DECISÃO ARBITRAL
O árbitro do Tribunal Singular Dr. Armando Oliveira, designado pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formar o presente Tribunal Arbitral, constituído em 21.06.2023, decide:
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RELATÓRIO
A…, LDA., contribuinte n° …, com sede em Avenida …, Lisboa, notificada da Demonstração de Liquidação de Retenções na Fonte de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares e de Juros Compensatórios n.º 2022 …. no valor total a pagar de € 27.950,62 (cf. DOCUMENTO N.• 1), referente ao período de imposto de 2018 e cuja data de pagamento voluntário terminou em 9 de janeiro de 2023, apresentou pedido de pronuncia arbitral e de constituição de tribunal arbitral singular, ao abrigo do disposto nos artigos 2.°, n.º1, alínea a), 3.°-A, n.º 2, e 10.°, n.º 1, alínea a) e n.º 2, do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária («RJAT»), sendo a Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (“AT”).
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O pedido foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD em 12 de abril de 2023 e automaticamente notificado à Requerida.
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O Requerente optou por não designar árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no n.º 1, do artigo 6.º do RJAT, foi designado, pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa, a 11 de novembro de 2020, o ora signatário como Árbitro a integrar o Tribunal arbitral singular, o qual se constituiu em 21 de junho de 2023, em conformidade com o preceituado na alínea c), do n.º 1, do artigo 11.º, do RJAT, com a redação introduzida pelo artigo 228º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro.
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A AT apresentou Resposta em 29 de agosto de 2023, defendendo a improcedência do pedido de pronúncia arbitral.
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Em 4 de setembro de 2023, a AT procedeu à junção do processo administrativo.
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Em 24 de janeiro de 2024, após adiamento da primeira data designada pelo tribunal, teve lugar a reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT.
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A 8 de fevereiro de 2024, a Requerida procedeu à apresentação das suas alegações.
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A 14 de fevereiro de 2024, a Requerente procedeu à apresentação das suas alegações.
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SANEAMENTO
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O Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído e é materialmente competente, nos termos do disposto nos Artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 4.º, 5.º, n.º 2, 6.º, 10.º e 11.º do RJAT e Artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.
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As partes dispõem de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão devidamente representadas, nos termos legais aplicáveis.
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O processo não enferma de qualquer nulidade.
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QUESTÕES CONTROVERTIDAS
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No presente processo a matéria convertida traduz-se nas correções em sede de IRS efetuadas pela AT, constantes de relatório de inspeção tributária e refletidas nos atos de liquidação de IRS e de Juros Compensatórios no valor total de € 27.950,62
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Posição das Partes
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Da posição da Requerente
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Invoca a Requerente em resumo que:
“Compulsada a factualidade trazida aos presentes autos, a Administração tributária procedeu à desconsideração, dos montantes pagos pela Requerente aos seus três sócios-gerentes, no exercício de 2018, a título de ajudas de custo, com base nas seguintes conclusões fundamentais:
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Os Mapas de ajudas de custo não têm qualquer aderência à realidade;
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Os montantes pagos a título de ajudas de custo configuram, afinal, acréscimos remuneratórios em benefício de cada um dos sócios-gerentes, os quais devem ser qualificados, para efeitos de IRS, como rendimentos da Categoria A.”
“O ato de liquidação controvertido resulta, assim, e conforme referido, da aplicação das taxas de retenção na fonte à globalidade dos rendimentos da categoria A auferidos por cada um dos sócios-gerentes”
Com efeito, entende a Administração tributária estarmos perante rendimentos sujeitos a retenção, nos termos do disposto no artigo 99.°, n.° 1, al. a), do Código do IRS.
Ora, não tendo a requerente procedido à retenção a que estava - alegadamente – obrigada, nos termos do suprarreferido normativo legal, no momento da disponibilização dos rendimentos em crise, entende a Administração tributária que sobre ela impende responsabilidade solidária pelo pagamento do montante da retenção de imposto que não foi por si efetuada, à luz do disposto no artigo 103.”, n.”4, do Código do IRS.
Ainda que a requerente não concorde, em absoluto, com a (re)qualificação dos montantes recebidos pelos seus sócios-gerentes a título de ajudas de custo, não poderá, desde logo, deixar de notar que a liquidação controvertida se encontra inquinada de ilegalidade por inexistência de facto tributário, (…).
Ora, entende a requerente que a ocorrer um ato de liquidação, o mesmo deveria ter sido notificado a cada um dos sócios-gerentes, enquanto substituídos tributários, e não a si, na qualidade de substituto tributário.
Com efeito, importa ter presente que os substituídos tributários constituem os verdadeiros titulares do rendimento sujeito a tributação, e, portanto, sujeitos passivos do imposto e responsáveis originários pelo seu pagamento, mais especificamente dos montantes agora requalificadas pela Administração Tributária como rendimento de trabalho dependente.
Assim, nos casos de responsabilidade solidária não originária. “os pressupostos do facto tributário” não se verificam em relacão ao responsável solidário, uma vez que este não é — por definição — sujeito passivo originário da obrigação de imposto.
Ora, o dispositivo legal utilizado pela Administração tributária para proceder ao ato de liquidação controvertido. concretamente o artigo 103.º, n."4, do Código do IRS — o qual estabelece que “tratando-se de rendimentos sujeitos a retenção que não tenham sido contabilizados nem comunicados como tal nos respetivos beneficiários. o substituto assume responsabilidade solidária pelo imposto não retido” - deverá ser interpretado à luz das apontadas diferenças de regime.
Assim, o preceito contido no n.° 4 do artigo 103.° do CIRS constitui uma exceção à regra do n.° 2. aplicável às restantes situações de retenção na fonte de rendimentos efetuada meramente a título de pagamento por conta de imposto devido a final, em que se estabelece que «cabe ao substituto a responsabilidade originária pelo imposto não retido e ao substituto a responsabilidade subsidiária».
Com efeito, este n.º 4 prevê a responsabilidade do substituto como meramente solidária, pelo que a responsabilidade originária do imposto não retido continua a caber ao substituído.
Assim, há que atentar que a retenção na fonte não é um imposto, mas um mecanismo de cobrança, não passando, por isso, a pessoa coletiva obrigada à retenção a ser tributada em sede de IRS ou a constituir sujeito passivo desse imposto.
Assim, na presente situação não restarão dúvidas de que o substituto pode ser responsabilizado solidariamente pelo imposto, que é aquilo que a lei refere, mas já não já pelas importâncias não retidas.
Assim, no caso dos presentes autos não se nega que, a qualificar-se os pagamentos efetuados como referentes a rendimentos da categoria A, a requerente pudesse ser solidariamente responsável, como pugna a Administração tributária,
porém, tal responsabilidade recairia apenas sobre as dívidas de imposto de cada um dos sócios-gerentes e não pelas importâncias que ela própria não reteve, as quais servirão, unicamente, como limite àquela responsabilidade, o que implicaria que o cálculo do imposto fosse realizado, previamente, na esfera de cada sócio-gerente, o que não sucedeu.
Com efeito, a Administração tributária poderia efetivamente demandar a requerente, mas apenas pelo montante de imposto que deveria ter retido e sempre em momento posterior à determinação do quantum da sua responsabilidade, através da liquidação do imposto devido pelos sujeitos passivos originários.
No caso dos presentes autos, a Administração tributária limitou-se a refazer os cálculos, apurando uma hipotética retenção que, segundo o seu entendimento, deveria ter sido efetivada pela REQUERENTE quando disponibilizou as remunerações aos sócios-gerentes.
Ora, (…), não existindo um ato de liquidação de IRS que tenha previamente produzido efeitos na esfera dos sócios-gerentes. na qualidade de devedores originários do imposto, não poderá sufragar-se existir responsabilidade solidária da requerente, por falta de fato tributário.
Pelo exposto, deverá o ato controvertido ser declarado ilegal, por carência de pressupostos legais, e, em conformidade, ser anulado, com todas as consequências legais.
Alega igualmente erro nos pressupostos de facto pela errónea quantificação dos montantes de (alegados) rendimentos de trabalho dependente sujeitos a tributação.
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Da posição da Requerida
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A requerida, em sentido inverso, alega que:
Em análise aos documentos enviados ao procedimento inspetivo, verificou-se a existência de valores elevados de ajudas de custo atribuídas aos órgãos sociais, em comparação com os rendimentos auferidos em contrapartida do trabalho realizado (categoria A do IRS).
Nos Mapas de ajudas de custo, verificou-se a existência de várias incongruências, nomeadamente:
Em todos os mapas, constam como percentagem de ajuda diária atribuída, o valor de 100%, quer em dias de deslocações de um dia, quer em deslocações por dias consecutivos, o que viola o estabelecido no artigo 8.º do DL n.º 106/98, de 24 de abril;
- As deslocações efetuadas são indicadas nos mapas, sendo que não apresentam hora de saída nem hora de chegada;
- Os montantes atribuídos a título de ajuda de custo, nacionais e internacionais, são respetivamente 69,19€ e 133,66€, tratando-se de Órgãos Sociais com funções de Gestão/Administração. Ora, o limite para ajudas de custo internacionais é de 100,24€, conforme referido no ponto II.5.2 do relatório, pelo que a diferença de € 33,42 (= €133,66 - €100,24) deveria ter sido considerada como rendimento de trabalho dependente, conforme estabelecido na alínea d) do n.º 3, do artigo 2.º do CIRS. Consultados os recibos de vencimento e os montantes pagos, constatou-se que o referido clausulado foi violado, pois não houve tributação desses rendimentos em sede de IRS.
Ainda no que diz respeito às ajudas de custo atribuídas, verificou–se, conforme consta do relatório, uma clara violação no que respeita ao estabelecido no artigo 37.º do Decreto-Lei n.º 106/98 “O quantitativo correspondente ao abono diário do subsídio de refeição é deduzido nas ajudas de custo, quando as despesas sujeitas a compensação incluírem o custo do almoço”, pois conforme consta dos recibos de vencimento, é atribuído subsidio de refeição aos órgãos sociais todos os dias úteis do exercício, incluindo nos dias em que são pagas ajudas de custo por deslocações, o que leva portanto a uma duplicação de gastos.
As ajudas de custo têm como pressuposto a compensação de despesas (alimentação e alojamento) do trabalhador, gerente, sócio gerente ou administrador em resultado de deslocações do seu local de trabalho habitual, efetuadas ao serviço da empresa.
Sendo que as ajudas de custo devem constar no recibo de vencimento com indicação da parte não sujeita a IRS e devem constar na declaração mensal de remunerações.
Concluiu o relatório que os mapas de ajudas de custo apresentados, relativamente aos três sócios-gerentes da sociedade, no montante de 62,501,54€, não tinham qualquer aderência à realidade dos factos e que revestiam tão somente um acréscimo remuneratório para os seus beneficiários.
Pelo que foi efetuada uma correção, por força do nº 4 do artigo 103.º do CIRS, em sede de Imposto sobre o Rendimento sobre as Pessoas Singulares (IRS) no montante de 23.896,84€ para o período de 2018 a título de retenção na fonte sobre rendimentos de trabalho dependente dos sócios gerentes da empresa.
Pelo que foi efetuada uma correção, por força do nº 4 do artigo 103.º do CIRS, em sede de Imposto sobre o Rendimento sobre as Pessoas Singulares (IRS) no montante de 23.896,84€ para o período de 2018 a título de retenção na fonte sobre rendimentos de trabalho dependente dos sócios gerentes da empresa.
Pelo que foi efetuada uma correção, por força do nº 4 do artigo 103.º do CIRS, em sede de Imposto sobre o Rendimento sobre as Pessoas Singulares (IRS) no montante de 23.896,84€ para o período de 2018 a título de retenção na fonte sobre rendimentos de trabalho dependente dos sócios gerentes da empresa.
A Lei nº 53-A/2006, de 29 de dezembro (OE 2007) aditou ao normativo um número 4, conforme seguidamente se prescreve: “4-Tratando-se de rendimentos sujeitos a retenção na fonte que não tenham sido contabilizados nem comunicados como tal aos respetivos beneficiários, o substituto assume responsabilidade solidária pelo imposto não retido.”
(…)
Contudo, é outro o sentido da dita expressão, como resulta da ponderação, sistematicamente feita, das regras estruturantes do instituto da retenção na fonte presentes no CIRS e no Decreto-Lei nº 42/91, vigentes ao tempo.
Contudo, é outro o sentido da dita expressão, como resulta da ponderação, sistematicamente feita, das regras estruturantes do instituto da retenção na fonte presentes no CIRS e no Decreto-Lei nº 42/91, vigentes ao tempo.
Dispõe o nº 1 do artigo 98º do CIRS, sob a epígrafe «Retenção na fonte – regras gerais»: «… a entidade devedora dos rendimentos sujeitos a retenção na fonte, as entidades registadoras ou depositárias (…) são obrigadas (…) a deduzir-lhes as importâncias correspondentes à aplicação das taxas neles previstas por conta do imposto respeitante ao ano em que esses atos ocorrem.»
Na mesma linha, dispunham também o nº 1 do artigo 99º do CIRS e o artigo 2º-A do DecretoLei nº 42/91, a propósito da retenção sobre rendimentos das categorias A e H: «As entidades devedoras de rendimentos de trabalho dependente (…) são obrigadas a reter o imposto no momento do seu pagamento ou colocação à disposição dos seus titulares», sendo que a quantia a reter resulta da «aplicação das taxas que lhes correspondam, constantes da respetiva tabela».
O mesmo se diga do nº 1 do artigo 100º do CIRS: «As entidades que paguem ou coloquem à disposição remunerações do trabalho dependente (…) devem (…) reter o imposto de harmonia com a seguinte tabela de taxas».
Assim, tendo em conta o supra exposto, é forçoso concluir também que:
a) A obrigação de retenção na fonte sobre os rendimentos do trabalho dependente que recai sobre os substitutos tem a medida que resulta da aplicação de taxas próprias em função da remuneração mensal (e não a anual) do trabalhador, constantes de tabelas especificas publicadas anualmente para o efeito, e não a medida da dívida de IRS do ano em causa resultante da aplicação das taxas gerais do IRS (art. 68º do CIRS);
b) E que as importâncias a reter têm a natureza de imposto por conta do IRS devido a final, quer aquelas se revelem excessivas, quer insuficientes em face do montante da dívida do titular dos rendimentos apurada a final.
Daí, que como se viu, a lei sempre se expresse relativamente às importâncias retidas, como «imposto retido». O qual, «imposto retido», é diferente de «imposto devido». Tal dicotomia «imposto retido, versus imposto devido», já resultante dos princípios e normas gerais relativos ao instituto da retenção na fonte, tem, aliás específica consagração legal expressa.
Os, ao tempo, artigos 14º e artigo 16º, nº 1, do Decreto-Lei nº 42/91 (Regime Jurídico de Retenção na Fonte do IRS), hoje artigos 102º-A, nº 1 e 102º-B, nº 1, do CIRS, não deixam margem para dúvidas. Dispõe o primeiro: «Verificando-se, na liquidação anual de IRS, que foi retido ou pago por conta imposto superior ao devido (…)». Distingue também a segunda norma: «A diferença entre o imposto devido a final e o que tiver sido entregue nos cofres do Estado».
Pelo que, «imposto retido», significa toda a importância a reter pelos substitutos tributários independentemente do imposto devido a final pelo titular dos rendimentos.”
Refere a Requerente que, em sede de direito de audição apresentou novos documentos, defendendo a ilegalidade das correções de retenções na fonte, que 11.700,45€ respeitam a reembolsos de despesas efetivamente incorridas pelos sócios gerentes em nome e por conta da requerente, reconhecendo a existência de lapsos nos mapas de ajudas de custo, aceitou que, quando as despesas de deslocação, refeição e alojamento são suportadas diretamente por si, não será defensável que eventuais montantes paralelamente atribuídos aos sócios possam ser qualificados como ajudas de custo.
Todavia, foi pelos serviços de inspeção tributária verificado que, os novos documentos apresentados em direito de audição, eram apenas faturas, em parte ilegíveis, e que não estavam acompanhadas de qualquer comprovativo que evidenciasse que o seu pagamento tinha sido efetivamente suportado pelos sócios.
Para além de que não se afigurava razoável que os sócios suportassem despesas em nome e em representação da Requerente, quando cada um dos sócios possuía um cartão de débito/crédito da conta bancária daquela.
Ainda em sede de direito de audição, a Requerente tentou justificar que os pagamentos poderiam estar relacionados com lucros/adiantamentos por conta de lucros, sem ter em conta que foi a própria a relacionar as verbas em causa com a prestação de trabalho, ao qualificá-las como Ajudas de Custo/ Kms.
Por conseguinte, não havendo parecer favorável quanto à anulação da liquidação da retenção na fonte de IRS, não serão anulados os respetivos juros compensatórios.
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MATÉRIA DE FACTO
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Factos provados
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Com relevo para a decisão, importa atender aos seguintes factos que se julgam provados:
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A requerente é uma sociedade por quotas que se dedica ao comércio a retalho de vestuário para adultos, em estabelecimentos especializados — CAE 47711.
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A requerente encontra-se sujeita ao regime geral de IRC e enquadrada, para efeitos de IVA. no regime normal de periodicidade mensal.
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A requerente dedica-se à sua atividade principal através da exploração da marca “…", oferecendo, também, aos seus clientes serviços de consultoria de lingerie.
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Grande parte dos bens comercializados pela requerente são provenientes do Reino Unido, da Polónia, de França e de Espanha. tendo a requerente a exclusividade de determinadas marcas nos mercados em que opera (Portugal e Espanha).
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São sócios-gerentes da requerente B…, C… E D….
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A requerente exerce a sua atividade comercial através da exploração direta de catorze estabelecimentos comerciais distribuídos pelas seguintes localizações.
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A requerente foi sujeita a uma ação de inspeção tributária, de natureza interna e de âmbito parcial, encetada ao abrigo da Ordem de Serviço n.° OI2021….
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A aludida ação inspetiva teve por objeto o período de tributação de 2018, versando sobre o IRC e as Retenções na Fonte de IRS do exercício em crise.
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Por recurso aos Mapas de ajudas de custo disponibilizados pela requerente, a Administração tributária verificou que, ao longo do exercício de 2018, foram contabilizados e registados na conta "6319 — Gastos com Pessoal — Rem. Dos Órgãos Sociais — Ajudas de Custo”, por cada sócio-gerente, os seguintes montantes a título de ajudas de custo: B… — €20.838,52; C… - € 19.344,80; D… — € 22.318,22.
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Apoiando-se nos institutos da substituição tributária e da responsabilidade solidária, a Administração tributária fez impender sobre a requerente a responsabilidade pelo pagamento dos montantes de imposto que seriam devidos pelos sócios, através da liquidasão adicional de retenções na fonte.
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A Administração tributária apurou, assim, o montante devido pela requerente por aplicação das taxas de retenção na fonte que resultam das tabelas correspondentes à situação particular de a cada um dos sócios, apurando um valor total de retenções da fonte de IRS a entregar ao Estado de € 23.896,84, distribuídos como segue: B… - € 9.186,48; D… - € 8.963,08; C… - € 5.747,28.
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Por não concordar com o teor da liquidação de RF de IRS, apresentou o presente pedido de pronúncia arbitral.
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Factos não provados
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Não existem quaisquer factos não provados relevantes para a decisão da causa.
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Fundamentação da decisão da matéria de facto
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Relativamente à matéria de facto, o Tribunal não tem de se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. n.º 2 do artigo 123.º do CPPT e n.º 3 do artigo 607.ºdo CPC, aplicáveis ex vi alíneas a) e e) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT).
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Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis das questões de direito (cfr. n.º 1 do anterior artigo 511.º, do CPC, correspondente ao atual artigo 596.º, aplicável ex vi alínea e) do n.º 1 do artigo 29.º, do RJAT).
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Tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do n.º 7 do artigo 110.º do CPPT, a prova documental, o processo administrativo junto aos autos e a prova testemunhal produzida, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados, com base nos elementos documentais aí indicados.
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DO DIREITO E DO MÉRITO
Da ilegalidade do ato de liquidação por inexistência de facto tributário
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A questão central a decidir consiste em saber se o IRS, alegadamente indevidamente não retido, no presente caso, sobre os montantes pagos a título de ajudas de custo poderá ser liquidado, e o seu pagamento exigido, diretamente e em primeira instância, à própria Requerente, ao abrigo da norma prevista no artigo 103.º, n.º4, do CIRS. .
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A questão assim colocada já foi objeto de análise designadamente nas Decisões Arbitrais correspondentes, entre outros, aos processos n.ºs 119/2015-T, 120/2015-T e 539/2017-T, cuja jurisprudência, por com estar de acordo com ela, o presente tribunal passa a reproduzir, no presente caso.
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Analisando os textos legais relevantes para o tema, nos termos da LGT podemos distinguir dois tipos de solidariedade tributária, com especificidades próprias suficientes para justificar tratamentos distintos entre ambas. Assim, se por um lado, temos a solidariedade que ocorre “quando os pressupostos do facto tributário se verifiquem em relação a mais de uma pessoa”, denominada, pelo artigo 21.º da LGT, como “solidariedade passiva”, e que se poderá designar, igualmente, como “originária”, na medida em que existe uma ligação direta dos obrigados solidários, ao facto gerador da obrigação de imposto.
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Por outro, deteta-se no referido normativo um outro tipo de solidariedade, que se poderá, à luz da sistemática desta, qualificar como “não originária”, e que se reporta à responsabilização de terceiros pela dívida tributária do sujeito passivo originário, conforme genericamente previsto no n.º 2 do artigo 22.º, daquela Lei. Aqui, ao contrário da solidariedade originária a que se reporta o artigo 21.º, “os pressupostos do facto tributário” não se verificam em relação ao responsável solidário, uma vez que este não é – por definição – sujeito passivo originário.
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Como ficou consignado na Decisão Arbitral, proferida no processo n.º 119/2015-T, este tipo de casos – do artigo 22.º, n.º 2 da LGT – é distinto do primeiro – a que alude o artigo 21.º da mesma Lei, não restarão dúvidas, já que nesta última situação, em que “os pressupostos do facto tributário se verifiquem em relação a mais de uma pessoa”, todos os obrigados serão sujeitos passivos originários do imposto, na medida em que, justamente, os pressupostos do facto tributário se verificam em relação a todos eles, enquanto que na hipótese a que alude o artigo 22.º, n.º 2 da LGT, confessadamente, estão em causa terceiros, que não o sujeito passivo originário do imposto.
“Ou seja: nos casos em que “os pressupostos do facto tributário se verifiquem em relação a mais de uma pessoa”, como, por exemplo, na tributação do agregado familiar em sede de IRS, teremos uma situação de solidariedade tributária originária; nos casos em que “os pressupostos do facto tributário” não se verificam em relação ao responsável solidário, mas que, por força da lei, aquele é solidariamente responsável pela dívida tributária, e eventuais acessórios, do devedor originário – como acontece no caso dos gestores de bens ou direitos de não residentes – teremos uma situação de solidariedade tributária não originária.
“A análise da distinção entre aqueles dois tipos de solidariedade tributária que resultam da LGT, não carece de ser iniciado do zero, já que a doutrina civilística, estudiosa da matéria de longa data, detectou já a comunhão de fim das obrigações solidárias, como um dado incontornável a ter em conta na matéria, sendo tido, inclusivamente, como um pressuposto da genuína solidariedade (…)”.
“Trata-se de casos que têm por objecto a mesma prestação e em que ao credor é reconhecida a faculdade de exigir de qualquer dos devedores a prestação integral, mas que escapam ao regime regra da solidariedade”.
“Exemplos deste tipo de situações são o caso do operário atropelado em serviço, que poderá exigir a indemnização quer ao atropelante, quer à entidade patronal; o caso do comerciante furtado, que poderá exigir a reparação do prejuízo quer ao ladrão, quer ao vigilante que, negligenciou os seus deveres de vigia; ou o caso da vítima de incêndio, que poderá exigir a reparação do prejuízo quer ao incendiário, quer à seguradora que previamente contratou para cobrir esse risco”.
“Nota característica destas situações, é que o cumprimento da obrigação perante o credor por um dos devedores, em certos casos extingue a responsabilidade dos restantes, enquanto que noutros não. Assim, se, nos exemplos supra, o atropelante, o ladrão ou o incendiário reparem os danos, a entidade patronal, o vigilante ou a seguradora, respectivamente, ver-se-ão exonerados de qualquer obrigação; já se forem estes últimos a satisfazerem, perante o credor, a obrigação que lhes cabe, a obrigação dos restantes permanecerá, respondendo eles pela totalidade da obrigação, perante o devedor que cumpriu perante o credor (…)”.
“Como conclui o Ilustre Mestre Antunes Varela (…), “quando, na intenção das partes ou no espírito da lei, exista comunhão de fim a unir as obrigações, ou seja, colaboração dos devedores ao serviço do mesmo interesse do credor, há solidariedade; quando, pelo contrário, não há comunhão de fim, mas simples coincidência de fins das prestações, assente uma disjunção ou num escalonamento sucessivo das obrigações, falta a solidariedade (havendo apenas uma pluralidade de obrigações independentes, destinadas à satisfação do mesmo interesse do credor), embora alguns preceitos das obrigações solidárias possam ser aplicados, por analogia, ao tratamento jurídico de tais situações.”
“Retornando ao domínio do direito fiscal, e aplicando aqui a doutrina que se vem de referir, concluir-se-á que nas situações que acima se designaram como de solidariedade originária, estaremos perante casos de verdadeira comunhão de fim, fundada na comunhão do próprio facto tributário, justificativa da aplicação directa dos preceitos civis relativos à solidariedade”.
“Já nas situações que acima se designaram como de solidariedade não-originária, o que verificará é a referida coincidência de fins, como, retornando ao exemplo dos gestores de bens ou direitos de não residentes, decorre da circunstância de o cumprimento da obrigação pelo sujeito passivo originário (não residente, no exemplo) exonerar o responsável solidário (gestor, no mesmo exemplo), enquanto que o cumprimento pelo responsável solidário (gestor), não exonerará o sujeito passivo originário da sua obrigação (que persistirá, agora, perante aquele, por via do direito de regresso), o que poderá justificar a aplicação, por via da analogia, das partes do regime geral da solidariedade, na medida em que tal se justifique”.
“Pode-se concluir, assim, face ao quadro legal positivo, com suficiente segurança, que as diferenças entre os dois tipos de solidariedade tributária detectada, relacionados essencialmente com as circunstâncias de:
- num deles (artigo 21.º da LGT) haver uma comunhão no facto tributário entre os devedores (que, como tal, assumirão a qualidade de sujeitos passivos originários do imposto), com a consequente existência de um nexo relacional entre eles, em termos de o cumprimento da obrigação tributária por qualquer deles, gerar o direito de regresso do cumpridor sobre os restantes;
- enquanto noutro (artigo 22.º/2 da LGT), o facto tributário se verifica apenas quanto a um devedor (ou, academicamente, a um grupo de devedores), que se assume como sujeito passivo originário, pelo que, cumprindo este a obrigação tributária, nenhum direito lhe caberá contra os restantes, que, por seu lado, cumprindo, poderão exigir do(s) devedore(s) originário(s) o pagamento de quanto lhes foi imposto pagar.
são justificativas de um tratamento distinto, na medida em que as diferenças verificadas o justifiquem.”
Transpondo o exposto ao caso dos autos, importa conjugar os preceitos analisados com o disposto no artigo 103.º, n.º4 do CIRS, segundo a redação vigente à data do facto tributário (ano de 2012).
A Lei n.º 53-A/2006, de 29 de Dezembro, aditou ao artigo 103.º do CIRS um n.º 4, em que estabelece que «tratando-se de rendimentos sujeitos a retenção que não tenham sido contabilizados nem comunicados como tal aos respectivos beneficiários, o substituto assume responsabilidade solidária pelo imposto não retido».
Como vimos, foi com base neste preceito que a Autoridade Tributária e Aduaneira se baseou para liquidar o IRS e juros compensatórios e notificar a Requerente para o seu pagamento.
Esta norma visa especificamente os pagamentos de rendimentos que constituam «remunerações» como deixou claro o Relatório do Orçamento do Estado para 2007, em que se refere, na página 29, o seguinte:
Responsabilidade Solidária
Instituição de um regime de responsabilização solidária do substituto pelo imposto não retido aos beneficiários dos rendimentos em situações qualificadas como práticas fraudulentas relacionadas com a omissão ou redução do montante das remunerações pagas, seja pela sua não contabilização, seja pela sua caracterização como rendimentos não sujeitos a tributação (v.g. ajudas de custo).
O preceito contido no n.º 4 do artigo 103.º do CIRS constitui uma exceção à regra do n.º 2, aplicável às restantes situações de retenção na fonte de rendimentos efetuada meramente a título de pagamento por conta de imposto devido a final, em que se estabelece que «cabe ao substituído a responsabilidade originária pelo imposto não retido e ao substituto a responsabilidade subsidiária»[1].
Mas, como se vê pelo facto de neste n.º 4 se prever a responsabilidade do substituto como solidária, a responsabilidade originária do imposto não retido continua a caber ao substituído, consubstanciando-se o regime excecional do n.º 4 apenas na natureza da responsabilidade do substituto que, em vez de ser subsidiária, é solidária, para além de o substituto ser responsável exclusivo pelos «juros compensatórios devidos desde o termo do prazo de entrega até ao termo do prazo da apresentação da declaração pelo responsável originário ou até à data da entrega do imposto retido, se anterior».
Estamos aqui, portanto, perante um caso em que o titular do rendimento sujeito a IRS, e substituído, é o responsável originário (em consonância com a primeira parte do artigo 28.º, n.º 2, da LGT) e em que a responsabilidade tributária (cfr. artigo 22.º, n.ºs 1 e 2 da LGT) do substituto é, não subsidiária, conforme regra do artigo 22.º, n.º4, da LGT, reafirmada na segunda parte do n.º 2 do artigo 28.º da LGT, mas solidária.
Aplicando ao caso concreto o quanto acima se expôs, entende-se que, no caso concreto, desde logo, o procedimento de liquidação e, sobretudo, o consequente ato de liquidação, deveriam ter sido dirigidos (pelo menos também) contra o responsável originário – os substituídos, titulares dos rendimentos sujeitos a imposto – e não unicamente contra o responsável solidário. Com efeito, não estando aqui em causa uma situação abrangida pelo artigo 21.º, n.º1 da LGT, ou seja, em que “os pressupostos do facto tributário se verifiquem em relação” ao responsável solidário, inexiste, na esfera deste, facto tributário, pelo que a liquidação terá de ser feita na esfera do sujeito passivo originário, de acordo com as normas próprias do imposto em causa (no caso, o IRS), e ainda que com a participação no procedimento respetivo (de liquidação) do responsável solidário, ao abrigo do disposto no artigo 9.º, n.º 2 do CPPT.
Assim, retomando o que ficou dito na Decisão Arbitral proferida no processo n.º 119/2015-T, como resulta da leitura da norma do artigo 103.º, n.º4 do CIRS, em causa, o substituto é responsabilizado solidariamente pelo imposto não retido e não pelas importâncias não retidas. Com efeito, não se poderá – e o legislador não o faz (…) – confundir imposto com importâncias retidas por conta daquele.
“Com efeito, como se escreveu ainda no recente Acórdão do STA de 23-09-2015, proferido no processo 0997/15: “O imposto sobre o rendimento de pessoas singulares é um imposto que, como a sua denominação indica é devido por pessoas singulares, incidindo sobre o valor anual dos rendimentos por estas auferidos ao longo do ano, artº 1º do Código de Imposto sobre o Rendimento de Pessoas Singulares.
A retenção na fonte não é um imposto, mas um mecanismo de cobrança, instituído pelo sistema fiscal português com o objectivo de aumentar a eficácia na cobrança do imposto (IRS). Pela utilização de tal mecanismo, o Estado recebe, mensalmente, por conta do imposto que será devido no final de cada ano pelos trabalhadores por conta de outrem ou trabalhadores que prestem serviços e que não estejam abrangidos pelo regime de isenção uma parte do imposto sobre o rendimento de pessoas singulares que a estas compete pagar.
Para o sujeito passivo de imposto sobre o rendimento de pessoas singulares trata-se de um pagamento antecipado do imposto que é devido no final de cada ano. Para a entidade que procede à sua retenção trata-se de uma dívida tributária e não do pagamento de imposto sobre o rendimento de pessoas singulares. Esta apenas procede ao desconto no vencimento do trabalhador da quantia que o estado tem a receber em sede de tributação de imposto sobre o rendimento de pessoas singulares desse trabalhador, incumbindo-lhe a entrega desse valor ao estado. O mesmo ocorre quando a entidade a quem foi prestado um serviço retém do custo do serviço que deveria pagar ao prestador, e, para este seria rendimento tributável em sede de imposto sobre o rendimento de pessoas singulares, o valor correspondente ao imposto sobre o rendimento de pessoas singulares.
Mas a empresa que procede à retenção na fonte não passa, por isso a ser tributada em sede de imposto sobre o rendimento de pessoas singulares. Arrecada os valores de imposto sobre o rendimento de pessoas singulares que são devidos pelos trabalhadores/ prestadores de serviço que deve entregar nos cofres do estado.”
“Assim, na presente situação não restarão dúvidas que o substituto pode ser responsabilizado solidariamente pelo imposto, que é aquilo que a lei refere, e não já pelas importâncias não retidas.”
“Ora, o imposto, in casu, só é definido (só se torna líquido, certo e exigível) após a liquidação realizada, nos termos do CIRS, aos respectivos sujeitos passivos. Só aí é que vai ser determinado, nos termos legais, o quantum de imposto legitimamente exigível pelo credor tributário, e só aí, justamente, será determinável a extensão da responsabilidade solidária do substituto relapso, confrontando o valor dos montantes cuja retenção foi ilegalmente omitida, com o valor do imposto devido, havendo-o, restringindo-se a responsabilidade em questão, ao menor dos dois valores”.
“Ou seja: entende-se que a responsabilidade decorrente da norma do artigo 103.º/4 do CIRS aplicável, devidamente interpretada no contexto sistemático em que se insere, consagra a responsabilização solidária do substituto pelo imposto não retido (e não pelas importâncias não retidas), daí decorrendo que se torna necessário, em primeiro lugar, determinar o quantum daquele, e só depois o valor da retenção devida.”
“A única – e fundamental – diferença introduzida pela norma do artigo 103.º/4 do CIRS aplicável, ora em causa, é a alteração do tipo de responsabilidade tributária do substituto, do regime regra da responsabilidade subsidiária (decorre da regra geral do artigo 22.º/4 da LGT, e específica do artigo 28.º/2 da mesma Lei), para o regime excepcional da responsabilidade solidária, e não uma alteração do objecto daquela mesma responsabilidade tributária”.
“Ou seja: o artigo 103.º/4 do CIRS, em questão, altera o tipo de responsabilidade tributária, mas não o seu objecto, que não deixa de ser o imposto, para passar a ser a importância não retida”.
“Por isso, e em suma, no caso do artigo 103.º/4 do CIRS, em análise, o substituto não se torna responsável por nada diferente do que já o era, nos termos do artigo 28.º/2 da LGT, apenas variando o grau de responsabilidade, pelo mesmo, por assim dizer, objecto”.
“Tudo isto, bem se compreenderá, se se atender às regras próprias do cálculo do imposto devido em sede de IRS, e à circunstância de o respectivo funcionamento normal poder, com facilidade, gerar situações em que o imposto devido pelo sujeito passivo originário, seja nulo ou, não o sendo, inferior à retenção devida. Daí que, apenas liquidado, devidamente, o IRS devido pelo(s) sujeito(s) passivo(s) originários, e contrastado com este o montante das importâncias cuja retenção foi devida, seja possível determinar a extensão da responsabilidade solidária do substituto, sob pena de se poderem gerar situações de enriquecimento injustificado para a Fazenda Pública (…)”.
“Conclui-se, assim, com a Requerente, que a AT, nos actos tributários em crise, converteu “o substituto em substituído, como se fosse titular ou beneficiário do rendimento que se pretende tributar.”.
“Efectivamente, relativamente à Requerente não se verificou qualquer facto tributário sujeito a IRS. A mesma é responsável, a título solidário, pelo imposto devido pelos seus trabalhadores, a quem terá omitido, ilegalmente, retenções na fonte, até ao valor das retenções omitidas. Mas não foi esse (o IRS dos sujeitos passivos originários) o imposto liquidado nos actos tributários em crise”.
“Deste modo, atenta a arguida inexistência de facto tributário subjacente às liquidações objecto da presente acção arbitral, e tendo em conta que “como vem afirmando a jurisprudência deste Supremo Tribunal Administrativo, inexistindo facto tributário (...), não se verifica o pressuposto do imposto”(…) (no caso, o artigo 1.º do CIRS)”.
“Tratando-se o vício em questão, de um vício de violação de lei, e inexistindo qualquer norma legal que o fulmine com nulidade, deverão as liquidações objecto da presente acção arbitral, então, ser anuladas.”
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Pelo exposto, também no presente caso não se nega que a Requerente pudesse ser solidariamente responsável e demandada em primeira linha, como defende a Requerida, mas apenas pelas dívidas de imposto de cada um dos trabalhadores, que ilegalmente não reteve, e não pelas importâncias que ela própria não reteve, que servirão, unicamente, como limite àquela responsabilidade, e que foi aquilo (o facto) sobre que foi, ilegalmente, como se viu, liquidado imposto, nas liquidações objeto de impugnação.
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Desta forma, procede o argumento apresentado pela requerente ao defender que inexiste facto tributário, quanto à liquidação de IRS, pois, o facto tributário que gera a responsabilidade solidária é constituído pelo não pagamento voluntário pelos devedores principais dos montantes de IRS não retidos possam ser exigido a cada um destes (e não pelo montante que devia ser retido, que é apenas o limite máximo da responsabilidade do responsável solidário, a nível do imposto), situação essa que não ocorreu.
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Só depois de ser apurado qual o montante do imposto a pagar por todos os devedores principais é que poderá existir uma situação de responsável solidário da Requerente, relativamente ao montante que se vier a ser apurado, na medida em que não for pago voluntariamente.
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Termos em que se justifica a anulação da liquidação de IRS, com fundamento em vício de violação de lei, por inexistência de facto tributário.
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Procedendo o pedido de pronúncia quanto à liquidação de IRS, fica prejudicado, por inútil, o conhecimento das demais questões colocadas pela Requerente.
Do pedido de juros indemnizatórios
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A Requerente pede ainda a condenação da entidade Requerida no pagamento de juros indemnizatórios, à taxa legal, calculados sobre o imposto e respetivos juros compensatórios que tiverem sido pagos, até ao reembolso integral da quantia devida.
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De harmonia com o disposto na alínea b) do artigo 24.º do RJAT - em sintonia com o preceituado no artigo 100.º da LGT, aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT -, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a Administração Tributária, nos exatos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo, cabendo-lhe “restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito”.
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Ainda nos termos do n.º 5 do artigo 24.º do RJAT “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previstos na Lei Geral Tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário”, o que remete para o disposto nos artigos 43.º, n.º 1, e 61.º, n.º 5, de um e outro desses diplomas, implicando o pagamento de juros indemnizatórios desde a data do pagamento indevido do imposto até à data do processamento da respetiva nota de crédito.
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Há assim lugar, na sequência de declaração de ilegalidade dos atos de liquidação aqui em apreço, ao pagamento de juros indemnizatórios na parte correspondente, nos termos das citadas disposições dos Artigos 43.º, n.º 1, da LGT, e 61.º, n.º 5, do CPPT, calculados sobre a quantia que a Requerente tenha pago indevidamente, à taxa dos juros legais (Artigos 35.º, n.º 10, e 43.º, n.º 4, da LGT).
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DECISÃO
De harmonia com o exposto, este Tribunal Arbitral decide:
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Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral.
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Anular o ato de liquidação de retenções na fonte de IR, no valor de € 23.896,84 e da correspondente liquidação de juros compensatórios, no montante de € 4.053,78.
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Condenar a entidade Requerida na restituição à Requerente do montante que foi por si indevidamente pago relativamente aos atos de liquidação.
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Condenar a entidade Requerida no pagamento de juros indemnizatórios, a calcular sobre o montante indevidamente pago pela Requerente, contados desde a data de pagamento até à data do processamento da respetiva nota de crédito.
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Condenar a Requerida nas custas processuais.
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VALOR DO PROCESSO
Fixa-se o valor do processo em 27.950,62 euros, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 3 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.
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CUSTAS
Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em 1.530 €, os termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, e artigo 4.º, n.º 4, do citado Regulamento, a cargo da Requerida.
Lisboa, 21 de junho de 2024
(Armando Oliveira)