SUMÁRIO:
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A Contribuição de Serviço Rodoviário (CSR) é, quer á luz do Direito Comunitário, quer à luz do direito nacional, um tributo que se qualifica como “imposto” e não como “contribuição”, pelo que os Tribunais Arbitrais são competentes para apreciar matérias a ela respeitantes.
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Os Tribunais Arbitrais são competentes para apreciar a legalidade de atos de liquidação de CSR e já não de atos de repercussão daquele imposto.
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A falta de identificação dos atos de liquidação de CSR contestados, cuja declaração de ilegalidade e anulação se requer, implica a ineptidão do pedido arbitral.
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A Requerente não suportou o encargo da CSR por repercussão legal, pelo que carece de legitimidade processual para contestar a legalidade dos atos de liquidação daquele imposto.
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Só em repercussão legal e não na repercussão voluntária está vedada ao interessado a possibilidade de, dentro do prazo de caducidade, invocar o enriquecimento sem causa em ação civil nos termos do art. 473º do Código Civil ou do regime de responsabilidade extra-contratual do Estado (Lei nº 2007 de 31/12, já que apenas na repercussão voluntária é suscetível de se verificar a inexistência de causa justificativa do enriquecimento, não estando, no entanto, tais meios abrangidos pelo art. 2º do RJAT.
DECISÃO ARBITRAL
I-RELATÓRIO
1.Identificação das partes.
1.1. Requerente
A..., com sede na ..., ..., ...-... ..., com nº de pessoa coletiva ... .
1.2. Requerida
Autoridade Tributária e Aduaneira (AT).
2- Tramitação do processo.
2.1-O pedido deu entrada a 18/12/2023, tendo sido nessa data encaminhado automaticamente para a Requerente.
2.2 A 19/12/2023, a Requerente juntaria aos autos uma série de faturas emitidas por seus fornecedores, relativas à transferência do encargo da CSR que estes alegadamente suportaram.
2.3. -A 19/12/2023, a AT informaria o presidente do CAAD , que analisado o pedido não detetou a identificação de qualquer ato tributário, a qual também não consta da plataforma do Centro de Arbitragem Tributária.
2.4.Para a Requerida , tendo em conta, que a competência dos tribunais arbitrais, que funcionam no CAAD, abrange exclusivamente a apreciação direta da legalidade de ato(s) de liquidação ou de ato(s) de segundo ou terceiro grau que tenham por objeto a apreciação da legalidade de ato(s) daquele tipo, conforme decorre do nº 1 do art. 2º do RJAT e que, sem a identificação, por parte dos interessados, do ato tributário, cuja ilegalidade invoca, o dirigente máximo da AT não pode exercer a faculdade prevista no art. 13.º do RJAT. , solicitaria que seja(m) identificado(s) os atos de liquidação cuja legalidade o requerente pretende ver sindicada, entendendo-se que o termo inicial do prazo para o exercício da faculdade prevista nessa norma do RJAT só ocorre após a notificação da identificação, em concreto, do(s) ato(s) de liquidação cuja ilegalidade é suscitada.
2.5- A 10/1/2024, o presidente do CAAD remeteria a apreciação dessas questões para o Tribunal Arbitral a constituir .
2.6. A 19/1/04, a Requerente manifestaria junto do CAAD a seguinte posição:
“Ao contrário do alegado pela AT (Direção de Serviços de Consultoria Jurídica e Contencioso), esta está nas condições para identificar os atos tributários subjacentes ao ato de indeferimento objeto do presente pedido arbitral e às faturas juntas aos autos.
Com efeito, foram facultadas pela Requerente à AT todas as faturas em que a Contribuição de Serviço Rodoviário (CSR), mediatamente impugnada no pedido de pronúncia arbitral em causa, foi repercutida sobre a Requerente e que foram incluídas nas Declarações de Introdução no Consumo (DIC), nos respetivos anexos, com base nas quais se processam a liquidação e pagamento do imposto.
A AT dispõe de todas as faturas que identificam os litros em causa e encontra-se na posse de toda a informação relativa aos atos tributários emitidos na sequência das DICs que identificam cada fatura junta ao processo. Portanto não subsiste qualquer incerteza sobre os atos tributários. A lei não impõe que a CSR conste das faturas como um elemento separado ao contrário do que sucede no caso de outros impostos repercutidos, e.g. IVA, mas tal não significa que a CSR não esteja incluída no preço de venda dos combustíveis, tal como a AT sobejamente conhece.
Assim sendo, os atos em que se contém a repercussão da CSR sobre a Requerente encontram-se devidamente identificados no pedido de pronúncia arbitral, recaindo sobre a AT o ónus de identificação das antecedentes liquidações de CSR praticadas pela própria AT e notificadas aos respetivos sujeitos passivos tendo sido posteriormente objeto de repercussão, e às quais a Requerente, como referiu no pedido, não tem acesso.
Desta forma compete à AT a identificação das liquidações subjacentes aos atos de repercussão da CSR consubstanciados nas faturas referentes ao gasóleo rodoviário e à gasolina adquiridos pela Requerente no decurso do período compreendido entre março de 2019 e 31 de dezembro de 2022. Neste contexto, não era exigível à Requerente que identificasse as liquidações que a AT emitiu com base nas vendas de combustíveis em causa, nem essa identificação é necessária para apurar a ilegalidade da cobrança de CSR ínsita nas faturas em causa.
A exigência de identificação das liquidações, numa situação deste tipo, em que o repercutido não tem possibilidade de as identificar e a identificação não é imprescindível para apurar a legalidade da cobrança de CSR ínsita nas faturas, não é compatível com o princípio constitucional da proporcionalidade e o direito à tutela judicial efetiva garantido pelos artigos 20.º e 268.º, n.º 4, da CRP, pois inviabilizaria a possibilidade concreta de a Requerente impugnar contenciosamente atos que lhe aplicam tributação ilegal e impõem um encargo reconhecidamente indevido.
2.6- A 23/1/2023, a diretora –geral da AT designaria representantes processuais as juristas ... e... .
2.7- A 8/2/2024, o CAAD designaria árbitro presidente, o prof. Vítor Calvete e árbitros auxiliares os juristas prof. doutor Rui Miguel Zeferino Ferreira e António Lima Guerreiro.
2.8- A 28/2/2023, despacho do presidente do Conselho Deontológico do CAAD procederia à constituição do Tribunal Arbitral.
2.9- Na mesma data, o Tribunal Arbitral notificaria a Requerida para apresentar Resposta no prazo de 30 dias, se entender necessário requerer prova adicional e dentro desse prazo remeter o processo administrativo(PA).
2.10- A 8/4/2023, a Requerida juntou a Resposta e enviou o PA.
2.11. A 13/5/2024 o Presidente do Tribunal Arbitral proferiu o seguinte despacho: “Porque a pronúncia da Requerente sobre as exceções suscitadas pela Requerida poderá melhor fazer-se por escrito, para o que se fixa um prazo de 15 dias, e uma vez que, não obstante a indicação das testemunhas feita pela Requerente, estas não podem acrescentar ao que está em causa, dispensa-se a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT ao abrigo dos princípios da autonomia do Tribunal Arbitral na condução do processo (artigo 19.º do RJAT), e da celeridade, da simplificação e da informalidade processuais (artigo 29.º, n.º 2, do RJAT).
Sem prejuízo de a decisão ser proferida até ao termo do prazo fixado no n.º 1 do artigo 21.º do RJAT, deve a Requerente proceder ao pagamento da taxa arbitral subsequente até ao final do prazo fixado para a resposta às exceções”..
2.12 . A 29/5/2024, a Requerente apresentou Réplica.
3. Pressupostos processuais.
1-O tribunal arbitral foi regularmente constituído.
2- As Partes gozam de personalidade e de capacidade judiciárias, são legítimas, e encontram-se regularmente representadas
3- A apreciação dos pressupostos da competência do Tribunal Arbitral e da legitimidade das Requerentes integra a fundamentação de direito do presente Decisão Arbitral, para qual se remete.
4- Objeto do processo.
Está em causa o presumido indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa da CSR, no montante de € 650.229,95 liquidada e suportada por repercussão nas faturas de combustíveis adquiridos para consumo próprio da Requerente em viaturas e máquinas/equipamentos relacionadas com a atividade no município de ..., relativa aos períodos de 2019 a dezembro de 2022.
4- Posição da Requerente
Segundo a Requerente, a repercussão da CSR, tal como do ISP, por parte dos sujeitos passivos que introduzem o combustível no consumo, decorre de uma imposição legal, pelo que não pode ser considerada voluntária.
Resulta, com efeito, do artº 2.° do Código dos Impostos sobre o Consumo (CIEC). aplicável à CSR por remissão do art 5.° da Lei n.° 55/2007, de 31/8, que os impostos especiais sobre o consumo obedecem ao princípio da equivalência, procurando onerar os contribuintes na medida dos custos que estes provocam, designadamente nos domínios do ambiente da saúde pública, sendo repercutidos nos mesmos, em concretização de uma regra geral de igualdade tributária.
A regra da repercussão sobre o consumidor decorre de razões históricas que privilegiaram a eficácia e simplicidade na gestão dos impostos gerais sobre o consumo pelo Estado e levaram a opção do legislador comunitário e, na sua senda, também a do nacional, a não fazerem coincidir os contribuintes de facto, os consumidores, com os sujeitos passivos do imposto em nome dos quais são declarados os produtos para introdução no consumo.
Assim, embora a Requerente não tenha a qualidade de sujeito passivo do imposto -- está totalmente legitimada para apresentar o presente pedido de pronúncia arbitral, tendo sido ela quem efetivamente suportou o encargo do imposto em crise.
Não subsistem quaisquer dúvidas que aos repercutidos assiste o direito a obter a restituição do tributo ilegalmente liquidado e indevidamente suportado em violação do direito da União Europeia (EU) como já foi reconhecido pelo CAAD, designadamente no processo 294/2023-T.
Segundo o nº 1 do art. 9º do CPPT, têm legitimidade no procedimento tributário, além da administração tributária , os contribuintes, incluindo substitutos e responsáveis, outros obrigados tributários, as partes dos contratos fiscais e quaisquer outras pessoas que provem interesse legalmente protegido, solução que, aliás, resultaria sempre do art. 65º da LGT.
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Desenvolvendo essas normas, a parte final da alínea a) do n° 4 do art. 18º da LGT reconhece o direito de reclamar, recorrer, impugnar ou apresentar pedido de pronúncia arbitral, nos termos das leis tributárias, a quem, embora não sendo sujeito passivo do imposto, suporte por repercussão legal o encargo tributário.
Esclarece a Decisão Arbitral nº 189/2021- T, que, com a efetiva repercussão legal do imposto, distinta da repercussão meramente económica ou de facto, o pressuposto processual positivo do interesse em agir transfere-se do repercutente para o repercutido.
Com efeito, é o repercutido que sofre na sua esfera o impacto patrimonial negativo mediante o fenómeno económico da repercussão tributária. É na sua esfera jurídica que a decisão relativa à ilegalidade do imposto suportado vai diretamente produzir a sua eficácia.
E, assim, concluindo, existe comprovadamente na esfera jurídica da Requerente, um interesse juridicamente protegido que lhe confere legitimidade ativa na apresentação do presente pedido de pronúncia arbitral. Os elementos necessários para aferir essa legitimidade estariam , por outro lado, em poder da administração fiscal, como, aliás, entenderiam os fornecedores da Requerente que, em vez de solicitarem diretamente o reembolso da CSR . como sujeitos passivos desse tributo, optaram por deixar esse ónus para os seus clientes.
Recorda a Requerente, as normas ao abrigo das quais foram praticados os atos tributários sub judice foram já declaradas ilegais em razão da sua desconformidade com o direito da União Europeia, através das decisões arbitrais proferidas no âmbito dos processos arbitrais n.os 564/2020-T, 304/2022-T e 305/2022- T e do Acórdão do TJUE no proc. C-460/2021,
De acordo com essa jurisprudência , embora a afetação predeterminada do produto de um imposto ao financiamento do exercício, pelas autoridades de um Estado‑Membro, de competências que lhes foram atribuídas possa constituir um elemento a tomar em consideração para identificar a existência de um motivo específico suficiente para justificar a compatibilidade da CSR com o nº 2 do art. 1º da Diretiva 2008/118 , essa afetação, quando resulte de uma simples modalidade de organização interna do orçamento de um Estado‑Membro, não pode, enquanto tal, constituir uma condição suficiente, uma vez que, caso fosse aceite , qualquer Estado‑Membro poderia decidir impor, independentemente da finalidade prosseguida, a afetação do produto de um imposto ao financiamento de determinadas despesas.
Se assim não fosse, qualquer finalidade poderia ser considerada específica, na aceção do art. 1º, nº2, , da Diretiva 2008/118, o que privaria o imposto especial de onsumo harmonizado instituído por esta diretiva de qualquer efeito útil e violaria o princípio segundo o qual uma disposição derrogatória, como essa, deve ser objeto de interpretação estrita.
Por conseguinte, a existência de um motivo específico na aceção da referida disposição não pode ser estabelecida pela simples afetação das receitas do imposto considerado ao financiamento de despesas gerais que incumbem à coletividade pública num dado setor. Com efeito, no caso contrário, o alegado motivo específico não poderia ser distinguido de uma finalidade puramente orçamental (Acórdão do TJUE no proc.C-553/13).
Citando ainda essa jurisprudência, «[n]a falta desse mecanismo de afetação predeterminada das receitas, um imposto que incide sobre produtos sujeitos a impostos especiais de consumo apenas pode ser considerado que tem um motivo específico, na aceção do nº 2 do art. 1º-a da Diretiva 2008/118, se esse imposto for concebido, no que respeita à sua estrutura, nomeadamente, à matéria coletável ou à taxa de tributação, de modo a influenciar o comportamento dos contribuintes num sentido que permita a realização do motivo específico invocado, por exemplo, tributando significativamente os produtos considerados para desencorajar o seu consumo» .
Consequentemente, para que a afetação predeterminada da receita de um imposto que incide sobre produtos sujeitos a impostos especiais de consumo permita considerar que esse imposto tem um motivo específico na aceção do nº 2 do art. 1º , da Diretiva 2008/118, sempre será necessário que o produto de tal imposição indireta seja obrigatoriamente utilizado nos invocados fins específicos «de tal forma que exista uma relação direta entre a utilização das receitas e a finalidade da imposição em causa» ( Acórdão do TJUE no proc. C-82/12).
Enfim, o deferimento da pretensão da Requerente não implicaria qualquer risco de duplicação do reembolso, já que a administração fiscal dispõe dos meios necessários, de acordo com a documentação em seu poder, para confirmar os seus pressupostos.
Replicando, afirmaria todas as exceções invocadas pela AT partilharem de um mesmo erro: no final exige- se aos repercutidos a qualidade de sujeitos passivos para fazerem valer o seu inegável direito de serem reembolsados de impostos ilegais, circuitando os seus direitos quando o TJUE veio precisamente, exigir ao Estado português, a não manutenção na ordem jurídica e o expurgo na realidade económica do encargo que pesou ilegalmente sobre os contribuintes, ou seja de um imposto declarado ilegal. Invoca também, para fundamentar a sua posição, as Decisões Arbitrais nºs 398/2023-T e 800/2023-T.
5- Posição da Requerida
Recorda a Requerida a AT estar vinculada à jurisdição dos Tribunais arbitrais nos termos da Portaria n.º 112-A/2011, de 2/3, sendo o objeto desta vinculação definido pelo seu 2º que dispõe que “Os serviços e organismos referidos no artigo anterior vinculam-se à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD que tenham por objeto a apreciação das pretensões relativas a impostos cuja administração lhes esteja cometida referidas no n.º 1 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro.”
Daqui decorre que foi intenção do legislador restringir a vinculação dos serviços e organismos ao CAAD no âmbito de pretensões que dizem respeito, especificamente, a impostos, aqui não se incluindo tributos de outra natureza, tais como as contribuições.
Ora, tratando-se de uma contribuição e não um imposto, as matérias sobre a CSR encontrar-se-iam, assim, excluídas da arbitragem tributária, por ausência de enquadramento legal.
Fora do âmbito do RJAT situar-se-iam também os atos de repercussão(Decisões Arbitrais nºs 296/2923-T, 332/2023-T, 375/2023-T, 408/2023-T, 438/2023-T, 466/2023-T, 467/2923-T
e 460/2023-T). por não envolverem a apreciação da legalidade de qualquer liquidação, mas da mera transferência para um terceiro do encargo tributário suportado pelo sujeito passivo.
Sustenta ainda a Requerida que se verifica a incompetência do tribunal em razão da matéria, na medida em que a Requerente, no pedido de pronúncia arbitral, teria vindo questionar o regime jurídico da CSR in totum (cfr. artigo 39.° e seguintes da Resposta), pretendendo discutir a sua conformidade jurídico-constitucional, o que extravasaria o âmbito da arbitragem tributária, e, em especial, o disposto no 2.° do RJAT, que não consente o escrutínio sobre a integridade de normas emanadas no exercício da função político legislativa do Estado.
Não existiu qualquer erro de direito imputável aos serviços que permitisse a aplicação do prazo de 4 anos para a revisão oficiosa, previsto na 2a parte do n.° 1 do art.78.° da LGT em vez do prazo normal de 90 dias da reclamação graciosa previsto no nº 1 do art. 69º do CPPT e na 1º parte do nº 1 desse art. 78º .
Por outro lado, ainda segundo a Requerida:
1) A requerente não é sujeito passivo de imposto especial de consumo, por não se enquadrar na previsão do art 4.º do CIEC, . não sendo, assim, detentora de qualquer estatuto fiscal. Como tal, não poderia ter processado , nem processou quaisquer DICs de produtos sujeitos a ISP, tal como se encontra previsto pelo art. 10º do CIEC.
2) A requerente também não demonstra que adquiriu produtos sujeitos a CSR no momento e em caso de importação de países terceiros, consubstanciados pela apresentação das respetivas Declarações Aduaneiras de Importação (DAI). Também não apresentou quaisquer comprovativos de pagamento ao Estado das prestações a que a PI se refere, consubstanciados pela apresentação dos respetivos Documentos Únicos de Cobrança (DUC) e das DAIs com averbamento do respetivo número de movimento de caixa .
3) Das bases de dados da AT (SIC-EX e STADA importação) onde são processados os movimentos declarativos da introdução no consumo de produtos sujeitos a IEC e da importação, não consta qualquer DAI apresentada pela requerente.
4) A Requerente não identifica as liquidações de CSR que entendem sustentar o pedido de revisão oficiosa.
5) Assim, considera a Requerida que o DL nº73/2010 em que se integra o CIEC, é lei especial, e como tal se sobrepõe à lei geral pelo que a Requerente, não sendo sujeito passivo da CSR.não tem legitimidade para solicitar a devolução da CSR que alegadamente pagou aos seus fornecedores de combustíveis.
6) Apesar de reconhecer não ser sujeito passivo do pagamento da CSR, a Requerente não consegue demonstrar que os seus fornecedores o sejam e também não consegue comprovar que os mesmos não tenham ele próprios, solicitado a devolução da CSR, com os mesmos (ou outros) argumentos que apresentem.
7) A Requerente também não consegue, assim,, demonstrar que o valor pago pelo combustível que adquiriu tem incluído o valor da CSR pago pelos sujeitos passivos da CSR.
8) O acolhimento favorável da argumentação apresentada para a apresentação do pedido de pedido de revisão Oficiosa, no limite, implicaria a devolução da CSR a todos os intervenientes na cadeia de comercialização dos combustíveis, incluindo, para além dos que pagaram os serviços prestados pela requerente, (sendo o caso), todos os consumidores finais de combustíveis, o que seria absurdo e obviamente contraria o direito em vigor.
9) Acresce que, mesmo partindo do pressuposto que no valor pago pelo combustível adquirido esteja incluído a CSR, os montantes referenciados no pedido de revisão oficiosa que a requerente entende ter pago indevidamente nunca poderiam ser considerados corretos, , uma vez que, no seu cálculo, se limitou a aplicar à quantidade de litros fornecidos e constantes das faturas dos seus fornecedores, a taxa de CSR que se encontrava em vigor às datas das mesmas.
10) Como determina o art. 91º do CIEC, a unidade tributável dos produtos petrolíferos e energéticos (e consequentemente da CSR) é de 1000 l convertidos para a temperatura de referência de 15°C.
11)A definição da unidade tributável na medição de combustíveis não é especifica da legislação portuguesa, mas sim comumente aceite e utilizada ao nível internacional, recorrendo para efeitos de cálculo, ou a análises laboratoriais, ou ás Tabelas da ASTM (American Society for Testing and Materials). A ASTM é uma organização americana que desenvolveu em vários domínios, incluindo os dos derivados do petróleo, as normas técnicas mais respeitadas e aceites do mundo. Esta situação deriva essencialmente do facto dos hidrocarbonetos terem densidades diferentes entre si e do seu volume variar de acordo com temperatura, pelo que é sempre necessária uma temperatura de referência. As tabelas da ASTM são normalmente utilizadas pelos sujeitos passivos de ISPE (e consequentemente da CSR) na determinação das quantidades tributadas para efeitos de ISPE, a serem inscritas nas DICs.
12) Assim, só com a medição da temperatura do produto no ato da descarga, a chamada temperatura observada (To - Temperatura ambiente) e da densidade no produto no local (Dto - densidade à temperatura observada) é possível com recurso à tabela 53b da ASTM de cada tipo de combustível (que cruza To e Dto) determinar a densidade dos produtos a 15º (D15º), que vai permitir, com recurso desta vez tabela 54b da ASTM (que cruza To com D15º), determinar o fator (FCV) que permite converter a quantidade de combustível verificada à temperatura ambiente, na quantidade de combustível a tributar ou seja à temperatura e densidade a 15º , sempre com a concisão de o tanque ou compartimento onde se realiza a medição, ou o contador no momento de descarga dos produtos, estejam devidamente aferidos por entidade certificadora.
13) Não tendo existido certificação da medição da temperatura e da densidade na descarga do combustível adquirido (temperatura ambiente), o que caberia à Requerente ter demonstrado ,não é possível realizar a correspondência para o número de litros a 15º, pelo que não é igualmente viável, na fase da cadeia logística a que os factos descritos se reportam, determinar a unidade tributável para efeitos de determinação da CSR e consequentemente determinar com um rigor mínimo a parte da CSR eventualmente incluída no preço pago pelo combustível adquirido., ou não fossem o ISP e reflexamente a CSR um imposto monofásico, sendo cobrado no momento da introdução no consumo dos produtos a ele sujeitos e consequentemente não dedutível.
14) Esta informação também não vem disponibilizada pelos fornecedores das requerentes no sistema e-fatura, nem no sistema SAFT-T, que apenas indicam o IVA associado a cada venda de combustível efetuado.
15) Fazer de outra forma, como o pretendido, ie, aplicar a taxa da CSR à quantidade em litros à temperatura observada, é alterar as regras de tributação definidas pelo legislador, à margem de qualquer enquadramento normativo.
6- Fundamentação
6.1-. Fundamentação de facto
6.1.1.Factos Provados
6.1.1.1-A Requerente, A..., é uma empresa municipal cujo capital social é integralmente detido pelo município de ... .
6.1.1.2- Para além dos serviços de limpeza urbana e recolha de resíduos com que iniciou a sua atividade, a A... é também responsável pela gestão de espaços públicos verdes urbanos, de jogo e recreio do concelho, desempenhando também competências no âmbito da gestão de recursos naturais e da orla costeira.
6.1.1.3-O seu trabalho inclui ainda a promoção e realização de atividades destinadas à preservação, qualificação e valorização do ambiente, à educação ambiental e ao conhecimento.
6.1.1.4. No exercício da sua atividade, a Requerente efetua aquisições de combustíveis, designadamente gasóleo e gasolina.
6.1.1.5- O combustível adquirido pela Requerente destina-se a ser consumido pela própria em viaturas e máquinas/equipamentos relacionadas com a atividade no município.
6.1.1.6- Em 2019, a Requerente adquiriu à B... SA 1490.561,18 litros da gasóleo normal, 1.403759,08 litros de gasóleo ecológico,52.450,14 de gasolina normal e 44.436, 26 de gasolina ecológica.
6.1.1.7- Em 2020, a Requerente adquiriu à B... SA 1.292.136,65 litros da gasóleo normal, 1.342,090,62 litros de gasóleo ecológico,52.450,14 de gasolina normal e 44.436, 26 de gasolina ecológica.
6.1.1.8- Em 2021, Em 2019, a Requerente adquiriu à B... SA 1.617.999,96v litros da gasóleo normal, 1.486.775,93 litros de gasóleo ecológico, 639.909,08 litros de gasolina normal e 51.393,08 de gasolina ecológica.
6.1.1.9- Em 2022, a Requerente adquiriu à B... SA e eventualmente a outros fornecedores 2. 072, 949,66 litros da gasóleo normal, 1.478,557,02 litros de gasóleo ecológico, 68827,35 de gasolina normal e 48027,11 l1 litros de gasolina ecológica.
6.1.1.10- Essas transações seriam identificadas em 50 faturas numeradas emitidas por essas empresas de que constam nomeadamente as quantidades adquiridas, com discriminação de cada produto , o valor unitário médio, sem IVA, e o valor líquido, igualmente sem IVA.
6.1.1.11- Tais faturas não fazem referência a qualquer débito da CSR, mas apenas ao preço pago pelos adquirentes, não contendo ainda qualquer indicação sobre o valor tributável das operações e, consequentemente, o método do seu apuramento.
6.1.1.12. A 17/5/2023, a Requerente apresentou, nos termos do nº 1 do art. 78º da LGT, pedido de revisão oficiosa desses atos de liquidação de liquidação de CSR junto do 1º serviço de finanças do concelho de ..., sobre o qual esse órgão não se pronunciou no prazo de quatro meses previsto no nº 1 do art. 57º da LGT.
6.1.2. Factos não Provados.
Não se consideram provados os seguintes factos:
-A B... SA ter pago CSR pela introdução no consumo da totalidade do combustível referente às faturas emitidas à Requerente a quantia global de € € 650.229,95 , alegadamente liquidada pelas alfândegas do Jardim do Tabaco e outras estâncias aduaneiras ;
- - A Requerente ser consumidora final da totalidade dos combustíveis rodoviários adquiridos à B... SA, não tendo, por isso, no todo ou em parte. repercutido o encargo da CSR no preço dos bens e serviços prestados aos seus clientes. Na verdade, a Requerente é uma sociedade anónima abrangida pelo Regime Jurídico da Atividade Empresarial Local e das Participações Locais (Lei nº 50/201, de 31/8) sendo , nos termos do nº 1 do art. 20º dessa Lei, a atividade económica que desenvolve no âmbito do direito privado tendencialmente auto- sustentável, pelo que , pelo menos teoricamente, pode cobrar os serviços prestados às entidades beneficiárias da sua atividade e, por isso, repercutir a CSR
Por consumidor final deve, na verdade, entender-se apenas o sujeito passivo que não exerça qualquer atividade económica ou alternativamente não adquira os bens no âmbito de qualquer atividade económica(Código do IVA e RITI Anotados e Comentados , Coimbra, 2014, com coordenação de Clotilde Palma e Carlos Santos, pg. 347).
A caraterização de consumidor final exige, assim, que o reclamante ou impugnante não possam deduzir a jusante o imposto suportado a montante, em que se inclui a parcela da CSR incorporada no valor tributável do IVA , nos termos da alínea a) do nº 6 do art. 16º do CIVA. quer a dedução desse imposto seja efetuada no âmbito de atividade de comercialização de bens, quer de prestação de serviços.
A Requerente consome combustíveis no exercício da atividade mas tal evidência não lhe confere o estatuto de consumidor final, uma vez esses combustíveis serem utilizados no âmbito de uma atividade económica .
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- Também não se provou que a unidade tributável dos produtos petrolíferos e energéticos (e consequentemente da CSR) tenha sido de 1000 l convertidos para a temperatura de referência de 15°C.
- A Requerente não demonstrou igualmente que a Requerida dispusesse dos meios necessários para, sem qualquer colaboração da Requerente e em substituição desta, identificar devidamente as liquidações impugnadas.
- A Requerente não juntou quaisquer contratos de fornecimento de combustíveis suscetíveis de indiciar qualquer repercussão, ainda que voluntária, da CSR.
- A Requerente não juntou qualquer declaração da B..., SA de que a CSR lhe tenha sido efetivamente repercutida.
6.1.3-Fundamentação da fixação da matéria de facto
O Tribunal Arbitral tem o dever de selecionar os factos pertinentes para a decisão da causa, com base na sua relevância jurídica e tendo em consideração as várias soluções plausíveis das questões de Direito suscitadas pelas partes, bem como o dever de discriminar os factos provados e não provados. Porém, o Tribunal Arbitral não tem um dever de pronúncia quanto a toda a matéria de facto alegada pelas partes, em conformidade com o disposto no nº 2 do 123.º do CPPT e no nº 1 do 596.º, vem como no nº 3 do art. 607º, ambos do CPC, aplicáveis ex alíneas a) e e) do nº 1 do art. 29º do RJAT.
O Tribunal formou a sua íntima e prudente convicção quanto aos factos provados e não provados através do exame de todos os elementos probatórios carreados aos autos, que foram apreciados e avaliados com base no princípio da livre apreciação dos factos e nas regras da experiência, normalidade e racionalidade, em conformidade com os ditames fixados na alínea e) do art. 16.º, do RJAT e nos nºs 4e 5 do 607.ºdo CPC aplicáveis ex vi alínea e) do nº 1 do art. 9º do RJAT.
Com efeito, as Requerentes não identificaram pelo nº e data os atos de liquidação que pretendem impugnar, nem demonstraram ou procuraram demonstrar através de qualquer meio documental a introdução no consumo dos bens na alfândega do Jardim do Tabaco.
Tão pouco provaram ou invocaram quaisquer diligências para obter esses elementos ou que, tendo sido solicitadas essas diligências, essas lhe tenham sido recusadas.
Também não é exigível à AT que proceda à identificação desses atos com o argumento de a respetiva documentação estar em poder dela : esse ónus de identificação é do contribuinte, nos termos do artigo .74º , nº 2, da LGT e as Requerentes não demonstraram qualquer impossibilidade de obterem esses elementos junto da fornecedora, apesar de, no pedido de pronúncia arbitral, afirmarem perentoriamente que as quantidades adquiridas foram introduzidas no consumo pela B... SA na alfândega do Jardim do Tabaco.A Requerente igualmente não contestou a pormenorizada argumentação da Requerida expressa na Resposta no sentido da impossibilidade de suprir os elementos em falta na PI, essenciais à identificação dos atos impugnados, já que, para esse efeito, são necessários elementos que a administração fiscal ignora ou não controla..
Importa finalmente registar que a prova da repercussão pressupõe inevitavelmente como ponto de partida a demonstração de que a CSR foi inicialmente liquidada e paga pelo sujeito passivo daquele tributo aquando da introdução no consumo dos produtos a ele sujeitos – o que, conforme se viu supra, não foi demonstrado pela Requerente.
A Requerente não cumpriu finalmente o critério a observar na prova da repercussão da CSR, tal qual fixado pelo TJUE no despacho Vapo Atlantic, proferido no processo n.º C‑460/21. Ao que aqui importa, referiu aquele Tribunal o seguinte:
“44- (…) ainda que, na legislação nacional, os impostos indiretos tenham sido concebidos de modo a serem repercutidos no consumidor final e que, habitualmente, no comércio, esses impostos indiretos sejam parcial ou totalmente repercutidos, não se pode afirmar de uma maneira geral que, em todos os casos, o imposto é efetivamente repercutido. A repercussão efetiva, parcial ou total, depende de vários fatores próprios de cada transação comercial e que a diferenciam de outras situações, noutros contextos. Consequentemente, a questão da repercussão ou da não repercussão em cada caso de um imposto indireto constitui uma questão de facto que é da competência do órgão jurisdicional nacional, cabendo a este último apreciar livremente os elementos de prova que lhe tenham sido submetidos (v., neste sentido, Acórdãos de 25 de fevereiro de 1988, Les Fils de Jules Bianco e Girard, 331/85, 376/85 e 378/85, EU:C:1988:97, n.º 17, e de 2 de outubro de 2003, Weber’s Wine World e o., C-147/01, EU:C:2003:533, n.º 96).
45 Não se pode no entanto admitir que, no caso dos impostos indiretos, exista uma presunção segundo a qual a repercussão teve lugar e que cabe ao contribuinte provar negativamente o contrário. Sucede o mesmo quando o contribuinte tenha sido obrigado, pela legislação nacional aplicável, a incorporar o imposto no preço de custo do produto em causa. Com efeito, essa obrigação legal não permite presumir que a totalidade do imposto tenha sido repercutida, mesmo no caso de a violação de essa obrigação conduzir a uma sanção (Acórdão de 14 de janeiro de 1997, Comateb e o., C-192/95 a C-218/95, EU:C:1997:12, n.ºs 25 e 26)”
Não é condição de legitimidade para impugnar do sujeito passivo de ISP e de CSR que demonstre previamente não ter repercutido o imposto.
O que está em causa não é, no entanto, a legitimidade de qualquer operador económico sujeito passivo de ISP ou CSR que a Requerente não é, mas do repercutido, caso em que, no termos do nº nº 1 do art. 74º da LGT, é necessária a prova da repercussão.
Ora, este exercício de prova não foi realizado pela Requerente, que se limitou a estabelecer meros juízos presuntivos de que suportou a CSR em virtude de uma suposta – embora , como se referirá , inexistente – obrigação legal de repercussão do encargo daquele tributo dos fornecedores.
Acresce que mesmo que a Requerente tivesse demonstrado a liquidação e repercussão da CSR, sempre inexistiriam elementos nos autos que permitissem certificar que o encargo da CSR se consolidou na sua esfera jurídica, isto é, que foi a Requerente a entidade que em última instância foi onerada com o tributo em causa, por não ter incorporado o seu custo no preço do serviços prestados a terceiros , “maxime” por esses bens terem sido utilizados fora do âmbito da atividade económica que desenvolve enquanto sociedade comercial .
Por fim, regista-se que não se deram como provadas nem não provadas alegações feitas pelas partes, que, apesar de serem apresentadas como factos, consistem em afirmações estritamente conclusivas, insuscetíveis de prova e cuja veracidade se terá de aferir em relação à concreta matéria de facto acima consolidada.
6.2 Fundamentação de direito
6.2.1. .Questões prévias – saneamento
6.2.1.1. Incompetência do Tribunal Arbitral
Apesar de a jurisprudência do CAAD não ser uniforme sobre arbitrabilidade de atos de liquidação de contribuições, certo é que a vinculação do competência material dos Tribunais Arbitrais apenas abrange a apreciação da legalidade de atos de liquidação de impostos e não dos tributos sem essa natureza, como as taxas e demais contribuições financeiras a favor de entidades públicas. Obviamente, não interessa para tal a designação da espécie tributária em concreto, mas a sua substância: historicamente o legislador deu a designação de contribuições a espécies tributárias que a doutrina e jurisprudência maioritárias qualificam de impostos, como é o caso das contribuições da entidade patronal para a segurança social e da extinta contribuição autárquica, que sempre foram havidas como impostos, não obstante essa designação legal. Nessa medida, a criação das contribuições que, de acordo com os critérios constitucionais, devam ser havidas como impostos , estão sujeitas ao princípio da legalidade tributária.
Revela-se, assim, necessário, qualificar a CSR enquanto “contribuição” ou “imposto”, para daí extrair as necessárias consequências quanto à competência material deste Tribunal Arbitral.
Nas decisões arbitrais proferidas nos processos n.ºs 31/2023-T, 508/2023-T , 520/2023-T e 675/2023- T a CSR foi qualificada como uma contribuição.
Em sentido contrário, pronunciaram-se os Tribunais Arbitrais nas decisões proferidas nos processos n.ºs 564/2020-T, 629/2021-T, 304/2022-T, 305/2020-T, 644/2022-T, 665/2022‑T, 702/2022-T, 24/2023-T, 113/2023-T, 294/2023-T e 410/2023-T, que qualificaram a CSR como imposto e, consequentemente, consideraram-na arbitrável. Por todos, cita‑se nesta sede o acórdão proferido em 24/10/2023, no processo n.º 644/2022-T, que registou a este respeito o seguinte:
“Afigura-se a este tribunal que a CSR, não obstante um nomen iuris que pareceria integrá-la na categoria das “contribuições financeiras a favor de entidades públicas” (art. 165º, 1, i) da CRP), preenche todos os requisitos de conteúdo pecuniário, carácter coativo, unilateralidade, definitividade, ausência de cariz sancionatório, tendo como credor o Estado ou outros entes públicos, e a afetação à realização de fins públicos – que definem um imposto.
Essa qualificação não se modifica pela circunstância de surgirem algumas correspetividades como a da obtenção de receitas para financiamento da utilização de vias públicas – pois as contribuições que assentam no especial desgaste de bens públicos são impostos, como estabelece o art. 4º, 3 da LGT.
Falta à CSR o carácter de comutatividade, bilateralidade ou sinalagmaticidade grupal ou coletiva que é necessária à contribuição financeira. O seu regime não determina, para o sujeito ativo respetivo, qualquer dever de prestar específico, qualquer contraprestação exigível pelo contribuinte, o que significa que tem o carácter unilateral de um verdadeiro imposto (quando muito, alguma “paracomutatividade”, referente à compensação de prestações de que os sujeitos passivos são presumíveis causadores ou beneficiários – mas não a correspetividade bilateral estrita de uma taxa, sem uma contrapartida aproveitada ou provocada individualmente pelo sujeito passivo, como sucede numa taxa).
Basta percebermos que, enquanto a CSR é estabelecida a favor da Infraestruturas de Portugal (inicialmente, Estradas de Portugal), sendo esta a entidade titular da correspondente receita, os sujeitos passivos da contribuição são as empresas comercializadoras de combustíveis rodoviários, e, portanto, não são os destinatários da atividade da Infraestruturas de Portugal. Na sua conceção, a CSR incide sobre a gasolina e o gasóleo rodoviário sujeitos ao imposto sobre os produtos petrolíferos e energéticos e dele não isentos, e é devida pelos sujeitos passivos do ISP, sendo aplicável à sua liquidação, cobrança e pagamento o disposto no Código dos Impostos Especiais de Consumo.
Trata-se, assim, de um imposto de receita consignada (a consignação, desacompanhada de qualquer comutatividade, não subverte a sua natureza), e esta conclusão reforça-se com a posição veiculada pelo Tribunal de Contas na Conta Geral do Estado de 2008 (…)
Lembremos, por fim, que a CSR nasceu, com a Lei nº 55/2007, de 31 de Agosto, como um mero desdobramento do ISP, e, sobre este último, nem o nomen iuris permite dúvidas sobre a respetiva natureza.
Não há, nesse ponto, qualquer paralelo entre a CSR e a CESE (Contribuição Extraordinária Sobre o Sector Energético), relativamente à qual uma decisão arbitral (Proc. n.º 714/2020-T) entendeu procedente a exceção de incompetência ratione materiae. A CESE, criada pela Lei do Orçamento do Estado para 2014, é tida como uma contribuição extraordinária cuja receita é consignada ao Fundo para a Sustentabilidade Sistémica do Sector Energético (FSSSE), criado pelo Decreto-Lei n.º 55/2014, de 9 de Abril, tendo por base, portanto, uma contraprestação de natureza grupal, na medida em que constitui um preço público a pagar pelo conjunto de pessoas singulares ou coletivas que integram o sector energético nacional, o que configura uma bilateralidade genérica ou difusa – que pura e simplesmente não encontramos na CSR.”
Acompanha, assim, este Tribunal Arbitral a jurisprudência hoje largamente maioritária que qualifica a CSR como um imposto sobre o consumo de combustíveis e não como uma taxa ou contribuição financeira a favor da Infra-estruturas de Portugal. Tal qualificação resulta, não apenas do direito nacional, como do princípio do primado do direito comunitário, consagrado no nº 3 do art. 8º da Constituição da República Portuguesa (CRP) e do efeito direto da norma do nº 2 do artigo 1º da Diretiva nº 2007/118/CE, que pode ser invocado diretamente pelos particulares junto dos tribunais nacionais como seria o caso da pretensão que originou o Despacho no processo nº C/ 460/2021.Caso a CSR não fosse um imposto, não estaria incluída na proibição contida nesse norma de Direito Comunitário.
O facto de a CSR não ser uma contribuição não implica necessariamente que não seja um imposto.
Nos termos do nº 3 do art. 4º da LGT, as contribuições especiais que assentam na obtenção pelo sujeito passivo de benefícios ou aumentos de valor dos seus bens em resultado de obras públicas ou da criação ou ampliação de serviços públicos ou no especial desgaste de bens públicos ocasionados pelo exercício de uma atividade são consideradas impostos.
As contribuições especiais não são assim um “tertium genus” distinto das taxas e dos impostos, mas uma categoria de impostos . dentro da figura mais ampla de contribuições.
Essas contribuições especiais foram historicamente introduzidas em Portugal com as grandes obras públicas a partir da década de 40( encargo de mais- valia sobre o aumento de valor dos prédios rústicos em resultado da simples aprovação de planos de urbanização ou obras de urbanização, criado pelo art. 17º da Lei n º 2.030, de 22/7/48,
Figuram também entre as contribuições especiais, as chamadas contribuições de melhoria reabilitadas após o regresso das grandes obras públicas a partir de meados da década de 80 , como são as contribuições especiais constantes dos Decretos - leis nºs 51/95 e 54/95, de 22 /3 e 43/98, de 3/3 (a matéria tributável são os aumentos de valor dos prédios rústicos resultantes da possibilidade da sua utilização como terrenos para construção urbana e dos terrenos para construção ou áreas resultantes da demolição das construções já existentes, respectivamente gerados pela construção da nova ponte sobre o Tejo, a realização da EXPO 98 e a construção das novas infra-estruturas rodoviárias da CREL e CRIL na área de Lisboa e CREP e CRIP na área do Porto, recaindo os tributos sobre os titulares do direito de construir, em cujo nome tenha sido emitida a licença de construção ou a obra), e as chamadas contribuições para maiores despesas, em que figurarm a contribuição autárquica assente no princípio do benefício, agora designada de IMI, os impostos de circulação e camionagem, agora IUC, em o fundamento .é o especial desgaste das infra-estruturas rodoviárias causado pela circulação dos veículos afectos ao transporte público ou particular rodoviário de mercadorias , bem como parte dos impostos ambientais
Considera assim o Tribunal Arbitral que a referência a impostos contida na Portaria de Vinculação abrange todas as prestações tributárias com essa natureza, ainda que designadas de contribuições em lei infra-constitucional como é o caso da CRS.
A competência dos tribunais arbitrais, por outro lado, como resulta do nº1 do art. º 2º do RJAT, apenas abrange a declaração de ilegalidade de atos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta; bem como a declaração de ilegalidade de atos de fixação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de atos de determinação da matéria coletável e de atos de fixação de valores patrimoniais, com exclusão, assim, dos atos de repercussão.
O ato impugnado não é, no entanto, qualquer ato de repercussão, mas um conjunto de liquidações de CSR, pretendendo a Requerente ter legitimidade para as impugnar no âmbito da jurisdição arbitral.
Improcede, assim, a exceção da incompetência do Tribunal Arbitral.
Considera igualmente o Tribunal Arbitral que a referência a impostos contida na Portaria de Vinculação abrange todas as prestações tributárias com essa natureza, ainda que designadas de contribuições em lei infra-constitucional.
Considera igualmente o Tribunal Arbitral que a referência a impostos contida na Portaria de Vinculação abrange todas as prestações tributárias com essa natureza, ainda que designadas de contribuições em lei infra-constitucional.
6.2.1.2 Violação do princípio da separação de poderes
,Ao conhecer do pedido de pronúncia arbitral , o Tribunal Arbitral não se intromete na função legislativa, mantendo-se no exercício de funções jurisdicionais.
Exerce antes o poder de fiscalização difusa da legalidade das normas de direito nacional incompatíveis com o efeito direto das normas de direito comunitário, que abrange igualmente a violação das normas dos tratados internacionais ou de valor reforçado, pelo que improcede a exceção de que a apreciação do pedido envolva violação do princípio da separação de poderes.
6.2.1.3 Ineptidão da PI.
Nos termos do nº 1 do art. 10º do RJAT, que, em parte, corresponde ao nº 1 do art. 108º do CPPT, o pedido de constituição de tribunal arbitral é feito mediante requerimento enviado por via eletrónica ao presidente do Centro de Arbitragem Administrativa do qual devem constar:
a) A identificação do sujeito passivo, incluindo o número de identificação fiscal, e do serviço periférico local do seu domicílio ou sede ou, no caso de coligação de sujeitos passivos, do serviço periférico local do domicílio ou sede do sujeito identificado em primeiro lugar no pedido;
b) A identificação do ato ou atos tributários objeto do pedido de pronúncia arbitral;
c) A identificação do pedido de pronúncia arbitral, constituindo fundamentos deste pedido os previstos no artigo 99.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário e, bem assim, a exposição das questões de facto e de direito objeto do referido pedido de pronúncia arbitral;
d) Os elementos de prova dos factos indicados e a indicação dos meios de prova a produzir;
e) A indicação do valor da utilidade económica do pedido
Essa norma constituí a Requerente no ónus de identificar os atos de liquidação impugnados.
Objeto do processo arbitral é, assim, a invalidação de ato ou atos que ao autor da ação cabe identificar documentalmente na PI, sem prejuízo de esta poder ser completada pelo autor da ação, salvo quando o erro for insuprível, o que acontece em caso de inexistência de objeto da ação.
O nº 4 do artigo 268. da CRP garante aos administrados tutela jurisdicional efetiva dos seus direitos ou interesses legalmente protegidos, incluindo, nomeadamente, o reconhecimento desses direitos ou interesses, a impugnação de quaisquer atos administrativos que os lesem, independentemente da sua forma, a determinação da prática de atos administrativos legalmente devidos e a adoção de medidas cautelares adequados.
Essa tutela jurisdicional efetiva é garantida pela consagração de meios de plena jurisdição como a ação para o reconhecimento de um direito ou intimação para um comportamento(arts. 145º e 147º do CPPT, que não têm necessariamente natureza subsidiária da impugnação judicial , bastando tais meios serem adequados à tutela de um direito ou interesse legalmente protegido( acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 24 de Fevereiro de 2022, proc. 27/20.9BEA LM).
A garantia constitucional da tutela jurisdicional plena e efetiva impõe certamente a consagração dos meios de plena jurisdição adequados à tutela do direito ou interesse legalmente protegido , mas não tem de ser assegurada por cada um dos meios processuais legalmente admitidos , desde que estes sejam completados por meios de plena jurisdição adequados, como é o caso, em princípio . do direito nacional.
Assim , no domínio dos meios processuais impugnatórios, como a impugnação judicial e o pedido de pronúncia arbitral . o contencioso tributário continua a ser de mera legalidade, de tipo, natureza ou matriz “objetivista”, que tem no ato tributário, maxime de liquidação, o seu elemento central (neste sentido vide Joaquim Freitas da Rocha, Lições de Procedimento e Processo Tributário, 5.ª ed., Coimbra Editora, 2014, pp. 292-293).
A impugnação judicial e o pedido de pronúncia arbitral não visam, na verdade. uma regulação integral da relação jurídico-tributária em que se fundamenta a ação, o que aconteceria se fossem meios de plena jurisdição, mas apenas a reparação integral da situação tributária afetada pelo ato lesivo.
Consequentemente, aqueles meios processuais dependem necessariamente da imputação de vícios a um determinado ato tributário previamente praticado e devidamente identificado que consiste no objeto do processo, cuja anulação se pretende.
Compreende-se que, em concretização do princípio do dispositivo, a lei faça recair o ónus de identificação dos atos de liquidação sobre quem exerce o impulso processual de os impugnar. Se assim não fosse, isto é, se quem tomasse a iniciativa de contestar a legalidade de um ato de liquidação não tivesse o dever de o identificar e caracterizar, bem como de invocar os elementos essenciais que conformam o pedido e a causa de pedir, poderia verificar-se o prosseguimento de uma ação com um objeto processual inexistente ou, pelo menos, não devidamente delimitado.
Ora , a Requerente não identifica quais os específicos e concretos atos em causa nem junta aos autos qualquer prova, rectius documental, onde tal identificação seja feita, limitando-se a apresentar um mapa dos importâncias que alega ter suportado por meio da repercussão, sem estabelecer e demonstrar qualquer relação entre esses pagamentos e concretos atos de liquidação.
Tal ónus não se considera cumprido através de uma remissão geral, sem qualquer alusão a concretos elementos de suporte, para a contabilidade da Requerente..
.
Dos elementos probatórios produzidos pela Requerente apenas constam faturas que titulam aquisições de gasolina e gasóleo rodoviário, que não discriminam o ISP e a CSR suportados.
Na falta de justificação da repercussão efetuada pela B... SA através da identificação dos atos tributários repercutidos, em especial com o nº e data das liquidações impugnadas, caberia às Requerentes sempre, segundo a doutrina do proc C-94/10 propor ação repetição do indevido contra a fornecedora, nos termos do artigos 473º e seguintes do CC , com fundamento no enriquecimento sem causa desta, salvo se essa ação fosse impossível ou desproporcionadamente onerosa, que as Requerentes não alegaram nem demonstraram. Tal ação, no entanto, situa-se fora do âmbito da jurisdição arbitral.
A situação em causa distingue-se de um mero erro material ou da falta de nº de identificação fiscal do impugnante, caso em que a deficiência da PI seria suprível, mas da ausência de elementos essenciais á propositura de qualquer ação.
Tal acontece porque não foram cumpridos o nº 1 do art.11º da Lei nº 5/2019, de 11/11, que obriga à discriminação nas faturas dos impostos devidos e alínea a) do nº 2 do art. 9º do Regulamento Relativo ao Regime de Cumprimento do Dever de Informação do Comercializador de Combustíveis Derivados do Petróleo e de GPL ao Consumidor, da Entidade Reguladora do Sector Elétrico , publicado no Diário da República, II Série, de 20/2/2020.
Segundo o nº1 desse art. 9º desse Regulamento:.
“:1 - Os comercializadores devem informar os seus clientes da desagregação dos valores faturados, evidenciando, nomeadamente:
a) A discriminação do combustível, para as gasolinas, gasóleos e GPL Auto, de acordo com a nomenclatura legal aplicável, designadamente a NP EN 16942:2017 - Combustíveis. Identificação de compatibilidade de veículos. Representação gráfica para informação ao consumidor;
b) O preço unitário expresso em EUR/litro no caso das gasolinas, dos gasóleos e do GPL Auto, e em EUR/garrafa no caso do GPL engarrafado;
c) A quantidade fornecida, expressa em litros no caso das gasolinas, dos gasóleos e do GPL Auto e em número de garrafas no caso do GPL engarrafado;
d) As taxas e os impostos devidos, expressos em EUR/litro no caso das gasolinas, dos gasóleos e do GPL Auto, e em EUR/garrafa no caso do GPL engarrafado;
e) O valor de descontos aplicáveis;
f) A quantidade e o sobrecusto da incorporação de biocombustíveis, expressos em percentagem e em EUR/litro, respetivamente.
Completa o nº 2 dizendo que, ara efeitos da alínea d) do número anterior, devem ser identificados, relativamente ao total da fatura:
“a) O Imposto sobre os Produtos Petrolíferos (ISP), que inclui, designadamente, o adicional ao ISP, o adicionamento sobre as emissões de CO2 (Taxa de Carbono) e a contribuição de serviço rodoviário (CSR);
b) O Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA);
c) Outros que se venham a aplicar”.
Cabia à Requerente exigire obter junto da fornecedora a incorporação nas faturas dos elementos`relativos à CSR, de que depende a identificação das liquidações controvertidas.
6.2.1.3 Legitimidade das partes
Ainda que se admitisse que as Requerentes suportaram economicamente o encargo da CSR, seriam sempre parte ilegítima para deduzir impugnação ou pedido de pronúncia arbitral pelos motivos que se passam a expor .
Parte da jurisprudência arbitral tem-se pronunciado em termos irrestritos no sentido da legitimidade do repercutido para impugnar as liquidações efetuadas ao repercutente (Decisões Arbitrais nºs 294/2023-T, 299 /2023- T, 332 /2023- T, 374 /2023- T, 379 /2023- T, 409 /2023- T, 410 /2023- T, 467/2023- T,490/2023-T, 496/2023-T , 534/2023-T e 676/023-T )
Outra parte tem-se pronunciado desfavoravelmente a essa legitimidade, abstendo-se , por isso, de decidir sobre o mérito, salvo quando a repercussão for legal e não meramente económica ou de facto( Decisões Arbitrais nº s 24/2023-T, 75/2023- T, 113/2023-T, 523/2023- T, 375/2023- T, 477/2023- T 644/2023-T e 702/2023-T).
De acordo com o art. 15 º do CIEC, uma norma específica de legitimidade procedimental para requerer o reembolso da CSR, já citada:
“1 - Constituem fundamento para o reembolso do imposto pago, desde que devidamente comprovados, o erro na liquidação, a expedição ou exportação dos produtos sujeitos a imposto, bem como a retirada dos mesmos do mercado, nos termos e nas condições previstas no presente Código.
2 - Podem solicitar o reembolso os sujeitos passivos referidos no n.º 1 e na alínea a) do n.º 2 do artigo 4.º que tenham procedido à introdução no consumo dos produtos em território nacional e provem o pagamento do respetivo imposto.
3 - O pedido de reembolso deve ser apresentado na estância aduaneira competente no prazo de três anos a contar da data da liquidação do imposto, sem prejuízo do disposto na alínea a) do artigo 17.º e na alínea a) do artigo 18.º
4 - O reembolso só pode ser efetuado desde que o montante a reembolsar seja igual ou superior a (euro) 25”.
Essa norma reserva, assim, a legitimidade para requerer o reembolso do ISP e, inerentemente, da CRS aos sujeitos passivos do imposto enunciados no art. 4º do CIEC , ou seja, os operadores que introduzam no consumo os bens sujeitos a IEC e, em virtude da remissão do nº 1 do art. 5º da Lei nº 55/2007, a CSR com exclusão dos repercutidos.
No entanto, a alínea a) do nº 4 do art. 18º da LGT. após declarar não ser sujeito passivo quem suporta o imposto por repercussão legal, admite que aquele goza do direito de reclamação, impugnação ou recurso de acordo com as leis tributárias.
Tal princípio tem fundamento no nº 1 do art. 20º da CRP , que garante aos cidadãos o acesso a uma justiça fiscal plena, eficaz e efetiva e encerra , entre outras consequências, o direito de reclamação, impugnação ou recurso não apenas dos atos formalmente administrativos, mas de todos os atos lesivos, independentemente da forma.
De acordo com essa norma , apenas na repercussão legal e não na repercussão voluntária cuja fonte não é a lei, mas a vontade das partes, tal direito vem legalmente garantido ao repercutido: o fato de este não ter acesso â jurisdição arbitral por os repercutidos não integrarem o universo definido no art. 15º do CIEC, não prejudica nesse caso o acesso aos tribunais estaduais, comuns ou arbitrais para impugnarem a liquidação.
Assim, tal possibilidade apenas pode ser exercida desde que cumulativamente .
a ) O repercutido tenha suportado efetivamente o imposto, o que é ao impugnante que cabe provar.
b) Quando a repercussão seja legal, no sentido de obrigatória ou resultar de um direito potestativo do repercutente da incorporação do imposto suportado no preço do bem.
No direito interno, tal dever de repercussão legal é, na primeira modalidade , imposto no nº 1 do art. 37º do Código do IVA, ainda que com as exceções previstas no nº 3 dessa norma legal, e, na segunda modalidade, no art. 3º do Código do imposto de Selo. Tais normas não tinham, nem têm, qualquer paralelo no CIEC. Esse direito potestativo de repercussão não foi, por outro lado, exercido.
A quando dos factos objeto do presente pedido de pronúncia arbitral, o CIEC não impunha expressa ou implicitamente qualquer dever ou direito potestativo de repercussão aos operadores referidos no art. 4º., pelo que essa repercussão, quando existisse, era meramente voluntária, não tendo qualquer fundamento na lei então vigente.
A repercussão não resultou de qualquer imposição legal, mas de, em geral, os fornecedores terem de refletir os custos suportados na sua atividade comercial que, por serem sociedades comerciais, visarem a obtenção do lucro, motivo pelo qual se deve considerar meramente económica(nesse sentido, a propósito de um caso paralelo, a Decisão Arbitral nº 375/2023- T). A sua causa é negocial ou voluntária e não legal
No sentido de que a repercussão nos impostos especiais de consumo é um fenómeno exterior à relação tributária, mas uma mera condição de legitimação política ,em virtude de a função última desses impostos ser fazer pagar o consumidor pelo custo social das suas escolhas, motivo pelo qual não pode ser considerada legal, Sérgio Vasques e Tânia Carvalhais Pereira, Coimbra, 2016 “Os impostos especiais de consumo”, pgs. 104 e sgs..
Também, sendo a repercussão voluntária, tal como o repercutido carece de legitimidade processual ativa, a AT também carece de legitimidade processual passiva.
Esse enquadramento não foi alterado pela nova redação do art. 2º do CIEC do art. 3º da Lei nº 24-E/2022, de 30 /12.
De acordo com a redação anterior, os impostos especiais de consumo obedeciam ao princípio da equivalência, procurando onerar os contribuintes na medida dos custos que estes provocam , sem qualquer menção explícita á possibilidade de repercussão
A nova redação passaria a dispor os impostos especiais de consumo obedecerem ao princípio da equivalência, procurando onerar os contribuintes na medida dos custos que estes provocam, designadamente nos domínios do ambiente e da saúde pública, sendo repercutidos nos mesmos, em concretização de uma regra geral de igualdade tributária.
O legislador limitou-se, assim , a dispor que a oneração dos contribuintes pelos custos que provocam se efetua através do mecanismo de repercussão, com respeito pelo princípio da igualdade tributária sem dizer se esta é legal ou voluntária, como pretendeu o Acórdão do TJUE no proc. C.-460/21.
Tal norma não tem , no entanto, aplicação à CRS, incorporada no ISP pela Lei nº 22-E/2022.
O art. 6º dessa Lei conferiria a esse art. 3º caráter interpretativo, presumindo-se, assim, que se limita a clarificar a anterior redação da norma.
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O 6º da Lei nº 24-E/2022, na interpretação de que transformou retrospetivamente a CRC em imposto de repercussão legal, é, assim , uma norma falsamente interpretativa mas antes inovatória (sobre o caráter falsamente interpretativo de norma de tipo idêntico, o artigo 154º da Lei nº 7-A/2016, de 30/3, que visa essencialmente contornar a proibição constitucional da retroatividade dos impostos, consagrado no nº 3 do art. 104º da CRP, Acórdão do Tribunal Constitucional nº 196/2021 e muitos outros subsequentes em sentido idêntico).
Nenhuma corrente jurisprudencial ou doutrinária sustentava, antes da entrada em vigor da Lei nº 24_A/2022 o carácter legal dessa repercussão-
Na interpretação e aplicação do artigo 2º do CIEC sempre foi entendido, antes da Lei nº 22-E/2022, não era um imposto de repercussão legal, como , aliás, consideraria concludentemente o Despacho do proc, C-460/2021. Se a repercussão fosse legal, a CSR não seria , aliás, incompatível com o Direito Comunitário, pelo que não pode deixar de ser concluir por uma discrepância entre o pedido da Requerente e os seus fundamentos.
Dito isto, fica prejudicada, por inutilidade, a apreciação da exceção da caducidade do direito de ação.
Em face de tudo o exposto, e sem necessidade de maiores considerações, julga este Tribunal Arbitral
a ) julgar procedente a exceção da ineptidão da petição inicial por falta de objeto, o que constitui uma nulidade insanável e determina a absolvição da Requerida da instância arbitral por procedência de exceção dilatória, nos termos conjugados do art. 98.º, n.º 1, alínea a), do CPPT, do art. 89.º, n.º 4, alínea b) do CPTA e dos arts 186.º, n.º 1, 278.º, n.º 1, alínea b), 576.º, n.º 2 e 577.º, alínea b), do CPC.
b )Considerar igualmente verificada a exceção dilatória de ilegitimidade da Requerente, o que determinaria sempre a absolvição da Requerida da instância nos termos do disposto nos arts. 9.º do CPPT, 65.º da LGT, 55.º, n.º 1, alínea a) e 89.º, n.ºs 2 e 4, alínea e) do CPTA, ex vi art. 29.º, n.º 1 do RJAT.
V. DECISÃO
Termos em que se decide julgar:
Julgar procedentes a excepção dilatória de ineptidão da petição inicial e de ilegitimidade quanto ao pedido de declaração de ilegalidade dos atos de liquidação , de CSR e, em consequência, absolver a Requerida da instância;
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Condenar a Requerente no pagamento das custas do processo.
VI. VALOR DO PROCESSO
Atendendo ao disposto no art. 97.º-A do CPPT, aplicável ex vi do art. 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT, e do art. 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € € 650.229,95
VII. CUSTAS
Nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, as custas são no valor de 9.792.00 € , a suportar pela Requerente, conforme ao disposto nos arts 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e art. 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.
Notifique-se.
05/06/2024
O Presidente do Tribunal Arbitral
Victor Calvete (com a declaração de que, a meu ver, a ineptidão da Petição Inicial se deveria a contradição entre o pedido e a causa de pedir, mas que a falta de legitimidade da Requerente dispensa essa averiguação).
Os árbitros adjuntos
António Lima Guerreiro (relator)
Rui Miguel Zeferino Ferreira
(acompanho a declaração de voto do presidente deste Tribunal Coletivo)