Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 830/2023-T
Data da decisão: 2024-06-05  IRC  
Valor do pedido: € 229.030,75
Tema: IRC – Organismo de Investimento Colectivo (OIC) – Distribuição de dividendos – Violação do Direito da União Europeia – revisão de actos de retenção na fonte.
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SUMÁRIO:

  1. A circunstância de ter decorrido o prazo de reclamação graciosa quanto a actos de retenção na fonte previsto no artigo 132.º do CPPT não impede o sujeito passivo de apresentar pedido de revisão dos mesmos com fundamento em erro imputável aos serviços nos termos do artigo 78.º, n.º 1, 2.ª parte da LGT e de impugnar contenciosamente o eventual acto de indeferimento.
  2. O facto de os actos de retenção na fonte terem sido efectuados por uma terceira entidade na qualidade de substituta tributária, não impede que os erros de direito de que os mesmos eventualmente enfermem possam considerar-se imputáveis aos serviços nos termos e para os efeitos do artigo 78.º, n.º 1, 2.ª parte da LGT.
  3. Ao circunscrever o regime de tributação de dividendos constante no artigo 22.º do EBF aos OIC que se constituam e operem de acordo com a legislação nacional, isto é, ao sujeitar a retenção na fonte os dividendos pagos aos OIC não residentes e ao reservar aos OIC residentes a possibilidade de obter a isenção dessa retenção na fonte, o artigo 22.º do EBF procede a um tratamento desfavorável dos dividendos pagos aos OIC não residentes incompatível com a livre circulação de capitais prevista no artigo 63.º do TFUE.

 

DECISÃO ARBITRAL

 

            Os Árbitros Carla Castelo Trindade, José Coutinho Pires e Luís Ricardo Farinha Sequeira, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formar o Tribunal Arbitral, decidem no seguinte:

 

I. RELATÓRIO

 

            1. A..., Organismo de Investimento Colectivo (“OIC”) constituído de acordo com o direito alemão, com o número de contribuinte português..., residente em ... ... ..., Alemanha, (“Requerente”), representado por B... GmbH, na qualidade de sociedade gestora, apresentou pedido de constituição de Tribunal Arbitral, ao abrigo dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 10.º do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (“RJAT”), tendo em vista a declaração de ilegalidade de actos de retenção na fonte de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (“IRC”) sobre o pagamento de dividendos relativos aos anos de 2019, 2020, 2021 e 2022, bem como da formação da presunção de indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa previamente apresentado para o efeito ao abrigo do artigo 78.º da Lei Geral Tributária (“LGT”).

 

            2. O pedido de constituição do Tribunal Arbitral feito em 20 de Novembro de 2023 foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira (“AT” ou “Requerida”).

 

            3. O Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no artigo 6.º, n.º 2, alínea a) e do artigo 11.º, n.º 1, alínea a), ambos do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou os signatários como árbitros do Tribunal Arbitral colectivo, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável. As partes foram notificadas dessa designação em 16 de Janeiro de 2024, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alínea b), do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD.

 

            4. Em conformidade com o disposto no artigo 11.º, n.º 1, alínea c), do RJAT, o Tribunal Arbitral colectivo ficou constituído em 5 de Fevereiro de 2024.

 

            5. Tendo sido devidamente notificada para o efeito, a Requerida apresentou resposta em 13 de Março de 2024, tendo-se defendido por excepção e por impugnação.

 

            6. Em 4 de Abril de 2024, o Requerente exerceu o direito ao contraditório quanto à matéria de excepção invocada pela Requerida.

 

            7. Em 9 de Abril de 2024, foi proferido despacho a dispensar a reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT e a notificar as partes para, querendo, apresentarem alegações escritas, simultâneas e no prazo de 15 (quinze) dias, direito que o Requerente exerceu em 29 de Abril de 2024 e a Requerida em 6 e 7 de Maio já após decorrido o prazo conferido para o efeito.

 

II. SANEAMENTO

 

8. O Tribunal Arbitral colectivo foi regularmente constituído e o pedido foi tempestivamente apresentado, nos termos dos artigos 5.º e 10.º, n.º 1, alínea a) do RJAT. As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e estão regularmente representadas, em conformidade com o disposto nos artigos 4.º e 10.º, n.º 2, ambos do RJAT, e dos artigos 1.º a 3.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.

 

9. A Requerida invocou na sua resposta a excepção de incompetência material do Tribunal Arbitral para conhecer do pedido formulado pelo Requerente.

 

10. Em primeiro lugar, invocou a Requerida que o Tribunal Arbitral é incompetente porque o pedido de anulação das retenções na fonte não foi precedido de reclamação graciosa necessária apresentada nos termos do artigo 132.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (“CPPT”), não podendo o procedimento de revisão oficiosa substituir aquele pedido, o que viola o âmbito de competência material fixado nos termos conjugados dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a) do RJAT e 2.º, alínea a) da Portaria n.º 112/2011, de 22 de Março.

 

11. Em sentido contrário, defendeu o Requerente em sede de contraditório que resulta do RJAT e da Portaria n.º 112/2011, de 22 de Março a competência dos Tribunais Arbitrais para apreciar a legalidade de actos de retenção na fonte, incluindo os actos de segundo grau que sobre eles versam, tais como o acto de indeferimento de pedido de revisão do acto tributário. Alegou também o Requerente que a Portaria n.º 112/2011, de 22 de Março apenas prevê a necessidade de a contestação de actos de retenção na fonte através da arbitragem tributária ser precedida de recurso à via administrativa, o que não terá de ocorrer obrigatória e necessariamente através da reclamação graciosa, sendo igualmente válido para o efeito o procedimento de revisão.

 

12. Cabendo decidir, não tem razão a Requerida a este respeito, uma vez que a apresentação de pedido de revisão dos actos de retenção na fonte nos termos do artigo 78.º, n.º 1 da LGT permite colmatar a necessidade de apresentação de reclamação graciosa necessária, exigida nos termos do artigo 132.º do CPPT. Com efeito, a ratio daquela norma e, bem assim, das excepções de vinculação da AT à arbitragem tributária previstas na Portaria n.º 112/2011, de 22 de Março, é que exista uma intervenção administrativa que garanta o controlo da legalidade daqueles actos previamente à sua contestação juntos dos Tribunais.

 

13. É este o entendimento da jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, que no acórdão proferido em 12 de Abril de 2023, no processo n.º 01257/17.3BELRS, deixou claro:

 

 “não relevar o decurso do prazo de reclamação graciosa de dois anos previsto no artº.132, nºs.3 e 4, do C.P.P.T., quanto ao substituído e em caso de retenção na fonte a título definitivo. Por outras palavras, a circunstância de ter decorrido o prazo de reclamação graciosa e de impugnação do acto de retenção na fonte, não impede o sujeito passivo de pedir a respectiva revisão oficiosa e impugnar, contenciosamente, o eventual acto de indeferimento desta (cfr.v.g. ac.S.T.A.-2ª.Secção, 12/07/2006, rec.402/06; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 14/05/2014, rec.1458/13; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 8/02/2017, rec.678/16; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, Áreas Editora, 6ª. Edição, 2011, II volume, págs.422).”.

 

14. Neste sentido, a apresentação de pedido de revisão dos actos de retenção na fonte basta para que se considere preenchido o requisito de intervenção administrativa prévia previsto no artigo 2.º, alínea a) da Portaria n.º 112/2011, de 22 de Março, respeitando-se assim o âmbito material e os termos da vinculação da AT à arbitragem tributária.

 

15. Em segundo lugar, alegou a Requerida que as retenções na fonte não foram efectuadas pela AT, que nunca se pronunciou sobre a respectiva legalidade, nem sobre a existência de erro imputável aos serviços no âmbito do procedimento de revisão oficiosa, não tendo o Requerente logrado provar um erro de direito imputável à AT, designadamente que as retenções na fonte se deveram a orientações ou instruções desta. Assim, na perspectiva da Requerida, ao terem as retenções na fonte sido efectuadas de acordo com a lei vigente aplicável, e ao não ter havido erro imputável aos serviços, precludiu com o decurso do prazo de reclamação graciosa o direito de o Requerente obter a seu favor a revisão dos actos de retenção na fonte. O Requerente não se pronunciou em específico a este respeito.

 

16. Cabendo decidir, entende o presente Tribunal Arbitral que o facto de os actos de retenção na fonte terem sido efectuados por uma terceira entidade na qualidade de substituta tributária, não impede que os erros de direito de que os mesmos eventualmente enfermem possam considerar-se imputáveis aos serviços nos termos e para os efeitos do artigo 78.º, n.º 1, 2.ª parte da LGT.

 

17. Tal imputabilidade ocorrerá, desde logo, nos casos em que o substituto tributário siga na sua actuação instruções ou orientações genéricas emitidas pela AT que originem o erro em causa. Mas também ocorrerá nos casos em que o substituto tributário, ao liquidar e garantir a cobrança do imposto através do mecanismo de retenção na fonte a título definitivo, pratica um conjunto de actos viciados por erros de direito, decorrentes da aplicação de normas jurídicas nacionais contrárias ao direito da União Europeia.

 

18. Tais erros, a existirem, não são seguramente imputáveis a qualquer comportamento negligente ou elementos erróneos indicados ou provocados pelo Requerente enquanto substituído, que em nada contribuiu para a sua verificação. Esta violação do Direito Europeu, que consiste numa ilegalidade abstracta/erro de direito para efeitos do pedido de revisão do acto tributário previsto no artigo 78.º, n.º 1, 2.ª parte da LGT, terá de se considerar imputável aos serviços, sob pena de a falta de intervenção do sujeito activo da relação tributária (AT) e do substituído (Requerente) no apuramento e conformação do imposto, resultar numa diminuição das garantias que assistem a quem sofre efectivamente uma ablação de rendimento.

 

19. Esta é também a posição defendida na jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, que no acórdão proferido em 9 de Novembro de 2022, no processo n.º 087/22.5BEAVR sublinhou o seguinte:

 

há que ter em conta que in casu estamos perante uma situação de substituição tributária, realizada através do mecanismo de retenção na fonte, em que não há intervenção do contribuinte, e em que o substituto actua por imposição legal.

Depois, impera a realidade em que ocorreu um acto de retenção de imposto de selo a título definitivo, pois, se se tratasse de um acto de retenção na fonte por conta do imposto devido a final, na esteira ainda de Paulo Marques, in “A Revisão do Ato Tributário”, Almedina, pág.202, o acto não seria passível de pedido de revisão, na medida em que constituiria um acto provisório que tem por finalidade a antecipação da receita.

Por fim, não advém da sentença recorrida que os actos de retenção e cobrança do imposto tenham sido despoletados ou originados com base em elementos erróneos indicados pelo sujeito passivo.

Neste conspecto, propendemos a considerar que em tal situação se justifica que os erros praticados no acto de retenção sejam imputáveis à Administração Tributária, para efeitos do disposto no nº1 do artigo 78º da LGT, pois se afigura inviável responsabilizar o contribuinte pela actuação do substituto, sob pena de violação dos seus direitos garantísticos.

É esse o ponto de vista do Ministério Público apoiado no acórdão deste tribunal de 12/07/2006, tirado no recurso nº 402/06, em que se doutrinou que «A formulação de pedido de revisão oficiosa do acto tributário pode ter lugar relativamente a actos de retenção na fonte, independentemente de o contribuinte ter deduzido reclamação graciosa nos termos do art. 152.º do CPT (ou 132.º do CPPT), pois esta é necessária apenas para efeitos de dedução de impugnação judicial».

Vide, no mesmo sentido, Jorge Lopes de Sousa, in CPP Anotado, II vol., 6ª edição, pág.422 e que foi o relator do aresto acabado de mencionar.

Na senda da jurisprudência assinalada, exposto o regime da revisão do acto tributário e impugnação das decisões proferidas (ou omitidas) no seu âmbito, que aponta no sentido de que não obsta à possibilidade de impugnação contenciosa a falta da reclamação prevista no artº 132.º do C.P.P.T..

Significa que apesar de essa reclamação ser necessária para a impugnação judicial do acto de retenção, com o regime geral da impugnação de actos anuláveis e com aos efeitos retroactivos próprios dos meios anulatórios, a sua falta não obsta (como também não obsta a impugnação judicial dos actos que podem ser impugnados contenciosamente por via directa), a que possa ser pedida a revisão oficiosa, com os efeitos próprios desta, limitados à cessação dos efeitos do acto, traduzida na restituição do que foi recebido pela administração tributária e que não deveria ter sido pago, à face do regime substantivo aplicável (eventualmente acrescida de juros indemnizatórios nos termos do n.º 3 do art. 43.º da LGT, sem natureza retroactiva).

Por assim ser e em concordância com o Ministério Público que acolheu e defendeu esse ponto de vista, é de concluir que, apesar de não ter sido deduzida reclamação graciosa, nos termos do artº 132.º do C.P.P.T., a Impugnante podia pedir a revisão oficiosa, dentro do prazo legal em que a Administração Tributária a podia efectuar e podia impugnar contenciosamente a decisão de indeferimento.

Por isso, colhem de pleno os argumentos da recorrente no sentido de que, tendo sido o IS liquidado e cobrado pelas instituições financeiras, em substituição da AT tal como lhe é perpetrado pela lei (artigo 2.º do Código do IS), o erro de direito tem de ser imputado precisamente “aos serviços” como antedito, pelo que os PROAT apresentados no prazo de quatro anos, nos termos da 2.ª parte do n.º 1 do artigo 78.º da LGT, devem ter-se como apresentados tempestivamente e está a AT obrigada a tomar conhecimento do mérito dos pedidos feitos na revisão oficiosa, com os efeitos próprios desta, limitados à cessação dos efeitos do acto.”.

 

20. Por conseguinte, na eventualidade de se julgar procedente a violação do Direito Europeu pelos actos de retenção na fonte – o que ainda está nesta fase por verificar –, tal violação será susceptível de configurar um “erro imputável aos serviços” nos termos e para os efeitos previstos no artigo 78.º, n.º 1, 2.ª parte da LGT, respeitando-se assim o âmbito material da arbitragem tributária.

 

21. Em terceiro e último lugar, arguiu a Requerida que a forma processual de reacção contra o indeferimento do pedido de revisão oficiosa, isto é, a utilização da impugnação judicial ou da acção administrativa, varia consoante a decisão comporte, ou não, a apreciação da legalidade do acto de liquidação. No entender da Requerida, o Tribunal terá de analisar os pressupostos de aplicação da revisão oficiosa, isto é, analisar o acto de indeferimento e verificar se existiu um erro imputável aos serviços bem como se o pedido foi tempestivamente apresentado. No entanto, considera a AT que tal exercício está fora do escopo de competências do Tribunal Arbitral, ou seja, este não tem competência para apreciar e decidir a questão de saber se a AT aplicou bem ou não os pressupostos subjacentes ao pedido de revisão oficiosa.

 

22. Em sentido oposto, retorquiu o Requerente no exercício do contraditório que o objecto imediato do presente processo arbitral é o indeferimento do pedido de revisão oficiosa e que o objecto mediato radica nos actos de retenção na fonte que nele foram contestados. No entender do Requerente, o Tribunal Arbitral tem competência para apreciar quer os actos de primeiro grau (retenções na fonte) quer os actos de segundo grau que sobre aqueles versam (indeferimento da revisão oficiosa). Defendeu ainda o Requerente que o indeferimento tácito comporta em si mesmo uma tomada de posição sobre a ilegalidade invocada no pedido de revisão, estando-lhe associados os mesmos efeitos que resultariam de um indeferimento expresso, sendo inequívoca a competência do Tribunal Arbitral para conhecer do pedido.

 

23. Cabendo decidir, desde logo se precisa que o indeferimento tácito consiste numa ficção de acto que permite ao sujeito passivo prosseguir com a impugnação judicial dos actos que conformam o seu objetco, não ficando desse modo paralisada a contestação da legalidade em resultado da inércia decisória da AT. Ao estar em causa um acto silente, o acto de indeferimento tácito não tem um conteúdo ou fundamentação passível de ser sindicada para efeitos de determinar se o acto em questão apreciou ou não a legalidade dos actos de primeiro grau que conformam o seu objecto, o que impossibilitaria, à partida, a escolha do meio processual a utilizar pelo sujeito passivo para prosseguir com a respectiva impugnação.

 

24. Nestes casos, o conteúdo a atribuir ao indeferimento tácito afere-se pelo pedido, ficcionando-se que ao incumprir com o prazo de decisão a AT indefere a pretensão do sujeito passivo. O mesmo é dizer que ao ser invocado um erro imputável aos serviços, ficciona-se através do indeferimento tácito que a AT não considera verificado tal erro, confirmando e mantendo na ordem jurídica os actos de retenção contestados.

 

25. A idêntica conclusão chegou o Tribunal Arbitral no acórdão proferido em 30 de Abril de 2020, no processo n.º 540/2020-T, ao evidenciar o seguinte:

 

No caso em apreço, a Requerente não apresentou uma reclamação graciosa, mas sim um pedido de revisão oficiosa, que não foi apreciado no prazo previsto no artigo 57.º, n.º 5, da LGT, pelo que se formou indeferimento tácito.

Nos casos de indeferimento tácito não há, obviamente, apreciação expressa da legalidade de acto de liquidação, mas, tratando-se de uma ficção de acto destinada a assegurar a impugnação contenciosa em meio processual que tem por objecto um acto de liquidação, o meio de impugnação adequado depende do conteúdo ficcionado.

No caso de impugnação administrativa directa de um acto de liquidação (através de reclamação graciosa ou pedido de revisão oficiosa), com fundamento na sua ilegalidade, o conteúdo ficcionado é de indeferimento do pedido que foi formulado, de anulação do acto de liquidação. Isto é, ficciona-se que o pedido foi indeferido por ter sido dada resposta negativa a todas as questões de legalidade colocadas pelo Sujeito Passivo. Por isso, presume-se o indeferimento tácito de meio de impugnação administrativa (reclamação graciosa ou pedido de revisão oficiosa) que tem por objecto directo acto de liquidação se baseia em razões substantivas e não por razões formais.”.

 

26. Portanto, ao estar em causa no presente caso um indeferimento tácito de um pedido de revisão oficiosa que versou sobre a contrariedade ao Direito Europeu de actos de retenção na fonte de IRC, ficciona-se que o conteúdo do acto de indeferimento apreciou e negou a existência de erro de direito naqueles actos, de tal modo que o meio processual adequado para a sua impugnação contenciosa é o processo de impugnação judicial previsto na alínea d), do n.º 1, do artigo 97.º do CPPT e, nessa medida, o pedido de pronúncia arbitral previsto no RJAT que lhe é alternativo.

 

27. Quanto à tempestividade do pedido de revisão, não é controvertido que o mesmo foi apresentado dentro do prazo de 4 anos previsto no artigo 78.º, n.º 1, 2.ª parte da LGT. Assim, a aplicação desta norma depende apenas da existência do erro de direito invocado pelo Requerente, o que cumpre aferir no âmbito da apreciação do mérito da causa.

 

28. O processo não enferma de nulidades, nem existem outras excepções ou questões prévias que cumpram conhecer e que obstem à apreciação do mérito da causa.

 

III. MATÉRIA DE FACTO

 

§1 – Factos provados

 

            29. Analisada a prova produzida nos presentes autos, com relevo para a decisão da causa consideram-se provados os seguintes factos:

  1. O Requerente é um sujeito passivo de IRC não residente e sem estabelecimento estável em Portugal – cfr. doc. n.º 1 junto com o pedido de pronúncia arbitral;
  2. O Requerente é gerido pela B... GmbH, que é uma entidade gestora de fundos de investimento com sede na Alemanha;
  3. Nos anos de 2019 a 2022, o Requerente detinha participações sociais nas seguintes sociedades residentes em Portugal: C... S.A., D...-SGPS, S.A. e E... SGPS, S.A. – cfr. docs. n.ºs 2 e 3 juntos com o pedido de pronúncia arbitral;
  4. Nos anos de 2019 a 2022, o Requerente auferiu dividendos por conta das participações sociais referidas na alínea anterior, que foram sujeitos a tributação em Portugal em sede de IRC por retenção na fonte à taxa liberatória de 25%, no montante total de € 229.030,75, conforme discriminado no seguinte quadro:

 

– cfr. docs. n.ºs 2 e 3 juntos com o pedido de pronúncia arbitral;

  1. Em 21 de Abril de 2023, o Requerente apresentou pedido de revisão dos referidos actos de retenção na fonte de IRC relativos aos anos de 2019 a 2022 – cfr. doc. n.º 4 junto com o pedido de pronúncia arbitral;
  2. O Requerente não foi notificado de qualquer decisão no procedimento de revisão, tendo‑se formado uma presunção de indeferimento tácito;
  3. Em 20 de Novembro de 2024, o Requerente apresentou o pedido de constituição de Tribunal Arbitral que deu origem os presentes autos.

 

§2 – Factos não provados

 

            30. Com relevo para a decisão da causa, inexistem factos que não se tenham considerado provados.

 

§3 – Fundamentação da fixação da matéria de facto

 

31. Ao Tribunal Arbitral incumbe o dever de seleccionar os factos que interessam à decisão da causa e discriminar os factos provados e não provados, não existindo um dever de pronúncia quanto a todos os elementos da matéria de facto alegados pelas partes, tal como decorre da aplicação conjugada do artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e do artigo 607.º, n.º 3, do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT.

 

32. Os factos pertinentes para o julgamento da causa foram seleccionados e conformados em função da sua relevância jurídica, determinada com base nas posições assumidas pelas partes e nas várias soluções plausíveis das questões de direito para o objecto do litígio, conforme decorre do artigo 596.º, n.º 1 do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.

 

            33. Os factos dados como provados e não provados resultaram da análise da prova produzida no presente processo, designadamente da prova documental junta aos autos pelo Requerente, que foi apreciada pelo Tribunal Arbitral de acordo com o princípio da livre apreciação dos factos e tendo presente a ausência da sua contestação especificada pelas partes, conforme decorre do artigo 16.º, alínea e), do RJAT, e do artigo 607.º, n.ºs 4 e 5, do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.

 

IV. MATÉRIA DE DIREITO

 

§1 – Vício de violação do direito da União Europeia

 

34. Discute-se no presente processo a existência de erro de direito quanto aos actos de retenção na fonte de IRC, referentes aos dividendos auferidos pelo Requerente enquanto OIC, nos anos de 2019, 2020, 2021 e 2022. Em concreto, invoca o Requerente que o regime português de tributação de dividendos auferidos por OIC previsto nos artigos 94.º, n.º 1, alínea c), 94.º, n.º 3, alínea b), 94.º, n.º 4 e 87.º, n.º 4, todos do CIRC, ao sujeitar os rendimentos obtidos em Portugal por OIC não residentes a retenção na fonte liberatória em sede de IRC a uma taxa de 25%, enquanto os rendimentos obtidos em Portugal por OIC residentes estão isentos de tributação nos termos do artigo 22.º do EBF, estabelece um discriminação incompatível com o princípio da livre circulação de capitais previsto no artigo 63.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (“TFUE”).

 

35. A existência de uma discriminação entre OIC residentes e não residentes no âmbito do regime de tributação de dividendos auferidos em Portugal, por um lado, e a respectiva compatibilidade com o Direito da União Europeia, por outro lado, foram já objecto de apreciação pelo Tribunal de Justiça da União Europeia (“TJUE”), no âmbito do acórdão AllianzGI‑Fonds AEVN, proferido em 17 de Março de 2022, no processo n.º C‑545/19, onde este Tribunal entendeu, ao que aqui importa, o seguinte:

 

“(…) 36 Resulta de jurisprudência constante do Tribunal de Justiça que as medidas proibidas pelo artigo 63.º, n.º 1, TFUE, enquanto restrições aos movimentos de capitais, incluem as que são suscetíveis de dissuadir os não residentes de investir num Estado‑Membro ou de dissuadir os residentes de investir noutros Estados (v., designadamente, Acórdão de 2 de junho de 2016, Pensioenfonds Metaal en Techniek, C‑252/14, EU:C:2016:402, n.º 27 e jurisprudência referida, e de 30 de janeiro de 2020, Köln‑Aktienfonds Deka, C‑156/17, EU:C:2020:51, n.º 49 e jurisprudência referida).

37 No caso em apreço, é facto assente que a isenção fiscal prevista pela legislação nacional em causa no processo principal é concedida aos OIC constituídos e que operam de acordo com a legislação portuguesa, ao passo que os dividendos pagos a OIC estabelecidos noutro Estado‑Membro não podem beneficiar dessa isenção.

38 Ao proceder a uma retenção na fonte sobre os dividendos pagos aos OIC não residentes e ao reservar aos OIC residentes a possibilidade de obter a isenção dessa retenção na fonte, a legislação nacional em causa no processo principal procede a um tratamento desfavorável dos dividendos pagos aos OIC não residentes.

39 Esse tratamento desfavorável pode dissuadir, por um lado, os OIC não residentes de investirem em sociedades estabelecidas em Portugal e, por outro, os investidores residentes em Portugal de adquirirem participações sociais em OIC e constitui, por conseguinte, uma restrição à livre circulação de capitais proibida, em princípio, pelo artigo 63.º TFUE (v., por analogia, Acórdão de 21 de junho de 2018, Fidelity Funds e o., C‑480/16, EU:C:2018:480, n.os 44, 45 e jurisprudência referida).

40 Não obstante, segundo o artigo 65.º, n.º 1, alínea a), TFUE, o disposto no artigo 63.º TFUE não prejudica o direito de os Estados‑Membros aplicarem as disposições pertinentes do seu direito fiscal que estabeleçam uma distinção entre contribuintes que não se encontrem em idêntica situação no que se refere ao seu lugar de residência ou ao lugar em que o seu capital é investido.

41 Esta disposição, enquanto derrogação ao princípio fundamental da livre circulação de capitais, é de interpretação estrita. Por conseguinte, não pode ser interpretada no sentido de que qualquer legislação fiscal que comporte uma distinção entre os contribuintes em função do lugar em que residam ou do Estado‑Membro onde invistam os seus capitais é automaticamente compatível com o Tratado FUE. Com efeito, a derrogação prevista no artigo 65.º, n.º 1, alínea a), TFUE é ela própria limitada pelo disposto no artigo 65.º, n.º 3, TFUE, que prevê que as disposições nacionais a que se refere o n.º 1 desse artigo «não devem constituir um meio de discriminação arbitrária, nem uma restrição dissimulada à livre circulação de capitais e pagamentos, tal como definida no artigo 63.º [TFUE]» [Acórdão de 29 de abril de 2021, Veronsaajien oikeudenvalvontayksikkö (Rendimentos distribuídos por OICVM), C‑480/19, EU:C:2021:334, n.º 29 e jurisprudência referida].

42 O Tribunal de Justiça declarou igualmente que, por conseguinte, há que distinguir as diferenças de tratamento permitidas pelo artigo 65.º, n.º 1, alínea a), TFUE das discriminações proibidas pelo artigo 65.º, n.º 3, TFUE. Ora, para que uma legislação fiscal nacional possa ser considerada compatível com as disposições do Tratado FUE relativas à livre circulação de capitais, é necessário que a diferença de tratamento daí decorrente diga respeito a situações que não sejam objetivamente comparáveis ou se justifique por uma razão imperiosa de interesse geral [Acórdão de 29 de abril de 2021, Veronsaajien oikeudenvalvontayksikkö (Rendimentos distribuídos por OICVM), C‑480/19, EU:C:2021:334, n.º 30 e jurisprudência referida]”.

(…) 49 Resulta de jurisprudência constante que, a partir do momento em que um Estado, de modo unilateral ou por via convencional, sujeita ao imposto sobre o rendimento não só os contribuintes residentes mas também os contribuintes não residentes, relativamente aos dividendos que auferem de uma sociedade residente, a situação dos referidos contribuintes não residentes assemelha‑se à dos contribuintes residentes (Acórdão de 22 de novembro de 2018, Sofina e o., C‑575/17, EU:C:2018:943, n.º 47 e jurisprudência referida).

(…) a legislação nacional em causa no processo principal não se limita a prever diferentes modalidades de cobrança de imposto em função do local de residência do OIC beneficiário de dividendos de origem nacional, mas prevê, na realidade, uma tributação sistemática dos referidos dividendos que onera apenas os organismos não residentes (v., por analogia, Acórdão de 8 de novembro de 2012, Comissão/Finlândia, C‑342/10, EU:C:2012:688, n.º 44 e jurisprudência referida).

(…) 53 A este propósito, importa salientar, por um lado, no que respeita ao imposto do selo, que resulta tanto das observações escritas apresentadas pelas partes como da resposta do órgão jurisdicional de reenvio ao pedido de informações do Tribunal de Justiça que, pelo facto de a sua matéria coletável ser constituída pelo valor líquido contabilístico dos OIC, esse imposto do selo é um imposto sobre o património, que não pode ser equiparado a um imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas.

54 Além disso, como salientou a advogada‑geral no n.º 47 das suas conclusões, no processo principal, a legislação fiscal portuguesa distingue, no caso dos OIC residentes, entre o rendimento do capital acumulado e o que é imediatamente redistribuído, apenas o primeiro sendo englobado na matéria coletável do referido imposto do selo. Ora, este aspeto basta, por si só, para distinguir este processo do que deu origem ao Acórdão de 2 de junho de 2016, Pensioenfonds Metaal en Techniek (C‑252/14, EU:C:2016:402).

55 Com efeito, mesmo considerando que esse mesmo imposto do selo possa ser equiparado a um imposto sobre os dividendos, um OIC residente pode escapar a tal tributação dos dividendos procedendo à sua distribuição imediata, ao passo que esta possibilidade não está aberta a um OIC não residente.

56 Por outro lado, no que se refere ao imposto específico previsto no artigo 88.º, n.º 11, do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas, resulta das indicações da Autoridade Tributária, contidas na decisão de reenvio, que, por força desta disposição, este imposto só incide sobre os dividendos recebidos por OIC residentes quando as partes sociais a que respeitam os lucros não tenham permanecido na titularidade do mesmo sujeito passivo, de modo ininterrupto, durante o ano anterior à data da sua colocação à disposição e não venham a ser mantidas durante o tempo necessário para completar esse período. Assim, o imposto previsto pela referida disposição só incide sobre os dividendos de origem nacional recebidos por um OIC residente em casos limitados, pelo que não pode ser equiparado ao imposto geral de que são objeto os dividendos de origem nacional recebidos pelos OIC não residentes.

57 Por conseguinte, a circunstância de os OIC não residentes não estarem sujeitos ao imposto do selo e ao imposto específico previsto no artigo 88.º, n.º 11, do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas não os coloca numa situação objetivamente diferente em relação aos OIC residentes no que se refere à tributação dos dividendos de origem portuguesa

60 Por outro lado, apenas os critérios de distinção pertinentes estabelecidos pela legislação em causa devem ser tidos em conta para apreciar se a diferença de tratamento resultante dessa legislação reflete uma diferença de situação objetiva (v., neste sentido, Acórdão de 2 de junho de 2016, Pensioenfonds Metaal en Techniek, C‑252/14, EU:C:2016:402, n.º 49 e jurisprudência referida).

(…) na aceção da jurisprudência do Tribunal de Justiça referida no n.º 60 do presente acórdão, há que observar que o único critério de distinção estabelecido pela legislação nacional em causa no processo principal se baseia no lugar de residência dos OIC, sujeitando apenas os organismos não residentes a uma retenção na fonte dos dividendos que recebem.

72 Ora, como resulta de jurisprudência do Tribunal de Justiça, a situação de um OIC residente que beneficia de uma distribuição de dividendos é comparável à de um OIC beneficiário não residente, na medida em que, em ambos os casos, os lucros realizados podem, em princípio, ser objeto de dupla tributação económica ou de tributação em cadeia (v., neste sentido, Acórdão de 10 de abril de 2014, Emerging Markets Series of DFA Investment Trust Company, C‑190/12, EU:C:2014:249, n.º 58 e jurisprudência referida).

73 Por conseguinte, o critério de distinção a que se refere a legislação nacional em causa no processo principal, que tem por objeto unicamente o lugar de residência dos OIC, não permite concluir pela existência de uma diferença objetiva de situações entre os organismos residentes e os organismos não residentes.

74 Atendendo a todos os elementos precedentes, há que concluir que, no caso em apreço, a diferença de tratamento entre os OIC residentes e os OIC não residentes diz respeito a situações objetivamente comparáveis.”.

 

36. Portanto, resulta do citado acórdão do TJUE que a legislação portuguesa relativa ao tratamento fiscal em sede de IRC dos dividendos auferidos por OIC origina uma discriminação dos OIC não residentes face aos OIC residentes, já que apesar de estarem em causa situações objectivamente comparáveis, não era aplicável aos OIC residentes noutros Estados-Membros as regras de isenção de tributação em sede de IRC previstas para os OIC residentes. Discriminação esta que o TJUE entendeu não ser justificável por razões imperiosas de interesse geral, designadamente a necessidade de preservar a coerência do regime fiscal nacional ou a necessidade de preservar uma repartição equilibrada do poder tributário entre os Estados‑Membros. Em suma, concluiu o TJUE, em termos aplicáveis mutatis mutandis ao presente processo, que o regime português de tributação de dividendos auferidos por OIC não residentes viola o princípio da livre circulação de capitais consagrado no artigo 63.º do TFUE.

 

37. Ora, as disposições dos tratados que regem a União Europeia são directa e obrigatoriamente aplicáveis na ordem jurídica interna, por força do princípio do primado previsto no artigo 8.º, n.º 4 da Constituição da República Portuguesa, prevalecendo sobre as normas do direito nacional, razão pela qual os tribunais devem recusar a aplicação de lei ou norma jurídica que se encontre em desconformidade com o direito europeu (cfr., entre outros, o acórdão do STA proferido no âmbito do processo n.º 0188/15, em 1 de Julho de 2015). Raciocínio que vale igualmente para a jurisprudência proferida pelo TJUE relativa à interpretação ou validade de normas jurídicas perante o Direito Europeu.

 

38. Acresce que as citadas conclusões do TJUE foram já objecto de reafirmação pelo Supremo Tribunal Administrativo, no acórdão n.º 7/2024, de 26 de Fevereiro, que uniformizou jurisprudência no seguinte sentido:

 

1 –Quando um Estado Membro escolhe exercer a sua competência fiscal sobre os dividendos pagos por sociedades residentes unicamente em função do lugar de residência dos Organismos de Investimento Colectivo (OIC) beneficiários, a situação fiscal dos detentores de participações destes últimos é desprovida de pertinência para efeitos de apreciação do carácter discriminatório, ou não, da referida regulamentação;

2 – O art.º 63, do TFUE, deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação de um Estado -Membro por força da qual os dividendos distribuídos por sociedades residentes a um OIC não residente são objecto de retenção na fonte, ao passo que os dividendos distribuídos a um OIC residente estão isentos dessa retenção;

3 – A interpretação do art.º 63, do TFUE, acabada de mencionar é incompatível com o art.º 22, do E.B.F., na redação que lhe foi dada pelo Decreto -Lei n.º 7/2015, de 13/01, na medida em que limita o regime de isenção nele previsto aos OIC constituídos segundo a legislação nacional, dele excluindo os OIC constituídos segundo a legislação de outros Estados Membros da União Europeia.”.

 

39. Em face do exposto, e sem necessidade de mais considerações, adere o presente Tribunal Arbitral às conclusões da jurisprudência anteriormente citada, sob evocação do desiderato uniformizador decorrente do artigo 8.º, n.º 3, do Código Civil, razão pela qual se julga procedente o vício de violação do direito da União Europeia de que enfermam os actos de retenção na fonte e o acto de indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa aqui contestados, encontrando-se assim verificada a existência de erro de direito imputável aos serviços nos termos e para os efeitos do artigo 78.º, n.º 1, 2.ª parte da LGT, impondo-se a respectiva anulação em conformidade com o disposto no artigo 163.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea c), da LGT.

 

40. Em virtude da existência de erro de direito nos actos de retenção na fonte impugnados nesta instância arbitral, não restam dúvidas da competência material do Tribunal Arbitral prevista nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a) do RJAT e 2.º, alínea a) da Portaria n.º 112/2011, de 22 de Março pelo que, face ao anteriormente exposto, julga-se improcedente a matéria de excepção invocada pela Requerida.

 

§2 – Reembolso do imposto indevidamente pago e juros indemnizatórios

 

  41. Por efeito da anulação dos actos de retenção na fonte contestados compete à AT restabelecer a situação que existiria se os actos tributários não tivessem sido praticados, ou seja, proceder ao reembolso do imposto indevidamente pago, nos termos conjugados dos artigos 24.º do RJAT e 100.º da LGT, aplicável ex vi alínea a), do n.º 1, do artigo 29.º do RJAT.

 

42. No pedido de pronúncia arbitral o Requerente pediu ainda a condenação da Requerida no pagamento de juros indemnizatórios. A este respeito, conforme precisou o Tribunal Arbitral no acórdão proferido em 23 de Fevereiro de 2024, no processo n.º 777/2023-T:

 

(…) o TJUE tem decidido que a cobrança de impostos em violação do direito da União tem como consequência não só direito ao reembolso como o direito a juros, como pode ver-se pelo acórdão de 18-04-2013, processo n.º C-565/11 (e outros nele citados), em que se refere:

 

21 Há que lembrar ainda que, quando um Estado-Membro tenha cobrado impostos em violação do direito da União, os contribuintes têm direito ao reembolso não apenas do imposto indevidamente cobrado mas igualmente das quantias pagas a esse Estado ou por este retidas em relação direta com esse imposto. Isso inclui igualmente o prejuízo decorrente da indisponibilidade de quantias de dinheiro, devido à exigibilidade prematura do imposto (v. acórdãos de 8 de março de 2001, Metallgeselischaft e o., C-397/98 e C-410/98, Colet., p. I-1727, n.ºs 87 a 89; de 12 de dezembro de 2006, Test Claimants in the FII Group Litigation, C-446/04, Colet., p. I-11753, n.º 205; Littlewoods Retail e o., já referido, n.º 25; e de 27 de setembro de 2012, Zuckerfabrik Jülich e o., C-113/10, C-147/10 e C-234/10, n.º 65).

 

22 Resulta daí que o princípio da obrigação de os Estados-Membros restituírem com juros os montantes dos impostos cobrados em violação do direito da União decorre desse mesmo direito da União (acórdãos, já referidos, Littlewoods Retail e o., n.º 26, e Zuckerfabrik Jülich e o., n.º 66).

 

23 A esse respeito, o Tribunal de Justiça já decidiu que, na falta de legislação da União, compete ao ordenamento jurídico interno de cada Estado-Membro prever as condições em que tais juros devem ser pagos, nomeadamente a respetiva taxa e o modo de cálculo. Essas condições devem respeitar os princípios da equivalência e da efetividade, isto é, não devem ser menos favoráveis do que as condições relativas a reclamações semelhantes baseadas em disposições de direito interno, nem organizadas de modo a, na prática, impossibilitar ou dificultar excessivamente o exercício dos direitos conferidos pelo ordenamento jurídico da União (v., neste sentido, acórdão Littlewoods Retail e o., já referido, n.ºs 27 e 28 e jurisprudência referida).

 

No entanto, como se refere neste n.º 23, cabe a cada Estado-Membro prever as condições em que tais juros devem ser pagos, nomeadamente a respetiva taxa e o modo de cálculo.

 

O regime substantivo do direito a juros indemnizatórios é regulado no artigo 43.º da LGT, que estabelece, no que aqui interessa, o seguinte:

 

Artigo 43.º

Pagamento indevido da prestação tributária

 

 1 – São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

2 – Considera-se também haver erro imputável aos serviços nos casos em que, apesar da liquidação ser efectuada com base na declaração do contribuinte, este ter seguido, no seu preenchimento, as orientações genéricas da administração tributária, devidamente publicadas.

3. São também devidos juros indemnizatórios nas seguintes circunstâncias:

a) Quando não seja cumprido o prazo legal de restituição oficiosa dos tributos;

b) Em caso de anulação do acto tributário por iniciativa da administração tributária, a partir do 30.º dia posterior à decisão, sem que tenha sido processada a nota de crédito;

c) Quando a revisão do acto tributário por iniciativa do contribuinte se efectuar mais de um ano após o pedido deste, salvo se o atraso não for imputável à administração tributária.

d) Em caso de decisão judicial transitada em julgado que declare ou julgue a inconstitucionalidade ou ilegalidade da norma legislativa ou regulamentar em que se fundou a liquidação da prestação tributária e que determine a respetiva devolução.

4. A taxa dos juros indemnizatórios é igual à taxa dos juros compensatórios.

5. No período que decorre entre a data do termo do prazo de execução espontânea de decisão judicial transitada em julgado e a data da emissão da nota de crédito, relativamente ao imposto que deveria ter sido restituído por decisão judicial transitada em julgado, são devidos juros de mora a uma taxa equivalente ao dobro da taxa dos juros de mora definida na lei geral para as dívidas ao Estado e outras entidades públicas.

 

O n.º 1 do artigo 43.º da LGT reconhece o direito como quando se determinar em processo de reclamação graciosa ou impugnação judicial que houve erro imputável aos serviços.

O pedido de revisão do acto tributário é equiparável a reclamação graciosa quando é apresentado dentro do prazo da reclamação administrativa, que se refere no n.º 1 do artigo 78.º da LGT, como se refere no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 12-7-2006, proferido n processo n.º 402/06.

Como também se refere no mesmo acórdão, «nos casos de revisão oficiosa da liquidação (quando não é feita a pedido do contribuinte, no prazo da reclamação administrativa, situação que é equiparável à de reclamação graciosa) (...) apenas há direito a juros indemnizatórios nos termos do art. 43.º, n.º 3, da LGT».

Foi uniformizada jurisprudência neste sentido pelo acórdão do Pleno do Supremo Tribunal Administrativo de 30-09-2020, proferido no processo n.º 040/19.6BALSB, publicado com o n.º 4/2023, no Diário da República, I Série, de 16-11-2023, em que se conclui: «só são devidos juros indemnizatórios decorrido um ano após o pedido de promoção da revisão oficiosa e até à data da emissão das respetivas notas de crédito a favor da Recorrida».

Este regime justifica-se pela falta de diligência do contribuinte em apresentar reclamação graciosa ou pedido de revisão no prazo desta, como se prevê no n.º 1 do artigo 78.º da LGT.

Assim, no caso em apreço, a norma à face da qual tem de ser aferida a existência de direito a juros indemnizatórios é a alínea c) deste n.º 3 do artigo 43.º da LGT, que estabelece que eles são devidos «quando a revisão do acto tributário por iniciativa do contribuinte se efectuar mais de um ano após o pedido deste, salvo se o atraso não for imputável à administração tributária».”.

 

43. Ora, resulta da alínea e) da matéria de facto provada no presente processo que o pedido de revisão dos actos de retenção na fonte foi apresentado em 21 de Abril de 2023, o que significa que já decorreu o prazo de um ano a que alude a alínea c), do n.º 3 do artigo 43.º da LGT, razão pela qual são devidos ao Requerente juros indemnizatórios, calculados sobre a quantia indevidamente paga, à taxa dos juros legais, com termo inicial reportado ao dia 21 de Abril de 2024, nos termos do artigo 24.º, n.º 5 do RJAT, dos artigos 43.º, n.ºs 1 e 4 da LGT, 61.º, n.º 5 do CPPT e 100.º da LGT.

 

V. DECISÃO

 

Termos em que se decide:

  1. Julgar improcedente a excepção dilatória de incompetência material do Tribunal Arbitral invocada pela Requerida;
  2.  Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral formulado pelo Requerente e, em consequência, determinar a anulação dos actos de retenção na fonte contestados;
  3. Julgar procedente o pedido de reembolso do imposto indevidamente pago, no montante de € 229.030,75 e, consequentemente, condenar a Requerida à sua restituição;
  4. Julgar procedente o pedido de condenação da Requerido no pagamento de juros indemnizatórios, calculados sobre a quantia indevidamente paga, à taxa dos juros legais, contados a partir do dia 21 de Abril de 2024;
  5. Condenar a Requerida nas custas do processo.

 

VI. VALOR DO PROCESSO

           

            Atendendo ao disposto no artigo 97.º-A do CPPT, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT, e do artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 229.030,75.

 

VII. CUSTAS

 

            Nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, as custas são no valor de € 4.284,00, a suportar pela Requerida, conforme o disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 5 de Junho de 2024

 

 

Os árbitros,

 

 

Carla Castelo Trindade

(Presidente e relatora)

 

José Coutinho Pires

 

Luís Ricardo Farinha Sequeira