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DECISÃO ARBITRAL
SUmÁRIO:
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A emissão de factura por contribuinte cessado (oficiosamente ou não) consubstancia uma clara situação de facturação emitida em desrespeito pelos requisitos formais impostos pelo CIVA.
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Garantido que esteja que está na disponibilidade da AT controlar os requisitos de ordem material para o exercício do direito à dedução e desde que verificados esses requisitos materiais, não pode aquela eleger como consequência decorrente da falta de cumprimento de algum ou de alguns dos requisitos formais previstos no n.º 5 do art.º 36º do CIVA, a desconsideração liminar do direito à dedução do IVA inscrito nos respectivos documentos de facturação.
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Não há, nosso ordenamento jurídico-tributário, qualquer norma que imponha ao adquirente de uma operação sujeita a IVA, a obrigação de verificar se o NIF do fornecedor é válido ou até se comporta alguma irregularidade.
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A desconsideração do IVA, nesse cenário, sempre estaria na dependência da disponibilização aos contribuintes de informação relativa à situação cadastral da fornecedora entretanto cessada oficiosamente, sendo que esse sempre constituiria um ónus probatório que teria de incumbir à Administração Tributária.
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Tal ónus probatório não foi, in casu, cumprido pela AT com a disponibilização da informação divulgada no site do portal das finanças, na funcionalidade que se destina à confirmação por parte dos operadores económicos da veracidade do NIF dos clientes/fornecedores e relativa à situação cadastral dos sujeitos passivos.
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Não há indicador seguro de que a Administração Tributária tivesse facultado, no período compreendido entre 23.12.2019 e 26.10.2020, informação sobre a situação cadastral da fornecedora entretanto cessada oficiosamente, em termos de a Requerente poder ter evitado, actuando diligentemente, manter a sua relação comercial com a mesma.
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A corresponsabilização dos adquirentes de bens ou serviços, no âmbito da sua actividade empresarial, com o afastamento da dedutibilidade do IVA em caso de incumprimento, só poderia advir de norma que expressamente o previsse e que impusesse a conferência prévia através do portal das finanças da situação fiscal dos co-contratantes. Não há, em sede de IVA, um dever procedimental imposto à AT de facultar ao público os dados sobre sujeitos passivos com número de identificação fiscal inexistente ou inválido ou cuja actividade tenha sido declarada oficiosamente cessada.
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Estando em causa operações cuja efectividade/materialidade não foi posta em causa pela Requerida, a AT, querendo colocar em causa a dedutibilidade do IVA, tinha de ter reunido indícios sérios e seguros de que a Requerente, enquanto utilizadora das facturas colocadas em crise, participou num esquema de fraude ou que sabia ou devia saber que a emitente das facturas não era o verdadeiro fornecedor da mercadoria em apreço.
I. Relatório:
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A..., Lda., (doravante a “Requerente”), pessoa coletiva n.º..., com sede no...–..., ...-.... Albufeira, apresentou, em 21.11.2023, pelas 13:03 horas, um pedido de pronúncia arbitral, invocando o regime previsto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), o n.º 2 do art.º 5.º e o art.º 10.º, n.º 1, alínea a) e n.º 2 todos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, de ora em diante apenas designado por RJAT) e considerando a vinculação da Autoridade Tributária e Aduaneira à sua jurisdição por força do disposto na Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março e em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira.
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No pedido de pronúncia arbitral, a Requerente optou por não designar árbitro.
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Nos termos do n.º 1 do artigo 6.º do RJAT, o Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem designou o árbitro que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável.
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Em 16.1.2024, foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação do árbitro, por aplicação conjugada da alínea a) e b) do n.º 1 do art.º 11º do RJAT e dos art.º 6º e 7º do Código Deontológico.
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Em conformidade com o estatuído na alínea c) do n.º 1 do art.º 11º do RJAT, na redacção que lhe foi introduzida pelo art.º 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Tribunal Arbitral Singular foi constituído em 5.2.2024 para apreciar e decidir o objecto do processo.
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Em 19.3.2024, a Requerida apresentou Resposta, defendendo-se por impugnação, refutando os vícios imputados pela Requerente às liquidações de IVA e JC, de 2019 e 2020 que a seguir se discriminam e ainda às correspondentes demonstrações de acerto de contas que totalizavam 19.236,94 €:
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Em 19.3.2024, a Requerida apresentou igualmente o Processo Administrativo a que se refere o no n.º 2 do art.º 17º do Decreto-Lei n.º 10/2021, de 20 de Janeiro (doravante PA).
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Em 21.05.2024, foi proferido e inserido no Sistema de Gestão Processual do CAAD (doravante SGP) o seguinte despacho: “[C]onsiderando que: - Face aos articulados apresentados pelas partes afigura-se que as questões a apreciar e decidir se reconduzirão, fundamentalmente, a questões de direito, sendo que ambas as partes, nos respectivos articulados, deixaram bem expressas as suas posições; - Não foi apresentada prova testemunhal, nem requerida a produção de qualquer prova adicional; e, - Não foram suscitadas pela Requerida excepções, pelo que, não há excepções que seja necessário apreciar e decidir antes de se conhecer do pedido; DECIDE-SE, ao abrigo dos princípios da autonomia do tribunal arbitral na condução do processo, da celeridade, da simplificação e informalidade processuais (artigos 16º, alíneas c) e e), 19º,nº 1 e 29º, nº 2 do RJAT), e do princípio da proibição de actos inúteis (art.º 130º do Código de Processo Civil, ex vi da alínea e) do nº 1 do artigo 29º do RJAT): i) dispensar a realização da reunião a que alude o artigo 18º do RJAT; ii) dispensar a produção de alegações finais. A decisão final será proferida e notificada às partes até ao termo do prazo fixado no artigo 21º, nº 1 do RJAT, devendo a Requerente, até dez dias antes do termo de tal prazo, proceder ao depósito da taxa arbitral subsequente. NOTIFIQUE-SE. Lisboa, 21 de Maio de 2024. O Árbitro, Ass.”
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As partes mantiveram-se silentes relativamente ao despacho de 21.5.2024.
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A pretensão objecto do pedido de pronúncia arbitral consiste: i) na declaração de ilegalidade dos actos de liquidação de IVA e JC reportados ao período de tributação de 2019.12M e aos vários períodos de tributação de 2020.01M a 2020.10M, acima melhor identificados, por alegadamente estarem enfermados do vício de violação de lei por erro nos pressupostos de facto e de direito, invocando-se a alínea a) do art.º 99º do CPPT, aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do art.º 20 do RJAT; ii) No pagamento à Requerente de juros indemnizatórios correspondentes, por estarem preenchidos os pressupostos do art.º 43.º da LGT.
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Fundamentando o seu pedido, a Requerente alegou, em síntese, o seguinte:
I.A) Alegações da Requerente:
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No Pedido de Pronúncia Arbitral (doravante PPA), começa a Requerente por aduzir no sentido de que “[O] exercício do direito à dedução do IVA por parte dos sujeitos passivos de IVA está condicionado ao cumprimento de requisitos formais e materiais.” Referindo de seguida que “[O]s primeiros respeitam ao conjunto de formalidades a que deve obedecer a emissão das faturas e os segundos à efetividade das operações e respetiva conexão com atividades exercidas pelos sujeitos passivos que confiram tal direito.”
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Não deixando de explicitar o quadro normativo nacional e comunitário que conforma a questão sub judicio, nomeadamente, trazendo à colação: i) a alínea a) do n.º 5 do art.º 36.º do CIVA e, no mesmo sentido o art.º 226º da Directiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de Novembro de 2006 (doravante Directiva IVA); ii) a alínea a) do n.º 2 do art.º 19.º e o seu n.º 6, do CIVA e a sua matriz comunitária na alínea a) do art.º 178.º da Directiva IVA; e, finalmente, iii) no que estritamente tange aos requisitos materiais, o n.º 1 do art.º 20º do CIVA e o correspondente art.º 168.º da Directiva IVA.
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Prossegue a Requerente dando nota de que “[N]o caso em apreço, a AT negou o direito à dedução do IVA suportado nas faturas emitidas pelo fornecedor B... invocando, para o efeito e como único fundamento, que uma fatura emitida com o NIF de um fornecedor com atividade cessada, não é uma fatura legal, na medida em que incumpre o disposto no com o artigo 36.º n.º 5 alínea a) do CIVA, pelo que deve ser negado ao adquirente dos bens, a Requerente, o direito à dedução do IVA suportado com aquela aquisição.”
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E em jeito de afirmação de princípio, passa a referir que o entendimento da AT (que, in casu, foi no sentido do afastamento da dedutibilidade do IVA suportado nas operações contratadas com B...) “(...) é contrário ao Direito da União Europeia e ao Direito Nacional, bem como ao da jurisprudência bem assente do TJUE e dos tribunais nacionais, em particular do Supremo Tribunal Administrativo (“STA”), em relação a esta matéria.”
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Sintetizando aquilo que para a Requerente vem sendo o entendimento a extrair da uniforme e reiterada jurisprudência (nacional e comunitária) sobre a matéria, refere: “Em termos gerais, a jurisprudência do TJUE e dos tribunais nacionais tem entendido que o direito à dedução de IVA é um princípio fundamental do sistema comum do IVA e corolário do princípio da neutralidade fiscal, não podendo, deste modo, ser recusado a um sujeito passivo o direito de deduzir o IVA, devido ou pago, em relação a bens que lhe foram entregues, apenas pelo facto de a fatura ter sido emitida por um fornecedor inexistente ou em situação irregular, exceto se se conseguir demonstrar de forma inequívoca que o sujeito passivo/ adquirente sabia ou tinha a obrigação de saber que a entrega dos bens estava envolvida numa situação de fraude ou evasão ao imposto.”
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E fá-lo com respaldo no acórdão Barlis, de 15.09.2016, processo C–516/14; no acórdão TGE Gas Engineering Gmbh- Sucursal em Portugal, de 07.08.2018, processo C–16/17; no acórdão Mahagében e Dávid, de 21.06.2012, processos C-80/11 e C-142/11; e ainda no acórdão PPUH Steheemp, de 22.10.2015, processo C-277/14, invocando ainda a similitude do enquadramento factual da presente lide com a que estava em causa no dissídio que levou à decisão do TJUE tirada no processo C-277/14, inferindo da mesma o seguinte: “(...) o adquirente dos bens deve beneficiar do direito à dedução do imposto mesmo que o fornecedor desses bens não esteja registado para efeitos de IVA (e desde que a fatura reúna todas as informações exigidas por lei e estejam reunidos os requisitos materiais para o direito à dedução).”
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Volvendo para o caso sub judicio, aduz a Requerente como segue: “(...) as faturas emitidas pelo fornecedor B... reuniam toda a informação exigida pelo artigo 36 nº 5 do CIVA, estando igualmente verificados os requisitos materiais para o exercício do direito à dedução do imposto: os bens adquiridos destinavam-se a serem vendidos com IVA pela Requerente a terceiros, no âmbito do exercício da sua atividade tributável. Assim, em conformidade com o entendimento do TJUE, a atuação da AT, em negar à Requerente o direito à dedução do imposto suportado na aquisição de bens ao fornecedor B..., com o único fundamento de que este não tinha atividade aberta, é ilegal por violação do disposto no artigo 168.º da Diretiva IVA e artigo 20.º n.º 1 do CIVA.”
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Não deixando de invocar também jurisprudência nacional ao abrigo da qual também funda a sua hermenêutica, nomeadamente a seguinte, aduzindo ainda no sentido de que a interpretação do TJUE, estritamente sobre esta questão, tem tido pleno acolhimento na jurisprudência nacional: i) acórdão do STA de 14.12.2011, Relator LINO RIBEIRO, processo n.º 076/11; ii) o acórdão do STA de 22.01.2020, Relator NUNO BASTOS, processo n.º 0595/04.0BEVIS; iii) e, finalmente, o acórdão do STA de 16.12.2020, Relator PAULO ANTUNES, processo n.º 01432/10.1.
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A Requerente invoca ainda jurisprudência arbitral sobre a temática aqui em discussão, nomeadamente, os acórdãos do CAAD proferidos nos processos n.ºs 96/2018-T, 844/2019-T e 272/2022-T, os quais, aduz: “(...) aderindo à interpretação do TJUE, têm entendido que o direito à dedução não pode ser negado pelo simples facto de uma fatura não satisfazer os requisitos formais exigidos pela Diretiva IVA ou, não obstante satisfazê-los, conter alguma irregularidade, desde que a fatura permita assegurar a exata cobrança do imposto nela liquidado e permita também a respetiva fiscalização pelas autoridades competentes.”
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Procedendo a uma análise mais detalhada sobre a situação concreta em dissídio, aduz a Requerente no sentido de que no âmbito do exercício da sua atividade societária, desde 2017, adquiria bens (pneus) à fornecedora B... .
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Diz mais: que as vendas destes bens eram realizadas por um comercial/funcionário daquela fornecedora que se deslocava às instalações da Requerente. E ainda que “[A] efetiva venda dos bens (pneus) por parte do fornecedor B... à Requerente em momento algum foi questionada pela AT.”
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Refere ainda a Requerente que nos Relatórios de Inspeção Tributária, respeitantes aos exercícios de 2019 e de 2020, não se manifestaram, ou foram sequer alegados, quaisquer indícios de fraude ou de abuso por parte da Requerente ou do seu fornecedor, intuindo daqui que “(...) é portanto, no âmbito de uma normal relação comercial entre B... e a Requerente, existente desde 2017, que decorreu a emissão das faturas em apreço, cujo IVA foi considerado não dedutível pela AT.”
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Repristinando de seguida a ideia de que “(...) a dedução do IVA suportado com a aquisição dos bens foi desconsiderada pela AT, com fundamento de que as referidas faturas não cumpriam com os requisitos formais estabelecidos na lei, nomeadamente em relação à indicação do NIF do fornecedor, cuja atividade havia sido encerrada oficiosamente pela AT.”
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E afrontando tal decisão da AT, refere a Requerente que “(...) o NIF do fornecedor B... estava corretamente indicado nas faturas. O que aconteceu é que a partir de um determinado momento o NIF deixou de estar associado a uma atividade do fornecedor, por esta ter sido encerrada oficiosamente pela AT, sem que a Requerente tivesse conhecimento de tal facto.”
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Não deixando de aduzir como segue: “[A]s faturas emitidas pelo fornecedor B... continham todos os requisitos legais de forma, incluindo toda a informação mencionada no artigo 36.º n.º 5 do CIVA, facto este não questionado pela AT. Com efeito, de uma análise às faturas, é claramente percetível a identificação (incluindo o NIF) do fornecedor e da Requerente, a descrição dos bens vendidos e o respetivo valor, encontrando-se assim acautelado a liquidação e pagamento do imposto.”
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Retirando a Requerente a seguinte asserção: “(...) mesmo que a atividade encerrada do fornecedor pudesse vir a constituir uma irregularidade, não é de mais relembrar a este respeito que, conforme salienta o TJUE e o STA, não pode ser recusado o direito à dedução “com o fundamento de que o sujeito passivo não se certificou de que o emitente da fatura correspondente aos bens em relação aos quais o direito a dedução é pedido tinha a qualidade de sujeito passivo” ou pelo facto do “emitente da fatura já não dispor de um alvará de empresário em nome individual, e, portanto, já não ter direito a utilizar o seu número de identificação fiscal, quando a fatura inclua todas as informações enumeradas no artigo 22.°, n.° 3, alínea b)” ou pelo facto de “não se ter actualizado o número fiscal nos livros de facturas e de esse número não ser válido perante o registo administrativo, não é suficiente, por si só, para se deixar de considerar o emitente de tais documentos como sujeito passivo para efeitos da dedução do imposto neles facturado (...)”, voltando a trazer à colação o acórdão Mahagében e Dávid, de 21.06.2012, processos C-80/11 e C-142/11; o acórdão PPUH Steheemp, de 22.10.2015, processo C-277/14 e, também, o acórdão do STA de 14.12.2011, Relator LINO RIBEIRO, processo n.º 076/11. Reforçando-a como segue: “(...) em linha com a bem assente jurisprudência do TJUE e dos tribunais nacionais e com a doutrina, mesmo que se entenda que o encerramento da atividade do fornecedor possa acarretar uma irregularidade no conteúdo das faturas por si emitidas, tal situação não impede o controlo dos requisitos materiais para o exercício do direito à dedução.”
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Ficando assim justificada a apreciação sobre a verificação (ou não), in casu, dos requisitos materiais tendente à legitimação do direito à dedução em sede de IVA.
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A tal propósito começa a Requerente por dizer que o direito à dedução depende materialmente: “(i) Da efetiva realização das operações; e (ii) Da conexão – direta e imediata – dos bens e serviços adquiridos (onerados com IVA) com a intenção (confirmada por elementos objetivos) de realização de operações de transmissões de bens e prestações de serviços que confiram tal direito (artigo 20.º, n.º 1 do CIVA), independentemente de estas se realizarem e de serem ou não lucrativas.”
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E volvendo para o caso concreto, diz a Requerente: que aqui: i) “(...) ocorreu uma efetiva aquisição de pneus ao fornecedor B..., facto este não questionado pela AT (...)” ; que ii) “(...) a atividade da Requerente é inteiramente tributável e confere o direito à dedução.”; que iii) era necessário “(...) determinar se a aquisição desses pneus se relaciona com a atividade da Requerente, sendo que “A maior parte da atividade da Requerente consiste na venda e instalação de pneus em veículos automóveis (...), pelo que, para o exercício da sua atividade comercial, a Requerente necessita de adquirir pneus junto dos seus fornecedores.” que iv) “As aquisições de pneus – que já vinham acontecendo desde 2017 - ao fornecedor B... realizaram-se, portanto, no âmbito do exercício da atividade comercial da Requerente; que v) “(...) os pneus adquiridos ao fornecedor B... foram posteriormente vendidos pela Requerente, no âmbito do exercício da sua atividade, tendo as respetivas vendas sido sujeitas a IVA e o valor do imposto entregue junto dos cofres do Estado.”; que vi) intuindo-se do texto do PPA que os Serviços de Inspeção, no âmbito do procedimento inspectivo realizado aos anos de 2019 e 2020, não detetaram quaisquer irregularidades, não se demonstrando ali que a Requerente sabia ou tinha a obrigação de saber que a entrega dos bens estava envolvida numa situação de fraude ou evasão ao imposto. Aliás, intui-se igualmente que na perspectiva da Requerente, nem mesmo em relação à transmitente dos bens se dá nota de qualquer irregularidade praticada e menos ainda se prova o que quer que seja a tal propósito.
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E, assim sendo, conclui a Requerente no sentido de que “(...) a informação constante das faturas dos bens adquiridos a B... (requisitos de forma) e a sua efetividade e conexão direta e imediata com a atividade da Requerente (requisitos materiais), impedem que seja vedado à Requerente o direito à dedução do IVA suportado com a aquisição dos referidos bens, com fundamento de que estão integralmente reunidos os pressupostos para a dedução do IVA.”
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Sendo que, “(...) conforme resulta dos Relatórios de Inspeção Tributária, para os exercícios fiscais de 2019 e 2020, o único fundamento invocado para as correções efetuadas ao IVA assenta na circunstância de as faturas terem sido emitidas pelo fornecedor B... após a cessação oficiosa da sua atividade pela AT (em 23.12.2019).”
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E não se detendo, a Requerente prossegue na sua argumentação dizendo: “[O]ra, conforme reiteradamente tem afirmado o STA, o artigo 36 n.º 5 alínea a) do CIVA impõe a obrigação de as faturas mencionarem o NIF dos sujeitos passivos, contudo, em parte alguma do CIVA se impõe ao adquirente a obrigação de verificar se o NIF do fornecedor é válido ou se comporta alguma irregularidade.” E mais: “(...) mesmo que houvesse essa obrigação de verificação – a qual, sublinhe-se, a lei não impõe – esta apenas poderia ser cumprida a partir da data em que a cessação oficiosa da atividade do fornecedor B... fosse disponibilizada pela AT aos contribuintes em geral.” E prossegue referindo: “[N]o entanto, não há nenhuma indicação de que a AT tenha disponibilizado, à data dos factos (período compreendido entre 23.12.20219 e 26.10.2020), informação relativa à cessação oficiosa da atividade do fornecedor B..., NIF..., em termos de a Requerente poder ter tido conhecimento da referida cessação e de imediato ter terminado a sua relação comercial com o referido fornecedor.” E ainda: “[A] informação facultada pela AT no Portal das Finanças (cfr. Documento 20) indica a data em que a atividade do fornecedor B..., NIF..., foi encerrada oficiosamente pela AT, para efeitos de IRC e IVA, mas não indica em que data a AT disponibilizou essa informação aos contribuintes em geral.”
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E de tudo quanto vem sendo referido retira a Requerente que “(...) mesmo que se considerasse que a Requerente tinha um dever legal de verificar a validar o NIF do fornecedor para efeitos de dedução do IVA, o que não tem, conforme já analisado, esta apenas poderia atuar a partir da data em que fosse disponibilizada aos contribuintes em geral a informação acerca da cessação oficiosa da atividade do fornecedor, data esta que não se sabe quando aconteceu.”
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Conclui a Requerente como segue: “[A]ssim, também por este motivo, não pode a AT vir desconsiderar a dedução do imposto pela Requerente com fundamento num facto (cessação oficiosa da atividade do fornecedor) que não era do seu conhecimento, nem tinha como conhecer.”
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Peticionando: i) seja o pedido de pronúncia arbitral considerado totalmente procedente, por provado, e, em consequência, decretando-se a anulação das liquidações de IVA acima identificadas, relativas aos períodos de tributação de Dezembro de 2019 a Outubro de 2020, no valor total de € 19.236,94, com o fundamento de que tais liquidações incorrem em vício de violação de lei, por erro nos pressupostos de direito e de facto, traduzido no incumprimento do disposto nos artigos 19.º n.º 1 alínea a) e 20.º n.º 1 alínea a) do CIVA; ii) seja a AT condenada ao pagamento de juros indemnizatórios, vencidos e vincendos, calculados à taxa de 4% ao ano, desde a data do pagamento indevido até ao efectivo e integral reembolso, ou seja, pelo período de tempo em que esteve privada da quantia indevidamente paga, nos termos do artigo 35.º n.º 10, e do artigo 43.º n.º 4 da LGT, 559.º do Código Civil e da Portaria n.º 291/03, de 8 de Abril.
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A Requerida apresentou Resposta, na qual alega:
I.B) Alegações da Requerida:
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Na Resposta, a Requerida começa por dizer que “[A] Direção de Finanças de Faro constatou, com base nos fortes indícios recolhidos pelos SIT em inspeção efetuada à entidade fornecedora que a atividade desenvolvida por B... não era verdadeira e, por consequência, as faturas por esta emitidas consubstanciavam uma situação de faturas falsas face a incongruências entre a resposta do representante legal da Requerente e as declarações daquela, relativos à forma de pagamento e à identificação de quem efetivamente exercia a atividade (vendedor identificado).”
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E partindo dali, aduz-se na Resposta que “(...) entenderam os Serviços da Requerida que, segundo o artigo 19.º, n.º 2, alínea a), só confere direito a dedução o imposto mencionado ao imposto devido ou pago, pela aquisição de bens e serviços a outros sujeitos passivos.”
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De seguida entende a Requerida trazer à colação, sem especificar, mas dizendo-a reiterada, jurisprudência do TJUE que defende: “(...) que os Estados-membros não podem negar o direito a dedução pelo simples facto de uma fatura não satisfazer os requisitos formais exigidos pela Diretiva do IVA, na condição de que, não obstante a existência de vícios formais, a fatura permita assegurar a exata cobrança do imposto nela liquidado e permita também a respetiva fiscalização pelas autoridades fiscais competentes, (…)." Dizendo mais: “[A]s regras do exercício do direito à dedução do imposto contemplam requisitos objetivos, mais ligados ao tipo de despesas, e requisitos subjetivos, relativos à qualidade de sujeito passivo." E ainda : "[C]omo requisitos objetivos do exercício do direito à dedução do imposto temos, nomeadamente, o facto de o imposto suportado dever constar de fatura passada na forma legal (ou seja, deverá obedecer, nos seus requisitos, aos termos gerais previstos no artigo 36.º, n.º 5, do CIVA)."
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Isto dito e volvendo para o caso concreto, refere-se que “(...) a AT desconsiderou o IVA deduzido suportado nas aquisições efetuadas a uma entidade cessada oficiosamente, nos termos da segunda parte do n.º 2 do artigo 34.º do CIVA, com efeitos a 2019-12-23." E não se detendo, prossegue a Requerida aduzindo como segue: “[T]al cessação, deveu-se, conforme explanado nos RIT, ao facto de ter sido apurado, em sede inspetiva externa, com base em elementos objetivos, que a fornecedora “B... “ declarava o exercício de uma atividade sem que possuísse uma adequada estrutura empresarial suscetível de a exercer, designadamente: inexistência de instalações físicas; inexistência de empregados; inexistência de veículos de transporte; inexistência de documentos associados ao transporte das mercadorias compradas e vendidas; inexistência de informação sobre a entrada em Portugal de aquisições intracomunitárias em Espanha." E prosseguindo afirma: “[T]ambém por consulta à aplicação e-fatura, no ano de 2020, foram relevadas faturas de venda, no montante global de € 768.012,50 (c/ iva incluído à taxa normal), emitidas por B..., sem que exista faturação de compras no mercado nacional que que suporte os valores faturados, reforçando a convicção de que a haver bens adquiridos estes não foram fornecidos por B... ."
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A Requerida faz ainda notar, na sua Resposta, que a fornecedora da Requerente e emitente das facturas aqui em causa, ou seja, B...: “(...) mantém-se, até esta data, com a atividade cessada pelos motivos apontados pelos SIT, confirmando as conclusões dos serviços de que as correções efetuadas vão muito além de meras correções por incumprimento de quaisquer requisitos formais."
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Intuindo a Requerida dali que “(...) o direito à dedução foi desconsiderado, por à data da emissão das facturas, a emitente estar cessada e, essa informação ter sido disponibilizada no site das finanças (cfr. RIT)."
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Com o fito de respaldar a sua hermenêutica, traz à colação a Requerida o entendimento do STA sobre a matéria, concretamente o seu Acórdão de 25/11/2009, tirado no Processo nº 0943/09 e, disponível para consulta in https://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/39fc8117ae9f3d5280257682004cf275?OpenDocument&ExpandSection=1#_Section e cujo sumário refere: “I - Nos termos do artigo 19.º, n.º 1, alínea a) do CIVA, só é reconhecido o direito à dedução do imposto devido ou pago pela aquisição de bens e serviços a outros sujeitos passivos. II - Não é admitido o direito à dedução do IVA suportado constante de factura emitida por contribuinte já cessado, pois, contrariamente ao sujeito passivo isento, o contribuinte que haja cessado perde a natureza de sujeito passivo que detinha até então.”
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Peticionando seja julgado improcedente o PPA por não provado e, consequentemente, devendo ser absolvida a Requerida de todos os pedidos, tudo com as devidas e legais consequências.
II. Thema decidendum:
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O thema decidendum reporta-se à questão de saber as faturas emitidas pela fornecedora B... satisfazem os requisitos de forma previstos na alínea a) do n.º 5 do art.º 35º do CIVA e, no pressuposto do seu incumprimento, quais as consequências que podem emergir do mesmo e, nomeadamente, a de saber se elas envolvem a liminar a desconsideração do direito à dedução por mor do disposto na alínea a) do n.º 2 do art.º 19 do CIVA, ou a imposição à AT de procedimentos de controlo dos pressupostos substantivos do direito à dedução com a avaliação da verificação (ou não) dos requisitos materiais do direito à dedução previstos nos art.ºs 19.º e 20.º do CIVA.
Cumpre, então, agora, proferir decisão.
III. SANEAMENTO:
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O Tribunal foi regularmente constituído e é competente em razão da matéria para conhecer das liquidações de IVA e JC ora impugnadas, à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º, n.º 3, alínea a), 6.º, n.º 2, alínea a), e 11.º, n.º 1, todos do RJAT.
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As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e encontram-se regularmente representadas (Cfr. artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).
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A ação é tempestiva, porque apresentada no prazo previsto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a) do RJAT, de acordo com a remissão operada para o artigo 102.º, n.º 1 do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT).
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O processo não enferma de nulidades.
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Não foram identificadas questões que obstassem ao conhecimento do mérito.
IV. DECISÃO:
IV.A) Factos que se consideram provados:
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Antes de entrarmos na apreciação do mérito das questões submetidas a julgamento, cumpre-nos fixar a matéria factual que é relevante para a respectiva decisão:
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A Requerente tem por objeto a importação, exportação, comercialização, distribuição e representação de grande variedade de peças e acessórios auto, bem como pneus, reparação e manutenção de automóveis e serviços de limpeza auto. (facto não controvertido – artigo 8.º do PPA);
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A Requerente encontra-se inscrita, desde em 2001-04-01, para o exercício da atividade principal de “Comercio a retalho de peças e acessórios para veículos automóveis”, CAE 45320 e para a atividade secundária de “Manutenção e reparação de veículos automóveis”, CAE 45200; (Cfr. fls. 8/24 do RIT - Doc. n.º 12 junto ao PPA e fls. 118/229 do Processo Administrativo a que se refere o no n.º 2 do art.º 17º do Decreto-Lei n.º 10/2021, de 20 de Janeiro, doravante PA).
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Em sede de IRC está enquadrada no regime geral de tributação e em IVA no regime normal de periodicidade mensal. (Cfr. fls. 6 e 7/24 do RIT - Doc. n.º 12 junto ao PPA e fls. 116 e 117/229 do PA).
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Foi alvo de procedimento inspetivo externo, de âmbito geral, incidente sobre os anos de 2019 e 2020, com o objetivo de controlo da sua situação tributária. (Cfr. fls. 5/24 do RIT - Doc. n.º 12 junto ao PPA e fls. 115/229 do PA).
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As Ordens de Serviço n.ºs OI2022.../..., emitidas pelos Serviços de Inspeção Tributária (SIT) da Direção de Finanças de Faro, determinaram a inspeção iniciada em 2023-12-28 e desta resultaram correções técnicas para efeitos de IRC e IVA. (Cfr. fls. 8/24 do RIT - Doc. n.º 12 junto ao PPA e fls. 118/229 do PA).
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A nível do IVA, as correções ascenderam aos valores de € 279,40, no período 2019.12 e de € 17.029,24, (nos períodos compreendidos entre 2020.01 e 2020.10) e constam dos relatórios de inspeção tributária (RIT) que fazem parte integrante dos autos.
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As correções promovidas pelos SIT respeitam a IVA deduzido indevidamente em 2019 e 2020, suportado em faturas emitidas por fornecedor cuja atividade foi cessada oficiosamente em 2019-12-23, com base nos factos apurados e relatados nos RIT, transcrevendo-se, tão-só, aqui, o Relatório de 2019, sendo que a fundamentação da correcção para o ano de 2020, ínsita no respectivo RIT, é rigorosamente igual à que foi explicitada para o ano de 2019: “[N]o âmbito de um outro procedimento inspetivo levado a cabo por esta direção de Finanças foram apurados indícios da existência de atividade por parte do contribuinte B... NIF... . Das conclusões retiradas na análise realçam-se as seguintes: “falta de uma adequada estrutura comercial; incongruências verificadas nas declarações que foram prestadas pelo contribuinte; inexistência de instalações físicas; incongruências a nível de moradas; inexistência de empregados; inexistência de veículos de transporte; inexistência de documentos associados ao transporte das mercadorias compradas e vendidas; inexistência de informação sobre a entrada em Portugal de aquisições intracomunitárias em Espanha. Face a informação recolhida, tendo por base os vários fatos apurados, alguns dos quais realçados no parágrafo anterior, foi proposta a cessação oficiosa da atividade do contribuinte B... em sede de IRS nos termos do n.º 3 do art.º 114.º do Código IRS e em sede de IVA nos termos do n.º 2 do art.º 34.º do Código IVA com efeitos a 2019.12.23. (...) A referida cessação de atividade passou a constar da sua situação cadastral, o que, nomeadamente, significa que, após a data da cessação, As importâncias constantes de documentos emitidos na sequência da realização de operações com terceiros não serão, na esfera destes, dedutíveis para efeitos de apuramento do IVA nem para efeitos de determinação do lucro tributável em sede de IRC, em conformidade com o disposto no art.º 19.º do Código do IVA e do art.º 23.º-A do Código do IRC. A situação de atividade Sado fui tão divulgada no site do portal das finanças (www.portaldasfinancas.gov.pt), na funcionalidade que se destina a confirmação por parte dos operadores económicos da veracidade do NIF dos clientes/fornecedores. Do SAF-T da contabilidade SP foram extraídos os movimentos contabilísticos relativos as faturas emitidas por B... posteriormente à data da cessação da atividade. ” (Cfr. fls. 9 e 10/24 do RIT - Doc. n.º 12 junto ao PPA e fls. 119 e 120/229 do PA).
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A fornecedora da Requerente, B..., contribuinte Fiscal n.º..., foi cessada oficiosamente, para efeitos de IVA e bem assim como para efeitos de IRS, com efeitos a partir de 23.12.2019, tal como se pode intuir da leitura do Doc. n.º 20 junto ao PPA. (Cfr. também fls. 9 e 10/24 do RIT - Doc. n.º 12 junto ao PPA e fls. 119 e 120/229 do PA).
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Não obstante a referência, como um todo, ao normativo previsto no art.º 19º do CIVA, em termos de suporte legal que está a fundamentar a correcção proposta, aduz-se a fls. 10 do RIT de 2019 (e, mutatis mutandis, também no RIT de 2020) com a alínea a) do n.º 2 do art.º 19º do CIVA.
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Entenderam os SIT que, após a data da cessação oficiosa de atividade, o imposto liquidado nas faturas emitidas por aquela fornecedora não é dedutível, nos termos da alínea a) do n.º 2 do artigo 19º do CIVA, porque se tratavam de faturas que tinham sido emitidas por uma entidade em situação irregular perante a AT, com atividade cessada oficiosamente, nos termos do n.º 2 do artigo 34.º do CIVA. (Factualidade não controvertida).
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No âmbito da audição prévia prevista no artigo 60.º da LGT, exercida em 2023-04-20, a Requerente alegou discordar das correcções propostas, por não ter tido conhecimento da cessação oficiosa da atividade do contribuinte B... . (Acordo das partes).
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Não obstante o exercício do direito de audição, a Requerente foi notificada dos Relatórios de Inspeção Tributária para os exercícios fiscais de 2019 e 2020 que mantiveram as correcções propostas;
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Concluídos os procedimentos de inspeção tributária aos anos de 2019 e 2020, a Requerente foi notificada das liquidações de IVA e JC, de 2019 e de 2020 que a seguir se discriminam e ainda às correspondentes demonstrações de acerto de contas que totalizavam 19.236,94 € (Cfr. Doc. n.ºs 1 a 11 do PPA):
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A Requerente pagou as aqui sindicadas liquidações de IVA e JC, de 2019 e 2020, melhor identificadas no ponto M) deste probatório. (Facto não controvertido pela Requerida);
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Não se conformando com as liquidações identificadas no ponto M) do probatório, em 21.11.2023, pelas 13:03 horas, a Requerente apresentou o pedido de constituição do tribunal arbitral que deu origem ao presente processo (Cfr. Sistema de Gestão Processual do CAAD);
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O pedido foi aceite em 23.11.2023, pelas 16:23 horas (Cf. Sistema de Gestão Processual do CAAD).
IV.B) Factos não provados:
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Não se provou que a Requerente, enquanto utilizadora das facturas colocadas em crise, participou num qualquer esquema de fraude ou que sabia ou devia saber que a emitente das facturas não era a verdadeira fornecedora da mercadoria em apreço.
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Não se provou que a Requerente sabia que a sua fornecedora, B..., se encontrava cessada oficiosamente no cadastro da AT como sujeito passivo de IVA, a partir de 23.12.2019.
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Não se provou ter a AT disponibilizado informação necessária para que a Requerente pudesse conhecer que a fornecedora B... se encontrava cessada oficiosamente.
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Não se provaram outros factos com relevância para a decisão das questões submetidas a julgamento.
IV.C) Fundamentação da decisão sobre a matéria de facto:
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Relativamente à matéria de facto, importa, antes de mais, salientar que o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e distinguir a matéria provada da não provada, tudo conforme o artigo 123.º, n.º 2, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) e o artigo 607.º, n.ºs 3 e 4 do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT.
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Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. art.º 596.º do CPC).
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A convicção sobre os factos dados como provados e não provados (acima explicitados) assentou na análise crítica da prova e fundou-se nas posições assumidas pelas partes nos respetivos articulados que não foram impugnadas pela parte contrária e, nomeadamente, na prova documental junta aos autos pela Requerente e pela Requerida, conforme remissão feita a propósito de cada ponto do probatório, sendo indicado expressamente em cada um daqueles pontos o(s) documento(s) que contribuíram para a extração do correspondente facto.
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A valoração dos documentos atendeu ao seu valor probatório, ao seu teor e aos factos que os mesmos comprovam, em si mesmos ou em conjugação com os demais.
IV.D) Matéria de Direito (fundamentação):
IV.D1) O direito à dedução em sede de IVA e enunciação do quadro normativo (nacional e comunitário) que o encerra:
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O IVA, tendencialmente, tributa a generalidade das operações realizadas ao longo da cadeia de valor, permitindo que os sujeitos passivos se desonerem do imposto que suportam a montante das operações activas que realizam. A este propósito adequado se mostra trazer aqui à colação o disposto no n.º 2 do art.º 1º da Directiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de Novembro de 2006([1]) (doravante Directiva IVA) que estatui: “O princípio do sistema comum do IVA consiste em aplicar aos bens e serviços um imposto geral sobre o consumo exactamente proporcional ao preço dos bens e serviços, seja qual for o número de operações ocorridas no processo de produção e de distribuição anterior ao estádio de tributação.
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O IVA opera através do método subtrativo indireto, sendo este o mecanismo essencial do funcionamento do imposto, tido como a sua trave-mestra, permitindo, através do direito à dedução e regime dos reembolsos, que se alcance a neutralidade e se previna o efeito cumulativo, garantindo que o imposto é suportado pelo consumidor final.
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O princípio da neutralidade enquanto pilar basilar do sistema de IVA pressupõe que o imposto incorrido pelo sujeito passivo no âmbito da sua atividade económica seja integralmente dedutível ao imposto que este liquide no âmbito dessa atividade.
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A dedução do imposto suportado pelos sujeitos passivos nas operações intermédias do circuito económico é um elemento central do funcionamento do sistema do IVA, que tem como objetivo tributar apenas o consumo final.
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O direito à dedução pressupõe, pois, que os sujeitos passivos recuperem, em regra, o IVA suportado em bens e serviços com vista à realização de operações tributadas, dentro dos limites estabelecidos no Código do IVA.
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Nesse sentido, o art.º 19.º, n.º 1 do CIVA estatui no sentido de que, para apuramento do imposto devido, os sujeitos passivos deduzem ao imposto incidente sobre as operações tributáveis que efetuaram: i) o imposto devido ou pago pela aquisição de bens e serviços a outros sujeitos passivos; ii) o imposto devido pela importação de bens; iii) o imposto pago pelas aquisições de bens ou serviços abrangidas pelas alíneas e), h) e j) e l) do n.º 1, do art.º 2.º; iv) o imposto pago como destinatário de operações tributáveis efetuadas por sujeitos passivos estabelecidos no estrangeiro, quando estes não tenham no território nacional um representante legalmente acreditado e não tenham faturado imposto; v) e, finalmente, o imposto pago pelo sujeito passivo à saída dos bens de um regime de entreposto não aduaneiro, de acordo com art.º 15.º, n.º 6 do CIVA.
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O n.º 2 do mesmo normativo estabelece, no entanto, um condicionalismo formal, segundo o qual só confere o direito à dedução o imposto mencionado em faturas passadas em forma legal, em nome e na posse do sujeito passivo, considerando-se passadas na forma legal, as faturas que contenham os requisitos enunciados no n.º 5 do art.º 36.º ou no n.º 2 do art.º 40.º, ambos do CIVA.
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Por seu lado, o artigo 20.º, n.º 1 do CIVA, determina que só pode deduzir- se o imposto suportado pelo sujeito passivo para a realização de transmissões de bens e prestações de serviços sujeitos a imposto e dele não isentas, nos termos da sua alínea a), ou nas operações elencadas na sua alínea b).
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Intuindo-se das aludidas normas que o imposto susceptível de desoneração por via do exercício do direito à dedução, corresponde, em princípio, a todo o imposto suportado pelo sujeito passivo para o exercício da sua atividade económica, ou seja, a imposto que tenha sido suportado em aquisições de bens e serviços que sejam utilizados para a realização de operações activas tributadas.
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Contudo, a regra geral do direito à dedução comporta algumas excepções, as quais têm previsão legal no art.º 21.º do CIVA e estão, sobretudo, relacionadas com imposto relativo a aquisições de determinados bens ou serviços cujas características os torna não essenciais à atividade produtiva ou facilmente desviáveis para consumos privados e, por isso, não empresariais.
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Em sede de IVA e nos termos e em conformidade com o disposto no art.º 21.º do Código do IVA, encontra-se excluído do exercício do direito à dedução o imposto suportado nas operações ali referidas e que aqui se devem considerar reiteradas.
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Volvendo agora a nossa abordagem para o ordenamento jurídico-comunitário, diga-se que o exercício do direito à dedução em sede de IVA, consubstancia uma das principais características deste imposto, em conformidade, aliás, com o regime consagrado na Sexta Diretiva (Diretiva 77/388/CEE, do Conselho, de 17.5.1977), concretamente no seu art.º 17.º [que corresponde ao art.º 167.º e seguintes da Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de Novembro, relativa ao sistema comum do IVA (vulgarmente denominada de "Diretiva IVA")], preceito que consagra as regras do exercício do direito à dedução do imposto, contemplando diversos requisitos objetivos e subjetivos do exercício do referido direito.
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O direito comunitário é matriz e fundamento do Sistema Comum do IVA.
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Sendo que, o direito interno dos Estados-membros (o nacional e a tal propósito, basicamente explicitado acima) não pode conceber e adotar soluções legislativas que se mostrem em contravenção com a matriz a que todos devem obediência.
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O direito à dedução é elemento estruturante e basilar de funcionamento do IVA e, por princípio, não pode ser limitado ou simplesmente excluído, excepto nas situações previstas expressamente no normativo comunitário em vigor. Vejamos,
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O aludido Sistema Comum do IVA, já o dizia o art.º 2.º da Diretiva n.º 67/227/CEE (o que se mantém perfeitamente inalterado na actual Diretiva n.º 2006/112/CE) “(...) consiste em aplicar aos bens e serviços um imposto geral sobre o consumo exatamente proporcional ao preço dos bens e serviços, seja qual for o número de operações ocorridas no processo de produção e de distribuição anterior ao estádio de tributação.”
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O cálculo do IVA pelos operadores económicos efectua-se através do designado método subtrativo indirecto, em conformidade com o estabelecido no 2.º parágrafo do n.º 2 do art.º 1.º da actual Diretiva n.º 2006/112/CE - “Diretiva IVA” - nos seguintes termos: “Em cada operação, o IVA, calculado sobre o preço do bem ou serviço à taxa aplicável ao referido bem ou serviço, é exigível, com prévia dedução do montante do imposto que tenha incidido diretamente sobre o custo dos diversos elementos constitutivos do preço.”
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O regime das deduções que enforma o Sistema Comum do IVA, visa, assim, desonerar inteiramente o empresário do imposto que suporte no âmbito de todas as suas atividades económicas, desde que, elas próprias, estejam efetivamente sujeitas a imposto.
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Como reiteradamente vem afirmando o TJUE: “O sistema comum do IVA garante, por conseguinte, uma neutralidade perfeita quanto à carga fiscal de todas as atividades económicas, independentemente dos respetivos fins ou resultados, desde que essas atividades estejam, em princípio, elas próprias sujeitas a IVA”. Neste sentido vejam-se Acórdãos do TJUE: - de 5.7.2018, Proc.C-320/17, Marie Participations; - de 2.5.2019, Proc. C-225/18, Grupa Lotos; - de 3.7.2019, Proc. C-316/18, The Chancellor, Masters and Scholars if the University of Cambridge; e - de 26.2.2020, Proc. C-630/19, PAGE International.
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O direito à dedução “constitui um princípio fundamental do sistema comum do IVA instituído pela legislação da União, pelo que o referido direito faz parte integrante do mecanismo do IVA e não pode, em princípio, ser limitado.” (Cfr. Acórdão do TJUE de 14.6.2917, Proc. C-38/16, Compass Contract Services e ainda Acórdão do TJUE de 18.10.2018, Proc. C- 153/17, Volkswagen Financial Services).
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O regime comunitário das deduções tem consagração expressa na Diretiva 2006/112/CE, do Conselho, de 28/11/2006 (doravante, DIVA), entre outros, nos seus artigos 167.º, 168.º e 178.º, correspondentes aos artigos 17.º e 18.º da anterior Diretiva 77/388/CEE (Sexta Diretiva IVA).
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Dispondo a alínea a) do art.º 168.º, da DIVA, no sentido de que, na medida em que os bens e os serviços sejam utilizados para os fins das suas operações tributadas, o sujeito passivo tem direito a deduzir o imposto devido ou pago relativo a esses bens ou serviços.
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No plano formal, a dedução do imposto relativo à aquisição de bens e serviços implica, em conformidade com o disposto na alínea a) do art.º 178.º da DIVA, a posse de uma factura emitida nos termos legais, isto é, contendo todos os elementos previstos na norma da diretiva relativa à facturação.
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Tal como resulta do disposto no n.º 1 do art.º 19º do CIVA, para apuramento do IVA devido em cada período de tributação, grosso modo, os sujeitos passivos deduzem ao imposto incidente sobre as operações tributáveis que efectuaram, o imposto suportado subjacente às operações realizadas a montante (inputs) e demais operações previstas nas alíneas b) a e) do n.º 1 do art.º 19º do CIVA.
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Tal dedução do imposto suportado a montante efectiva-se, nos termos do n.º 2 do art.º 22º do CIVA, na declaração correspondente ao período de tributação ou a período de tributação posterior àquele em que se tiver verificado a recepção das respetivas faturas.
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Por outro lado, sempre que, no período de tributação correspondente, o montante do IVA dedutível supere o montante do IVA liquidado (e ligado à realização das correspondentes operações activas tributadas), o correspondente excesso é deduzido nos períodos de tributação seguintes, operando-se, assim o reporte do imposto que não foi possível deduzir para o período ou períodos seguintes em conformidade com o estatuído no n.º 4 do art.º 22º do CIVA acima transcrito.
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Face ao quadro normativo nacional e comunitário acima traçado, resulta meridianamente clarividente que o exercício do direito à dedução a empreender pelos sujeitos passivos de IVA está dependente da verificação de requisitos de ordem formal, assim como de requisitos substanciais ou materiais.
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Tal como muito bem se aventa no artigo 18.º do PPA, os requisitos formais respeitam ao conjunto de formalidades a que deve obedecer a emissão dos documentos de facturação e que estão ínsitos no n.º 5 do art.º 36º do CIVA; já os requisitos materiais e como ali igualmente se diz, respeitam à efectividade das operações e respectiva conexão com as actividades exercidas pelos sujeitos passivos a quem é conferido tal direito.
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Relevante para a apreciação da verificação dos requisitos materiais que encerram o direito à dedução é o n.º 1 do art.º 19.º do CIVA, que, como dito acima, estatui no sentido de que, para apuramento do imposto devido, os sujeitos passivos deduzem ao imposto incidente sobre as operações tributáveis que efetuaram: i) o imposto devido ou pago pela aquisição de bens e serviços a outros sujeitos passivos; ii) o imposto devido pela importação de bens; iii) o imposto pago pelas aquisições de bens ou serviços abrangidas pelas alíneas e), h) e j) e l) do n.º 1, do art.º 2.º; iv) o imposto pago como destinatário de operações tributáveis efetuadas por sujeitos passivos estabelecidos no estrangeiro, quando estes não tenham no território nacional um representante legalmente acreditado e não tenham faturado imposto; v) e, finalmente, o imposto pago pelo sujeito passivo à saída dos bens de um regime de entreposto não aduaneiro, de acordo com art.º 15.º, n.º 6 do CIVA. Ainda relevante, na perspetiva dos requisitos materiais a que deve obedecer o direito à dedução em sede de IVA, é o n.º 1 do art.º 20.º do Código do IVA, que estatui como segue: “[...] 1 - Só pode deduzir-se o imposto que tenha incidido sobre bens ou serviços adquiridos, importados ou utilizados pelo sujeito passivo para a realização das operações seguintes: a) Transmissões de bens e prestações de serviços sujeitas a imposto e dele não isentas; b) Transmissões de bens e prestações de serviços que consistam em: I) Exportações e operações isentas nos termos do artigo 14.º; II) Operações efetuadas no estrangeiro que seriam tributáveis se fossem efetuadas no território nacional; III) Prestações de serviços cujo valor esteja incluído na base tributável de bens importados, nos termos da alínea b) do n.º 2 do artigo 17.º; IV) Transmissões de bens e prestações de serviços abrangidas pelas alíneas b), c), d) e e) do n.º 1 e pelos n.ºs 8 e 10 do artigo 15.º; V) Operações isentas nos termos dos n.ºs 27) e 28) do artigo 9.º, quando o destinatário esteja estabelecido ou domiciliado fora da Comunidade Europeia ou que estejam diretamente ligadas a bens, que se destinam a ser exportados para países não pertencentes à mesma Comunidade; VI) Operações isentas nos termos do artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 394-B/84, de 26 de dezembro.” O n.º 1 do art.º 20 do CIVA, tem como matriz, no sistema comum do IVA que está materializado na Directiva IVA, o art.º 168.º daquele compendio normativo e que dispõe: “[...] Quando os bens e os serviços sejam utilizados para os fins das suas operações tributadas, o sujeito passivo tem direito, no Estado-Membro em que efetua essas operações, a deduzir do montante do imposto de que é devedor os montantes seguintes: a) O IVA devido ou pago nesse Estado-Membro em relação aos bens que lhe tenham sido ou venham a ser entregues e em relação aos serviços que lhe tenham sido ou venham a ser prestados por outro sujeito passivo; b) O IVA devido em relação a operações assimiladas a entregas de bens e a prestações de serviços, em conformidade com a alínea a) do artigo 18.º e o artigo 27. º; c) O IVA devido em relação às aquisições intracomunitárias de bens, em conformidade com o artigo 2. º, n.º 1, alínea b), subalínea i); d) O IVA devido em relação a operações assimiladas a aquisições intracomunitárias, em conformidade com os artigos 21.º e 22.º; e) O IVA devido ou pago em relação a bens importados para esse Estado–Membro.”
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Já quanto aos requisitos formais a que devem obedecer ao documentos de facturação, estão explicitados no n.º 5 do art.º 36.º do Código do IVA, que, sob a epígrafe “Prazo de emissão e formalidades das faturas”, estatui: “[…] 5 - As faturas devem ser datadas, numeradas sequencialmente e conter os seguintes elementos: a) Os nomes, firmas ou denominações sociais e a sede ou domicílio do fornecedor de bens ou prestador de serviços e do destinatário ou adquirente, bem como os correspondentes números de identificação fiscal dos sujeitos passivos de imposto; b) A quantidade e denominação usual dos bens transmitidos ou dos serviços prestados, com especificação dos elementos necessários à determinação da taxa aplicável; as embalagens não efetivamente transacionadas devem ser objeto de indicação separada e com menção expressa de que foi acordada a sua devolução; c) O preço, líquido de imposto, e os outros elementos incluídos no valor tributável; d) As taxas aplicáveis e o montante de imposto devido; e) O motivo justificativo da não aplicação do imposto, se for caso disso; f) A data em que os bens foram colocados à disposição do adquirente, em que os serviços foram realizados ou em que foram efetuados pagamentos anteriores à realização das operações, se essa data não coincidir com a da emissão da fatura. No caso de a operação ou operações às quais se reporta a fatura compreenderem bens ou serviços sujeitos a taxas diferentes de imposto, os elementos mencionados nas alíneas b), c) e d) devem ser indicados separadamente, segundo a taxa aplicável. […].”
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A matriz comunitária daquele normativo é o art.º 226.º da Directiva IVA, que, na Secção 4, sob a epígrafe “Conteúdo das Facturas”, dispõe: “[...] Sem prejuízo das disposições específicas previstas na presente diretiva, as únicas menções que devem obrigatoriamente figurar, para efeitos do IVA, nas faturas emitidas em aplicação do disposto nos artigos 220.º e 221.º o são as seguintes: 1) A data de emissão da fatura; 2) O número sequencial, baseado numa ou mais séries, que identifique a fatura de forma unívoca; 3) O número de identificação para efeitos do IVA, referido no artigo 214.º, ao abrigo do qual o sujeito passivo efetuou a entrega de bens ou a prestação de serviços; 4) O número de identificação para efeitos do IVA do adquirente ou destinatário, referido no artigo 214.º, ao abrigo do qual foi efetuada uma entrega de bens ou uma prestação de serviços pela qual aquele seja devedor do imposto ou uma entrega de bens referida no artigo 138.º; 5) O nome e o endereço completo do sujeito passivo e do adquirente ou destinatário; 6) A quantidade e natureza dos bens entregues ou a extensão e natureza dos serviços prestados; 7) A data em que foi efetuada, ou concluída, a entrega de bens ou a prestação de serviços ou a data em que foi efetuado o pagamento por conta, referido nos pontos 4) e 5) do artigo 220.º, na medida em que essa data esteja determinada e seja diferente da data de emissão da fatura; 7-A) Quando o IVA se torna exigível no momento em que o pagamento é recebido em conformidade com a alínea b) do artigo 66.º e o direito à dedução surge no momento em que o imposto dedutível se torna exigível, a menção «Contabilidade de caixa»; 8) O valor tributável para cada taxa ou isenção, o preço unitário líquido de IVA, bem como os abatimentos e outros bónus eventuais, se não estiverem incluídos no preço unitário; 9) A taxa do IVA aplicável; 10) O montante do IVA a pagar, salvo em caso de aplicação de um regime especial para o qual a presente diretiva exclua esse tipo de menção; 10-A) Quando a fatura for emitida pelo adquirente ou destinatário da entrega de bens ou da prestação de serviços, e não pelo fornecedor ou prestador, a menção «Autofaturação»; 11) Em caso de isenção, a referência à disposição aplicável da presente diretiva, ou à disposição nacional correspondente, ou qualquer outra menção indicando que a entrega de bens ou a prestação de serviços beneficia de isenção; 11-A) Quando o adquirente ou destinatário for devedor do imposto, a menção «Autoliquidação»; […]”.
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Ainda a propósito do quadro normativo que conforma a existência de formalismos a que devem obedecer os documentos de facturação e com relevância para a dilucidação da questão submetida a julgamento, importa aqui trazer os n.ºs 2 e 6 do artigo 19.º do CIVA, que, relativamente ao direito à dedução, prescrevem: “[...] 2 – Só confere direito a dedução o imposto mencionado nos seguintes documentos, em nome e na posse do sujeito passivo: a) Em faturas passadas na forma legal; […] 6 – Para efeitos do exercício do direito à dedução, consideram-se passadas na forma legal as faturas que contenham os elementos previstos nos artigos 36.º ou 40.º, consoante os casos. […]”. A matriz comunitária daqueles normativos é a alínea a) do art.º 178.º da Directiva IVA que refere: “[P]ara poder exercer o direito à dedução, o sujeito passivo deve satisfazer as seguintes condições: a) Relativamente à dedução referida na alínea a) do artigo 168.º, no que respeita às entregas de bens e às prestações de serviços, possuir uma fatura emitida nos termos das secções 3 a 6 do capítulo 3 do título XI; […].”
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Traçado o quadro normativo que conforma a questão sub judicio, segue-se a enunciação de jurisprudência emanada do TJUE sobre as consequências que emergem do incumprimento dos requisitos formais (acima explicitados) e, nomeadamente, se esse incumprimento pode, ipso facto, ter relevância no que tange à desoneração do IVA por via do exercício do direito à dedução que é conferido aos sujeitos passivos. Vejamos,
IV.D2) Enunciação de jurisprudência sobre as consequências que decorrem do incumprimento dos requisitos formais a que está subordinada a facturação cuja posse legitima o exercício do direito à dedução em sede de IVA:
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Em termos de Jurisprudência Comunitária e no concernente às consequências resultantes do incumprimento de algum ou de alguns dos requisitos formais na emissão dos documentos de facturação que suportam a concretização do direito à dedução em sede de IVA, o TJUE tem vindo a ser chamado a pronunciar-se sobre tal temática, começando por se destacar[2], designadamente: i) o Acórdão Mahagében e Dávid de 21 de Junho de 2012, Processos n.ºs C-80/11 e C-142-11 e que pode ser lido in https://curia.europa.eu/juris/document/document.jsf?text=&docid=124187&pageIndex=0&doclang=PT&mode=lst&dir=&occ=first&part=1&cid=4365437 ; e o Acórdão PPUH Stehcemp de 22 de Outubro de 2015, Processo n.º C-277/14, consultável in https://curia.europa.eu/juris/document/document.jsf?text=&docid=170302&pageIndex=0&doclang=PT&mode=lst&dir=&occ=first&part=1&cid=4368172
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Não devendo olvidar-se que as decisões do TJUE constituem fonte de direito imediata, logrando-se, com isso, a desejável uniformidade e harmonização na aplicação do direito comunitário no espaço físico da união europeia.
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E também que a jurisprudência do TJUE (aqui chamada à colação) não pode deixar de beneficiar do chamado “precedente vinculativo” na medida em que vincula todos os tribunal nacionais do Estados-membros tal como resulta do acórdão do TJUE de 15 de Julho de 1964, Pº Costa/Enel – 6/64, disponível in https://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/PDF/?uri=CELEX:61964CJ0006&from=NL .
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E ainda da vigência do princípio da interpretação conforme com o direito da União, que decorre da interpretação que o TJUE faz das disposições conjugadas dos artigos 4.º, n.º 3 do TUE e 288.º, n.º 3 do TFUE.
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Tal princípio impõe que o intérprete ou aplicador do direito nacional atribua às disposições nacionais um sentido conforme ou compatível com as disposições do direito da União. E quanto ao sentido e alcance deste princípio, no acórdão Von Colson[3], o TJUE entendeu que a obrigação de interpretação da norma nacional que transpõe uma diretiva, em conformidade com o texto e objetivo daquela, obriga o juiz nacional a dar prioridade ao método – de entre os métodos de interpretação permitidos pela ordem jurídica interna – que lhe permita atribuir à disposição nacional em causa uma interpretação compatível com a Directiva.
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Segundo jurisprudência bem assente do TJUE, o direito à dedução em sede de IVA, é um princípio fundamental do sistema comum do imposto que não pode, em princípio, ser limitado e que é exercido imediatamente para a totalidade dos impostos que oneraram as operações efetuadas a montante. Neste sentido, refere-se nos considerandos 38 e 39 do acórdão referido em i) o seguinte: “[...] 38. Como o Tribunal de Justiça sublinhou reiteradamente, o direito a dedução previsto nos artigos 167.° e seguintes da Diretiva 2006/112 faz parte integrante do mecanismo do IVA e não pode, em princípio, ser limitado. Em especial, esse direito é imediatamente exercido em relação à totalidade dos impostos que tenham onerado as operações efetuadas a montante (v., designadamente, acórdãos de 21 de março de 2000, Gabalfrisa e o., C‑110/98 a C‑147/98, Colet., p. I‑1577, n.° 43; de 6 de julho de 2006, Kittel e Recolta Recycling, C‑439/04 e C‑440/04, Colet., p. I‑6161, n.° 47; de 30 de setembro de 2010, Uszodaépítő, C‑392/09, Colet., p. I‑8791, n.° 34; e Comissão/Hungria, já referido, n.° 43). 39. O regime das deduções visa aliviar inteiramente o empresário do peso do IVA devido ou pago no quadro de todas as suas atividades económicas. O sistema comum do IVA garante dessa forma a neutralidade quanto à carga fiscal de todas as atividades económicas, independentemente do seu fim ou do seu resultado, na condição de essas atividades estarem elas mesmas, em princípio, sujeitas a IVA (v., designadamente, acórdãos Gabalfrisa e o., já referido, n.° 44; de 21 de fevereiro de 2006, Halifax e o., C‑255/02, Colet., p. I‑1609, n.° 78; Kittel e Recolta Recycling, já referido, n.° 48; e de 22 de dezembro de 2010, Dankowski, C‑438/09, Colet., p. I‑14009, n.° 24). (...).”
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Abordando agora mais especificamente as consequências que decorrem do incumprimento dos requisitos formais a que está subordinada a facturação, decorre do segmento decisório do Acórdão Mahagében e Dávid de 21 de Junho de 2012, o seguinte: “[...] 1) Os artigos 167.°, 168.°, alínea a), 178.°, alínea a), 220.°, n.° 1, e 226.° da Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado, devem ser interpretados no sentido de que se opõem a uma prática nacional em virtude da qual a autoridade fiscal recusa a um sujeito passivo o direito de deduzir do montante de imposto sobre o valor acrescentado de que é devedor o montante do imposto devido ou pago pelos serviços que lhe foram fornecidos, pelo facto de o emitente da fatura correspondente a esses serviços ou por um dos seus fornecedores ter cometido irregularidades, sem que essa autoridade demonstre, com base em elementos objetivos, que o sujeito passivo em causa sabia ou devia saber que a operação invocada como fundamento do direito a dedução fazia parte de uma fraude cometida pelo emissor da fatura ou por outro operador interveniente a montante na cadeia de prestações. 2) Os artigos 167.°, 168.°, alínea a), 178.°, alínea a), e 273.° da Diretiva 2006/112 devem ser interpretados no sentido de que se opõem a uma prática nacional em virtude da qual a autoridade fiscal recusa o direito a dedução com o fundamento de que o sujeito passivo não se certificou de que o emitente da fatura correspondente aos bens em relação aos quais o direito a dedução é pedido tinha a qualidade de sujeito passivo, dispunha dos bens em causa e estava em condições de os fornecer e tinha cumprido as suas obrigações de declaração e pagamento do imposto sobre o valor acrescentado, ou com o fundamento de que o referido sujeito passivo não dispõe, além da referida fatura, de outros documentos suscetíveis de demonstrar que essas circunstâncias estão reunidas, apesar de os requisitos materiais e formais previstos na Diretiva 2006/112 para o exercício do direito a dedução estarem preenchidos e de o sujeito passivo não dispor de indícios que justifiquem a suspeita da existência de irregularidades ou de fraude por parte do referido emitente. (...).”
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Já no Acórdão acima identificado em ii), ou seja, no Acórdão PPUH Steheemp, de 22-10-2015, proc. C-277/14, analisando o caso de faturas com número de identificação fiscal considerado inexistente, foi decidido o seguinte: “As disposições da Sexta Diretiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados-Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios — Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria coletável uniforme, conforme alterada pela Diretiva 2002/38/CE do Conselho, de 7 de maio de 2002, devem ser interpretadas no sentido de que se opõem a uma regulamentação nacional, como a que está em causa no processo principal, que recusa a um sujeito passivo o direito de deduzir o imposto sobre o valor acrescentado devido ou pago relativamente a bens que lhe foram entregues pelo facto de a fatura ter sido emitida por um operador que deve ser considerado, face aos critérios previstos nessa regulamentação, um operador inexistente e de ser impossível determinar a identidade do verdadeiro fornecedor dos bens, exceto se estiver provado, perante elementos objetivos, e sem serem exigidas ao sujeito passivo verificações que lhe não incumbem, que o sujeito passivo sabia ou tinha a obrigação de saber que a entrega estava envolvida numa fraude ao imposto sobre o valor acrescentado, o que cabe ao tribunal de reenvio verificar.”
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Nos considerandos n.ºs 40 a 42 da fundamentação jurídica do Acórdão PPUH Steheemp, de 22-10-2015, proc. C-277/14, diz-se o seguinte: “[...] 40. Neste contexto, o Tribunal de Justiça declarou igualmente que um eventual incumprimento pelo fornecedor de bens da obrigação de declaração do início de atividade tributável não põe em causa o direito a dedução do destinatário dos bens entregues no que diz respeito ao IVA pago por estes. Assim, o referido destinatário beneficia do direito a dedução mesmo que o fornecedor desses bens seja um sujeito passivo que não está registado para efeitos de IVA, se as faturas relativas aos bens entregues contiverem todas as informações exigidas pelo artigo 22.°, n.° 3, alínea b) da Sexta Diretiva, especialmente as necessárias para a identificação da pessoa que emitiu as faturas e a natureza dos bens (v., neste sentido, acórdãos Dankowski, C‑438/09, EU:C:2010:818, n.os 33, 36 e 38, e Tóth, C‑324/11, EU:C:2012:549, n.° 32). 41. O Tribunal de Justiça conclui daqui que as autoridades tributárias não podem recusar o direito a dedução pelo facto de o emitente da fatura já não dispor de um alvará de empresário em nome individual, e, portanto, já não ter direito a utilizar o seu número de identificação fiscal, quando a fatura inclua todas as informações enumeradas no artigo 22.°, n.° 3, alínea b) (v., neste sentido, acórdão Tóth, C‑324/11, EU:C:2012:549, n.° 33). 42. No caso em apreço, resulta dos autos remetidos ao Tribunal de Justiça que as faturas relativas às operações em causa no processo principal mencionam, em conformidade com a referida disposição, a natureza dos bens entregues e o montante do IVA devido, assim como o nome da Finnet, o seu número de identificação fiscal e o endereço da sua sede social. Assim, as circunstâncias indicadas pelo tribunal de reenvio e resumidas no n.° 30 do presente acórdão não permitem concluir pela inexistência da qualidade de sujeito passivo da Finnet nem, portanto, recusar à PPUH Stehcemp o direito a dedução.(...).”
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Intuindo-se dos segmentos acima transcritos das decisões jurisprudenciais identificadas supra em i) e ii) que o TJUE não considera que seja inevitável o afastamento do direito à dedução, como consequência de uma violação de algum ou de alguns dos requisitos formais previstos no artigo 226.º da Diretiva IVA.
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Não podendo, pois, intuir-se da jurisprudência referenciada a ideia de que estando o sujeito passivo cessado oficiosamente, não reúne a qualidade de sujeito passivo e, por isso, estão incumpridos os requisitos formais da facturação que mandam identificar quer o sujeito passivo transmitente ou prestador; quer o sujeito passivo adquirente da transmissão de bens ou da prestação de serviços em causa, donde, ipso facto, tal não pode deixar de consequenciar o afastamento da desoneração do imposto que está referido nos respectivos documentos de facturação postos em crise.
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A jurisprudência comunitária está, como visto, nos antípodas desta hermenêutica.
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É que, para o TJUE e tal como está referido no considerando 42 do Acórdão Barlis de 15 de Setembro de 2016, consultável in https://curia.europa.eu/juris/document/document.jsf;jsessionid=1FCBCF68254F3F9520BE252CAD3D3799?text=&docid=183364&pageIndex=0&doclang=PT&mode=lst&dir=&occ=first&part=1&cid=5066627 “(...) o princípio fundamental da neutralidade do IVA exige que a dedução deste imposto pago a montante seja concedida se os requisitos materiais estiverem cumpridos, mesmo que os sujeitos passivos tenham negligenciado certos requisitos formais. Por conseguinte, quando a Administração Fiscal dispõe dos dados necessários para saber que os requisitos materiais foram cumpridos, não pode impor condições suplementares ao direito do sujeito passivo de dedução do imposto que possam ter por efeito eliminar esse direito (v., neste sentido, acórdãos de 21 de outubro de 2010, Nidera Handelscompagnie, C-385/09, EU:C:2010:627, n.º 42; de 1 de março de 2012, Kopalnia Odkrywkowa Polski Trawertyn P. Granatowicz, M. Wąsiewicz, C-280/10, EU:C:2012:107, n.º 43; e de 9 de julho de 2015, Salomie e Oltean, C-183/14, EU:C:2015:454, n.ºs 58, 59 e jurisprudência aí referida).”
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Esta posição já tinha sido anteriormente sufragada pelo TJUE, entre outros, no Acórdão de 30 de Setembro de 2010, Uszodaépítő kft, Processo n.º C-392/09, que a dado passo da sua fundamentação jurídica refere: “[...] 39. A este respeito, já foi decidido que o princípio da neutralidade fiscal exige que a dedução do IVA a montante seja concedida se os requisitos substantivos tiverem sido cumpridos, mesmo que os sujeitos passivos tenham negligenciado certos requisitos formais (acórdão de 8 de Maio de 2008, Ecotrade, C‑95/07 e C‑96/07, Colect., p. I‑3457, n.° 63).[...].”
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Adequando se mostrando convocar ainda o Acórdão de 1 de Março de 2012, Kopalnia, Pº C-280/10, que no seu considerando 48 diz: “[O] Tribunal de Justiça declarou, por outro lado, que, embora uma fatura tenha efetivamente uma função documental importante pelo facto de poder conter dados controláveis, existem circunstâncias nas quais os dados podem ser validamente comprovados através de outros meios que não sejam uma fatura e em que a exigência de dispor de uma fatura em todos os pontos conforme com as disposições da Diretiva 2006/112 teria como consequência pôr em causa o direito a dedução de um sujeito passivo (v., neste sentido, acórdão de 1 de abril de 2004, Bockemühl, C‑90/02, Colet., p. I‑3303, n.os 51 e 52).
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E trazer também à colação o Acórdão de 28 de julho de 2016, Giuseppe Astone, P.º C-332/15, que, em breve síntese tratava do seguinte: o Tribunale di Treviso (Tribunal de Treviso) decidiu submeter ao TJUE duas questões prejudiciais. A que mais interessa para a dilucidação do presente litígio é a segunda questão colocada e que referia: “(...) As disposições da [diretiva IVA], conforme interpretadas pela jurisprudência comunitária suprarreferidas [na decisão de reenvio], opõem‑se às normas nacionais dos Estados‑Membros — como as suprarreferidas [na decisão de reenvio] e vigentes em Itália (artigos 25.° e 39.° do Decreto do Presidente da República 633/1972) — que excluem a possibilidade de ter em consideração, também sob o aspeto penal, para efeitos da dedução do IVA, as faturas passivas que o contribuinte nunca registou?” O TJUE, reformulando a questão prejudicial colocada referia: “Nestas condições, e tendo em conta o exposto pelo órgão jurisdicional de reenvio e recordado no n.° 25 do presente acórdão, há que entender que, com a sua segunda questão, esse órgão jurisdicional pergunta, em substância, se os artigos 168.°, 178.°, 179.°, 193.°, 206.°, 242.°, 244.°, 250.°, 252.° e 273.° da diretiva IVA devem ser interpretados no sentido de que se opõem a uma regulamentação nacional, como a que está em causa no processo principal, que permite que a Administração Fiscal recuse a um sujeito passivo o direito a dedução do IVA se for provado que este último não cumpriu a maior parte das obrigações formais que lhe incumbiam para poder beneficiar deste direito.” E relativamente à segunda questão prejudicial colocada, decidiu o TJUE tal como está no ponto 2) do dispositivo e a seguir se transcreve: “[O]s artigos 168.°, 178.°, 179.°, 193.°, 206.°, 242.°, 244.°, 250.°, 252.° e 273.° da Diretiva 2006/112 devem ser interpretados no sentido de que não se opõem a uma regulamentação nacional, como a que está em causa no processo principal, que permite que a Administração Fiscal recuse a um sujeito passivo o direito a dedução do imposto sobre o valor acrescentado se for provado que este último não cumpriu fraudulentamente, o que cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar, a maior parte das obrigações formais que lhe incumbiam para poder beneficiar deste direito.” Provada a actuação fraudulenta do sujeito passivo que pretenda desonerar-se do IVA, em resultado do incumprimento das obrigações formais que sobre ele impendem, legitima-se o afastamento da dedutibilidade do IVA.
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Na senda do vindo de referir e em comentário ao Acórdão Barlis, André Conde Morais e Sofia Saraiva de Menezes, in “Formalidades das Facturas e Direito à Dedução: o Acórdão Barlis”, Cadernos IVA, 2017, Almedina, pp. 61 e 62, advoga-se: “[L]ogo, o TJUE conclui que cabe ao órgão jurisdicional de reenvio considerar todas as informações constantes não só das faturas mas também dos documentos anexos apresentados pela Barlis de modo a constatar se se encontram reunidos os requisitos materiais do seu direito à dedução. O Tribunal ressalva ainda que, não sendo a supressão do direito a dedução uma consequência admissível, à luz da Directiva IVA e jurisprudência do TJUE, para a violação das regras de faturação, é ainda assim facultado aos Estados-Membros a previsão de dois tipos de consequências: (i) uma respeitante determinação do ónus da prova, que incumbe ao sujeito passivo nos casos em que não observe os requisitos formais, podendo a Administração Fiscal exigir-lhe provas (da verificação dos requisitos materiais); (ii) outra, respeitante à competência que os Estados-Membros possuem para prever sanções aplicáveis à violação de requisitos formais do direito à dedução. Assim, incumprida alguma formalidade, os Estados-Membros, podem, por exemplo, aplicar uma multa uma sanção pecuniária.”
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Quanto à jurisprudência prolatada pelos Tribunais superiores a este propósito, traga-se à colação o Acórdão do STA de 14.12.2011, P.º 076/11, referido e em parte transcrito no PPA, o que aqui igualmente se efectiva: “[S]e todos os elementos são indispensáveis para o exercício do direito à dedução do imposto, há, no entanto, que fazer a distinção entre os elementos da factura e o conhecimento que os sujeitos passivos têm sobre a sua autenticidade. O problema coloca-se sobretudo quanto à identificação do alienante ou prestador de serviços, uma vez que os demais elementos são cognoscíveis pelo adquirente. A alínea a) do n.º 5 do art.º 35.º [actualmente art.º 36.º] impõe a obrigação das facturas mencionarem a identificação fiscal dos sujeitos passivos, mas não comete explicitamente ao adquirente a obrigação de controlar se essa identificação é ou não verdadeira. Ainda que possa recair sobre o adquirente a obrigação de controlar se número de identificação fiscal mencionado na factura corresponde ao cartão de identificação emitido pela Administração, atenta a presunção de veracidade dos documentos autênticos, não se lhe pode exigir que investigue se o cartão se mantém ou não válido. Certamente por isso o artigo 72.º do CIVA [actualmente art.º 79.º] não menciona o número de identificação fiscal entre os elementos da factura cuja falta ou inexatidão responsabiliza o adquirente, em solidariedade com o transmitente, pelo pagamento do imposto. Diz o n.º 1 desse artigo que o adquirente «é solidariamente responsável com o fornecedor pelo pagamento do imposto, quando a factura ou documento equivalente, cuja emissão seja obrigatória nos termos do artigo 28.º, não tenha sido passada, contenha uma indicação inexacta quanto ao nome ou endereço das partes intervenientes, à natureza ou à quantidade dos bens transmitidos ou serviços fornecidos, ao preço ou ao montante de imposto devido». Não se fazendo qualquer referência ao número de identificação fiscal referido na aliena a) do n.º 5 do art.º 35.º, pode concluir-se que não existe a obrigatoriedade do adquirente dos bens ou serviços averiguar a autenticidade do número de identificação do fornecedor. E a inexistência de tal dever até se compreende, pois a solução contrária não só́ constituiria um entrave ao comércio jurídico como era susceptível de congestionar os canais de comunicação e informação da Administração Fiscal. (...) “Não tendo sido invocada e provada a falsidade das facturas ou que as transmissões consubstanciaram operações simuladas, a irregularidade praticada com a manutenção nas facturas do anterior número de identificação não as invalida para efeito de dedução do imposto nelas liquidado. Pode dizer-se que se tratou de uma irregularidade que de modo algum prejudicou os objectivos que se visam atingir com a indicação correcta do número de contribuinte do fornecedor.”
IV.D3) Descendo ao caso concreto e subsumindo-o no direito enunciado acima:
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No art.º 15.º da Resposta aduz a Requerida no sentido de que “[A] Direção de Finanças de Faro constatou, com base nos fortes indícios recolhidos pelos SIT em inspeção efetuada à entidade fornecedora que a atividade desenvolvida por B... não era verdadeira e, por consequência, as faturas por este emitidas consubstanciavam uma situação de faturas falsas face a incongruências entre a resposta do representante legal do requerente e as declarações daquela, relativos a forma de pagamento iá identificação de quem efetivamente exercer atividade (vendedor identificado).”
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No artigo seguinte daquela peça, admite-se, no entanto, que o normativo ao abrigo do qual as deduções aqui em causa foram afastadas foi a alínea a) do n.º 2 do art.º 19.º do CIVA e já não o seu n.º 3 ou até o seu n.º 4.
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Por outro lado, os Relatórios de Inspecção Tributária de 2019 e de 2020 que estão juntos aos autos, respectivamente, como Doc. n.º 12 e Doc. n.º 13, diz-se: “[N]o âmbito de um outro procedimento inspetivo levado a cabo por esta direção de Finanças foram apurados indícios da existência de atividade por parte do contribuinte B... NIF ... . Das conclusões retiradas na análise realçam-se as seguintes: “falta de uma adequada estrutura comercial; incongruências verificadas nas declarações que foram prestadas pelo contribuinte; inexistência de instalações físicas; incongruências a nível de moradas; inexistência de empregados; inexistência de veículos de transporte; inexistência de documentos associados ao transporte das mercadorias compradas e vendidas; inexistência de informação sobre a entrada em Portugal de aquisições intracomunitárias em Espanha. Face a informação recolhida, tendo por base os vários fatos apurados, alguns dos quais realçados no parágrafo anterior, foi proposta a cessação oficiosa da atividade do contribuinte B... em sede de IRS nos termos do n.º 3 do art.º 114.º do Código IRS e em sede de IVA nos termos do n.º 2 do art.º 34.º do Código IVA com efeitos a 2019.12.23. (...) A referida cessação de atividade passou a constar da sua situação cadastral, o que, nomeadamente, significa que, após a data da cessação, As importâncias constantes de documentos emitidos na sequência da realização de operações com terceiros não serão, na esfera destes, dedutíveis para efeitos de apuramento do IVA nem para efeitos de determinação do lucro tributável em sede de IRC, em conformidade com o disposto no art.º 19.º do Código do IVA e do art.º 23.º-A do Código do IRC. A situação de atividade Sado fui tão divulgada no site do portal das finanças (www.portaldasfinancas.gov.pt), na funcionalidade que se destina a confirmação por parte dos operadores económicos da veracidade do NIF dos clientes/fornecedores.” Não obstante a referência, como um todo, ao normativo previsto no art.º 19º do CIVA, em termos de suporte legal que está a fundamentar a correcção proposta, aduz-se a fls. 10 do RIT de 2019 (e, mutatis mutandis, também no RIT de 2020) com a alínea a) do n.º 2 do art.º 19º do CIVA.
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Intuindo-se daqui que não obstante a vaga alusão de que a actividade exercida pela fornecedora da aqui Requerente não era verdadeira por ausência de estrutura empresarial para o efeito, entende o Tribunal Arbitral Singular que a efectividade das prestações de serviços realizadas por B... à Requerente e que estão a ser aqui controvertidas, não foi sequer questionada no âmbito dos procedimentos inspectivos aos anos de 2019 e de 2020 entretanto dealbados e também o não foi pela Requerida nos presentes autos. E nem mesmo o foi com a invocação no ponto 22. da Reposta do seguinte: “[T]ambém por consulta à aplicação e-fatura, no ano de 2020, foram relevadas faturas de venda, no montante global de € 768.012,50 (c/ iva incluído à taxa normal), emitidas por B..., sem que exista faturação de compras no mercado nacional que que suporte os valores faturados, reforçando a convicção de que a haver bens adquiridos estes não foram fornecidos por B... .", na medida em que, não estando tal circunstancialismo no RIT, a sua invocação só poderia configurar uma situação de fundamentação a posteriori, sendo que a jurisprudência emanada dos tribunais superiores vai repudiando tal tipologia de fundamentação. A fundamentação a posteriori é irrelevante para a decisão judicial que vai apreciar a legalidade de um concreto acto tributário de liquidação, na medida em que não será com base na fundamentação subsequente que poderá ser aferida a eventual legalidade do acto tributário sindicado judicialmente. Neste sentido veja-se o Acórdão do STA, tirado no âmbito do Processo n.º 0324/15, de 27-01-2016, onde se diz: “O tribunal tem de quedar-se pela formulação de um juízo sobre a legalidade do acto tal como ele ocorreu, apreciando a sua legalidade à luz da sua fundamentação contextual. Sabido que o direito à fundamentação dos actos administrativos reclama que o particular apenas tenha de defender-se dos pressupostos que aí foram enunciados e dos quais se distraíram os efeitos lesivos, não será de admitir qualquer fundamentação a posteriori nem o aproveitamento do acto quando isso implique a valoração de razões de facto e de direito que não constam dessa fundamentação, pois se assim não fosse o particular ver-se-ia surpreendido em juízo com a invocação de uma outra realidade e isso representaria uma contracção do seu direito de impugnação contenciosa face à impossibilidade de utilizar os meios conferidos por lei para sindicar os actos tributários e que são mais favoráveis que os meios conferidos por lei para impugnar decisões judiciais.” Traga-se ainda à colação o vertido no Acórdão do STA de 4.10.2017, Processo n.º 0406/13, que a dado passo refere: “[A] fundamentação por remissão, como é a do acto impugnado, obriga a que a informação, parecer ou proposta para que se remete contenha as razões de facto e de direito, ainda que de forma sucinta, mas de modo a que se perceba por que se decidiu naquele sentido. Não contendo tal informação, com suficiência e clareza os motivos, causas ou pressupostos da decisão, estamos perante a falta de fundamentação do acto administrativo, de acordo com o disposto no art.º 125, n.ºs 1 e 2 do CPA velho, que é o aqui aplicável: a obscuridade e insuficiência da fundamentação do acto valem como falta de fundamentação. Por seu turno, a falta de fundamentação inquina o acto de ilegalidade que determina a sua anulabilidade. É certo que ulteriormente, como bem refere a sentença recorrida, já́ em sede de reclamação graciosa, na informação n.º 115-AJT/05, que foi apropriada pela decisão de indeferimento proferida no âmbito daquele meio de impugnação graciosa (cfr. pontos 4. e 6. da factualidade dada como assente), a AT veio dizer que o comprovativo da “qualidade de não residente” era exigido pelo n.º 1 do art.º 9.º do Decreto-Lei n.º 215/89, bem como, no que se refere aos emigrantes, pelo n.º 1 da Portaria n.º 1476/95, de 23 de Dezembro. No entanto, como ficou já́ dito e a sentença judiciosamente registou, esta fundamentação a posteriori não pode ser relevada quando estamos a sindicar a legalidade da liquidação sob a óptica do cumprimento do dever legal de fundamentação.” A fundamentação a posteriori que completasse, clarificasse ou até mesmo se pudesse configurar como tendo um carácter inovador, quando comparada com a fundamentação do acto tributário notificado ao interessado, colocaria em causa princípios de segurança jurídica e até poderia coartar os direitos de defesa do interessado que a jurisprudência e a doutrina claramente não aceitam; hermenêutica à qual aqui se adere.
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Além de que também não se manifestaram ou foram sequer alegados quaisquer indícios de fraude ou de abuso por parte da fornecedora que levassem à instauração de procedimento criminal tendente ao sancionamento de tais eventuais condutas. Não obstante a referência à falta de verdade associada à actividade desenvolvida pela fornecedora da aqui Requerente, não há nos autos evidencia de que esse circunstancialismo tenha levado ao acionamento do RGIT tendo em vista o sancionamento de tais supostas e eventuais condutas. Foi, portanto, no quadro do normal desenvolvimento das atividades e relações comerciais que vinham sendo outorgadas, desde 2017, entre a Requerente e B... (fornecedora daquela) que ocorreu a emissão das faturas cujo IVA foi considerado não dedutível pela AT, com fundamento na circunstância de não estarem cumpridos os respetivos requisitos formais relativos à identificação do sujeito passivo fornecedor, na medida em que, aquele, se encontrava cessado oficiosamente, desde 23.12.2019 e, por isso, já não detinha a qualidade de sujeito passivo no momento em que as aludidas facturas foram emitidas.
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No sentido de se consubstanciar melhor a ideia de que estavam aqui em causa operações cuja efectividade/materialidade não foi posta em causa pela Requerida, mister é trazer-se agora à colação o Acórdão de 14.7.2014, prolatado no processo 00030/05.6BEPNF, da 2.ª Secção do Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte (TCAN), onde a dado passo se diz: “[É] o problema da repartição do ónus probatório entre a administração tributária e o sujeito passivo na aferição da legalidade do exercício à dedução. Sobre esta matéria, dispõe com interesse o artigo 74.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária que o ónus de prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque. Assim, e tomando como modelo o procedimento de liquidação da iniciativa da administração tributária, esta terá o ónus de demonstrar a ocorrência dos factos de que deriva o direito à liquidação (os factos-pressupostos da existência, qualificação e quantificação do facto tributário). E o sujeito passivo terá o ónus de demonstrar os factos impeditivos, modificativos ou extintivos desse direito. Todavia, o acórdão do Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo de 2003-05-07 (Processo n.º 01026/02, disponível a redação integral in www.dgsi.pt, seguindo o entendimento do acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 2002-04-17, processo n.º 026635, também ali disponível), firmou jurisprudência no sentido de que recai sobre o contribuinte a prova da existência dos factos tributários que alegou como pressuposto do direito à dedução do imposto sobre o valor acrescentado. A razão de ser deste entendimento é a seguinte: ao contrário do que sucede em regra, em que a administração tributária afirma a ocorrência do facto de que deriva o direito à tributação, neste caso é o sujeito passivo que afirma o facto tributário de que deriva o direito à dedução e a administração tributária que põe em causa a sua ocorrência. Deve salientar-se, porém, que esta regra do ónus probatório só opera verdadeiramente depois de a administração tributária ter reunido e invocado indícios fundados de que o facto tributário não ocorreu (no caso, que não ocorreu entre os sujeitos mencionados na fatura. Ou seja (para utilizar as palavras do mesmo aresto), depois da administração tributária ter emitido «um juízo administrativo de adequação entre os factos e as valorações em que a administração diz, formalmente, suportar a sua decisão e o resultado desse juízo no sentido de se lhe afigurar ter sido declarado uma dedução superior à devida e com a prova perante o tribunal da pertinência desse juízo ou seja, com a prova, perante o tribunal, da existência dos elementos que tornam possível ter como adequada a consideração por si feita de que o contribuinte declarou uma dedução superior à permitida pela lei». O que, de resto, resultava já do artigo 82.º, n.º 1, do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado (na redação então em vigor) segundo o qual a rectificação das declarações do sujeito passivo ocorreria quando a administração tributária fundadamente considerasse que nelas figurara um imposto superior ou uma dedução superior aos devidos. E que nem poderia ser de outra forma, porque o exercício do direito à dedução tem por base a declaração a que então aludia o artigo 28.º, n.º 1, alínea c), do mesmo Código. Declaração essa que, nos termos do artigo 75.º da Lei Geral Tributária, se presume verdadeira quando seja apresentada nos termos previstos na lei e os dados dela constantes se encontram inscritos na sua contabilidade ou escrita, por sua vez organizadas de acordo com a legislação comercial ou fiscal. E quando alguém tem a seu favor uma presunção legal não tem que provar o facto a que ela conduz – artigo n.º 350.º, n.º 1, do Código Civil. Pelo que, quando o direito à dedução tenha por base declaração do sujeito passivo apresentada nos termos da lei, a administração tributária que pretenda infirmar a ocorrência do facto em que se suporta essa dedução invocando a simulação de sujeitos, não tem que demonstrar que o acordo simulatório existiu (o que seria muito difícil demonstrar, na generalidade dos casos), mas tem que reunir indicadores objetivos de que tal acordo deveria ter existido. (...)”. A partir daqui, e considerando a situação particular em apreciação nos autos, tem de entender-se que para haver simulação seria necessário que a administração fiscal tivesse reunido elementos que relacionassem a utilizadora das facturas com o esquema de fraude, ou seja, que tivesse reunido indícios de que a utilizadora das facturas participou ou que sabia ou devia saber que a emitente das facturas não era o verdadeiro fornecedor da mercadoria em apreço, na medida em que pode acontecer que a utilizadora de facturas falsas não saiba nem tenha possibilidades de saber da falsidade. Com efeito, basta que um operador, obtendo as necessárias quantidades de mercadorias, munindo-se de um livro de facturas e abrindo uma conta bancária em nome do titular da factura, se desloque às instalações de um outro revendedor, ofereça as mercadorias, acorde um preço e desconte o cheque usado como meio de pagamento. A aceitar-se que o ónus da Fazenda Pública se basta com a recolha de indícios de falsidade relativamente aos emitentes das facturas levaria a que os utilizadores das facturas falsas, que não sabem que são falsas, não pudessem deduzir custos que efectivamente suportaram, sem que tivessem participado em qualquer esquema fraudulento. Dir-se-á que, sempre tais utilizadores inocentes poderiam fazer prova da veracidade das transacções - na aplicação do quadro probatório acima fixado: à administração tributária cabe o ónus de demonstrar indícios da falsidade; cumprido tal ónus passa a caber ao contribuinte o ónus da prova da veracidade das transacções. Mas facilmente se percebe que tal prova, nestas circunstâncias, de fraude a montante, que desconhece, será impossível para o utilizador das facturas provar o que quer que seja para além do que resulta da sua contabilidade, e que, não se deve esquecer, goza de presunção de veracidade. Se houve fraude e o utilizador das facturas desconhece não pode provar que as mercadorias foram adquiridos aos emitentes das facturas, porque não foram; nem pode provar que os adquiriu a outrem, porque para este utilizador de facturas a mercadoria foi comprada ao emitente, desconhecendo o real vendedor. O que pode fazer o utilizador das facturas nestas circunstâncias é tão-só esclarecer como é que as negociações se desenvolveram e com quem se desenvolveram. (...). Deste modo, havendo indícios de que a emitente das facturas não forneceu a mercadoria mencionada nas facturas, impunha-se que a administração fiscal indagasse da participação da ora Recorrida no esquema simulatório. Ora, a administração tributária não diz que a recorrente sabia ou devia saber que estava a comprar a pessoa diferente da que figura na factura e o utilizador da factura não está obrigado a saber a situação empresarial ou fiscal do emitente da factura que lhe entrega a mercadoria. Aceitar-se que um utilizador de facturas veja os custos desconsiderados sem que de alguma forma a administração tributária o ligue ao esquema fraudulento, seria violador do princípio da justiça. E poria em causa a confiança nas relações comerciais. Este entendimento vai de encontro ao do Tribunal de Justiça que no Acórdão de 31 de Janeiro de 2013, processo C-642/11 - que tratava de uma questão de dedutibilidade de IVA, reportando-se aos casos em que as irregularidades se verificam na esfera dos emitentes, pronunciou-se assim: «47 Assim, cabe às autoridades e aos tribunais nacionais recusar o direito a dedução, se se demonstrar, face a elementos objectivos, que esse direito é invocado fraudulenta ou abusivamente (v., neste sentido, acórdão de 6 de Julho de 2006, Kittel e Recolta Recycling, C-439/04 e C-440/04, Colet., p.I-6161; e acórdãos, já referidos, Mahagében e David, n.º 42, e Bonik, n.º 37). 48 Contudo, também segundo jurisprudência bem assente, não é compatível com o regime do direito a dedução prevista pela Diretiva 2006/112 sancionar, com a recusa desse direito, um sujeito passivo que não sabia nem podia saber que a operação em causa fazia parte de uma fraude cometida pelo fornecedor ou que outra operação incluída na cadeia de fornecimento, anterior ou posterior à realizada pelo referido sujeito passivo, estava viciada por fraude ao IVA (v., especialmente, acórdão de 12 de Janeiro de 2006, Optigen e o., C-354/03, C-355/03 e C-484/03, Colet., p. I-483, n.ºs 52 e 55; e acórdãos, já referidos, Kittel e Recolta Recycling, n.ºs 45, 46, e 60, Mahagében e Dávid, n.º 47, e Bonik, n.º 41). 49 Além disso, o Tribunal de Justiça declarou, nos n.ºs 61 a 65 do acórdão Mahagében e David, já́ referido, que a Administração Fiscal não pode exigir de maneira geral que o sujeito passivo que pretenda exercer o direito a dedução do IVA, por um lado, verifique que o emitente da fatura referente aos bens e aos serviços em função dos quais o exercício deste direito é pedido dispõe da qualidade de sujeito passivo, possui os bens em causa e está em condições de os entregar e cumpre as suas obrigações de declaração e de pagamento do IVA, a fim de se certificar de que não há irregularidades ou fraude ao nível dos operadores a montante, ou, por outro, possua documentos a este respeito. 50. Daqui decorre que o tribunal nacional que deva decidir se, num determinado caso, existe operação tributável, tendo a Administração Fiscal alegado no processo que a existência de irregularidades cometidas pelo emitente da fatura ou por um dos seus fornecedores, como omissões contabilísticas, deve zelar por a apreciação da prova não conduza a esvaziar de sentido a jurisprudência recordada no n.º 48 do presente acórdão, obrigando de forma indireta o destinatário da fatura a proceder a verificações junto do seu contratante que, em principio, não lhe incumbem.» E a final declarou:«(...) 2- Os princípios da neutralidade fiscal, da proporcionalidade e da confiança legitima devem ser interpretados no sentido de que não se opõem a que seja o direito a dedução do imposto sobre o valor acrescentado pago a montante seja recusado ao destinatário de uma factura, por inexistência de uma operação tributável efectiva, quando, no aviso retificativo de tributação enviado ao emitente da fatura, o imposto sobre o valor acrescentado declarado pelo emitente não tiver sido corrigido. Contudo, se, por causa de fraudes ou irregularidades cometidas pelo emitente ou a montante da operação invocada como base do direito a dedução, se considerar que essa operação não foi efectivamente realizada, deve provar-se, perante elementos objetivos e sem exigir ao destinatário da fatura verificações que lhe não incumbem, que o mesmo destinatário sabia ou tinha obrigação de saber que a operação estava implicada numa fraude ao imposto sobre o valor acrescentado, o que cabe ao tribunal de reenvio verificar.» (...) No caso, repete-se, estando demonstrado que a ora Recorrida adquiriu a mercadoria em causa, teria a administração tributária que recolher indícios bastantes de que a recorrida sabia ou devia saber que quem lhe estava a vender não era a pessoa que figurava nas facturas. E não tendo tal acontecido, concluímos que a administração tributária não recolheu indícios que legitimam a sua actuação no sentido de não aceitar a dedução do IVA mencionado nas facturas em causa nos autos, ou seja, não cumpriu com o ónus que sobre si impendia no sentido de fundamentar as liquidações impugnadas, as quais estão, assim, feridas de ilegalidade, impondo-se assim acompanhar a decisão recorrida quando determinou a anulação das liquidações impugnadas. (...).”
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Aderimos, in totum, à jurisprudência vinda de transcrever, fazendo nossa, com a devida vénia, a clarividente e sensata hermenêutica que dali decorre. E a este propósito da (ao menos) prova indiciária da falta de efectividade das operações aqui em causa o que se diz no Relatório de Inspecção? Como visto, nada, rigorosamente nada! A AT tinha de ter reunido elementos (ao menos indiciários) que relacionassem a aqui Requerente (que relevou as facturas cujo IVA foi desconsiderado) com o esquema de fraude prefigurado (mas não demonstrado), ou seja, tinha de ter reunido indícios sérios e seguros de que a Requerente, enquanto utilizadora das facturas colocadas em crise, participou no esquema de fraude ou que sabia ou devia saber que a emitente das facturas não era o verdadeiro fornecedor da mercadoria em apreço e não o logrou fazer.
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Resolvida a questão da efectividade (ou ausência dela) das operações aqui em causa, a questão de fundo é agora a de saber o incumprimento dos requisitos meramente formais associados à facturação de que depende a legitimação do direito à dedução em sede de IVA, pode levar, em termos de consequências, à sua desconsideração na esfera jurídica da adquirente das operações colocadas em causa pela AT, ou seja, é a de saber se o incumprimento de requisitos formais como os que estão aqui em causa e ligados à falta de identificação do fornecedor como sujeito passivo, porquanto, lhe foi retirada, oficiosamente, tal qualidade por via da cessação oficiosa efectivada, pode levar, ipso facto, à desconsideração do IVA deduzido pela aquirente dessas operações, aplicando-se o n.º 2 do art.º 19º do CIVA por interpretação a contrario.
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A Requerente nega o incumprimento de qualquer requisito formal imposto pela n.º 5 do art.º 36º do CIVA, sustentando que as facturas cujo IVA foi desconsiderado continham todos os requisitos legais de forma, incluindo toda a informação mencionada no n.º 5 do art.º 36º do CIVA, dizendo poder percepcionar-se a identificação, incluindo o NIF, da fornecedora e da adquirente (a Requerente) e ainda a descrição dos bens vendidos e o respectivo valor.
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O Tribunal entende que a emissão de factura por contribuinte cessado (oficiosamente ou não) consubstancia uma clara situação de facturação emitida em desrespeito pelos requisitos formais impostos pelo CIVA, na medida em que o contribuinte que haja cessado a sua actividade, perde a natureza de sujeito passivo que até então detinha. É que, nos termos do que dispõe a alínea a) do n.º 1 do art.º 19.º do CIVA, só é reconhecido o direito à dedução do imposto devido ou pago pela aquisição de bens e/ou serviços, desde que, as correspondentes aquisições tenham sido feitas a outros sujeitos passivos, só assim não se quebrando a cadeia de deduções que é a salvaguarda da neutralidade e correcto funcionamento do imposto.
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Estamos, assim, aqui, no domínio do incumprimento dos requisitos formais da facturação, sendo que, por isso, o que importa averiguar, doravante, é se esse incumprimento leva às consequências que a Requerida dele retirou; ou se, ao invés, são outras as consequências, socorrendo-nos, essencialmente, da jurisprudência acima identificada para tomarmos posição sobre tal controvérsia.
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Partindo da factualidade que nos dá conta de que a fornecedora da Requerente, B..., emitiu facturas em momento posterior ao da sua cessação oficiosa, em 23.12.2019 e que algumas dessas facturas foram relevadas contabilisticamente pela Requerente e, em resultado disso, aquela exerceu o direito à dedução do IVA nelas contido, donde, desonerou-se de IVA contido em facturas emitidas por contribuinte cessado, coloca-se a questão de saber se estamos perante mera irregularidade, como defende a Requerente ou se, ao invés, como sustenta a Requerida, se estamos perante uma situação em que a consequência é a impossibilidade de desoneração do IVA suportado.
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E com respaldo na jurisprudência do TJUE e até da jurisprudência emanada do STA, entende o Tribunal Arbitral Singular que garantido que esteja que, ainda assim, está na disponibilidade da AT controlar os requisitos de ordem material para o exercício do direito à dedução e desde que verificados esses requisitos materiais, não pode a AT eleger como consequência decorrente da falta de cumprimento de algum ou de alguns dos requisitos formais previstos no n.º 5 do art.º 36º do CIVA, a desconsideração liminar do direito à dedução do IVA inscrito nos respectivos documentos de facturação. Não é demais repristinar aqui o segmento decisório do Acórdão Mahagében e Dávid de 21 de Junho de 2012, que defende que o sistema comum do IVA deve ser interpretado no sentido de que se opõe “(...) a uma prática nacional em virtude da qual a autoridade fiscal recusa o direito a dedução com o fundamento de que o sujeito passivo não se certificou de que o emitente da fatura correspondente aos bens em relação aos quais o direito a dedução é pedido tinha a qualidade de sujeito passivo, dispunha dos bens em causa e estava em condições de os fornecer e tinha cumprido as suas obrigações de declaração e pagamento do imposto sobre o valor acrescentado, ou com o fundamento de que o referido sujeito passivo não dispõe, além da referida fatura, de outros documentos suscetíveis de demonstrar que essas circunstâncias estão reunidas, apesar de os requisitos materiais e formais previstos na Diretiva 2006/112 para o exercício do direito a dedução estarem preenchidos e de o sujeito passivo não dispor de indícios que justifiquem a suspeita da existência de irregularidades ou de fraude por parte do referido emitente. (...).”; ou até repristinar aqui o segmento decisório do Acórdão PPUH Steheemp, de 22-10-2015, proc. C-277/14, que defende que o sistema comum do IVA deve ser interpretado no sentido de que se opõe “(...) a uma regulamentação nacional, como a que está em causa no processo principal, que recusa a um sujeito passivo o direito de deduzir o imposto sobre o valor acrescentado devido ou pago relativamente a bens que lhe foram entregues pelo facto de a fatura ter sido emitida por um operador que deve ser considerado, face aos critérios previstos nessa regulamentação, um operador inexistente e de ser impossível determinar a identidade do verdadeiro fornecedor dos bens, exceto se estiver provado, perante elementos objetivos, e sem serem exigidas ao sujeito passivo verificações que lhe não incumbem, que o sujeito passivo sabia ou tinha a obrigação de saber que a entrega estava envolvida numa fraude ao imposto sobre o valor acrescentado, o que cabe ao tribunal de reenvio verificar.”
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Sendo que a falta de verificação dos aludidos requisitos materiais não só parece estar incontornavelmente garantida, como nem sequer foi aduzida como fundamento para afastar a dedução do IVA aqui em causa.
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Os requisitos materiais previstos nos art.ºs 19.º e 20.º do CIVA, i.e., a efectividade das operações aqui em causa e até a sua conexão directa e imediata com a actividade exercida pela Requerente, vamos dá-los por verificados, sobrando, assim, o único fundamento invocado pela AT para colocar em causa a dedutibilidade do IVA aqui em causa e que é o das facturas terem sido emitidas por contribuinte cessado oficiosamente e em momento posterior ao da aludida cessação.
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O Tribunal acolhe a hermenêutica da Requerente que vai no sentido de que, não obstante a alínea a) do n.º 5 do art.º 36.º, impor a obrigação de as facturas mencionarem os números de identificação fiscal do adquirente e fornecedor das operações ali tituladas, não há, nosso ordenamento jurídico-tributário, qualquer norma que imponha ao adquirente de uma operação sujeita a IVA, a obrigação de verificar se o NIF do fornecedor é válido ou até se comporta alguma irregularidade.
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Concorda também que a existir tal aludida obrigação ela apenas poderia ser cumprida a partir da data em que a cessação oficiosa da fornecedora fosse disponibilizada pela AT aos contribuintes em geral, ou seja, mister é saber se a AT provou ou não ter disponibilizado a informação necessária para que a Requerente pudesse conhecer que a fornecedora B... se encontrava cessada oficiosamente.
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A desconsideração do IVA, nesse cenário, sempre estaria na dependência da disponibilização aos contribuintes de informação relativa à situação cadastral da fornecedora entretanto cessada oficiosamente, o que, no caso, não se verificou, sendo que esse sempre constituiria um ónus probatório que teria de incumbir à Administração Tributária.
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E nem se diga que tal ónus probatório foi, in casu, cumprido pela AT com a disponibilização da informação divulgada no site do portal das finanças (www.portaldasfinancas.gov.pt), na funcionalidade que se destina à confirmação por parte dos operadores económicos da veracidade do NIF dos clientes/fornecedores e relativa à situação cadastral dos sujeitos passivos, sendo que, tal informação, é de carácter genérico e público, tornando-se acessível a qualquer contribuinte através do portal das finanças.
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Não obstante a referência ao site da AT, nada está provado nos autos sobre a efectiva disponibilização à Requerente por parte de AT, no período compreendido entre 23.12.2019 e 26.10.2020, de qualquer informação sobre a cessação oficiosa da contribuinte B... .
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Não há indicador seguro de que a Administração Tributária tivesse facultado, naquele período, informação sobre a situação cadastral da fornecedora entretanto cessada oficiosamente, em termos de a Requerente poder ter evitado, actuando diligentemente, manter a sua relação comercial com a mesma.
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A corresponsabilização dos adquirentes de bens ou serviços, no âmbito da sua actividade empresarial, com o afastamento da dedutibilidade do IVA em caso de incumprimento, só poderia advir de norma que expressamente o previsse e que impusesse a conferência prévia através do portal das finanças da situação fiscal dos co-contratantes.
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Não só não há norma expressa que o imponha; como também não há, em sede de IVA, um dever procedimental imposto à AT de facultar ao público os dados sobre sujeitos passivos com número de identificação fiscal inexistente ou inválido ou cuja actividade tenha sido declarada oficiosamente cessada, ainda que o site da AT permita a confirmação por parte dos operadores económicos da veracidade do NIF dos clientes/fornecedores e também da situação cadastral dos sujeitos passivos.
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A tudo quanto vem sendo aduzido acresce a circunstância de estarem em causa operações efectivamente praticadas, cuja efectividade/materialidde não foi posta em causa pela Requerida.
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Acrescendo dizer que está provado nos autos que a Requerente mantinha relações com a referida fornecedora desde 2017, através de um comercial daquela que se deslocava às instalações da Requerente, o que dificultava a identificação de eventuais realidades abusivas/evasivas, na medida em que a Requerente parece não conhecer a verdadeira estrutura empresarial que consubstanciava a actividade da sua fornecedora.
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Na verdade, não se provou qualquer envolvimento da Requerente em esquemas ou actividades fraudulentas que eventualmente fossem desenvolvidos e praticados pela sua fornecedora tal como parece fazer crer a AT.
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Além de que e tendo presente os ditames constitucionais da proporcionalidade e da justiça, não seria razoável e ajustado à realidade comercial impor à Requerente a confirmação da validade, da substância ou da ausência de cessação oficiosa da contribuinte com quem vinha entabulando contratos de fornecimento de pneus em todas as transacções realizadas, não devendo olvidar-se que estava em causa fornecedora com a qual vinham sendo mantidas relações comerciais continuadas no tempo, em que, com base numa actuação diligente, nunca se identificaram eventuais realidades abusivas/evasivas que evidenciassem a possibilidade da cessação oficiosa de tal fornecedora pela AT.
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À face do exposto, os atos tributários de liquidação de IVA aqui sindicados e relativos aos anos 2019 e 2020, enfermam de vício substantivo e, por isso, devem ser anulados, em conformidade com o disposto no art.º 163.º, n.º 1 do Código do procedimento Administrativo.
IV.D3) Da restituição do imposto indevidamente pago e da liquidação de juros indemnizatórios a favor da Requerente:
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Estatui o art.º 43º da LGT, sob a epígrafe “Pagamento indevido da prestação tributária”, como segue: “1 - São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido. 2 - Considera-se também haver erro imputável aos serviços nos casos em que, apesar de a liquidação ser efectuada com base na declaração do contribuinte, este ter seguido, no seu preenchimento, as orientações genéricas da administração tributária, devidamente publicadas. 3 - São também devidos juros indemnizatórios nas seguintes circunstâncias: a) Quando não seja cumprido o prazo legal de restituição oficiosa dos tributos; b) Em caso de anulação do acto tributário por iniciativa da administração tributária, a partir do 30.º dia posterior à decisão, sem que tenha sido processada a nota de crédito; c) Quando a revisão do acto tributário por iniciativa do contribuinte se efectuar mais de um ano após o pedido deste, salvo se o atraso não for imputável à administração tributária. d) Em caso de decisão judicial transitada em julgado que declare ou julgue a inconstitucionalidade ou ilegalidade da norma legislativa ou regulamentar em que se fundou a liquidação da prestação tributária e que determine a respetiva devolução. 4 - A taxa dos juros indemnizatórios é igual à taxa dos juros compensatórios. 5 - No período que decorre entre a data do termo do prazo de execução espontânea de decisão judicial transitada em julgado e a data da emissão da nota de crédito, relativamente ao imposto que deveria ter sido restituído por decisão judicial transitada em julgado, são devidos juros de mora a uma taxa equivalente ao dobro da taxa dos juros de mora definida na lei geral para as dívidas ao Estado e outras entidades públicas.”
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O processo de impugnação judicial, apesar de ser essencialmente um processo de anulação de actos tributários, admite a condenação da Administração Tributária no pagamento de juros indemnizatórios, como se depreende, aliás, do acima transcrito n.º 1 do art.º 43.º, da LGT.
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De harmonia com o disposto na alínea b) do artigo 24.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a Administração Tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exactos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, «restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito», o que está em sintonia com o preceituado no artigo 100.º da LGT [aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT] que estabelece, que «a administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamações ou recursos administrativos, ou de processo judicial a favor do sujeito passivo, à plena reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos e condições previstos na lei».
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Embora o artigo 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT utilize a expressão «declaração de ilegalidade» para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, não fazendo referência a decisões condenatórias, deverá entender-se que se compreendem nas suas competências os poderes que, em processo de impugnação judicial, são atribuídos aos tribunais tributários.
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O n.º 5 do artigo 24.º do RJAT, ao dizer que «é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário», deve ser entendido como permitindo o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral.
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O pagamento de juros indemnizatórios depende da existência de quantia a reembolsar e, em face da aventada decisão de anulação dos actos de liquidação de IVA e JC de 2019 e 2020, insere-se no âmbito das competências dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD apreciar se há direito a reembolso e em que medida.
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Cumpre, assim, apreciar os pedidos de restituição da quantia paga acrescida de juros indemnizatórios.
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Na sequência da anulação das sindicadas liquidações de IVA e JC, a Requerente tem direito a ser reembolsada das quantias indevidamente pagas e reportadas a vários períodos de tributação de 2019 e de 2020, na parte em que elas estão enfermadas de ilegalidade, i.e., in totum.
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O direito a juros indemnizatórios, é regulado, como visto, no acima transcrito art.º 43.º da LGT.
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Diz o n.º 1 do art.º 43.º da LGT que: “São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.”
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Ora, tendo o Tribunal Arbitral Singular julgado no sentido de que as liquidações de IVA e JC melhor identificadas no ponto M) do probatório, enfermam de ilegalidade, ficou, assim, inequivocamente patenteada a legitimidade do aludido pedido de pagamento de juros indemnizatórios a favor da Requerente por subsunção no referido n.º 1 do art.º 43.º da LGT, já que as liquidações sub judicio são imputáveis à AT e mostram-se enfermadas por violação de lei, sendo, por isso, devidos juros desde o dia seguinte ao do pagamento indevido até à data da emissão da respectiva nota de crédito, em conformidade com o estatuído no art.º 43º da LGT e art.º 61º do CPPT.
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É, por isso, a Requerente credora da AT do montante correspondente ao IVA e JC de 2019 e 2020 indevidamente pago (Cfr. ponto N) do probatório) e a determinar em execução de julgado, acrescido dos respectivos juros indemnizatórios vencidos e vincendos, a calcular até à emissão da respectiva nota de crédito.
V. DECISÃO:
Face ao exposto, o Tribunal Arbitral Singular decide:
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Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral e, consequentemente, anular as liquidações de Imposto sobre o Valor Acrescentado e de Juros compensatórios melhor identificadas no ponto M) do probatório, das quais resultou o montante total a pagar de 19.236,94 €, por estarem enfermadas de ilegalidade;
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Julgar procedente o pedido de restituição do imposto e juros compensatórios indevidamente pagos e ainda procedente o pedido de pagamento de juros indemnizatórios a determinar nos termos do art.º 43º da LGT e 61º do CPPT.
VI. VALOR DO PROCESSO:
Fixo o valor do processo em 19.236,94 € em conformidade com o disposto no art.º 97.º-A do CPPT, aplicável por remissão do art.º 3º do regulamento das Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT).
VII. CUSTAS:
Fixo o valor das Custas em 1.224,00 €, calculadas em conformidade com a Tabela I do regulamento de Custas dos Processos de Arbitragem Tributária em função do valor do pedido (sendo que, tal valor foi o indicado pela Requerente no PPA e não contestado pela Requerida) a cargo da Requerida, nos termos do disposto nos artigos 12.º, n.º 2 e 22.º, n.º 4 do RJAT e ainda art.º 4.º, n.º 5 do RCPAT e art.º 527, nºs 1 e 2 do CPC, ex vi do art.º 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.
Notifique-se.
Lisboa, 4 de Junho de 2024.
O Árbitro,
(Fernando Marques Simões)
O texto da presente decisão foi elaborado em computador, nos termos do n.º 5, do art.º 131.º do Código de Processo Civil, aplicável por remissão da alínea e), do n.º 1, do art.º 29.º do RJAT, regendo-se a sua redacção pela ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990, com excepção das citações.
[1] A Directiva nº 2006/112/CE, do Conselho, de 28 de Novembro de 2006, veio substituir a Directiva do Conselho nº 77/388/CEE, de 17 de Maio de 1977, vulgarmente conhecida por 6ª Directiva.
[2] Igualmente referidos no PPA.
[3] Cfr. acórdão Von Colson, de 10 de abril de 1984, proc. 14/83.
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