indevidamente  suportado em violação do direito da União Europeia (EU) como já foi reconhecido pelo CAAD, designadamente no processo 294/2023-T.

 

Por outro lado, o direito à impugnação da liquidação também não pode ser recusado ás Requerentes .

 

Segundo o nº 1 do art. 9º do CPPT, têm   legitimidade no procedimento tributário, além da administração tributária , os contribuintes, incluindo  substitutos e responsáveis, outros obrigados tributários, as partes dos contratos fiscais e quaisquer outras pessoas que provem interesse legalmente protegido, solução que, aliás, resultaria sempre  do art. 65º da LGT.

..

Desenvolvendo essas normas, a parte final da alínea a) do n° 4  do art. 18º da LGT  reconhece o direito de reclamar, recorrer, impugnar ou apresentar pedido de pronúncia arbitral, nos termos das leis tributárias, a quem, embora não sendo sujeito passivo do imposto, suporte por repercussão legal o encargo tributário.

 

Esclarece  a Decisão Arbitral nº 189/2021- T, que, com a efetiva repercussão legal do imposto, distinta da repercussão meramente económica ou de facto, o pressuposto processual positivo do interesse em agir transfere-se do repercutente para o repercutido.

 

Com efeito, é o repercutido que sofre na sua esfera o impacto patrimonial negativo mediante o fenómeno económico da repercussão tributária. É na sua esfera jurídica que a decisão relativa à ilegalidade do imposto suportado vai diretamente produzir a sua eficácia.

 

E, assim, concluindo, existe comprovadamente na esfera jurídica da Requerente, um interesse juridicamente protegido  que lhe confere legitimidade  ativa na apresentação do presente pedido de pronúncia arbitral. Os elementos necessários para aferir essa legitimidade estariam , por outro lado, em poder da administração fiscal, como, aliás, entenderiam os fornecedores da Requerente que, em vez de solicitarem diretamente o reembolso da CSR . como sujeitos passivos desse tributo, optaram por deixar esse ónus para os seus clientes.

 

Recordam  as Requerentes, as  normas ao abrigo das quais foram praticados os atos tributários sub judice foram já declaradas ilegais em razão da sua desconformidade com o direito da União Europeia, através das decisões arbitrais proferidas no âmbito dos processos arbitrais n.os 564/2020-T, 304/2022-T e 305/2022- T e do Acórdão do TJUE no proc. C-460/2021,

 

De  acordo com essa jurisprudência ,    embora a afetação predeterminada do produto de um imposto ao financiamento do exercício, pelas autoridades de um Estado‑Membro, de competências que lhes foram atribuídas possa constituir um elemento a tomar em consideração para identificar a existência de um motivo específico suficiente para justificar a compatibilidade da CSR  com o nº 2 do art. 1º da Diretiva 2008/118 , essa afetação, quando resulte  de uma simples modalidade de organização interna do orçamento de um Estado‑Membro, não pode, enquanto tal, constituir uma condição suficiente, uma vez que, caso fosse aceite , qualquer Estado‑Membro poderia decidir impor, independentemente da finalidade prosseguida, a afetação do produto de um imposto ao financiamento de determinadas despesas.

 

 Se assim não fosse, qualquer finalidade poderia ser considerada específica, na aceção do  art. 1º, nº2,  , da Diretiva 2008/118, o que privaria o imposto especial de consumo harmonizado instituído por esta diretiva de qualquer efeito útil e violaria o princípio segundo o qual uma disposição derrogatória, como essa, deve ser objeto de interpretação estrita.

 

Por conseguinte, a existência de um motivo específico na aceção da referida disposição não pode ser estabelecida pela simples afetação das receitas do imposto considerado ao financiamento de despesas gerais que incumbem à coletividade pública num dado setor. Com efeito, no caso contrário, o alegado motivo específico não poderia ser distinguido de uma finalidade puramente orçamental (Acórdão do TJUE no   proc.C-553/13).

 

Citando ainda essa jurisprudência, «[n]a falta desse mecanismo de afetação predeterminada das receitas, um imposto que incide sobre produtos sujeitos a impostos especiais de consumo apenas pode ser considerado que tem um motivo específico, na aceção do  nº 2 do art. 1º-a da Diretiva 2008/118, se esse imposto for concebido, no que respeita à sua estrutura, nomeadamente, à matéria coletável ou à taxa de tributação, de modo a influenciar o comportamento dos contribuintes num sentido que permita a realização do motivo específico invocado, por exemplo, tributando significativamente os produtos considerados para desencorajar o seu consumo» .

 

Consequentemente, para que a afetação predeterminada da receita de um imposto que incide sobre produtos sujeitos a impostos especiais de consumo permita considerar que esse imposto tem um motivo específico na aceção do nº 2 do art. 1º , da Diretiva 2008/118, sempre será necessário que o produto de tal imposição indireta seja obrigatoriamente utilizado nos invocados fins específicos «de tal forma que exista uma relação direta entre a utilização das receitas e a finalidade da imposição em causa» ( Acórdão do TJUE  no proc. C-82/12).

 

Rejeitam, finalmente, já na fase da Réplica,  as Requerentes a oposição à sua pretensão da

 

5-  Posição da Requerida

 

Recorda a Requerida a AT  estar  vinculada à jurisdição dos Tribunais arbitrais nos termos da Portaria n.º 112-A/2011, de 2/3, sendo o objeto desta vinculação definido pelo seu  2º que dispõe que “Os serviços e organismos referidos no artigo anterior vinculam-se à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD que tenham por objeto a apreciação das pretensões relativas a impostos cuja administração lhes esteja cometida referidas no n.º 1 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro.”

 

Daqui decorre que foi intenção do legislador restringir a vinculação dos serviços e organismos ao CAAD no âmbito de pretensões que dizem respeito, especificamente, a impostos, aqui não se incluindo tributos de outra natureza, tais como as contribuições.

 

Tratando-se de uma contribuição e não um imposto, as matérias sobre a CSR encontrar-se-iam, assim, excluídas da arbitragem tributária, por ausência de enquadramento legal.

 

Fora do âmbito do RJAT situar-se-iam também os atos de repercussão(Decisões Arbitrais nºs  296/2923-T, 332/2023-T, 375/2023-T, 408/2023-T, 438/2023-T, 466/2023-T, 467/2923-T 

e   460/2023-T). por não  envolverem a apreciação da legalidade de qualquer liquidação, mas da mera transferência para um terceiro do  encargo tributário suportado pelo sujeito passivo.

 

Por outro lado as  Requerentes  limitaram-se a   juntar aos autos  faturas de aquisição de combustíveis aos seus fornecedores sem identificarem os   atos tributário de liquidação objeto do pedido de pronúncia arbitral  designadamente através do seu nº de registo , atribuído    com base nas declarações de introdução no consumo (DICs)processadas pelos fornecedores dos combustíveis, como obriga a alínea b) do nº 1 do art. 10º do RJAT.

 

 Essa omissão não suprida pelas Requerentes  determinaria inevitavelmente  a nulidade de todo o processo e absolvição da Requerida da instância por verificação de exceção de ineptidão da petição inicial, conforme o nº 1 do  art. 186.º, , nºs 1 e 2 do art 576º  e alínea b) do nº 1  do art. 278.º, do Código de Processo Civil (“CPC”), aplicáveis ex vi do  art. 29.º do RJAT.

 

Verifica-se, assim, uma impossibilidade absoluta de  estabelecer qualquer correlação/correspondência entre os atos de liquidação  seus fornecedores, os (alegadamente) sujeitos passivos de ISP/CSR, e as faturas de  compra identificadas pelas Requerentes

 

Essa situação de ineptidão do pedido  não é  passível de superação através de atuações processuais oficiosas , como seja a recolha de elementos por parte da AT, que dependem do prévio conhecimento do objeto dessa atuação.

 

Com efeito, sem a identificação, por parte das Requerentes, do ato ou atos tributários, cuja legalidade pretendem ver sindicada, o dirigente máximo da AT  não pode antes da constituição do tribunal arbitral exercer a faculdade prevista no nº 1 do art. 13º do RJAT  de proceder à revogação, ratificação, reforma ou conversão do ato tributário cuja ilegalidade foi suscitada, praticando, quando necessário, ato tributário substitutivo.

 

Por outro lado, as Requerentes limitaram-se a indicar a  quantidade de litros fornecidos e constantes das faturas dos seus fornecedores e a taxa de CSR que se encontrava em vigor às datas das mesmas, como  tal indicação pudesse suprir a identificação das liquidações, como se pode facilmente demonstrar.

 

Conforme se encontra estabelecido no art. 91.º do CIEC, , a unidade tributável dos produtos petrolíferos e energéticos (e, consequentemente, da CSR) é de 1000 litros convertidos para a temperatura de referência de 15°C.

 

Não  tendo existido certificação da medição da temperatura na descarga do combustível adquirido (temperatura ambiente), que em atos de medição de reservatórios certificados (varejos) dos sujeitos passivos de imposto, é designada por temperatura observada (TO), é impossível na fase da cadeia logística em que as Requerentes se encontram, determinar a unidade tributável para efeitos de determinação da CSR e, por consequência, determinar qual a parte da CSR incluída no preço pago pelo combustível adquirido.

 

Assim, de acordo com esse critério, nenhum dos documentos/faturas apresentados constitui prova bastante quanto ao facto de as Requerentes terem  suportado o montante indicado no pedido de pronúncia arbitral  a título de CSR, sendo certo que impendia sobre as Requerentes o ónus de tal prova.

 

Sendo  ainda que a Requerente F..., como se aludiu acima, não obstante já ter beneficiado de reembolso em sede de ISP, incluindo  CSR, no âmbito do regime de reembolso parcial de imposto para o gasóleo profissional, ao abrigo do art. 93.º-A, do CIEC, omitiu tal facto, não se referindo a esse elemento no cálculo do montante de CSR que alega ter suportado

 

Acresce que, após a introdução no consumo e consequente liquidação do ISP e da CSR podem ainda existir vários intervenientes na cadeia de abastecimento/comercial até ao consumidor final (grossistas,  distribuidores, e outros revendedores, designadamente, postos de abastecimento).

 

Nestas situações, é totalmente impossível para a AT identificar os atos de liquidação subjacentes à declaração desses produtos para o consumo que vão sendo transacionados ao longo da cadeia comercial, que pode ser mais ou menos longa.

 

Aliás, seriam poucas, ou mesmo raras, as situações em que a entidade que vende os produtos ao consumidor final coincide com o sujeito passivo que introduziu os produtos no consumo.

 

Mas mesmo nestes casos, só poderiam ser identificados os atos de liquidação, caso as quantidades declaradas numa determinada DIC se reportassem a um único cliente, o que não parece ser o caso.

 

Assume particular relevância o Acórdão proferido no âmbito do processo C-94/10 do TJUE, atinente a matéria de reembolso e repercussão no âmbito dos impostos especiais sobre o consumo.

 

Efetivamente, ainda que a repercussão viesse a ser provada no âmbito do presente processo, entende o TJUE que um Estado-Membro se pode opor a um pedido de reembolso de um imposto indevido, apresentado pelo comprador sobre quem esse imposto tenha sido repercutido, com o fundamento de não ter sido esse comprador que o pagou às autoridades fiscais, desde que, nos termos do direito interno, esse comprador possa exercer uma ação civil de repetição do indevido contra o sujeito passivo e que o reembolso do imposto indevido, por parte deste último, não seja, na prática, impossível ou excessivamente difícil.

 

Em síntese, verifica-se uma  absoluta falta de correspondência quer quanto às datas, quer quanto aos valores e, bem assim, quanto às quantidades de combustíveis declaradas para introdução no consumo pela M..., pela K..., pela N... e pela J..., enquanto sujeitos passivos de imposto (ISP/CSR) e as correspondentes liquidações, já que as  faturas de aquisição elencadas pelas Requerentes, que não permitem à AT identificar, os atos de liquidação em crise;

 

Por  outro lado, todos os restantes fornecedores indicados pelas Requerentes, a O..., a P..., a L..., a Q..., a R..., a S... e a T..., nem sequer são sujeitos passivos de ISP/CSR  não tendo, consequentemente, efetuado quaisquer introduções no consumo de produtos  petrolíferos que a administração fiscal pudesse controlar.

 

Finalmente, , ainda que a admitisse  as Requerentes terem  legitimidade para interpor a presente ação, a AT considera que é obrigatória a intervenção dos sujeitos passivos da espécie tributária em juízo, indicados pelas Requerentes, ou seja, a M..., a K..., a N... e a J... (não revestindo a O...,  a P..., a L..., a Q..., a R..., a S... e a T...,  tal posição na relação jurídico-tributária).

 

 De facto, a matéria relativa à discussão da legalidade de um ato de liquidação desta natureza implica, necessariamente, que seja chamado à demanda o sujeito passivo, o único que tem legitimidade para pôr em crise o ato ou atos de liquidação, identificando-os.

 

Todavia, considerando que a intervenção em processos arbitrais é facultativa para a generalidade de potenciais interessados, apenas existindo vinculação legal para a Autoridade Tributária e Aduaneira, nos termos definidos na Portaria n.º 112-A/2011, de 22/3, emitida ao abrigo do artigo 4.º, n.º 1, do RJAT, não há fundamento legal para impor a intervenção da M..., da K..., da N... e da J... .

 

Ora, caso a M..., a K..., a N... e/ou a J... não aceitem intervir no processo há que concluir que o presente processo arbitral não se adequa ao seu fim, não podendo o mesmo prosseguir por ser inviável obter uma solução global e justa do litígio.

 

6- Fundamentação

 

6.1-. Fundamentação de facto

 

6.1.1.Factos Provados

 

6.1.1.1-As Requerentes são sociedades anónimas que se dedicam ao tratamento de resíduos, nos termos do Regime Geral  de Gestão dos Resíduos (DL nº 102-D/2020, de 10/12) e à gestão e manutenção de ativos, nomeadamente instalação de  construções .

 

6.1.1.4. No exercício da sua atividade, as Requerentes efetuam aquisições de combustíveis, designadamente gasóleo e gasolina.

 

6.1.1.5- O combustível adquirido pelas Requerentes destina-se a ser consumido pela própria em viaturas e máquinas/equipamentos relacionadas com a  sua atividade.

 

6.1.1.6. Os fornecedores das Requerentes emitentes dessas faturas  são M..., S.A. (M...), O..., Lda. (O...), K..., S.A. (K...), P..., S.A. (P...), L..., Lda. (L...), Q..., Lda. (S...), N..., Unipessoal, Lda. (N...), R..., S.A. (R...), S..., Lda. (S...), J..., S.A. (J...) e T..., Lda. (T...),-

 

6.1.1.7 Dessas entidades, apenas a M..., K..., pela N... e  J... são  sujeitos passivos de imposto de ISP e  CSR

 

6.1.1.8 Nenhum dos   restantes fornecedores, a O..., a P..., a L..., a Q..., a R..., a S... e a T...,  é sujeito passivo de ISP e CSR.

 

6.1.1.9. A  A...  adquiriu à  N... durante o ano de 2019 127.850 litros de gasóleo rodoviário, com o  consequente pagamento de € 14.192,24 de CSR.

 

6.1.1.10 A B... adquiriu à M... e R..., entre 10/11/2018 e 31/8/2022, €12.606,03 litros de gasóleo rodoviário, com o consequente pagamento de € 1.399,27  de CSR.

 

6.1.1.11 A C... adquiriu à M..., entre 30/11/2018 e 31/8/2022  523.0766  litros de gasóleo rodoviário, 7.929,71 litros de gasolina e 12.868,27 quilos de GPL Auto, com o consequente pagamento de € 60.333,61 de CSR.

 

6.1.1.12 A D... adquiriu  entre 30/11/2018 e 31/8/2022   à O... 12.479,68 litros de gasóleo rodoviário, com o consequente pagamento de € 1.385,24 de CSR.

 

6.1.1.13 A E... adquiriu à T..., entre 30/11/2018 e 31/5/2022. 13.070 ,31 litros de gasóleo rodoviário e 891,76 litros de gasolina , tendo suportado a quantia global de CSR no montante de € 11528,46.

 

6.1.1.14 A F...adquiriu a K..., L...,  P...,  S... e J..., também entre 30/11/2018 e 31/8/2022,  8057.251,77 litros de gasóleo rodoviário. 1140,90 de gasolina, com o consequente pagamento de € 95.253,83 de CSR.

 

6.1.1.15 A G..., entre  janeiro de 2019 e agosto de 2022   adquiriu 5.000 litros de gasóleo rodoviário, com o consequente pagamento de € 550,00 de CSR.

6.1.1.16- Tais faturas não fazem referência a qualquer débito da CSR, mas apenas ao preço pago pelos adquirentes,  não contendo ainda qualquer indicação sobre  o valor tributável das operações e, consequentemente, o método do seu apuramento.

6.1.1.17.   As   Requerentes,   em 29/11/2022, apresentaram   pedido de revisão oficiosa nos termos do nº 1 do art. 78º da LGT junto da Alfândega de Aveiro, da Alfândega de Braga, da Alfândega de Alverca, da Alfândega de Viana do Castelo, da Alfândega de Peniche e da Delegação Aduaneira da Figueira da Foz, com fundamento na ilegalidade dos atos de repercussão da CSR consubstanciados nas faturas referentes à gasolina, ao gasóleo rodoviário e ao GPL Auto, adquiridos pelas requerentes no decurso do período compreendido entre novembro de 2018 e agosto de 2022, e, bem assim, das correspondentes liquidações de CSR praticadas pela administração tributária e aduaneira com base nas DIC submetidas pelas respetivas fornecedoras de combustíveis, com o consequente reembolso de todas as quantias suportadas a esse título num total global de l de € 174.648,29

 

6.1.1.18- Desse montante, € 14.192,24 respeitam à A... € 1.349,27 á B..., €  60.34,31 à C..., € 1.385,24 á D..., € 1.558, 40 à E..., € 95.253, 89 à F... e € 550,00 à   G... .

 

6.1.1.19  A administração fiscal não se pronunciou sobre esses pedidos no prazo previsto na alínea a) do nº 1 do art. 57º da LGT.

 

 

6.1.2. Factos não Provados.

 

Não se consideram provados os seguintes factos:

6.1.2.1.- Os fornecedores das Requerentes M..., O..., K..., P..., L..., Q...,  N...), R...), S..., J...) T...) pagaram  CSR pela introdução no consumo  da totalidade  do  combustível referente às faturas emitidas às Requerentes a quantia global de €  € 174.648,29,  alegadamente liquidada pelas alfândegas do Jardim do Tabaco e outras  estâncias  aduaneiras ;

6.1.2.2. - As Requerentes terem  suportado   economicamente, , por meio do mecanismo de repercussão legal ,  a totalidade do referido  encargo  da CSR na  referida quantia global € €  € 174.648,29   , referente às mencionadas  faturas  de   gasolina ,  gasóleo rodoviário e GPL Auto.
6.1.2.3- As  Requerentes , que exercem as atividades económicas de gestão de resíduos e  instalação e  manutenção de ativos. serem  consumidoras finais  da totalidade dos  combustíveis rodoviários adquiridos  a esses fornecedores, não tendo, por isso, no todo  ou em parte. repercutido o encargo da CSR no preço dos bens e serviços prestados aos seus clientes.

6.1.2.4.- As mencionadas faturas, que não têm qualquer menção ao IVA, conferissem direito à dedução do IVA relativo á CSR alegadamente suportada  pela Requerente, não tendo sido consequentemente demonstrado  que  esta tivesse liquidado e deduzido IVA.

6.1.2.5- Também não se provou que a unidade tributável dos produtos petrolíferos e energéticos (e consequentemente da CSR) tenha sido  de 1000 l convertidos para a temperatura de referência de 15°C.

6.1.2.6- A Requerente não demonstrou igualmente que a Requerida dispusesse dos meios necessários para, sem qualquer colaboração da Requerente e em substituição desta, identificar  devidamente as liquidações impugnadas.

-6.1.2.7.  A Requerente não juntou quaisquer contratos de fornecimento de combustíveis  suscetíveis de indiciar qualquer repercussão, ainda que voluntária, da CSR.

6.1.3-Fundamentação da fixação da matéria de facto

O Tribunal Arbitral tem o dever de selecionar os factos pertinentes para a decisão da causa, com base na sua relevância jurídica e tendo em consideração as várias soluções plausíveis das questões de Direito suscitadas pelas partes, bem como o dever de discriminar os factos provados e não provados. Porém, o Tribunal Arbitral não tem um dever de pronúncia quanto a toda a matéria de facto alegada pelas partes, em conformidade com o disposto no nº 2 do 123.º do CPPT e  no nº 1 do  596.º, vem como no nº 3 do art. 607º, ambos do CPC, aplicáveis ex  alíneas a) e e) do nº 1 do art. 29º   do RJAT.

 

 O Tribunal formou a sua íntima e prudente convicção quanto aos factos provados e não provados através do exame de todos os elementos probatórios carreados aos autos, que foram apreciados e avaliados com base no princípio da livre apreciação dos factos e nas regras da experiência, normalidade e racionalidade, em conformidade com os ditames fixados na alínea e) do art.  16.º, do RJAT e  nos nºs 4e 5 do 607.ºdo CPC aplicáveis ex vi alínea e) do nº 1 do art. 9º  do RJAT.

 

Com efeito, as Requerentes não identificaram pelo nº  e data os atos de liquidação que pretendem impugnar, nem  demonstraram ou procuraram demonstrar através de qualquer meio documental a  introdução no consumo  dos bens na  alfândega do Jardim do Tabaco.  Tão pouco  provaram ou invocaram quaisquer diligências para obter esses elementos ou que,  tendo sido solicitadas essas diligências, essas lhe tenham sido recusadas.

 

Também não é exigível  à AT que  proceda à identificação desses atos   com o argumento de a respetiva  documentação estar em poder  dela  :  esse ónus de identificação é do contribuinte, nos termos do artigo .74º , nº 2, da LGT e as Requerentes não demonstraram qualquer impossibilidade de obterem esses elementos junto da fornecedora.

 

Importa finalmente registar que a prova da repercussão pressupõe inevitavelmente como ponto de partida a demonstração de que a CSR foi inicialmente liquidada e paga pelo sujeito passivo daquele tributo aquando da introdução no consumo dos produtos a ele sujeitos – o que, conforme se viu supra, não foi demonstrado pela Requerente.

 

A Requerente não cumpriu finalmente o critério a observar na prova da repercussão da CSR, tal qual fixado pelo TJUE no despacho Vapo Atlantic, proferido no processo n.º C‑460/21. Ao que aqui importa, referiu aquele Tribunal o seguinte:

 

“44- (…) ainda que, na legislação nacional, os impostos indiretos tenham sido concebidos de modo a serem repercutidos no consumidor final e que, habitualmente, no comércio, esses impostos indiretos sejam parcial ou totalmente repercutidos, não se pode afirmar de uma maneira geral que, em todos os casos, o imposto é efetivamente repercutido. A repercussão efetiva, parcial ou total, depende de vários fatores próprios de cada transação comercial e que a diferenciam de outras situações, noutros contextos. Consequentemente, a questão da repercussão ou da não repercussão em cada caso de um imposto indireto constitui uma questão de facto que é da competência do órgão jurisdicional nacional, cabendo a este último apreciar livremente os elementos de prova que lhe tenham sido submetidos (v., neste sentido, Acórdãos de 25 de fevereiro de 1988, Les Fils de Jules Bianco e Girard, 331/85, 376/85 e 378/85, EU:C:1988:97, n.º 17, e de 2 de outubro de 2003, Weber’s Wine World e o., C-147/01, EU:C:2003:533, n.º 96).

45 Não se pode no entanto admitir que, no caso dos impostos indiretos, exista uma presunção segundo a qual a repercussão teve lugar e que cabe ao contribuinte provar negativamente o contrário. Sucede o mesmo quando o contribuinte tenha sido obrigado, pela legislação nacional aplicável, a incorporar o imposto no preço de custo do produto em causa. Com efeito, essa obrigação legal não permite presumir que a totalidade do imposto tenha sido repercutida, mesmo no caso de a violação de essa obrigação conduzir a uma sanção (Acórdão de 14 de janeiro de 1997, Comateb e o., C-192/95 a C-218/95, EU:C:1997:12, n.ºs 25 e 26)”

Sendo impugnado o ato de repercussão, caberia sempre ao impugnante provar que a repercussão se realizou, ao contrário do que aconteceria se  a administração fiscal opusesse ao impugnante a exceção da repercussão do imposto , caso em que, pelo menos, em princípio, a repercussão não se deve presumir.

 

Não é certamente  condição de legitimidade para impugnar do sujeito passivo de ISP e de CSR que demonstre previamente não ter repercutido o imposto.

 

O que está em causa não é, no entanto, a legitimidade de  qualquer operador económico sujeito passivo de ISP  ou CSR que as Requerentes não são , mas de meros repercutidos,  caso em que, no termos do nº nº 1 do art. 74º da LGT, é necessária a prova da efetiva  repercussão.

 

Essa prova não foi feita por nenhuma  das Requerentes,  que  se limitam a invocar indícios de que suportaram o encargo tributário, alegando uma presunção de repercussão que .não existe.

 

Acresce que mesmo que as Requerentes tivessem demonstrado a liquidação e repercussão da CSR, sempre inexistiriam elementos nos autos que permitissem certificar que o encargo da CSR se cristalizou na sua esfera jurídica, isto é, que foram  as Requerentes as entidades que em última instância foram  oneradas com o tributo em causa, por não terem  incorporado  o seu custo no preço do serviços prestados a terceiros, os produtores  dos resíduos ou os titulares dos ativos( Decisão Arbitral nº 375/2023-T).

  Por fim, regista-se que não se deram como provadas nem não provadas alegações feitas pelas partes, que, apesar de serem apresentadas como factos, consistem em afirmações estritamente conclusivas, insuscetíveis de prova e cuja veracidade se terá de aferir em relação à concreta matéria de facto acima consolidada.

 

 

6.2 Fundamentação de direito

 

6.2.1. Incompetência do Tribunal Arbitral

 

Apesar de a  jurisprudência do CAAD não ser uniforme sobre arbitrabilidade de atos de liquidação de contribuições, certo é que a vinculação do  competência material dos Tribunais Arbitrais apenas abrange a apreciação da legalidade de atos de liquidação de impostos e não dos tributos sem essa natureza, como as taxas e demais contribuições financeiras a favor de entidades públicas. Obviamente, não interessa  para tal a designação  da espécie tributária em concreto, mas a sua substância: historicamente o legislador deu a designação de contribuições a espécies tributárias  que a doutrina e jurisprudência maioritárias qualificam  de impostos, como é o caso das contribuições da entidade patronal para a segurança social e da extinta contribuição autárquica, que sempre foram havidas como impostos, não obstante essa designação legal. Nessa medida, a criação das contribuições que, de acordo com os critérios constitucionais, devam ser havidas como impostos, estão sujeitas ao princípio da legalidade tributária.

 

Revela-se, assim, necessário, qualificar a CSR enquanto “contribuição” ou “imposto”, para daí extrair as necessárias consequências quanto à competência material deste Tribunal Arbitral.

 

Nas decisões arbitrais proferidas nos processos n.ºs 31/2023-T, 508/2023-T ,  520/2023-T  e 675/2023- T a CSR foi qualificada como uma contribuição,

 

Em sentido contrário, pronunciaram-se os Tribunais Arbitrais nas decisões proferidas nos processos n.ºs 564/2020-T, 629/2021-T, 304/2022-T, 305/2020-T, 644/2022-T, 665/2022‑T, 702/2022-T, 24/2023-T, 113/2023-T, 294/2023-T e 410/2023-T, que qualificaram a CSR como imposto e, consequentemente, consideraram-na arbitrável. Por todos, cita‑se nesta sede o acórdão proferido em 24/10/2023, no processo n.º 644/2022-T, que registou a este respeito o seguinte:

Afigura-se a este tribunal que a CSR, não obstante um nomen iuris que pareceria integrá-la na categoria das “contribuições financeiras a favor de entidades públicas” (art. 165º, 1, i) da CRP), preenche todos os requisitos de conteúdo pecuniário, carácter coativo, unilateralidade, definitividade, ausência de cariz sancionatório, tendo como credor o Estado ou outros entes públicos, e a afetação à realização de fins públicos – que definem um imposto.

Essa qualificação não se modifica pela circunstância de surgirem algumas correspetividades como a da obtenção de receitas para financiamento da utilização de vias públicas – pois as contribuições que assentam no especial desgaste de bens públicos são impostos, como estabelece o art. 4º, 3 da LGT.

Falta à CSR o carácter de comutatividade, bilateralidade ou sinalagmaticidade grupal ou coletiva que é necessária à contribuição financeira. O seu regime não determina, para o sujeito ativo respetivo, qualquer dever de prestar específico, qualquer contraprestação exigível pelo contribuinte, o que significa que tem o carácter unilateral de um verdadeiro imposto (quando muito, alguma “paracomutatividade”, referente à compensação de prestações de que os sujeitos passivos são presumíveis causadores ou beneficiários – mas não a correspetividade bilateral estrita de uma taxa, sem uma contrapartida aproveitada ou provocada individualmente pelo sujeito passivo, como sucede numa taxa).

Basta percebermos que, enquanto a CSR é estabelecida a favor da Infraestruturas de Portugal (inicialmente, Estradas de Portugal), sendo esta a entidade titular da correspondente receita, os sujeitos passivos da contribuição são as empresas comercializadoras de combustíveis rodoviários, e, portanto, não são os destinatários da atividade da Infraestruturas de Portugal. Na sua conceção, a CSR incide sobre a gasolina e o gasóleo rodoviário sujeitos ao imposto sobre os produtos petrolíferos e energéticos e dele não isentos, e é devida pelos sujeitos passivos do ISP, sendo aplicável à sua liquidação, cobrança e pagamento o disposto no Código dos Impostos Especiais de Consumo.

Trata-se, assim, de um imposto de receita consignada (a consignação, desacompanhada de qualquer comutatividade, não subverte a sua natureza), e esta conclusão reforça-se com a posição veiculada pelo Tribunal de Contas na Conta Geral do Estado de 2008 (…)

Lembremos, por fim, que a CSR nasceu, com a Lei nº 55/2007, de 31 de Agosto, como um mero desdobramento do ISP, e, sobre este último, nem o nomen iuris permite dúvidas sobre a respetiva natureza.

Não há, nesse ponto, qualquer paralelo entre a CSR e a CESE (Contribuição Extraordinária Sobre o Sector Energético), relativamente à qual uma decisão arbitral (Proc. n.º 714/2020-T) entendeu procedente a exceção de incompetência ratione materiae. A CESE, criada pela Lei do Orçamento do Estado para 2014, é tida como uma contribuição extraordinária cuja receita é consignada ao Fundo para a Sustentabilidade Sistémica do Sector Energético (FSSSE), criado pelo Decreto-Lei n.º 55/2014, de 9 de Abril, tendo por base, portanto, uma contraprestação de natureza grupal, na medida em que constitui um preço público a pagar pelo conjunto de pessoas singulares ou coletivas que integram o sector energético nacional, o que configura uma bilateralidade genérica ou difusa – que pura e simplesmente não encontramos na CSR.

 

Acompanha, assim,  este Tribunal Arbitral a jurisprudência hoje largamente maioritária que qualifica a CSR como um imposto sobre o consumo de combustíveis  e não como uma taxa ou contribuição financeira a favor da Infra-estruturas de Portugal. Tal qualificação resulta, não apenas do direito nacional, como do princípio do primado do direito comunitário, consagrado no nº 3 do art. 8º da Constituição da  República Portuguesa (CRP) e do efeito direto da norma do nº 2 do artigo 1º da Diretiva nº 2007/118/CE, que  pode ser invocado diretamente pelos particulares  junto  dos tribunais nacionais como seria o caso da pretensão que originou o Despacho no processo nº C/ 460/2021.Caso a  CSR não fosse um imposto, não estaria abrangida pela proibição contida nesse norma de Direito  Comunitário.

 

Considera igualmente o Tribunal Arbitral que a referência a impostos contida na Portaria de Vinculação abrange todas as prestações tributárias com essa natureza, ainda que designadas de contribuições em lei infra-constitucional.

 

A competência dos tribunais arbitrais, por outro lado,  como resulta do nº1  do art. º 2º   do RJAT, apenas abrange a declaração de ilegalidade de atos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta; bem como a declaração de ilegalidade de atos de fixação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de atos de determinação da matéria coletável e de atos de fixação de valores patrimoniais, com exclusão, assim, dos atos de repercussão.

 

 

De acordo com o art. 15 º do  CIEC, uma norma específica de legitimidade procedimental para requerer o reembolso da CSR.:

 

“1 - Constituem fundamento para o reembolso do imposto pago, desde que devidamente comprovados, o erro na liquidação, a expedição ou exportação dos produtos sujeitos a imposto, bem como a retirada dos mesmos do mercado, nos termos e nas condições previstas no presente Código.
 

2 - Podem solicitar o reembolso os sujeitos passivos referidos no n.º 1 e na alínea a) do n.º 2 do artigo 4.º que tenham procedido à introdução no consumo dos produtos em território nacional e provem o pagamento do respetivo imposto.
 

3 - O pedido de reembolso deve ser apresentado na estância aduaneira competente no prazo de três anos a contar da data da liquidação do imposto, sem prejuízo do disposto na alínea a) do artigo 17.º e na alínea a) do artigo 18.º
 

4 - O reembolso só pode ser efetuado desde que o montante a reembolsar seja igual ou superior a (euro) 25”.

 

Essa norma reserva, assim, a legitimidade para requerer o reembolso do ISP e, inerentemente, da CRS aos sujeitos passivos do  imposto enunciados no art. 4º   do CIEC ,   ou seja, os operadores que introduzam no consumo os bens sujeitos a IEC e, em virtude da remissão do nº 1 do art. 5º da Lei nº 55/2007, a  CSR  com exclusão dos repercutidos.

 

 No entanto, como se referiu já,  a  alínea a) do nº 4 do art. 18º da LGT, após declarar não ser sujeito passivo quem suporta o imposto por repercussão  legal, admite que aquele goza do direito de reclamação, impugnação ou recurso de acordo com as leis tributárias.

 

De acordo , entre outras. com as  Decisões  Arbitrais nºs 629/2021- T, 296/2023-T e 490/2023- T que acompanhamos ,  a competência dos tribunais arbitrais não compreende , assim, a apreciação da legalidade dos atos de repercussão.

 

Não cabe, assim, ao Tribunal Arbitral conhecer da legalidade dos atos de repercussão impugnados.  

 

No entanto, a alínea a) do nº 4 do art. 18º da LGT garante ,na repercussão legal, com exclusão , assim, da repercussão voluntária ou da meramente  económica ou de facto,  o direito do   repercutido  de reclamar ou impugnar o ato do liquidação, nos mesmos termos dos contribuintes , substitutivos ou responsáveis.

 

Assim, o Tribunal Arbitral deve conhecer da legalidade das liquidações impugnadas, desde que se verifiquem os necessários pressupostos processuais, nomeadamente a legitimidade das Requerentes.

6.2.2 Ineptidão do pedido de pronúncia arbitral .

 

A natureza anulatória  da ação arbitral   constituí a Requerente no ónus de identificar os atos de liquidação  impugnados, embora não lhe imponha demonstrar a entrega nos cofres do Estado do imposto repercutido  Ao contrário do que parece resultar da Réplica apresentada pelas Requerentes, nenhuma norma legal derroga esse obrigação quando a impugnação judicial seja deduzida pelo repercutido.

 

Nos termos do  nº 1 do art. 10º do RJAT, que, em parte, corresponde ao nº 1 do art. 108º do CPPT,  o pedido de constituição de tribunal arbitral é feito mediante requerimento enviado por via eletrónica ao presidente do Centro de Arbitragem Administrativa do qual devem constar:
 

a) A identificação do sujeito passivo, incluindo o número de identificação fiscal, e do serviço periférico local do seu domicílio ou sede ou, no caso de coligação de sujeitos passivos, do serviço periférico local do domicílio ou sede do sujeito identificado em primeiro lugar no pedido;
 

b) A identificação do ato ou atos tributários objeto do pedido de pronúncia arbitral;
 

c) A identificação do pedido de pronúncia arbitral, constituindo fundamentos deste pedido os previstos no artigo 99.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário e, bem assim, a exposição das questões de facto e de direito objeto do referido pedido de pronúncia arbitral;
 

d) Os elementos de prova dos factos indicados e a indicação dos meios de prova a produzir;
 

e) A indicação do valor da utilidade económica do pedido;
 

Objeto do processo arbitral é, assim, a invalidação  de  ato ou atos  que ao autor da acção  cabe identificar na PI, sem prejuízo de esta poder ser completada pelo autor da ação, salvo quando o erro for insuprível, o que acontece em caso de pura e simples  inexistência de objeto processual.

 

O nº 4 do artigo  268. da CRP garante aos administrados tutela jurisdicional efetiva dos seus direitos ou interesses legalmente protegidos, incluindo, nomeadamente, o reconhecimento desses direitos ou interesses, a impugnação de quaisquer atos administrativos que os lesem, independentemente da sua forma, a determinação da prática de atos administrativos legalmente devidos e a adoção de medidas cautelares adequados.

 

Essa tutela jurisdicional efetiva é garantida em processo tributário  pela consagração de meios de plena jurisdição como  a ação para o reconhecimento de um direito ou intimação para um comportamento(arts. 145º e 147º do CPPT, que não têm necessariamente natureza subsidiária da impugnação judicial , bastando tais meios serem adequados  à tutela  de um direito ou interesse legalmente   protegido( acórdão do Tribunal Central  Administrativo Sul de de 24 de Fevereiro de 2022, proc. 27/20.9BEA LM). Apenas suplementarmente, apenas quando os meios processuais admitidos em processo tributário forem insuficientes ou inadequados a essa tutela plena e efetiva, podem  os interessados socorrer-se dos meios comuns como a ação civil com fundamento em enriquecimento sem causa ou a  ação para o exercício da responsabilidade civil extra-contratual do Estado( Lei nº 67/2007, de 31/12). 

 

 A garantia constitucional  da tutela jurisdicional plena e efetiva  impõe certamente a  consagração dos  meios de plena jurisdição adequados à tutela do direito ou interesse legalmente protegido ,   mas não tem de ser assegurada  individualizadamente assegurada por cada um dos meios processuais legalmente admitidos , desde que estes sejam completados por meios de plena jurisdição  adequados, como é o caso, em princípio . do direito nacional.

 

Assim , no domínio dos  meios processuais impugnatórios,  como a impugnação judicial e o pedido de pronúncia arbitral . o contencioso tributário continua a ser de mera legalidade, de tipo, natureza ou matriz “objetivista”, que tem no ato tributário, maxime de liquidação, o seu elemento central (neste sentido vide Joaquim Freitas da Rocha, Lições de Procedimento e Processo Tributário, 5.ª ed., Coimbra Editora, 2014, pp. 292-293).

 

A impugnação judicial  e o pedido de pronúncia arbitral  não visam, na verdade.  uma regulação integral da relação jurídico-tributária  em que se fundamenta a ação,  o que aconteceria se fossem meios de plena jurisdição, mas apenas a reparação  integral da situação  tributária afetada pelo ato lesivo.

 

 Consequentemente, aqueles meios processuais dependem necessariamente da imputação de vícios a um determinado ato tributário previamente praticado e devidamente identificado que consiste no objeto do processo, cuja anulação se pretende.

 

Compreende-se que,  em concretização do princípio do dispositivo,  a lei faça recair o ónus de identificação dos atos de liquidação sobre quem exerce o impulso processual de os impugnar. Se assim não fosse, isto é, se quem tomasse a iniciativa de contestar a legalidade de um ato de liquidação não tivesse o dever de o identificar e caracterizar, bem como de invocar os elementos essenciais que conformam o pedido e a causa de pedir, poderia verificar-se o prosseguimento de uma ação com um objeto processual inexistente ou, pelo menos, não devidamente delimitado.

 

Ora , as Requerentes  não identificaram, antes ou após o referido Despacho Arbitral de 15/12/2023,  quais os específicos e concretos atos em causa nem juntaram  aos autos qualquer prova, rectius documental, onde tal identificação fosse  feita, limitando-se a apresentar uma descrição das  importâncias  que alegam ter suportado por meio da repercussão, sem estabelecer e demonstrar qualquer relação entre esses pagamentos ,  concretos atos de liquidação e a faturação recebida dos seus fornecedores.

 

.Dos elementos probatórios produzidos pelas Requerentes apenas constam faturas que titulam aquisições de  gasolina , gasóleo rodoviário e GPL Auto, que não discriminam o ISP e a CSR suportados.

 

A situação em causa distingue-se de um mero erro material ou da falta de nº de identificação fiscal do impugnante, caso em que a deficiência da PI seria suprível, já que se trata da  ausência  de elementos essenciais á propositura de qualquer ação.

 

A possibilidade dessa correção  dependeria sempre, de qualquer modo, do preenchimento dos restantes pressupostos processuais. De outro modo, estar-se-ia perante um ato inútil que o Tribunal Arbitral se deve abster de praticar.

 

6.2.3 Legitimidade das partes

 

Ainda que se admitisse que as Requerentes suportaram economicamente o encargo da CSR, seriam sempre parte ilegítima para deduzir impugnação ou pedido de  pronúncia arbitral pelos motivos que se passam a expor .

 

Parte da jurisprudência arbitral tem-se pronunciado em termos irrestritos no sentido   da legitimidade do repercutido para impugnar as liquidações efetuadas ao repercutente (Decisões Arbitrais nºs 294/2023-T, 299 /2023- T, 332 /2023- T, 374 /2023- T,  379 /2023- T, 409 /2023- T,  410 /2023- T, 467/2023- T,490/2023-T, 496/2023-T ,   534/2023-T e 676/023-T )

 

Outra parte tem-se pronunciado desfavoravelmente a essa legitimidade, abstendo-se , por isso, de decidir sobre o mérito, salvo quando a repercussão for legal e não meramente económica ou de facto( Decisões Arbitrais nº s  24/2023-T, 75/2023- T,  113/2023-T, 523/2023- T,   375/2023- T, 477/2023- T 644/2023-T   e 702/2023-T).

 

A alínea a) do nº 4 do art. 18º da LGT tem  fundamento no  nº 1 do art. 20º da CRP , que garante aos cidadãos o acesso a uma justiça fiscal plena, eficaz e efetiva  e encerra , entre outras consequências, o direito de reclamação, impugnação ou recurso não apenas dos atos  formalmente administrativos, mas de todos os atos lesivos, independentemente da forma.

 

De acordo com essa norma , no entanto, apenas na  repercussão legal e  não na repercussão voluntária ou meramente económica ou de facto  cuja fonte não é a lei, mas a vontade  negocial das partes, tal direito  vem legalmente garantido ao repercutido: o fato de este não ter acesso â jurisdição arbitral  por  os repercutidos  não integrarem o universo definido no art. 15º  do CIEC,  não prejudica o acesso aos tribunais estaduais, comuns ou arbitrais para impugnarem a liquidação, salvo quando a repercussão não tiver fundamento na lei.

 

Assim, o exercício do direito de reclamação ou impugnação depende   de cumulativamente .

 

a ) O  repercutido ter suportado efetivamente o imposto, o que é ao impugnante que cabe provar.

 

b)  A repercussão ser legal  , no sentido de obrigatória ou resultar de  um direito potestativo juridicamente reconhecido do repercutente da incorporação do imposto suportado no preço do bem . 

 

No direito interno, tal dever de repercussão legal pode revestir-se da forma de repercussão obrigatória  , imposta no  nº 1 do art. 37º  do   Código do  IVA, ainda que com as exceções  previstas no nº 3 dessa norma legal,  e, na segunda  modalidade do exercício de um direito potestativo do repercutente , no art. 3º  do Código do imposto de Selo.  Tais normas não tinham, nem  têm, qualquer paralelo no  CIEC.

 

Alega as Requerentes que, não apenas suportaram por repercussão o encargo legal da CSR o que, como se referiu, não demonstraram, como essa repercussão foi legal.

 

A quando dos factos objeto do presente pedido de pronúncia arbitral, o CIEC não impunha, com efeito, expressa ou implicitamente qualquer dever ou direito potestativo de repercussão  aos operadores referidos no art. 4º., pelo que essa repercussão, quando existisse,  era   meramente voluntária, não tendo qualquer fundamento na lei então vigente. 

 

Pelo menos no  momento em que se realizou , tal repercussão   assim,  não resultou de  qualquer imposição legal, mas de, em geral, os fornecedores terem de  refletir os custos suportados na sua atividade comercial que, por serem sociedades comerciais, visarem a obtenção do lucro, motivo pelo  qual se deve considerar meramente económica(nesse sentido,  a propósito de um caso paralelo,  a  Decisão  Arbitral nº  375/2023- T). A sua causa é negocial ou voluntária e não legal

 

No sentido de que, no quadro legal em vigor a quando da sua publicação,  a repercussão nos impostos especiais de consumo é um fenómeno exterior à relação tributária, mas uma mera condição de legitimação ,em virtude de a função última desses impostos ser fazer pagar o consumidor pelo custo social das  suas escolhas, motivo pelo qual  não  pode ser considerada legal, Sérgio Vasques e Tânia  Carvalhais Pereira, Coimbra, 2016 “Os impostos especiais de consumo”, pgs. 104 e sgs..

 

Também, sendo a repercussão  voluntária,   tal como o repercutido carece de legitimidade processual ativa, a AT também   carece de legitimidade processual passiva.

 

No entanto, o princípio da equivalência expresso no  art. 2º do CIEC , com a nova redação do  art. 3º da Lei nº 24-E/2022, de 30 /12 , passaria a declarar   os impostos especiais de consumo obedecerem ao princípio da equivalência, procurando onerar os contribuintes na medida dos custos que estes provocam, designadamente nos domínios do ambiente e da saúde pública, sendo repercutidos nos mesmos, em concretização de uma regra geral de igualdade tributária. O art. 6º dessa Lei  conferiria a esse art. 3º caráter interpretativo.

 

Essas normas são expressamente invocadas na Réplica.

 

Essa menção á repercussão  pela Lei nº Lei nº 24-E/2022 é inédita.

 

Com efeito, na  redação substituída desse art. 2º ,os  impostos especiais de consumo obedeciam ao princípio da equivalência, procurando onerar os contribuintes na medida dos custos que estes provocam , sem qualquer menção  á possibilidade de repercussão. 

 

Ainda que se considerasse essa norma ter passado a consagrar um novo tipo de repercussão legal, o que apenas seria possível se se considerasse ultrapassar o âmbito de uma mera proclamação genérica do objetivo geral dos impostos especiais de consumo de onerar o utilizador dos bens,   não teria  carácter interpretativo, já que era pacífico a anterior redação  não  impor qualquer obrigação ou faculdade legal de repercutir. Tal obrigação ou faculdade legal de repercutir não tinham qualquer suporte, ainda que  mínimo, na letra da lei.

 

Outro entendimento seria incompatível com   a fundamentação do  Despacho do proc- C-460/21 do TJUE, o qual , no quadro normativo anterior á publicação da  Lei nº 24-E/2022 a que se reporta o reenvio prejudicial , concluiria a CSR não caber na exceção do nº 1 do art. 2º , da Diretiva nº 2007/118/CE , justamente por, em virtude de inexistência de  qualquer imposição   de repercussão da  CSR  aos utentes das  infra-estruturas rodoviárias, o seu objetivo não poder ser considerado  o desincentivo da utilização dos combustíveis rodoviários.

 

O artigo 6º da Lei nº 24-E/2022, seria, assim ,  na aceção de que consagra mais que uma proclamação genética dos objetivos dos impostos especiais de consumo, uma norma falsamente interpretativa mas antes inovatória (sobre o caráter falsamente interpretativo de norma de tipo idêntico, o artt 154º da Lei nº 7-A/2016, de 30/3, que visa essencialmente contornar a proibição constitucional da retroatividade dos impostos,  consagrado no  nº 3 do art. 104º da CRP, Acórdão do Tribunal Constitucional nº 196/2021 e muitos outros subsequentes em sentido idêntico).

 

Esse pretenso carácter interpretativo é igualmente prejudicado por nenhuma corrente jurisprudencial ou doutrinária relevante  sustentar, antes da entrada em vigor da Lei nº 24_A/2022, a interpretação  que o seu art. 6º pretensamente teria consagrado.

 

Pelo contrário, na  interpretação e aplicação do artigo 2º do CIEC  sempre foi entendido,  antes da Lei nº 22-E/2022, não era um imposto de repercussão legal,  como , aliás, consideraria concludentemente  o Despacho do proc, C-460/2021.

 

Também não há qualquer colisão deste entendimento com a doutrina dos Acórdãos do TJUE nos procs. C-10/94 e C-192/95 a 218/95, cuja aplicação, aliás, se cingiria sempre aos fornecedores das Requerentes sujeito passivo da CSR e não aos fornecedores não sujeitos passivos.

 

Não sendo a repercussão legal, como ficou demonstrado e ao contrário do que as Requerentes pretendem, nada impede às Requerentes invocarem o enriquecimento sem causa em ação civil instaurada para esse efeito.

 

Tal ação, no entanto, está excluída do âmbito da jurisdição arbitral.

 

Dada a manifesta  falta de legitimidade das Requerentes, não é legalmente admissível a intervenção provocada requerida.

 

 Em face de tudo o exposto, e sem necessidade de maiores considerações, julga este Tribunal Arbitral

a ) julgar procedente a exceção   da  ineptidão da petição inicial por falta de objeto, o que constitui uma nulidade insanável e determina a absolvição da Requerida da instância arbitral por procedência de exceção dilatória, nos termos conjugados do art. 98.º, n.º 1, alínea a), do CPPT, do art.  89.º, n.º 4, alínea b) do CPTA e dos arts 186.º, n.º 1, 278.º, n.º 1, alínea b), 576.º, n.º 2 e 577.º, alínea b), do CPC.

 

b )Considerar igualmente  verificada a exceção dilatória de ilegitimidade da Requerente, o que determinaria sempre a absolvição da Requerida da instância nos termos do disposto nos arts.  9.º do CPPT, 65.º da LGT, 55.º, n.º 1, alínea a) e 89.º, n.ºs 2 e 4, alínea e) do CPTA, ex vi art. 29.º, n.º 1 do RJAT.

V. DECISÃO

 

Termos em que se decide julgar:

-Julgar procedentes a excepção dilatória de ineptidão da petição inicial e de ilegitimidade quanto ao pedido de declaração de ilegalidade dos atos de liquidação , de CSR e, em consequência, absolver a Requerida da instância;

-Condenar as Requerentes no pagamento das custas do processo.

 

VI. VALOR DO PROCESSO

           

            Atendendo ao disposto no art. 97.º-A do CPPT, aplicável ex vi  do  art.  29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT, e do art.  3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € €  174.648,29 

VII. CUSTAS

 

            Nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, as custas são no valor de 3.672,.00 € , a suportar pelas Requerentes, conforme ao disposto nos arts 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e art. 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

Notifique-se.

 

05 de junho de 2024[1]

 

O Presidente do Tribunal Arbitral

 

 

Vítor Calvete (com a declaração de que, a meu ver, a ineptidão da Petição Inicial se deveria a contradição entre o pedido e a causa de pedir, mas que a falta de legitimidade da Requerente dispensa essa averiguação).

 

 

Os árbitros adjuntos

 

 

António Lima Guerreiro (relator)

 

 

António Alberto Franco, com Declaração de Voto

 

 

 

DECLARAÇÃO DE VOTO

 

Votaria no sentido de, por um lado, não ocorrer ineptidão da petição inicial e, por outro, ter a Requerente legitimidade no pedido de pronúncia arbitral.

De acordo com o disposto no migo 156º do CPC, a petição inicial é inepta quando se verifique uma das seguintes situações:

- falte ou seja ininteligível a indicação do pedido ou da causa de pedir;

- o pedido esteja em contradição com a causa de pedir;

- se cumulem causas de pedir ou pedidos substancialmente incompatíveis.

 

No caso em apreço, julgou-se verificada a ineptidão da petição inicial pela primeira das hipóteses, com o que não concordamos.

 

Do pedido arbitral resulta que a Requerente vem requerer a “a anulação, por ilegalidade, do indeferimento tácito do sobredito pedido de revisão oficiosa, bem como a anulação das liquidações de CSR acima referidas, aqui igualmente impugnadas e o reembolso à requerente da CSR, que indevidamente pagou/suportou”

 

Por outro lado, remeteu para documentos juntos ao pedido arbitral onde, não só identifica as facturas emitidas pelos fornecedores de combustíveis em que houve lugar à repercussão da CSR, corno indica a quantia global suportada a esse título que complementou com declarações posteriormente apresentadas.

Entendemos, assim que, independentemente da apreciação do mérito do pedido, os actos impugnados se encontram identificados e documentados pelo único meio possível, qual seja, a emissão de facturas emitidas pelo fornecedor do combustível que consubstancia a repercussão do encargo tributário na esfera jurídica dos adquirentes, estando estes impossibilitados de obter elementos de informação que estão na posse de uma terceira entidade, por não serem eles o sujeito passivo do imposto.

 

Acresce que, independentemente do critério de repartição do ónus da prova ao caso aplicável, a Administração Tributária está vinculada, ao nível do procedimento, ao princípio da verdade material, pelo qual lhe cabe o poder-dever de realizar todas as diligências que entenda serem úteis para a descoberta da verdade, constituindo um afloramento deste princípio o disposto no artigo 58.° da LGT. Por outro lado, os órgãos da Administração Pública estão sujeitos a um princípio de colaboração, e, como ta1, “devem actuar em estreita colaboração com os particulares, cumprindo-lhes, designadamente, prestar aos particulares as informações e os esclarecimentos de que careçam, apoiar e estimular as suas iniciativas e receber as suas sugestões e informações”, princípio esse igualmente consagrado nos artigos 11.º, n.° 1, do CPA, 59º da LGT e 48º do CPPT.

 

Aliás, o contribuinte não pode ver agravada a sua situação fiscal pelo facto de não lhe ser possível apresentar uma prova documental específica a que não pode ter acesso, quando a Autoridade Tributária se absteve de obter essa mesma prova pelos seus próprios meios.

 

Mais do que isso, a existência do erro que constitui fundamento do pedido de revisão não pode ser aferida a partir da posição jurídica que tenha sido assumida pela AT na apreciação desse pedido, mas com base nos vícios de ilegalidade que tenham sido arguidos pelo contribuinte na formulação do pedido de impugnação judicial ou arbitral. E não pode deixar de ter-se presente que o processo arbitral foi deduzido precisamente para discutir a validade do entendimento adoptado pela AT na decisão de indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa.

 

É, por isso, nosso entendimento não ser inepta a petição inicial.

No que respeita à declarada ilegitimidade da Requerente, parece-nos resultar do disposto no artigo 18.°, n.° 4, a), da LGT, que quem suporte o encargo do imposto por repercussão legal, ainda que não seja sujeito passivo da relação jurídica tributária, mantém o direito de reclamação, recurso, impugnação ou de pedido de pronúncia arbitral nos termos das leis tributárias contra os actos de liquidação que geram a repercussão.

 

De qualquer modo, para além da legitimidade activa da Requerente se encontrar coberta pelo referido preceito, essa legitimidade seria também reconhecida pela regra geral do artigo 9.°, n.° 1, do CPPT, segundo a qual “têm legitimidade no procedimento tributário, além da administração tributária, os contribuintes, incluindo substitutos e responsáveis, outros obrigados tributários, as partes dos contratos fiscais e quaisquer outras pessoas que provem interesse legalmente protegido”.

 

Tal entendimento parece-nos merecer respaldo no despacho do TJUE de 7-02-2022, proferido em reenvio prejudicial quando se diz que “a questão da repercussão ou da não repercussão em cada caso de um imposto indireto constitui uma questão de facto que é da competência do órgão jurisdicional nacional, cabendo a este último apreciar livremente os elementos de prova que lhe tenham sido submetidos”. (parágrafo 44).

 

Consideraríamos, desse modo, a Requerente como parte legítima no pedido arbitral.

 

 

 

O Árbitro Adjunto

 

 

António A. Franco

 

 

 



[1] De acordo com o despacho de Retificação de 2024-06-20