Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 762/2023-T
Data da decisão: 2024-05-31  IABA  
Valor do pedido: € 73.083,88
Tema: IABA (Imposto sobre o álcool, as bebidas alcoólicas e as bebidas adicionadas de açúcar ou outros edulcorantes). Enquadramento fiscal da sangria.
Versão em PDF

SUMÁRIO:

  1. No processo arbitral tributário não existem diversas formas de processo, mas apenas uma – o pedido de declaração de ilegalidade dos atos elencados no artigo 2º do RJAT – não sendo de acatar uma correspondência entre as formas de processo admitidas no processo tributário nos tribunais tributários e a admissibilidade do pedido de pronúncia arbitral.
  2. Os artigos 15º e 16º do Código dos Impostos Especiais sobre o Consumo, sob a referência ao “pedido de reembolso”, contemplam a impugnação do ato de liquidação com base em ilegalidade, de tal modo que, quando o sujeito passivo lance mão do pedido de reembolso com base em ilegalidade da liquidação, tal pedido de reembolso deve ser tratado como uma impugnação graciosa da liquidação, sendo-lhe aplicáveis todas as normas legais que dizem respeito aos meios de impugnação graciosa da liquidação, incluindo as que concernem aos meios de impugnação contenciosa subsequente.
  3. As bebidas comercializadas sob a denominação de “sangrias”, quando: i) sejam obtidas exclusivamente a partir de uvas, ainda que sejam aromatizadas com substâncias aromatizantes admitidas pela legislação aplicável, nomeadamente o Regulamento nº 251/2014; ii) tenham um teor alcoólico maior que 1,2% e igual ou inferior a 18% (bebida tranquila) ou igual ou inferior a 15% (bebida espumante); e ii) o seu teor alcoólico resulte inteiramente de fermentação, são de classificar como “vinhos” para efeitos de aplicação das alínea b) ou c) do nº 1 do artigo 66º do Código dos Impostos Especiais sobre o Consumo.

 

DECISÃO ARBITRAL

Os árbitros Fernanda Maçãs (presidente), Nina Aguiar (vogal relatora) e António Alberto Franco (vogal) designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 11.01.2024, acordam:

 

I - RELATÓRIO

A..., S.A. (doravante designada por Requerente), pessoa coletiva n.º..., com sede no ...,  ..., apresentou, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 2.º, n.º 1, alínea a), artigo 6.º, n.º 2, alínea a), e artigo 10.º, n.º 1, alínea a), do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”) e do artigo 99º, al. a) do CPPT, pedido de constituição de tribunal arbitral, com vista à declaração de ilegalidade do ato de indeferimento do pedido de reembolso de Imposto sobre o álcool, as bebidas alcoólicas e as bebidas adicionadas de açúcar ou outros edulcorantes (IABA), no valor de € 73.083,88, referente ao período compreendido entre 01.03.2022 e 31.12.2022, proferido pelo Diretor da Alfândega de ... .

É Requerida no pedido a Autoridade Tributária.

Por decisão do Presidente do Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa foram os signatários designados como árbitros para integrar um coletivo arbitral. Nestas circunstâncias, e em conformidade com o disposto na alínea c) do n.º 1 e n.º 8 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral foi constituído em 11.01.2024.

Por despacho do tribunal de 15.01.23, nos termos do artigo 17.º, n.ºs 1 e 2 do RJAT, a AT foi notificada para, no prazo de 30 dias, apresentar resposta, e, no mesmo prazo, remeter ao Tribunal cópia do processo administrativo, o que aquela fez em 15.02.2024.

Na sua resposta, a Autoridade Tributária suscitou as exceções de impropriedade do meio processual utilizado e de incompetência do Tribunal Arbitral.

Por despacho de 22.02.2024, o Tribunal Arbitral notificou a Requerente para discriminar os factos relativamente aos quais fora requerida a produção de prova testemunhal e ainda para, querendo, se pronunciar sobre a matéria de exceção suscitada pela Requerida na sua resposta.

Por despacho de 10.03.2024, o Tribunal Arbitral indeferiu o requerimento de produção de prova testemunhal, com o fundamento seguinte:

“1. O SP veio no Pedido requerer a produção de prova testemunhal.

2.Na Resposta alega a Requerida que a questão sub judice se reconduz a questão de direito, pelo que a única prova admissível é a documental.  

3. Notificado para indicar os factos sobre os quais requer a audição de testemunhas, veio o SP alegar, entre o mais, que a testemunha é relevante para esclarecer o Tribunal das características e do processo de produção dos produtos em causa.

4. Analisadas as peças processuais e as decisões tributárias já emitidas resulta claro que a questão é essencialmente de direito e a prova a produzir é documental. Acresce que se para a prolação da decisão o tribunal precisasse de esclarecimentos para aplicar o direito, quanto ao processo de produção dos produtos em causa, a prova adequada seria a pericial e não a testemunhal.

5. Termos em que se indefere o pedido de produção de prova testemunhal.”

A Requerente exerceu contraditório através de requerimento apresentado em 08.03.2024, nos seguintes termos:

  • o contrário do que sustenta a AT, o objeto do presente pedido de pronúncia arbitral são, efetivamente, os atos de liquidação de IABA sobre as bebidas alcoólicas, que foram pagos pela ora Requerente, por referência ao período compreendido entre 01.03.2022 e 31.12.2022, no montante total de €73.083,88;
  • O que não invalida que constitua, também, objeto do pedido arbitral a decisão de indeferimento que recaiu sobre o pedido de anulação e de reembolso daquele imposto, proferido pelo Sr. Diretor da Alfândega de ..., por despacho sancionado em 07.09.2023 e notificado à Requerente sob o Ofício n.º..., datado do mesmo dia;
  • Pelo que não se verifica qualquer erro na forma de processo, já que o pedido formulado mais não é do que uma consequência lógica da anulação do ato tributário ora em apreço. Ou seja, a emissão de novo ato tributário e respectivo reembolso do imposto indevidamente pago, mais não são que o resultado da procedência do presente pedido de pronúncia arbitral.
  • No âmbito do presente pedido de pronúncia arbitral está em discussão, acima de tudo e em primeiro lugar, a legalidade da liquidação de IABA relativo aos produtos acima identificados, no período acima mencionado, o qual terá necessariamente como consequência o reembolso do imposto indevidamente pago;
  • A Requerente pretende que o Tribunal Arbitral se pronuncie sobre a (i)legalidade daqueles atos de liquidação de IABA, em cumprimento e em respeito, de resto, do preceituado no art.º 2.º, n.º 1, do RJAT, mas isso não invalida que requeira, também, o reembolso do imposto indevidamente pago e, como é evidente, a emissão de um novo ato tributário que reflita o decidido nestes autos;
  • Sem prejuízo do exposto e sem se conceder, a verdade é que, como é fácil constatar, o pedido de reembolso do imposto por erro na liquidação, constitui uma forma de impugnação administrativa do ato tributário, encontrando-se também contemplada a possibilidade, de, em caso de erro na liquidação, a revisão do ato tributário poder ser realizada por iniciativa da Administração. Ou seja, estamos perante um mecanismo semelhante ao previsto no art.º 98.º, n.º 2, do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado (CIVA) e de revisão oficiosa, previsto no art.º 78.º da Lei Geral Tributária (LGT).
  • Neste sentido, caraterizando-se a decisão de indeferimento do reembolso como um ato tributário de segundo grau, este pode ser objeto de pedido arbitral, conjuntamente com o pedido de declaração de ilegalidade dos próprios atos tributários de liquidação, na medida em que comportam a apreciação da legalidade dos atos de liquidação.

Por despacho de 03.05.2024, o Tribunal determinou a dispensa da reunião prevista no artigo 18º do RJAT.

 

II - SANEAMENTO

O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído.

A Autoridade Tributária suscitou as exceções de impropriedade do meio processual utilizado bem como de incompetência do Tribunal Arbitral, as quais serão apreciadas adiante.

As Partes gozam de personalidade e capacidade judiciária e encontram-se devidamente representadas.

O processo não padece de vícios que o invalidem e não existem incidentes que importe decidir.

A cumulação de pedidos é admissível ao abrigo do art.º 104.º, n.º 1 al. b) CPPT, aplicável ao processo tributário por força da al. a) do nº 1 do art.º 29.º do RJAT, uma vez que a apreciação dos pedidos cumulados tem por base as mesmas circunstâncias de facto, e os mesmos são suscetíveis de ser decididos com base na aplicação das mesmas normas a situações de facto do mesmo tipo.

 

III – POSIÇÃO DAS PARTES

  1. Da Requerente
  • O pedido de reembolso indeferido baseia-se em erro na liquidação decorrente da errónea qualificação dos factos tributários subjacentes à introdução no consumo de bebidas alcoólicas, em concreto de:
  1. Vinho tranquilo, nos termos e condições previstos na al. b) do nº 2 do artigo 66º do Código dos Impostos Especiais de Consumo (“CIEC”), isto é, produtos abrangidos pelos códigos de nomenclatura combinada (“NC”) 2205, cujo título alcoométrico adquirido resultante inteiramente da fermentação é igual a 8% vol.; e
  2. Vinho espumante, nos termos e condições previstos na al. c) do nº 2 do artigo 66º do CIEC – ie. produtos abrangidos pelos códigos de NC 2205, cujo título alcoométrico adquirido resultante inteiramente de fermentação é igual a 8% vol. e que estejam contidos em garrafas fechadas por rolhas em forma de cogumelo fixadas por arames ou grampos.
  • Até 31.12.2016, as bebidas alcoólicas detalhadas infra, correspondentes aos tipos previstos no código de nomenclatura combinada NC 205 10 10, com graduação alcoólica de 8% vol., elaboradas a partir de vinho fermentado a baixas temperaturas e reforçado com essências naturais de frutas e especiarias, encontravam-se sujeitas a IABA à taxa de €0, a saber:
  1. ... Sangria Branca;
  2. ... Sangria Tinta e
  3. ... Frutos Vermelhos.
  • A partir de 01.01.2017, e decorrente de uma alteração introduzida pela lei do OE para 2017, as taxas de imposto aplicáveis aos vinhos tranquilos e espumantes passaram a ser distintas das taxas aplicáveis às outras bebidas fermentadas, tranquilas e espumantes, conforme previsto nos artigos 72º e 73º do CIEC;
  • Nesta sequência, manteve-se a taxa de imposto aplicável aos vinhos tranquilos e espumantes, prevista no nº 2 do artigo 72º do CIEC, ou seja, a taxa de €0, e passou a estipular-se que “A taxa do imposto aplicável às outras bebidas fermentadas, tranquilas e espumantes é de €10,30/hl”, tendo sido, entretanto, aumentada para €10,44/hl a partir de 01.01.2018, e aumentada para €10,54, a partir de 28.06.2022;
  • Não obstante o enquadramento adotado anteriormente quanto às bebidas alcoólicas elencadas no anterior artigo 7º – abrangidas, pacificamente, pelo conceito de vinhos tranquilos e espumantes para efeitos de tributação em sede de IABA – logo que entrou em vigor a alteração ao nº 2 do artigo 73º do CIEC, consagrada pela Lei do Orçamento do Estado para 2017, a EAC passou a incluir, erroneamente, tais produtos no conceito de outras bebidas tranquilas fermentadas previsto na al. d) do nº 2 do artigo 66º do CIEC, passando, por conseguinte, a considerar aplicar-se àquelas bebidas alcoólicas a taxa de €10,44/hl, nas introduções no consumo entre 01.03.2022 e 27.06.2022, e de €10,54 nas introduções no consumo a partir de 28.06.2022.
  • Tendo procedido à introdução no consumo deste tipo de bebidas desde março de 2022, a Requerente pagou o IABA correspondente às taxas mencionadas, mas considera, contudo, que se trata de um erro inequívoco na interpretação dos conceitos aplicáveis para efeitos de incidência objetiva do imposto, nomeadamente pela incorreta subsunção de tais produtos no conceito de “outras bebidas tranquilas ou fermentadas”, consagrado na al. d) do nº 2 do artigo 66º do CIEC, ao invés de, como era anteriormente evidente, nos conceitos de “vinho tranquilo e espumante” previstos nas alíneas b) e c) do art.º 66º daquele Código;
  • De acordo com o nº 1 do artigo 8º da Diretiva 92/83/CEE, são considerados “vinho tranquilo” os produtos abrangidos pela NC 2204 e 2205, com exceção do vinho espumante, com as seguintes características:
  1. Teor alcoólico adquirido superior a 1,2% vol., mas inferior ou igual a 15% vol., desde que o álcool contido no produto acabado resulte inteiramente de fermentação; ou
  2. Teor alcoólico adquirido superior a 15% vol., mas não a 18% vol., desde que tenham sido produzidos sem enriquecimento e que o álcool contido no produto resulte inteiramente de fermentação.
  • Adicionalmente, de acordo com o nº 2 do artigo 8º da sobredita Diretiva, são qualificados como “vinho espumante” os produtos abrangidos pela NC 2204 10, 2204 21 10, 2204 29 10 e 2205, com as seguintes características:
  1. Estejam contidos em garrafas fechadas por rolhas em forma de cogumelo, fixas por açaimes ou grampos, ou com uma sobrepressão derivada do anidrido carbónico em solução de, pelo menos, 3 bares; e
  2. Com o teor alcoólico adquirido superior a 1,2% vol., mas não a 15% vol., desde que o álcool contido no produto acabado resulte inteiramente de fermentação.
  •  Paralelamente, prevê o nº 1 do art.º 12º da Diretiva 92/83/CEE que “outras bebidas fermentadas” são os produtos abrangidos pelas NC 2204 e 2205, com exceção dos produtos abrangidos pelo art.º 8º da referida Diretiva, e os produtos abrangidos pela NC 2206 – exceto bebidas espumantes fermentadas definidas no art.º 2º da Diretiva (ie. cerveja) – que tenham:
  1. Teor alcoólico adquirido superior a 1,2% de vol., mas não a 10% de vol; ou
  2. Teor alcoólico adquirido superior a 10% de vol., mas não a 15% vol., desde que o álcool contido no produto resulte inteiramente de fermentação.
  • Resulta assim deste diploma comunitário, cujas bases foram transpostas para o CIEC português, que o legislador pretendeu claramente fazer uma distinção entre vinhos tranquilos e vinhos espumantes, por um lado e outras bebidas fermentadas, por outro, ao enquadrar (i) no conceito de vinhos tranquilos as bebidas com graduação alcoólica inferior a 10% de vol. e cujo álcool contido no produto acabado resulte inteiramente de fermentação e ii) no conceito de vinhos espumantes as bebidas com graduação alcoólica inferior a 15% de vol. e contidas em garrafas fechadas por rolhas em forma de cogumelo, fixas por açaimes ou grampos (como é o caso das bebidas alcoólicas comercializadas pela Requerente), pelo que apenas considera para efeitos de classificação enquanto outra bebida fermentada, (iii) produtos com graduação alcoólica inferior a 10% mas cujo álcool não resulte inteiramente de fermentação (os quais se encontram previstos no artigo 8º da referida Diretiva).
  • Depreende-se, portanto, que, não obstante o cruzamento entre os três conceitos, o legislador cingiu, de forma inequívoca, o conceito de vinho tranquilo às bebidas com graduação alcoólica inferior a 10%, mas que tenha resultado inteiramente de fermentação, e o conceito de vinho espumante às bebidas com graduação alcoólica inferior a 15% de vol. e contidas em garrafas fechadas por rolhas em forma de cogumelo, fixas por açaimes ou grampos, apenas se aplicando o conceito de outras bebidas fermentadas àquelas que, não obstante assumirem tais graduações alcoólicas, não a obtiveram inteiramente por fermentação, o que não é o caso da sangria;
  • Em face da definição conceptual dada pela Diretiva em apreço, dúvidas não subsistem quanto ao enquadramento dos produtos em referência no disposto nos nºs 1 e 2 do art.º 8º da Diretiva 92/83/CEE, dado não haver dúvidas de que o teor alcoólico adquirido daqueles produtos é superior a 1,2% vol., mas inferior ou igual a 15% vol. (tal como referido, o teor alcoólico é de 8%), e que o álcool contido no produto acabado resulta inteiramente de fermentação  - sendo que, no caso do produto “... Sangria Frutos Vermelhos”, este se encontra contido em garrafas fechadas por rolhas em forma de cogumelo, fixas por açaimes ou grampos, - logo, devendo ser qualificado como vinho espumante;
  • Posto isto, importa apenas verificar se o produto será qualificável no código NC 2205. De acordo com o Regulamento de Execução (EU) 2017/1925, da Comissão, datado de 12.10.2017, que altera o anexo I do Regulamento (CEE) nº 2658/87, do Conselho, relativo à nomenclatura pautal e estatística e à pauta aduaneira comum, consideram-se como produtos abrangidos pela posição 2205 “(...) unicamente os vermutes e outros vinhos de uvas frescas aromatizadas por plantas ou substâncias aromáticas cujo teor alcoólico adquirido seja igual ou superior a 7% de vol;”
  • Ora, sendo o produto em referência elaborado a partir de vinho fermentado a baixas temperaturas, reforçado com essências naturais de frutas e especiarias, com graduação alcoólica de 8% vol., é inquestionável que o mesmo será enquadrável na posição 2205 do Código de Nomenclatura Combinada da União Europeia;
  • Neste sentido expressam as Notas Explicativas da Nomenclatura Combinada da União Europeia (2015/C 076/01, de 4 de março de 2015), pela qual a Comissão Europeia considera abrangida pela NC 2205 – Vermutes e outros vinhos de uvas frescas aromatizadas por plantas ou substâncias aromáticas “as bebidas denominadas sangria, à base de vinho, aromatizadas, por exemplo, com limão ou laranja”;
  • Do que decorre que não existem quaisquer dúvidas quanto à inclusão das bebidas alcoólicas comercializadas pela Requerente naquela NC 2205;
  • Por seu turno, o Regulamento nº 251/2014 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26.02.2014, relativo à definição, descrição, apresentação, rotulagem e proteção das indicações geográficas dos produtos vitivinícolas aromatizados, define, no nº 3 do art.º 3º, que bebida aromatizada à base de vinho consiste na bebida:
  1. Obtida a partir de um ou mais dos produtos vitivinícolas definidos no Anexo VII parte II do Regulamento 1308/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 17 de dezembro de 2014;
  2. Na qual os produtos vitivinícolas referidos na alínea a) representam, pelo menos, 50% do volume total;
  3. À qual não foi adicionado álcool;
  4. À qual não foram eventualmente adicionados corantes;
  5. À qual foram eventualmente adicionados mosto de uvas, mosto de uvas parcialmente fermentado ou ambos;
  6. Que pode ter sido eventualmente edulcorada;
  7. Com título alcoométrico volúmico adquirido igual ou superior a 4,5% vol. e inferior a 14,5% vol.
  • Adicionalmente, o mesmo Regulamento indica no ponto B da al. 3) do seu Anexo II, que deve ser denominada Sangria a “bebida aromatizada à base de vinho”, (i) obtida a partir de vinho, (ii) aromatizada através da adição de essências ou extratos naturais de citrinos, com ou sem sumo desses frutos, (iii) à qual foram eventualmente adicionadas especiarias ou dióxido de carbono, (iv) que não foi corada, (v) com título alcoométrico volúmico adquirido igual ou superior a 4,5% vol., e inferior a 12% vol., (vi) que pode conter partículas sólidas provenientes da polpa ou da casca de citrinos e cuja cor deve resultar exclusivamente das matérias-primas utilizadas;
  • Acrescenta ainda este regulamento, no referido Anexo, que a designação Sangria “só pode ser utilizada como denominação de venda” quando o produto for produzido em Espanha ou Portugal;
  • Nos demais Estados-Membros da União Europeia, tal designação apenas poderá ser utilizada como complementado à denominação de venda “bebidas aromatizadas à base de vinho”;
  • Daqui resulta que estes produtos – sangria – são subsumíveis ao conceito de vinho noutros países da EU, beneficiando Portugal e Espanha de uma permissão especial para a respetiva denominação comercial e que, em rigor, não prejudica a assunção do produto na classe de vinho, antes confirmando tal entendimento da Requerente;
  • A propósito desta questão, recorde-se que a EAC aduziu na decisão de indeferimento do pedido de reembolso efetuado pela Requerente que “os produtos aromatizados aplicados no fabrico destas bebidas são dissolvidos ou têm uma base de álcool, pelo que o teor alcoólico não resulta inteiramente de fermentação, para depois concluir que os produtos em apreciação no presente pleito não preenchem assim os critérios substantivos para cabimento no conceito de vinho para efeitos da Diretiva nº 92/83/CEE;
  • Ora, tal entendimento não se mostra refletido nos processos próprios de produção das bebidas em apreço;
  • O entendimento replicado pela EAC e propugnado pela República Francesa de que os produtos vitivinícolas aromatizados não devem ser classificados enquanto “vinhos tranquilos ou espumantes”, mas como “outras bebidas fermentadas”, apenas colheria se não fossem devidamente consideradas as características particulares deste produto nos diversos Estados-Membros, cuja produção pode obedecer a um conjunto de regras e/ou tradições bastante díspares e incomparáveis, tornando quaisquer conclusões neste contexto suportadas em premissas frágeis porque subjetivas;
  • De facto, a previsão de um regime especial para a Península Ibérica em termos de denominação comercial conduz a que o processo de produção das bebidas em causa ocorre através da utilização de produtos aromatizados não naturais, dissolvidos ou com base de álcool, ie, não sendo elaborado a partir de vinho fermentado a baixas temperaturas e posteriormente reforçado com essências naturais de frutas e especiarias sem qualquer teor alcoólico, motivo pelo qual outros Estados-Membros tendem a não qualificar tais produtos como vinho tranquilo ou vinho espumante – ao contrário do que ocorre com os produtos comercialmente designados por Sangria comercializados pela Requerente, conforme mencionado supra, porquanto resultam de um procedimento elaborativo distinto.
  • Assim, o entendimento vertido pela EAC neste âmbito não pode proceder, na medida em que os aromas utilizados nos produtos comercializados pela Requerente não contêm teor alcoólico, sendo que o teor alcoólico destes produtos advém exclusivamente do vinho, conforme dispõem as fichas comerciais dos vários produtos, nomeadamente da ... Sangria Branco, ... Tinto e ... Frutos Vermelhos;
  • Por último, refere a EAC, na sua decisão de indeferimento, que o ponto 1, al. b) do Anexo I do Regulamento nº 251/2014 do Parlamento e do Conselho, de 26.02.2014, “estipula que a adição das substâncias autorizadas na aromatização das referidas bebidas confere ao produto final características organoléticas diferentes das de um vinho”;
  • Ora, não é aplicável aos produtos comercializados pela Requerente a al. b) do Anexo I do Regulamento nº 251/2014, mas antes a al. a) do referido Anexo, segundo a qual se consideram autorizados para a aromatização de vinhos aromatizados, designadamente, os seguintes produtos:
  1. Ervas aromáticas e/ou especiarias; e
  2. As substâncias aromatizantes naturais e/ou as preparações aromatizantes definidas no art.º 3º, nº 2, als. c) e d), do Regulamento 1334/2008 do Parlamento Europeu e do Conselho de 16.12.2008;
  • Neste contexto, o art.º 3º, nº 2, al. c) do Regulamento nº 1334/2008 do Parlamento Europeu e do Conselho de 16.12.2008 define “substância aromatizante natural” como “uma substância aromatizante obtida por processos físicos, enzimáticos ou microbiológicos adequados a partir de materiais crus de origem vegetal, animal ou microbiológica ou transformados para consumo humano por um ou mais processos tradicionais de preparação de géneros alimentícios enumerados no anexo II; as substâncias aromatizantes naturais correspondem a substâncias cuja presença é natural e que foram identificadas na natureza”;
  • Por sua vez, o art.º 3º, nº 2 al. d) do Reg. 1334/2008 do Parlamento Europeu e do Conselho de 16.12.2008 define “preparação aromatizante” como:
  1. Géneros alimentícios, [obtidos] por processos físicos, enzimáticos ou microbiológicos adequados a partir de materiais crus ou transformados para consumo humano por um ou mais dos processos tradicionais de preparação de géneros alimentícios enumerados no anexo II; e/ou
  2. Materiais de origem vegetal, animal ou microbiológica, que não sejam géneros alimentícios, [obtidos] por processos físicos, enzimáticos ou microbiológicos adequados, sendo os materiais utilizados como tais ou preparados por um ou mais dos processos tradicionais de preparação de géneros alimentícios enumerados no anexo II;
  • Considerando que os produtos comercializados pela Requerente consistem em vinho adicionado de especiarias e aromatizantes naturais de fruta, falece totalmente o argumento da EAC de que estes produtos não se qualificam como vinho, por aplicação da al. b) do Anexo I do Regulamento nº 251/2014;
  • Acresce que a al. b) do Anexo I do Regulamento nº 251/2014 se diferencia da al. a) do mesmo preceito na medida em que a “substância aromatizante” a adicionar ao vinho é uma substância química, não natural, não tendo, por conseguinte, aplicabilidade aos produtos em análise e comercializados pela Requerente;
  • O Regulamento (EU) nº 1308/2023 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 17.12.2014, que estabelece uma organização comum dos mercados dos produtos agrícolas, determina no seu número 1 da Parte II que por “vinho” se entende “o produto obtido exclusivamente por fermentação alcoólica, total ou parcial, de uvas frescas, esmagadas ou não, ou de mostos de uvas”.
  • Igualmente aqui se apresenta manifestamente clara a fronteira entre vinho e outras bebidas fermentadas, permitindo a correta distinção entre realidades objetiva e tecnicamente diferentes;
  • Do supra exposto resulta que as bebidas alcoólicas em apreço devem ser consideradas como vinho tranquilo para efeitos de Imposto Especial de Consumo;
  • Não obstante tudo o que se expôs, considerando que o CIEC é o diploma nacional que transpôs, em matéria de IABA, a Diretiva 92/83/CEE, há que chamar aqui à colação a legislação nacional nesta matéria, com os limites naturalmente decorrentes de eventual contradição entre tal legislação nacional e a respetiva génese comunitária;
  • De acordo com o nº1 do art.º 66º do CIEC, o IABA incide sobre a “cerveja, os vinhos, outras bebidas fermentadas, os produtos intermédios e as bebidas espirituosas, genericamente designadas por bebidas alcoólicas, e sobre o álcool etílico, genericamente designados por álcool;
  • Para afeitos de aplicação do IABA, e de acordo com a al. b) do nº 2 do art.º 66º do referido CIEC, classificam-se como vinhos tranquilos “os produtos abrangidos pelos códigos NC 2204 e 2205, com exceção do vinho espumante, cujo título alcoométrico adquirido resultante inteiramente de fermentação seja superior a 1,2% vol. e igual ou inferior a 18% vol.
  • Adicionalmente, de acordo com a al. c) do nº 2 do art.º 66º do CIEC, classificam-se como vinhos espumantes “os produtos abrangidos pelos códigos NC 2204 10, 2204 2110,2204, 2910 e 2205, cujo título alcoométrico adquirido resultante inteiramente de fermentação seja superiora 1,2% vol. e igual ou inferior a 15% vol. que estejam contidos em garrafas fechadas por rolhas em forma de cogumelo fixadas por arames ou grampos, ou com uma sobrepressão derivada do anidrido carbónico em solução de, pelo menos, 3 bar;
  • De acordo com a al. d) do nº 2 do art.º 66º do CIEC, classificam-se como outras bebidas tranquilas fermentadas “os produtos abrangidos pelos códigos NC 2204, 2205 e 2206, com exceção dos vinhos, da cerveja e das outras bebidas espumantes fermentadas, cujo título alcoométrico adquirido seja superior a 1,2% vol. e igual ou inferior a 10% vol. e ainda os de título alcoométrico superior a 10% vol. mas não a 15% vol. , desde que, neste último caso, o álcool contido no produto resulte inteiramente de fermentação;
  • Conforme se depreende do exposto, na definição de outras bebidas tranquilas fermentadas, prevista na al. d) do nº 2 do art.º 66º do CIEC, encontram-se expressamente excecionados os vinhos – ie as bebidas que se integrem no conceito de vinho tranquilo e vinho espumante – refletindo inequivocamente aquela que era a intenção do legislador europeu de apenas incluir naquele conceito bebidas cujo título alcoométrico adquirido fosse superior a 1,2% vol. e igual ou inferior a 10% vol. mas que não resultasse inteiramente do processo de fermentação;
  • Ou seja, o CIEC reflete e transpõe com exatidão o conceito de vinho tranquilo e de vinho espumante previsto nos nºs 1 e 2 do art.º 8º da Diretiva 92/83/CEE, nas als. b) e c) do nº 2 do art.º 66º daquele diploma, pelo que a conjugação dos normativos até agora descritos permite confirmar que as bebidas “Sangria” se subsumem nos conceitos de vinho tranquilo e vinho espumante, e qualquer outra conclusão enferma de legalidade [sic].
  • Ademais, o enquadramento da bebida “Sangria” enquanto outra bebida tranquila fermentada terá como impacto inicial claro que nenhuma das bebidas referenciadas pela NC 2205 se venha a qualificar como vinho tranquilo ou vinho espumante, despindo, assim, de incidência e abrangência as als. b) e c) do nº 2 do art.º 66º do CIEC;
  • Por outro lado, ao contrário dos vinhos licorosos, nenhum dos produtos adicionados aos produtos em apreciação é fermentado, sendo a fermentação obtida exclusivamente a partir de uvas frescas ou de mosto de uvas, devendo também, por este entendimento, ver-se refutado o respetivo enquadramento enquanto outras bebidas tranquilas fermentavas;
  • Ainda no quadro nacional, a EAC socorre-se de classificação entre vinhos comuns e vinhos especiais, constante do decreto-lei nº 35846/46, de 02.09.1946;
  • Ora, o referido decreto-lei qualifica vinhos comuns como “vinhos maduros ou verdes que resultam de fermentação normal do mosto”, incluindo nos vinhos especiais o “vinhos licorosos, os vinhos doces de mesa, os espumantes naturais ou espumosos gaseificados;
  • Ora, os produtos designados comercialmente por sangria, comercializados pela requerente, jamais poderão reconduzir-se ao conceito de vinhos especiais, na medida em que, tal como refere a EAC, estes produtos se caracterizam essencialmente por conterem “álcool ou aguardente adicionado o que inibe a sua classificação enquanto vinhos para efeitos do CIEC”;
  • Como se viu e demonstrou os produtos designados comercialmente por sangria resultam da fermentação normal do mosto, com a particularidade de, subsequentemente, serem aromatizado com especiarias e aromas naturais de produtos, pelo que dúvidas não existem que deverão classificar-se como vinhos comuns, pelo que, também por aqui, improcede a argumentação deduzida pela EAC a sua decisão;
  • Considerando o enquadramento jurídico tributário efetuado, é de concluir que as bebidas alcoólicas subjacentes ao pedido de reembolso apresentado junto da instância aduaneira de ... isto é as bebidas comercialmente designadas por ... Sangria, ... Sangria Branco, ... Sangria Tinto, e ... Sangria Frutos Vermelhos se encontram abrangidos pelas NC 2205 10 10 têm uma graduação alcoólica de 8% Vol. e foram elaboradas exclusivamente a partir de vinho fermentado a baixas temperaturas e reforçado com essências naturais de frutas e especiarias;
  • Com efeito, atendendo ao processo produtivo dos produtos comercialmente designados por sangrias, verifica-se que as bebidas acima descritas consistem, afinal e apenas, na adição de plantas, frutas ou substâncias aromáticas a vinho, o qual não sofre qualquer alteração na sua produção;
  • Consistem, portanto, em vinhos preparados à base uvas frescas aromatizados, sendo por conseguinte, abrangidos pelo conceito de vinho quer pelas definições estipuladas no regulamento (EU) nº 252/2014, quer pelas previstas no Regulamento (UE) nº 1308/2013, conforme normativos citados supra;
  • Pelo exposto, a qualificação das bebidas em causa como vinho dá-se por plenamente comprovada pelo que, tendo em consideração a legislação exposta, bem como as especificidades técnicas dos produtos, entende a requerente que as bebidas alcoólicas comercialmente designadas por sangria se enquadram no conceito de vinho espumante previstos nas alíneas b) e c) do nº 2 do artigo 66º do CIEC, devendo, por conseguinte aplicar-se a taxa de IABA de €0, conforme previsto no número dois do artigo 72º daquele Código, com base nos fundamentos supra expostos que se resumem de seguida:
  1. As “bebidas denominadas sangria à base de vinho, aromatizadas” pertencem a NC 2205, tal como se encontra evidenciado nas Notas Explicativas da Nomenclatura Combinada da União Europeia;
  2. São qualificadas como o vinho tranquilo os produtos abrangidos pela NC 2205 cujo título alcoométrico adquirido que resulte inteiramente de fermentação seja superior a 1,2% vol. e igual ou inferior a 18% vol.;
  3. Adicionalmente, são qualificadas como o vinho espumante os produtos abrangidos pela NC 2205 cujo título alcoométrico adquirido resulte inteiramente de fermentação, seja superior a 1,2% vol. e igual ou inferior a 15% vol., e que se encontrem contidos em garrafas fechadas por rolhas em forma de cogumelo fixadas por arames ou grampos;
  4. As bebidas Sangria que a Requerente introduz no consumo consistem em vinho aromatizado com plantas ou substâncias aromáticas, não sofrendo qualquer alteração na sua produção, beneficiando de um título alcoométrico correspondente a 8% do volume resultante inteiramente da fermentação, por tal enquadrados nos valores expressamente balizados e no processo definido pelas alíneas b) e c) do nº 2 do art.º 66º do CIEC;
  5. Por conseguinte, deve concluir-se que os produtos em causa têm acolhimento nos conceitos de vinho tranquilo e de vinho espumante, quer pela conceção prevista nas alíneas b) e c) do nº 2 do artigo 66º daquele Código (que transpõe a diretiva 92/83/CEE para o ordenamento jurídico português, quer pela exceção prevista na alínea d) deste mesmo nº 2, o qual considera que ainda que os produtos em causa possam ser abrangidos pela NC 2205, pelo facto de constituírem vinho cujo título alcoométrico seja superior a 1,2% vol., igual ou inferior a 10% vol. e que resulte inteiramente de fermentação (numa interpretação a contrario resultante da conjugação da norma e da legislação comunitária aplicável, e bem assim, da vontade do legislador europeu), não são abrangidos pelo conceito de outra bebida tranquila ou fermentada.

A Requerente termina pedindo a anulação do ato tributário do Diretor da Alfândega de ..., por despacho sancionado em 07.09.2023 e notificado à Requerente sob o Ofício nº..., de 13.09.2023, sob a epígrafe “Pedido de Reembolso por Erro na Liquidação – Sangria” e pela substituição deste ato por outro que declare que as bebidas alcoólicas comercialmente designadas “sangria”, armazenadas e expedidas pela Requerente, são classificadas como vinho tranquilo e vinho espumante para efeitos do nº 2 do art.º 72º do CIEC e, em consequência, ser reembolsado à Requerente o montante de €73.083,88.

 

  1. Da Requerida

Em síntese, a Requerida alega o seguinte, na sua resposta:

  1. Por exceção
  1. Erro na forma de processo
  • A forma de processo utilizada pela Requerente é inadequada, pois o meio judicial para obter a anulação de um ato administrativo em matéria fiscal é a ação administrativa, e não a impugnação de um ato tributário, sendo que no caso concreto não impugna a Requerente a liquidação do imposto nem coloca em causa a sua legalidade;
  • Pelo contrário, da leitura do PPA, resulta, inquestionavelmente, que a pretensão da Requerente se prende com a anulação de um despacho de indeferimento proferido pela requerida, pretendendo a Requerente que a Requerida seja condenada a proferir outro despacho, em substituição, declarando que as bebidas alcoólicas comercialmente designadas “sangria”, são classificadas como vinho tranquilo e vinho espumante;

 

  1. Incompetência do tribunal
  • Do teor do PPA resulta claramente que se pretende a anulação de um despacho de indeferimento proferido pela Requerida e a sua condenação a proferir outro despacho, em substituição, que declare que as bebidas alcoólicas comercialmente designadas “sangria”, armazenadas e expedidas pela Requerente, são classificadas como vinho tranquilo e vinho espumante;
  • Não obstante, sem conceder e apenas por mero dever de cautela e raciocínio, poder-se-á alegar/invocar que o que pretende a Requerente é a restituição/reembolso do valor pago a título de IABA no montante de € 73.083,88 (setenta e três mil e oitenta e três euros e oitenta e oito cêntimos), não sendo da competência do tribunal arbitral a execução de sentenças/decisões;
  • Entendimento que, salvo douta e melhor opinião, não colhe, mas perante o qual sempre cumprirá ter presente que, conforme decorre do RJAT, a instância arbitral constitui um contencioso de mera anulação e o âmbito da ação arbitral não consente a pronúncia sobre a restituição de valores/montantes, por conta da declaração de ilegalidade ou anulação de atos de liquidação (o que só pode ser determinado em sede de execução da decisão) – vide artigo 2.º do RJAT;
  • Da leitura do “pedido de reembolso” e do teor do PPA a questão a apreciar incide, exclusiva e diretamente, sobre a natureza dos produtos alcoólicos em causa e sua classificação para efeitos de tributação em sede de IABA, estando em causa a discussão de uma questão atinente à classificação de produtos para efeitos de enquadramento legal dos mesmos nos diferentes tipos de produtos sujeitos a IABA e determinação da taxa aplicável, e não a impugnação de ato(s) de liquidação de IABA, visando a Requerente com tal pedido a não aplicação da taxa legalmente prevista para “outras bebidas tranquilas fermentadas” e, consequentemente, a aplicação da taxa 0 (zero) prevista no n.º 2 do artigo 72.º do CIEC para o vinho;
  • Ora, salvo douto e melhor entendimento, tal pretensão por parte da Requerente consubstancia uma infundada exigência para que a Administração Tributária adote uma nova atuação em sede de liquidação do imposto, procedendo à realização de novas liquidações que não as resultantes da lei em vigor, que a Requerida aplicou (e aplica) aquando da realização das liquidações do imposto;
  • Liquidações essas realizadas também, como não poderia deixar de ser, tendo em consideração os elementos declarados pela Requerente nas Declarações de Introdução no Consumo (e-DIC) que processou quanto às introduções no consumo efetuadas relativamente às bebidas em apreço nos presentes autos;
  • Pelo que, pugnando a Requerente pela realização de novas e-DIC e emissão de respetivos novos DUCs em substituição dos anteriores, visa a Requerente, concomitantemente, que a Requerida adote um comportamento (infundado e inovador) que consiste na realização de novos atos de liquidação;
  • O que resultaria na pretensão da Requerente de que, por conta da diferente classificação das bebidas, viessem a ser processadas/apresentadas outras DIC e DUC, e efetuadas outras liquidações, em substituição dos precedentes;
  • Tendo tal em consideração, entende-se que o meio processual próprio de que a Requerente deveria ter feito uso seria a ação para o reconhecimento de um (alegado) direito ou interesse legítimo em matéria tributária, previsto no artigo 145.º e seguintes do CPPT, uma vez que não está em causa a “intimação para um comportamento” de um alegado direito ou interesse legítimo lesado ou violado, que resulta diretamente da lei;
  • O Direito da União Europeia (DUE) disciplina, em diploma especial e autonomizando-os expressa e formalmente dos vinhos, os produtos vitivinícolas aromatizados previstos no Regulamento (EU) n.º 251/2014, de 26/02, abrangendo vinhos aromatizados, bebidas aromatizadas à base de vinho e cocktails aromatizados de produtos vitivinícolas;
  • De acordo com o artigo 66.º, n.º 2, alíneas b), c) e d) do Código dos Impostos Especiais de Consumo (CIEC), respetivamente, para os devidos efeitos devem considerar-se:
    • «Vinho tranquilo» os produtos abrangidos pelos códigos NC 2204 e 2205, com exceção do vinho espumante, cujo título alcoométrico adquirido resultante inteiramente de fermentação seja superior a 1,2 % vol. e igual ou inferior a 18 % vol.;
    • «Vinho espumante» os produtos abrangidos pelos códigos NC 2204 10, 2204 21 06, 2204 21 07, 2204 21 08, 2204 21 09, 2204 29 10 e 2205, cujo título alcoométrico adquirido resultante inteiramente de fermentação seja superior a 1,2 % vol. e igual ou inferior a 15 % vol., que estejam contidos em garrafas fechadas por rolhas em forma de cogumelo fixadas por arames ou grampos, ou com uma sobrepressão derivada do anidrido carbónico em solução de, pelo menos, 3 bar; → «Outras bebidas tranquilas fermentadas» os produtos abrangidos pelos códigos NC 2204, 2205 e 2206, com exceção dos vinhos, da cerveja e das outras bebidas espumantes fermentadas, cujo título alcoométrico adquirido seja superior a 1,2 % vol. e igual ou inferior a 10 % vol., e ainda os de título alcoométrico superior a 10 % vol., mas não a 15 % vol., desde que, neste último caso, o álcool contido no produto resulte inteiramente de fermentação;
  • Assim, para que sejam classificados como “vinho” (tranquilo ou espumante), os produtos vitivinícolas devem reunir, cumulativamente, os seguintes requisitos: 1) o título alcoométrico adquirido resultar inteiramente de fermentação; e 2) sejam, como não poderia deixar de ser, vinho;
  • Atendendo ao caso em apreço, no que respeita à sangria, apesar de se exigir uma análise completa de todos os prismas, recorrendo-se ao conceito vigente no ramo de Direito aplicável, conforme dispõe a LGT, porquanto em alguns casos pode-se satisfazer o primeiro requisito, isto é, o título alcoométrico adquirido pode resultar inteiramente da fermentação;
  • Torna-se claro da exposição em apreço que apenas pode a sangria ser qualificada como “outras bebidas tranquilas fermentadas”, pois não satisfaz, em caso algum, o segundo requisito, i.e., não é vinho;
  • Encontrando-se a sangria abrangida pelo Regulamento (EU) n.º 251/2014, de 26 de fevereiro de 2014, estando os produtos, por regra, abrangidos pelo código NC 2205, que é suscetível de enquadrar quer “vinho”, quer “outras bebidas fermentadas” ou “produtos intermédios”;
  • Conforme consta da ficha informativa nº 13258/2018:
    •  “Os vinhos e as outras bebidas fermentadas devem ser consideradas “espumantes” sempre que estejam contidos em garrafas fechadas por rolhas em forma de cogumelo e fixadas por arames ou grampos, bem como nos casos em que, não estando contidas nestas garrafas, ainda assim se verifique uma sobrepressão derivada do anidrido carbónico em solução de, pelo menos, 3 bar; Sangria de Frutos Vermelhos: Sangria de base vínica, com adição de aromas de frutos vermelhos e nível de gaseificação semelhante ao de um frisante (3 gr/lt). 9% álcool – “Outras bebidas espumantes fermentadas”, nos termos da alínea e) do n.º 2 do artigo 66.º do CIEC”;
  • Os artigos 8.º e 12.º da Diretiva n.º 92/83/CEE do Conselho, de 19 de outubro de 1992, relativa à harmonização da estrutura dos IEC sobre o álcool e as bebidas alcoólicas, estabelecem o que se entende, para efeitos da sua aplicação, por “vinho tranquilo” e “vinho espumante”, bem como “outras bebidas fermentadas com exceção do vinho ou da cerveja;
  • De acordo com o disposto no artigo 12.º da Diretiva n.º 92/83/CEE do Conselho, de 19 de outubro de 1992, entende-se por “Outras bebidas tranquilas fermentadas” “os produtos abrangidos pelos códigos NC 2204 e 2205 mas não mencionados no artigo 8.º, os produtos abrangidos pelo código NC 2206, exceto as outras bebidas espumantes fermentadas definidas no ponto 2 do presente artigo, e qualquer produto abrangido pelo artigo 2.º:
    • de teor alcoólico adquirido superior a 1,2% vol mas não a 10% vol;
    • de teor alcoólico adquirido superior a 10% vol mas não a 15% vol, desde que o álcool contido no produto resulte inteiramente de fermentação”.
  • Pelo exposto, a Diretiva n.º 92/83/CEE do Conselho, de 19 de outubro de 1992 contempla a possibilidade de bebidas abrangidas pelo código NC 2205, mesmo ou ainda que o álcool contido no produto resulte integralmente de fermentação, possam ser classificadas como “outras bebidas fermentadas” – bastará, para o efeito, que não sejam consideradas ou enquadradas enquanto “vinho”, nos termos do artigo 8;
  • Por conseguinte, entende-se que a Diretiva não fixou uma regra precetiva, concedendo aos Estados-Membros a faculdade de concretização do conceito em causa, nos termos definidos pelo respetivo ordenamento jurídico;
  • Nos termos do Regulamento n.º 251/2014, o conceito de produtos vitivinícolas aromatizados abrange os seguintes produtos, todos eles autonomizáveis: vinhos aromatizados, bebidas aromatizadas à base de vinho, cocktails aromatizados de produtos vitivinícolas;
  • Do Anexo II do referido Regulamento, resulta que a sangria é uma “bebida aromatizada à base de vinho:
    • obtida a partir de vinho,
    • aromatizada através da adição de essências ou extractos naturais de citrinos, com ou sem sumo dessas frutas,
    • à qual foram eventualmente adicionadas especiarias,
    • à qual foi eventualmente adicionado dióxido de carbono,
    • que não foi corada,
    • com título alcoométrico volúmico igual ou superior a 4,5% vol e inferior a 12% vol, e
    • que pode conter partículas sólidas provenientes da polpa ou da casca de citrinos e cuja cor deve resultar exclusivamente das matérias-primas utilizadas”
  • Consequentemente, por tudo o exposto, salvo douto e melhor entendimento, é indubitável que os produtos em apreço –... Sangria Branco, ... Sangria Tinto e ... Frutos Vermelhos – consubstanciam, como, aliás, o nome indica, sangria, i.e., uma bebida cujo modo de produção e resultado final difere do vinho tranquilo e do vinho espumante;
  • Decorrendo claramente do supra exposto, bem como da mencionada legislação nacional e comunitária, quer ao nível do setor vitivinícola, quer no âmbito da legislação fiscal, que a definição de “vinho” ou de “vinho tranquilo” se restringe ao produto inteiramente obtido mediante um processo, exclusivo, de fermentação de uvas frescas ou do mosto de uvas, sem adição de quaisquer outros produtos, alcoólicos ou não alcoólicos, cujo teor alcoométrico resulta inteiramente da fermentação;
  • E que, no caso em apreço, os produtos finais destinados a ser consumidos são irrefutavelmente distintos do vinho, apresentando uma alteração substancial de componente, características organoléticas (gosto, cheiro, aparência) distintas e ainda, designação / classificação comerciais distintas e modo de servir diverso;
  • Não sendo suficiente a alegação de que o álcool contido no produto resulta inteiramente de fermentação para afastar o enquadramento das bebidas em apreço da categoria a que se subsumem, i.e., “outras bebidas tranquilas fermentadas”;
  • Assim, e apesar de, até 31-12-2016 as bebidas introduzidas no consumo pela Requerente no caso em apreço –... Sangria Branco, ... Sangria Tinto e ... Frutos Vermelhos – se encontrarem sujeitas a IABA à taxa de 0%; 
  • Certo é que, a partir de 01-01-2017, com a entrada em vigor da alteração ao n.º 2 do artigo 73.º do CIEC introduzida pela Lei n.º 42/2016, de 28 de dezembro (Orçamento do Estado para 2017) a taxa do imposto aplicável passou a ser de (euro) 10,30/hl, e, à data dos factos e atos de liquidação em apreço, i.e., 01-03-2022 e 31-12-2022, (euro) 10,44/hl e (euro) 10,54/hl;
  • O que consubstancia uma exceção perentória nos termos e para o efeito do disposto no artigo 576.º, n.º 1 e n.º 3 do CPC, aplicável ao presente processo por via do artigo 29.º, n.º 1 alínea e) do RJAT, devendo a Requerida ser absolvida do pedido

 

  1. Por impugnação
  • Refira-se, antes de mais, que a Requerente alega que o presente pedido é formulado, entre outros, “nos termos e para os efeitos do disposto no (…) art. 99.º, alínea a) do Código de Procedimento e Processo Tributário (“CPPT”), aplicável ex vi art.º 10.º, n.º2, al.c) do RJAT” (sic); Sucede que, conforme decorre do RJAT, a instância arbitral constitui um contencioso de mera anulação; E o âmbito da ação arbitral prevista no RJAT não consente a pronúncia sobre a restituição de valores/montantes, por conta da declaração de ilegalidade ou anulação de atos de liquidação (o que só pode ser determinado em sede de execução da decisão) – vide artigo 2.º do RJAT;
  • Pelo que o pedido arbitral da Requerente extravasa e excede a competência do douto tribunal arbitral em razão da matéria pois as normas de competência e respetivos processos e procedimentos são, salvo douto e melhor entendimento, normas especiais que têm prevalência sobre as normas gerais previstas no CPPT, cuja aplicação em matéria arbitral apenas ocorre em matéria arbitral de forma subsidiária em caso de aparente vazio legislativo e apenas se nada na lei especial se opuser ao caso em concreto (o que acontece nos presentes autos);
  • Motivo pelo qual se impugna a pretensão de aplicação da norma supramencionada do CPPT e, consequentemente e nessa medida, o teor do PPA que lhe faz referência e pretende aplicá-la ao caso em apreço;
  • Porquanto os produtos em apreço consubstanciam, conforme confessa a Requerente, cada um deles, um produto elaborado sobre uma base de vinho, à qual se adicionou/acrescentou elementos e essa mistura, esse resultado, não pode ser qualificado nem como vinho tranquilo nem como vinho espumante, quer em sede de DUE, quer a nível de legislação nacional;
  • Concretizando, reitera-se que o DUE disciplina, em diploma especial e autonomizando-os expressa e formalmente dos vinhos, os produtos vitivinícolas aromatizados previstos no Regulamento (EU) n.º 251/2014, de 26/02, abrangendo vinhos aromatizados, bebidas aromatizadas à base de vinho e cocktails aromatizados de produtos vitivinícolas;
  • Ora, até 31-12-2016 as bebidas introduzidas no consumo pela Requerente no caso em apreço –... Sangria Branco, ... Sangria Tinto e ... Frutos Vermelhos – encontravam-se sujeitas a IABA à taxa de 0% mas, a partir de 01-01-2017, com a entrada em vigor da alteração ao n.º 2 do artigo 73.º do CIEC introduzida pela Lei n.º 42/2016, de 28 de dezembro a taxa do imposto aplicável passou a ser de (euro) 10,30/hl, e, à data dos factos e atos de liquidação em apreço, i.e., 01-03-2022 e 31-12-2022, (euro) 10,44/hl e (euro) 10,54/hl;
  • Assim, na sequência da aprovação da Lei n.º 42/2016, de 28 de dezembro, as “Outras bebidas fermentadas, tranquilas e espumantes”, como é o caso das bebidas em apreço, i.e., ... Sangria Branco, ... Sangria Tinto e ... Frutos Vermelhos, passaram a estar sujeitas a uma taxa de imposto positiva;
  • Mantendo-se à taxa o apenas o “vinho tranquilo” e o “vinho espumante”, nos termos definidos no artigo 66.º do CIEC;
  • Para que sejam classificados “Vinho” (tranquilo ou espumante), os produtos vitivinícolas devem, cumulativamente, 1) consubstanciar vinho e 2) o seu título alcoométrico adquirido resultar inteiramente de fermentação;
  • No caso em apreço dúvidas não podem restar acerca do facto de os produtos comercializados pela Requerente não consubstanciarem vinho, nem tranquilo nem espumante;
  • Consubstanciam, isso sim, sangria, legal e fiscalmente enquadrável no conceito de “outras bebidas tranquilas fermentadas” nos termos e para o efeito do disposto no artigo 66.º, n.º 2, alínea d) do CIEC, conforme comprovam os DOCS. 1, 2, 3 e 4 que se juntam com a presente resposta;
  • Considerando todos os produtos que foram adicionados, as bebidas em apreço não se podem subsumir, em circunstância alguma, ao conceito de “bebida aromatizada à base de vinho”, nos termos e para o efeito do vertido no artigo 3.º, n.º 3 e Anexo II, Ponto B), n.º 3 do Regulamento n.º 251/2014 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26.04.2014, porquanto apenas se admite nesses casos a adição de corantes, mosto de uvas, mosto de uvas fermentado ou ambos, o que comprovadamente não se verifica em nenhuma das bebidas em causa nos presentes autos, às quais foram adicionados outros ingredientes;
  • Isto é, em qualquer um dos casos em apreço, i.e., ... Sangria Branco, ... Sangria Tinto e ... Frutos Vermelhos, está-se efetivamente, comprovadamente, perante bebidas às quais se adicionam outros produtos que as diferenciam e distinguem do vinho – como por exemplo, mas não só, “sugestões de morangos selvagens, maçã, canela e citrinos”, “notas cítricas de laranja, limão e lima, com um toque de fruta tropical” e “essências naturais de frutas cítricas e frutos vermelhos (morango e amora)” ;
  • Não sendo de todo suficiente e satisfatória a alegação de que o álcool contido no produto resulta inteiramente de fermentação para afastar o enquadramento das bebidas em apreço da categoria a que efetivamente se subsumem, i.e., “outras bebidas tranquilas fermentadas”;
  • Não se podendo, portanto, de todo, confundir a Nomenclatura Combinada (NC) que consiste no “sistema de codificação de oito dígitos da UE, que inclui os códigos do Sistema Harmonizado (SH) com outras subdivisões da UE. Serve a pauta aduaneira comum da UE e fornece estatísticas para o comércio dentro da UE e entre a UE e o resto do mundo”, com o enquadramento fiscal quer a nível de DUE quer a nível de direito interno dos produtos em apreço, sendo complementares um do outro;
  • Aliás, tendo em consideração o Regulamento (CEE) n.º 2658/87, do Conselho, de 23 de Julho de 1987, relativo à nomenclatura pautal e estatística e à pauta aduaneira comum, que estabelece a base jurídica para a TARIC, i.e., a pauta integrada da União Europeia (com 10 dígitos), e introduz um sistema comum para a codificação e classificação de mercadorias, conhecido como Nomenclatura Combinada (NC), essencial para processar e publicar as estatísticas comerciais da UE;
  • Note-se que, nem a Pauta de Serviço, i.e., o instrumento que fornece todas as informações relativas à tributação das mercadorias importadas de países terceiros, nem a TARIC têm força legal, apesar de os seus códigos pautais terem de ser utilizados no preenchimento das declarações aduaneiras e estatísticas, conforme está previsto no artigo 5.º do Regulamento (CEE) n.º 2658/87 do Conselho, de 23 de Julho;
  • Pelo que, para além do que se tem vindo a expor, o argumento de que os 4 (quatro) primeiros dígitos 2205 da NC serem iguais é um argumento redutor e consubstancia uma análise deficiente e incompleta dos produtos em apreço pois, como bem se sabe, considerando todos os 10 (dez) dígitos da NC dos produtos em apreço facilmente se conclui que as bebidas se distinguem.

 

IV – QUESTÕES A DECIDIR

Antes de iniciar a apreciação das questões de fundo, será necessário apreciar as questões de natureza excetiva suscitadas pela Autoridade Tributária, nomeadamente:

  1. A existência de erro na forma de processo utilizada;
  2. A incompetência material do Tribunal Arbitral.

No caso de se concluir pela improcedência das referidas exceções, a questão de fundo a apreciar será a de saber se as bebidas introduzidas no consumo pela Requerente são classificáveis, para efeitos de aplicação de Imposto sobre o álcool, as bebidas alcoólicas e as bebidas de açúcar ou outros edulcorantes, como “vinho”, tranquilo ou espumante (de acordo as alíneas b) e c) do  n.º 2 do artigo 66º do Código dos Impostos Especiais sobre o Consumo), ou como “outras bebidas fermentadas”, tranquilas ou espumantes, (de acordo com as alíneas d) e e) do mesmo preceito).

 

V - MATÉRIA DE FACTO

O Tribunal Arbitral dá como provados os seguintes factos:

  1. À data dos factos tributários, a Requerente prestava serviços de comercialização, armazenamento e distribuição de diversos produtos, nomeadamente bebidas alcoólicas sujeitas a IABA;
  2.  À data dos factos tributários, a Requerente havia obtido e detinha o estatuto de depositário autorizado, previsto no art.º 22º do CIEC, com a referência de operador de IEC nº PT...;
  3. À data dos factos tributários, a Requerente era titular de um entreposto fiscal de armazenagem de produtos acabados, nos termos dos artigos 24º e 27º do CIEC, localizado em Vila Nova da Rainha;
  4. Entre as mercadorias que a Requerente armazena, recebe e expede no seu entreposto fiscal, compreendem-se bebidas alcoólicas sujeitas a IABA, nomeadamente:

 (a) ... Sangria Branco;

(b) ... Sangria Tinto e

(c) ... Frutos Vermelhos.

  1. Entre 01.03.2022 e 31.12.2022, a Requerente “introduziu no consumo” (sendo “introdução no consumo” um conceito legal previsto no artigo 9º do CIEC) as seguintes quantidades das bebidas acima discriminadas:

Denominação comercial

Quantidade

Taxa aplicada

... Sangria Branco

613,31 hl

10,44/hl

... Sangria Branco

1.414,88 hl

10,54/hl

... Sangria Tinto

797,34 hl

10,44/hl

... Sangria Tinto

1.905,98 hl

10,54/hl

... Sangria Frutos Vermelhos

622,26 hl

10,44/hl

... Sangria Frutos Vermelhos

1.466,78 hl

10,54/hl

 

 

  1. No mesmo período, a Requerente apresentou, junto da Alfândega de ..., as seguintes declarações de introdução no consumo relativa a produtos por si comercializados:

22DIC...; 22DIC...; 22DIC...; 22DIC...; 22DIC...; 22DIC...; 22DIC...; 22DIC...; 22DIC...; 22DIC...; 22DIC...; 22DIC...; 22DIC...; 22DIC...; 22DIC...;  22DIC...; 22DIC...; 22DIC...; 22DIC...; 22DIC...; 22DIC...; 22DIC...; 22DIC...; 22DIC...; 22DIC...; 22DIC...; 22DIC...; 22DIC...; 22DIC...; 22DIC...; 22DIC...; 22DIC...; 22DIC...; 22DIC...; 22DIC...; 22DIC...; 22DIC...; 22DIC...; 22DIC...; 22DIC...; 22DIC...; 22DIC...; 22DIC...; 22DIC...; 22DIC...; 22DIC...; 22DIC...; 22DIC...; 22DIC...; 22DIC...; 22DIC...; 22DIC...; 22DIC...; 22DIC...; 22DIC...; 22DIC...; 22DIC...; 22DIC...; 22DIC...; 22DIC...; 22DIC0...; 22DIC...; 22DIC...; 22DIC...; 22DIC...; 22DIC...; 22DIC...; 22DIC...; 22DIC...; 22DIC...; 22DIC...; 22DIC...; 22DIC...; 22DIC...; 22DIC...; 22DIC...; 22DIC...; 22DIC...; 22DIC...; 22DIC...; 22DIC...; 22DIC...; 22DIC...; 22DIC...; 22DIC...; 22DIC...; 22DIC...; 22DIC...; 22DIC...; 22DIC...; 22DIC...; 22DIC...; 22DIC...; 22DIC...; 22DIC...; 22DIC...; 22DIC...; 22DIC...; 22DIC...; 22DIC...; 22DIC...; 22DIC...; 22DIC...; 22DIC...; 22DIC...; 22DIC...; 22DIC...; 22DIC...; 22DIC...; 22DIC...; 22DIC...; 22DIC...; 22DIC...; 22DIC...; 22DIC...; 22DIC...; 22DIC...; 22DIC...; 22DIC...; 22DIC...; 22DIC...; 22DIC...; 22DIC...; 22DIC...; 22DIC...; 22DIC...; 22DIC...; 22DIC...; 22DIC...; 22DIC...; 22DIC...; 22DIC...; 22DIC...; 22DIC...; 22DIC...; 22DIC...; 22DIC...; 22DIC...; 22DIC...; 22DIC...; 22DIC...; 22DIC...; 22DIC...; 22DIC...; 22DIC...; 22DIC...; 22DIC...; 22DIC...; 22DIC...; 22DIC...; 22DIC...; 22DIC...; 22DIC...; 22DIC...; 22DIC...; 22DIC...; 22DIC...; 22DIC...; 22DIC...; 22DIC...; 22DIC...; 22DIC...; 22DIC...; 22DIC...; 22DIC...; 22DIC...; 22DIC...; 22DIC...; 22DIC...; 22DIC...; 22DIC...; 22DIC...; 22DIC...; 22DIC...; 22DIC...; 22DIC...; 22DIC...; 22DIC...; 22DIC...; 22DIC...;

22DIC...; 22DIC…; 22DIC…; 22DIC…; 22DIC…; 22DIC…; 22DIC…; 22DIC…; 22DIC…; 22DIC…; 22DIC…; 22DIC…; 22DIC…; 22DIC…; 22DIC…; 22DIC…; 22DIC…; 22DIC…; 22DIC…; 23DIC… .

 

  1. Destas declarações de introdução no consumo resultou o montante de imposto (IABA) de € 73.083,88 referente à introdução no consumo das bebidas “... Sangria Tinta”, “... Sangria Branca” e “... Sangria Frutos Vermelhos”;
  2. A Requerente procedeu ao pagamento do imposto liquidado;
  3. A 19.05.2023, por meio de requerimento apresentado na Alfândega de ..., a Requerente solicitou o reembolso de IABA, no montante de € 71.671,54, com fundamento no erro da liquidação decorrente de errónea qualificação do facto tributário subjacente à introdução no consumo das bebidas alcoólicas supra elencadas, pedido que foi tramitado com os números de processo 0088... e 0088...;
  4. Em 22.06.2023, a Requerente requereu à Alfândega de ... a ampliação do montante do pedido de reembolso de € 71.671,54 para € 73.083,88, requerimento que foi aceite e deferido por aquele serviço;
  5. A 07.07.2023, a Requerente foi notificada pela Alfândega de... da proposta de decisão de indeferimento do pedido de reembolso de IABA (documento nº 5 junto pela Requerente);
  6. Por ofício datado de 07.09.2023, a AT notificou a Requerente do indeferimento do pedido de reembolso de IABA, remetendo a fundamentação desta decisão para a Informação nº .../.../CF/2023, de 27.06.2023;
  7. Na Informação que serve de fundamento à decisão de indeferimento (Informação nº .../.../CF/2023, de 27.06.2023), lê-se:

19 – O Direito Comunitário disciplina ainda, em diploma especial e, autonomizando-os expressa e formalmente dos vinhos, os produtos vitivinícolas aromatizados previstos no Regulamento (EU) nº 251/2014, de 20 6/02, abrangendo:

a) Vinhos aromatizados, (aos quais foi eventualmente adicionado álcool), com as seguintes denominações de venda e designações: vinho aromatizado (ao qual foi eventualmente adicionado álcool); aperitivo à base de vinho (ao qual foi adicionado álcool); vinho aromatizado amargo (ao qual foi adicionado álcool); vinho aromatizado a base de ovo (ao qual foi adicionado álcool); Vakeva viiniglogi (vinho aromatizado ao qual foi adicionado álcool). O produto vitivinícola de base deve representar, pelo menos, 75% do volume total. O título alcoométrico adquirido deve ser igual ou superior a 14,5% vol. e inferior a 22% vol.;

b) Bebidas aromatizadas a base de vinho, com as seguintes denominações de venda e designações: bebida aromatizada a base de vinho; bebida aromatizada aguardente dada a base de vinho (a qual foi adicionado álcool); sangria; outras bebidas: Zurra, Bitter soda; Kalte Ente; Gluhwein; Viiniglogi; Maiwein; Maitrank; Pelin; Aromatizovany dezert. O produto vitivinícola de base deve representar, pelo menos, 50% do volume total. O título álcoométrico adquirido deve ser igual ou superior a 4,5% vol. e inferior a 14,5% vol;

c) Cocktails aromatizados de produtos vitivinícolas, com as seguintes denominações de venda e designações: cocktail aromatizado de produtos vitivinícolas; cocktail a base de vinho; cocktail aromatizado gaseificado a base de uva; cocktail de vinho espumante. O produto vitivinícola de base deve representar, pelo menos, 50% do volume total. O título alcoométrico adquirido deve ser igual ou superior a 1,2% e inferior a 10% vol.

20 – Da análise deste diploma (Regulamento (EU) nº 251/2014 de 26/02), verifica-se que de acordo com o mesmo a sangria não é considerada um vinho, mas sim, uma “bebida aromatizada a base de vinho”.

21- De referir ainda que de acordo com o Anexo I do Regulamento (EU) nº 251/2014, de 26/02, sobre a epígrafe “Definições requisitos e restrições de técnicas”, no seu ponto 1, alínea b), in fine, estipula que a adição das substâncias autorizadas na aromatização das referidas bebidas confere ao produto final características organolépticas diferentes das de um vinho.

22- Em sede de direito comparado a maioria dos Estados Membros considera que os produtos vitivinícolas aromatizados não devem ser classificados, para efeitos da tributação prevista na Diretiva 92/83/CEE e do conselho, enquanto “vinhos tranquilos ou espumantes” mas como “outras bebidas fermentadas”. Do exposto é paradigmática a posição da República Francesa, confirmando que, de acordo com o Regulamento nº 251/2014, os produtos vinícolas aromatizados são bebidas obtidas a partir de produtos vitivinícolas definidos nos anexos do Regulamento 1308/2013 (vinho, vinho espumante, mostos de uvas frescas mutantes, etc…) misturados com os produtos autorizados pelo Regulamento nº 2551/2014 (corantes, açúcar, etc…). Por conseguinte os vinhos aromatizados, as bebidas aromatizadas a base de vinho e os cocktails com sabor de vinho não são considerados vinhos tranquilos e vinhos espumantes, mas bebidas fermentadas distintas do vinho e da cerveja.

23- Diversos estados membros propugnam, designadamente, que os produtos aromatizados aplicados no fabrico destas bebidas são dissolvidos ou têm uma base de álcool, pelo que o teor alcoólico não resulta inteiramente de fermentação, não preenchendo por este motivo os critérios do conceito de vinho para efeitos da diretiva nº 92/83/CEE.

24 - Por outro lado, para efeitos de enquadramento fiscal dos produtos, são particularmente relevantes, para além da contribuição para o teor de álcool, fatores quanto às características organoléticas (gosto, cheiro, aparência). Além disso, a forma e a denominação sob a qual os produtos em causa são comercializados devem igualmente ser considerados pertinentes, adequando-se ou não às de determinada bebida alcoólica. Neste sentido, em maio de 2009, o TJCE e proferiu um acórdão relevante neste sentido, no processo C-150/08 (Siebrand), salientando o tipo de características e propriedades que devem ser consideradas aquando da decisão sobre a classificação dos produtos relevantes.

C) No plano internacional:

25- Finalmente, no plano internacional, cabe a Organização Internacional do Vinho (OIV), enquanto organização intergovernamental de caráter científico e técnico, estabelecer diretrizes e trabalhos relativos a vinha, vinho, bebidas à base de vinho e outros produtos vitivinícolas. No que respeita a definição das categorias de produtos vitivinícolas, a OIV distingue por sua vez: 1) Uvas; 2) Mostos; 3) Vinhos; 4) Vinhos especiais; 5) Mistelas; 6) Produtos derivados de uva, mosto ou vinho (esta categoria abrange as bebidas à base de vinho; bebidas à base de produtos vitivinícolas; e vinhos aromatizados); 7) bebidas espirituosas.

II – Do conceito de bebidas espumantes

26 – conforme referido supra, o vinho e as outras bebidas fermentadas podem, por sua vez, ser classificados como bebidas espumantes ou bebidas tranquilas.

27 – Para efeitos desta classificação, o CIEC que define como bebidas espumantes os produtos abrangidos pelos códigos referidos nas alíneas c) e e)  do nº 2 do artigo 66º do CIEC, e que: a) estejam contidos em garrafas fechadas por rolhas em forma de cogumelo, fixadas por arames ou grampos, ou b) com uma sobrepressão derivada do anidrido carbónico em solução de pelo menos 3 bar.

29 – A presente classificação/distinção é aplicável quer aos vinhos, quer às “outras bebidas fermentadas”.

III- Conclusões

A) Do exposto ressalta que nenhuma das classificações de produtos vitivinícolas, nos planos nacional, comunitário ou internacional, reconhece como “vinho” os produtos vitivinícolas aromatizados previstos no Regulamento (EU) nº 251/2014, de 26/02, autonomizando expressa e formalmente estas categorias de produtos vitivinícolas. Esta distinção é adotada por diversos estados membros como a que melhor corresponde, em sede fiscal, ao disposto na diretiva 92/83/CEE;

B) Os produtos vitivinícolas aromatizados previstos no Regulamento (EU) nº 251/2014, de 26/02, não estão abrangidos pelas categorias “vinho tranquilo” ou “vinho espumante”, devendo ser considerados, para efeitos do artigo 66º do CIEC, consoante o caso, “outras bebidas fermentadas” ou “produtos intermédios”;

C) Os vinhos e as outras bebidas fermentadas devem ser considerados “espumantes” sempre que estejam contidos em garrafas fechadas por rolhas em forma de cogumelo e fixadas por arames ou grampos, bem como nos casos em que, não estando contidas nesta as garrafas, ainda assim se verifique uma sobrepressão derivada do anidrido carbónico em solução de, pelo menos, 3 bar.

D) Em face do exposto devem os produtos em apreço o seguinte enquadramento em sede de IEC:

a) Sangria – sangria de base vínica, com adição de aromas cujo título alcoométrico adquirido seja superior a 1,2% vol. e igual ou inferior a 10% vol., e ainda os de título ao com o médico alcoométrico superior a 10% vol., mas não a 15% vol., desde que, neste último caso, o álcool contido no produto resulte inteiramente de fermentação – “outras bebidas tranquilas fermentadas”, nos termos da alínea d) do nº 2 do art.º 66º  do CIEC;

b) Sangria – Sangria de base vínica, com adição de aromas e nível de gaseificação semelhante ao de um frisante (3 gr/lt). 9% álcool – “Outras bebidas espumantes fermentadas”, nos termos da al. e) do nº 2 do artigo 66º do CIEC.

(...)”.

  1. O produto denominado “... Sangria Tinta” é uma bebida:
    1.  Obtida a partir de uvas;
    2.  Aromatizada com essências naturais de frutas e especiarias;
    3. Com um teor alcoólico de 8%; e
    4. Cujo teor alcoólico resulta inteiramente de fermentação.
  2. O produto denominado “... Sangria Branca” é uma bebida:
    1. Obtida a partir de uvas;
    2.  Aromatizada com essências naturais de frutas e especiarias;
    3. Com um teor alcoólico de 8%; e
    4. Cujo teor alcoólico resulta inteiramente de fermentação.
  3. O produto denominado “... Sangria Frutos Vermelhos” é uma bebida:
    1. Obtida a partir de uvas;
    2.  Aromatizada com essências naturais de frutas e especiarias;
    3. Com um teor alcoólico de 8%;
    4. Cujo teor alcoólico resulta inteiramente de fermentação.

O Tribunal não dá como provados ou não provados quaisquer outros factos com relevância para o julgamento da causa.

Relativamente à fundamentação da matéria de facto, o Tribunal não está obrigado a pronúncia sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de selecionar apenas a que interessa para a decisão, levando em consideração a causa (ou causas) de pedir que fundamentam o pedido formulado pelo autor (cfr. artigos 596.º, n.º 1 e 607.º, n.ºs 2 a 4, do CPC e dizer se a considera provada ou não provada (cf. ainda o artigo 123.º, n.º 2, do Código do Processo e Procedimento Tributário (CPPT), ex vi artigo 29º do RJAT).

Segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal baseia a sua decisão, em relação às provas produzidas, na sua íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a sua experiência de vida e de conhecimento das pessoas (cfr. artigo 607.º, n.º 5 do CPC).

Somente quando a força probatória de certos meios se encontra pré-estabelecida na lei (v.g. força probatória plena dos documentos autênticos - cfr. artigo 371.º do Código Civil) é que não domina na apreciação das provas produzidas o princípio da livre apreciação.

A matéria de facto dada como provada tem génese nos documentos juntos pelo Requerente bem como no processo administrativo, de que foi junta cópia pela AT, os quais, analisados de forma crítica, constituem a base da convicção do Tribunal quanto à realidade dos factos descrita supra.

No que diz respeito, nomeadamente, aos factos provados N, O e P, o Tribunal considerou a informação constante das fichas técnicas de produto juntas ao processo administrativo, a descrição dos produtos efetuada pela Requerente e o facto de tais descrições não terem sido postas em causa pela Autoridade Tributária.

 

VI – APRECIAÇÃO DAS EXCEÇÕES DE ERRO NA FORMA DE PROCESSO E DE INCOMPETÊNCIA MATERIAL DO TRIBUNAL ARBITRAL

Alega a Autoridade Tributária que a forma de processo utilizada pela Requerente é inadequada, pois o meio judicial para obter a anulação de um ato administrativo em matéria fiscal é a ação administrativa, e não a impugnação de um ato tributário, sendo que no caso concreto não impugna a requerente a liquidação do imposto nem coloca em causa a sua legalidade.

Com o devido respeito, a leitura que a AT faz, quer da lei processual, quer da lei que regula a arbitragem em matéria tributária não é correta.

Em primeiro lugar, a lei processual (ie. a lei que regula o processo tributário nos tribunais estaduais) não opõe “ação administrativa” a “impugnação”. Pelo contrário, quer do artigo 97º do CPPT, quer do Código de Processo nos Tribunais Administrativo, resulta que a ação administrativa pode constituir um meio processual impugnatório.

Assim, o artigo 97º do CPPT e a sua al. p) dispõem que “O processo judicial tributário compreende:

p) A ação administrativa, designadamente para a condenação à prática de ato administrativo legalmente devido relativamente a atos administrativos de indeferimento total ou parcial ou da revogação de isenções ou outros benefícios fiscais, quando dependentes de reconhecimento da administração tributária, bem como para a impugnação (...) relativamente a outros atos administrativos relativos a questões tributárias que não comportem apreciação da legalidade do ato de liquidação, e para a impugnação ou condenação à emissão de normas administrativas em matéria fiscal;

Também no artigo 37º do CPTA, aplicável ao processo tributário por força do nº 2 do artigo 97º do CPPT, a “impugnação” de atos administrativos é um objeto possível da ação administrativa, como se extrai do artigo 37º, que dispõe:

Artigo 37.º

Objeto

1 - Seguem a forma da ação administrativa, com a tramitação regulada no capítulo III do presente título, os processos que tenham por objeto litígios cuja apreciação se inscreva no âmbito da competência dos tribunais administrativos e que nem neste Código, nem em legislação avulsa sejam objeto de regulação especial, designadamente:

a) Impugnação de atos administrativos;

Por outro lado, no processo arbitral tributário existe uma única forma processual, que é o pedido de declaração de ilegalidade de ato tributário ou ato administrativo em matéria tributária, como se deduz do artigo 2º do RJAT.

Assim, a questão da propriedade da forma de processo, em processo arbitral tributário, não se coloca, confundindo-se totalmente com a questão da competência dos tribunais arbitrais tributários.

Sobre a questão da competência, diz a AT na sua resposta que o Tribunal Arbitral é incompetente, porque:

  • “Do teor do PPA apresentado pela Requerente resulta claramente que se pretende a anulação de um despacho de indeferimento proferido pela Requerida e a sua condenação a proferir outro despacho, em substituição, que declare que as bebidas alcoólicas comercialmente designadas “sangria”, armazenadas e expedidas pela Requerente, são classificadas como vinho tranquilo e vinho espumante;
  • Não obstante, sem conceder e apenas por mero dever de cautela e raciocínio, poder-se-á alegar/invocar que o que pretende a Requerente é a restituição/reembolso do valor pago a título de IABA no montante de € 73.083,88 (setenta e três mil e oitenta e três euros e oitenta e oito cêntimos), não sendo da competência do tribunal arbitral a execução de sentenças/decisões;
  • Entendimento que, salvo douta e melhor opinião, não colhe, mas perante o qual sempre cumprirá ter presente que, conforme decorre do RJAT, a instância arbitral constitui um contencioso de mera anulação e o âmbito da ação arbitral não consente a pronúncia sobre a restituição de valores/montantes, por conta da declaração de ilegalidade ou anulação de atos de liquidação (o que só pode ser determinado em sede de execução da decisão) – vide artigo 2.º do RJAT; (...)”

A competência dos tribunais arbitrais em matéria tributária é, em primeiro lugar, limitada às matérias indicadas no artigo 2.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (RJAT). Estipula esta norma que a competência dos tribunais arbitrais compreende a apreciação das seguintes pretensões:

a) A declaração de ilegalidade de atos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta;

b) A declaração de ilegalidade de atos de fixação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de atos de determinação da matéria coletável e de atos de fixação de valores patrimoniais.

Ora, o artigo 15º do Código dos IEC, sob a epígrafe “Regras gerais do reembolso”, estipula, no seu nº 1, que “Constituem fundamento para o reembolso do imposto pago, desde que devidamente comprovados, o erro na liquidação, a expedição ou exportação dos produtos sujeitos a imposto, bem como a retirada dos mesmos do mercado, nos termos e nas condições previstas no presente Código.”

Dizendo-se em seguida, no nº 1 do artigo 16º (“Reembolso por erro”), que “O reembolso por erro na liquidação inclui o erro material e a errónea qualificação ou quantificação dos factos tributários.”

Significam estes preceitos que, em vez de uma remissão pura e simples para as normas que, no CPPT e na LGT, regulam os meios de impugnação graciosos, o CIEC optou por uma regulação própria, ao arrepio da terminologia tradicional e solidificada no direito tributário português, criando a figura do “pedido de reembolso”, com vários fundamentos, entre os quais o erro na liquidação, incluindo este o erro material e a errónea qualificação ou quantificação dos factos tributários. Deste modo, quando o sujeito passivo considere existir erro na liquidação de um IEC, o meio a utilizar será o pedido de reembolso previsto no artigo 15º citado. Mas tal não significa que não se esteja perante uma impugnação graciosa da liquidação com base em ilegalidade e que, em caso de indeferimento, não sejam aplicáveis as mesmas normas que seriam de aplicar no caso de reclamação, recurso hierárquico ou pedido de revisão que visassem a impugnação de uma liquidação com base na sua ilegalidade.

É a situação que se depara no caso dos autos. Tal resulta tanto do pedido de reembolso, em que a Requerente diz que “vem, ao abrigo do disposto no artigo 15º e do nº 1 do artigo 16º, ambos do Código dos Impostos Especiais de Consumo (“CIEC”), solicitar reembolso por erro na liquidação do Imposto sobre o álcool, as bebidas alcoólicas e as bebidas adicionadas de açúcar ou outros edulcorantes (“IABA”), com base em erro na liquidação decorrente da errónea qualificação dos factos tributários subjacentes à introdução no consumo das bebidas alcoólicas (...)”; como do pedido de pronúncia arbitral, em que a Requerente diz claramente que “o presente pedido de pronúncia arbitral tem por objeto a impugnação e anulação do ato tributário de indeferimento do pedido de reembolso IABA acima identificado, com base em erro na liquidação decorrente da errónea qualificação dos factos tributários subjacentes à introdução no consumo de bebidas alcoólicas, em concreto de (...)”.

Não há, pois, dúvida de que a Requerente pede ao Tribunal a declaração de ilegalidade de um ato que apreciou a legalidade de várias liquidações de imposto (IABA). E, sendo assim, não há dúvida de que o Tribunal Arbitral é competente, à luz do disposto na al. a) do nº 1 do artigo 2º do RJAT.

 

VII – APRECIAÇÃO DE MÉRITO

 

A – FONTES NORMATIVAS APLICÁVEIS

 

A1- DE DIREITO DA UNIÃO EUROPEIA

 

Vejamos em primeiro lugar quais as fontes normativas reguladoras das matérias em causa.

No plano do Direito Europeu, há a considerar:

  • A Diretiva 92/83/CEE do Conselho, de 19 de Outubro de 1992, relativa à harmonização da estrutura dos impostos especiais sobre o consumo de álcool e bebidas alcoólicas.

No preâmbulo desta diretiva lê-se:

“Considerando que, para o bom funcionamento do mercado interno, é necessário fixar definições comuns para todos os produtos em causa;

Considerando que é necessário que essas definições se baseiem nas estabelecidas na Nomenclatura Combinada em vigor à data da aprovação da presente diretiva;

 (...)”

O artigo 8º da Secção II, relativa aos “vinhos”, tem o seguinte teor:

“Artigo 8º

Para efeitos de aplicação da presente diretiva, entende-se por:

1. «Vinho tranquilo», os produtos abrangidos pelos códigos NC 2204 e 2205, com exceção do vinho espumante conforme definido no n.º 2 do presente artigo:

  • de teor alcoólico adquirido superior a 1,2 % vol., mas inferior ou igual a 15 % vol., desde que o álcool contido no produto acabado resulte inteiramente de fermentação,
  • de teor alcoólico adquirido superior a 15 % vol. mas não a 18 % vol., desde que tenham sido produzidos sem enriquecimento e que o álcool contido no produto acabado resulte inteiramente de fermentação;

2. «Vinho espumante», os produtos abrangidos pelos códigos NC 2204 10, 2204 21 10, 2204 29 10 e 2205 que:

  • estejam contidos em garrafas fechadas por rolhas em forma de cogumelo, fixas por açaimes ou grampos, ou com uma sobrepressão derivada do anidrido carbónico em solução de, pelo menos, 3 bares,
  • tenham um teor alcoólico adquirido superior a 1,2 % vol. mas não a 15 % vol., desde que o álcool contido no produto acabado resulte inteiramente de fermentação. Determinação do montante do imposto.”

Na Secção III da diretiva, que se refere às “bebidas fermentadas com exceção do vinho ou da cerveja”, o artigo 12º tem o seguinte teor:

“Artigo 12º

Para efeitos de aplicação da presente diretiva, e sem prejuízo do disposto no artigo 17º, entende-se por:

1. «Outras bebidas tranquilas fermentadas», os produtos abrangidos pelos códigos NC 2204 e 2205 mas não mencionados no artigo 8º, os produtos abrangidos pelo código NC 2206, exceto as outras bebidas espumantes fermentadas definidas no ponto 2 do presente artigo, e qualquer produto abrangido pelo artigo 2:

  • de teor alcoólico adquirido superior a 1,2 % vol. mas não a 10 % vol.,
  • de teor alcoólico adquirido superior a 10 % vol. mas não a 15 % vol., desde que o álcool contido no produto resulte inteiramente de fermentação;

2. «Outras bebidas espumantes fermentadas», os produtos abrangidos pelo código NC 2206 00 91, bem como os produtos abrangidos pelos códigos NC 2204 10, 2204 21 10, 2204 29 10 e 2205 não mencionados no artigo 8º que:

  • estejam contidos em garrafas com rolhas em forma de cogumelo, fixas por açaimes ou grampos, ou com uma sobrepressão derivada do anidrido carbónico em solução de, pelo menos, 3 bares,
  • tenham um teor alcoólico adquirido superior a 1,2 % vol. mas não a 13 % vol.,
  • tenham um teor alcoólico adquirido superior a 13 % mas não a 15 % vol., desde que o álcool contido no produto resulte inteiramente de fermentação. Determinação do montante do imposto.”

 

  • O Regulamento (CEE) nº 2658/87 do Conselho de 23 de Julho de 1987 relativo à nomenclatura pautal e estatística e à pauta aduaneira comum.[1]

O artigo 1º deste regulamento dispõe o seguinte:

Artigo 1º

1. É criada uma nomenclatura de mercadorias, a seguir denominada «Nomenclatura Combinada», ou, abreviadamente, «NC», destinada a satisfazer as exigências da pauta aduaneira comum e das estatísticas do comércio externo da Comunidade.

2. A Nomenclatura Combinada é constituída:

a) Pela nomenclatura do Sistema Harmonizado;

b) Pelas subdivisões comunitárias dessa nomenclatura, denominadas «subposições NC ; sempre que a estas correspondam taxas de direito;

c)Pelas disposições preliminares, notas complementares de secções ou de capítulos e notas de pé-de-página relativas às subposições NC.

3. A Nomenclatura Combinada consta do Anexo I. No mesmo anexo são fixadas as taxas dos direitos autónomos e convencionais da pauta aduaneira comum e as unidades estatísticas suplementares, bem como os outros elementos requeridos.

O Anexo I do Reg. nº 2658/87 do Conselho contém, como se vê, a chamada “Nomenclatura Combinada”.[2]

A Nomenclatura Combinada consiste numa listagem de nomes de produtos comercializados, aos quais correspondem códigos numéricos.

Os códigos numéricos compreendem um código principal que se desdobra em subposições (“subposições NC”).

O anexo I encontra-se dividido em capítulos e, além da nomenclatura propriamente dita, contém ainda “Notas”, existindo normalmente um corpo de “Notas” para cada capítulo, “Notas de subposições”, igualmente distribuídas pelos vários capítulos, e “Notas complementares”, também distribuídas pelos vários capítulos.

O Capítulo 22 do Anexo I ou da Nomenclatura Combinada refere-se a “Bebidas, líquidos alcoólicos e vinagres”.

A “nota de subposição” única deste capítulo tem o seguinte teor:

“1. Na aceção da subposição 2204 10, consideram-se “vinhos espumantes e vinhos espumosos” os vinhos que apresentem, quando conservados à temperatura de 20o C em recipientes fechados, uma sobrepressão igual ou superior a 3 bares”.

A “nota complementar” 3 tem o seguinte teor:

Para aplicação da subposição 2204.30.10, considera- se como “mosto de uvas parcialmente fermentado” o produto proveniente da fermentação de um mosto de uvas e com um teor alcoólico adquirido superior a 1% vol, mas inferior a três quintos do seu teor alcoólico, em volume, total.

A “nota complementar” 5 tem o seguinte teor:

5. As subposições 2204 21 21 a 2204 21 90 e 2204 29 21 a 2204 29 90 compreendem, designadamente:

a) O mosto de uvas frescas amuado com álcool, isto é, o produto:

  • com um teor alcoólico adquirido igual ou superior a 12% vol e inferior a 15% vol, e
  • obtido por adição de um produto, proveniente da destilação de vinho, a um mosto de uvas não fermentado com um teor alcoólico natural não inferior a 8,5% vol;

b) O vinho aguardentado, isto é, o produto:

  • com um teor alcoólico adquirido não inferior a 18% vol. e não superior a 24% vol,
  • obtido exclusivamente por adição de um produto não retificado, proveniente da destilação do vinho e com um teor alcoólico adquirido máximo de 86% vol, a um vinho que não contenha açúcar residual, e

- com uma acidez volátil máxima de 1,50 grama por litro, expressa em ácido acético;

c) O vinho licoroso, isto é, o produto:

  •  de teor alcoólico total igual ou superior a 17,5% vol e de teor alcoólico adquirido igual ou superior a 15% vol, mas não superior a 22% vol, e
  • Obtido a partir de mosto de uvas ou de vinho, devendo estes produtos provir de castas autorizadas no pais de origem, para produção de vinho licoroso e de teor alcoólico natural igual ou superior a 12%:
    • Por congelação, ou
    • Por adição, durante ou depois da fermentação:
      • Quer de um produto proveniente da destilação do vinho,
      • Quer de um mosto de uvas concentrado ou, relativamente a alguns vinhos licorosos com uma denominação de origem ou uma indicação geográfica incluídos na lista constante do Regulamento (CE) nº 607/2009 (JL L 193 de 24.07.2009, p. 60), para os quais essa prática seja tradicional, de um mosto de uvas cuja concentração tenha sido efetuada pela ação direta  do fogo e que obedeça, excluindo esta operação, à definição de mosto de uvas concentrado, ou
      • Quer de uma mistura desses produtos.

 

A “nota complementar” 6 tem o seguinte teor:

6. Para aplicação da subposições 2206 00 31 e 2206 00 39, consideram-se como espumantes ou espumosas:

  • as bebidas fermentadas que se apresentem em garrafas fechadas por uma rolha em forma de cogumelo, fixa por açaimes ou grampos,
  • as bebidas fermentadas, que se apresentem de qualquer outra forma, com uma sobrepressão igual ou superior a 1,5 bar, medida à temperatura de 20º C.”

 

A “nota complementar” 7 tem o seguinte teor:

7. Na aceção das subposições 2204.30.92 e 2204.30.96, considera-se “mosto de uvas concentrado” o mosto de uvas cuja indicação numérica fornecida à temperatura de 20o C pelo refratómetro, segundo o método (...) seja igual ou superior a 50,9%.

 

O código NC 2204 corresponde a “Vinhos de uvas frescas, incluídos os vinhos enriquecidos com álcool; mostos de uvas, excluídos os da posição 2009.”

A suposição 2204 10 compreende: “Vinhos espumantes e vinhos espumosos: de teor alcoólico adquirido igual ou superior a 8,5% vol”; e “Outros vinhos; mostos de uvas cuja fermentação tenha sido impedida interrompida por adição de álcool”.

O código NC 2205 corresponde a “Vermutes e outros vinhos de uvas frescas preparados com plantas ou substâncias aromáticas”.

O código NC 2206 00[3] corresponde a “Outras bebidas fermentadas (por exemplo, sidra, perada, hidromel, saqué); misturas de bebidas fermentadas e misturas de bebidas fermentadas com bebidas não alcoólicas, não especificadas nem compreendidas noutras posições)”.

O código NC 2206 00 compreende as subposições:

  • 2206 00 10: “Água-pé”;
  • 2206 00 31: “outras – espumantes ou espumosas – sidra e perada”;
  • 2206 00 39: “outras – espumantes ou espumosas – outras”;
  • não espumantes nem espumosas, apresentadas em recipientes de capacidade não superior a 2 l”;
  • 2206 00 51: “Não espumantes nem espumosas, apresentadas em recipientes de capacidade não superior a 2l – sidra e perada
  • 2206 00 59: “Não espumantes nem espumosas, apresentadas em recipientes de capacidade não superior a 2l – outras;
  • 2206 00 81: “Não espumantes nem espumosas, apresentadas em recipientes de capacidade superior a 2l – sidra e perada;
  • 2206 00 89: “Não espumantes nem espumosas, apresentadas em recipientes de capacidade superior a 2l – outras;

Finalmente, o código NC 2208 corresponde a “Álcool etílico não desnaturado, com um teor alcoólico em volume inferior a 80% vol; aguardentes, licores e outras bebidas espirituosas; preparações alcoólicas compostas, dos tipos utilizados na fabricação de bebidas:”

O Código 2208 compreende várias subposições que não nos interessa considerar, uma vez que as bebidas em causa nos autos, comercializadas pela Requerente, têm todas teor alcoólico inferior a 80% vol.

 

  • O Regulamento (EU) nº 251/2014 (do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de fevereiro de 2014, relativo à definição, descrição, apresentação, rotulagem e proteção das indicações geográficas dos produtos vitivinícolas aromatizados e que revoga o Regulamento (CEE) n.º 1601/91 do Conselho).

De acordo com o seu artigo 1º, o Regulamento nº 251/2014 estabelece regras relativas à definição, descrição, apresentação e rotulagem dos produtos vitivinícolas aromatizados, bem como à proteção das indicações geográficas desses produtos, colocados no mercado na União, quer sejam produzidos em Estados-Membros ou em países terceiros, bem como aos produtos produzidos na União para exportação.

No seu artigo 3º dispõe:

Artigo 3.º

Definições e classificação dos produtos vitivinícolas aromatizados

1.   Os produtos vitivinícolas aromatizados são produtos obtidos a partir de produtos do setor vitivinícola referidos no Regulamento (UE) n.o 1308/2013 e que tenham sido aromatizados. Os produtos vitivinícolas aromatizados são classificados nas seguintes categorias:

a) Vinhos aromatizados;

b) Bebidas aromatizadas à base de vinho;

c) Cocktails aromatizados de produtos vitivinícolas.

2.   Vinho aromatizado é uma bebida:

a) Obtida a partir de um ou mais dos produtos vitivinícolas definidos no Anexo II, parte IV, ponto 5, e no Anexo VII, parte II, pontos 1 e 3 a 9, do Regulamento (UE) n.º 1308/2013, com exceção do vinho Retsina;

b) Na qual os produtos vitivinícolas referidos na alínea a) representam, pelo menos, 75 % do volume total;

c) À qual foi eventualmente adicionado álcool;

d) À qual foram eventualmente adicionados corantes;

e) À qual foram eventualmente adicionados mosto de uvas, mosto de uvas parcialmente fermentado ou ambos;

f) Que pode ter sido eventualmente edulcorada;

g) Com título alcoométrico volúmico adquirido igual ou superior a 14,5 % vol e inferior a 22 % vol e título alcoométrico volúmico total igual ou superior a 17,5 % vol.

(...)

O Regulamento nº 251/2014, como resulta do seu próprio título e do teor do seu artigo 1º, não constitui fonte direta de direito tributário, aplicável como tal nos ordenamentos dos Estados-Membros. Nada impede que seja utilizado, contudo, na interpretação quer de outras fontes normativas de direito europeu tributário, quer de direito tributário dos Estados-Membros.

 

A2 - DE DIREITO INTERNO

 

  • Código dos Impostos Especiais de Consumo

No plano interno, a fonte normativa principal a considerar é o Código dos Impostos Especiais de Consumo (CIEC).

O artigo 66.º do CIEC tem a seguinte redação:

Artigo 66.º

Incidência objectiva

1 - O imposto incide sobre a cerveja, os vinhos, outras bebidas fermentadas, os produtos intermédios e as bebidas espirituosas, genericamente designadas por bebidas alcoólicas, e sobre o álcool etílico, genericamente designado por álcool.

2 - Para efeitos de aplicação do número anterior, entende-se por:

a) «Cerveja» todas as bebidas compreendidas no código da Nomenclatura Combinada (NC) 2203 e qualquer outro produto que contenha uma mistura de cerveja com bebidas não alcoólicas abrangido pelo código NC 2206, desde que num caso e noutro o título alcoométrico adquirido seja superior a 0,5 /prct. vol.;

b) «Vinho tranquilo» os produtos abrangidos pelos códigos NC 2204 e 2205, com excepção do vinho espumante, cujo título alcoométrico adquirido resultante inteiramente de fermentação seja superior a 1,2 /prct. vol. e igual ou inferior a 18 /prct. vol.;

c) 'Vinho espumante', os produtos abrangidos pelos códigos NC 2204 10, 2204 21 06, 2204 21 07, 2204 21 08, 2204 21 09, 2204 29 10 e 2205, cujo título alcoométrico adquirido resultante inteiramente de fermentação seja superior a 1,2 /prct. vol. e igual ou inferior a 15 /prct. vol., que estejam contidos em garrafas fechadas por rolhas em forma de cogumelo fixadas por arames ou grampos, ou com uma sobrepressão derivada do anidrido carbónico em solução de, pelo menos, 3 bar;

d) «Outras bebidas tranquilas fermentadas» os produtos abrangidos pelos códigos NC 2204, 2205 e 2206, com exceção dos vinhos, da cerveja e das outras bebidas espumantes fermentadas, cujo título alcoométrico adquirido seja superior a 1,2 /prct. vol. e igual ou inferior a 10 /prct. vol., e ainda os de título alcoométrico superior a 10 /prct. vol., mas não a 15 /prct. vol., desde que, neste último caso, o álcool contido no produto resulte inteiramente de fermentação;

e) 'Outras bebidas espumantes fermentadas', os produtos abrangidos pelos códigos NC 2206 00 31 e 2206 00 39, bem como os produtos abrangidos pelos códigos NC 2204 10, 2204 21 06, 2204 21 07, 2204 21 08, 2204 21 09, 2204 29 10 e 2205, com exceção dos vinhos, cujo título alcoométrico adquirido seja superior a 1,2 /prct. vol. e igual ou inferior a 13 /prct. vol., e ainda os que, tendo um título alcoométrico superior a 13 /prct. vol., mas inferior a 15 /prct. vol., resultem inteiramente de fermentação, que estejam contidos em garrafas fechadas por rolhas em forma de cogumelo, fixadas por arames ou grampos, ou com uma sobrepressão derivada do anidrido carbónico em solução de, pelo menos, 3 bar;

f) «Produtos intermédios» os produtos de título alcoométrico adquirido superior a 1,2 /prct. vol. e igual ou inferior a 22 /prct. vol., abrangidos pelos códigos NC 2204, 2205 e 2206, não incluídos nas alíneas anteriores;

g) «Álcool etílico» o líquido com teor alcoólico mínimo de 96 /prct. vol. a 20ºC, obtido quer por retificação após fermentação de produtos agrícolas alcoógenos, designado por álcool etílico de origem agrícola, com as características mínimas constantes do anexo i do Regulamento (CE) n.º 110/2008, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de Janeiro, quer por processo químico, designado por álcool etílico de síntese;

h) «Álcool etílico diluído» o líquido com teor alcoólico inferior a 96 /prct. vol. e superior a 70 /prct. vol. a 20ºC, resultante da diluição do álcool etílico definido na alínea anterior, ainda que adicionado de substâncias e preparados aromatizantes;

i) «Destilado etílico» o líquido com teor alcoólico inferior a 96 /prct. vol. a 20ºC, que não se enquadre nas alíneas anteriores, incluindo qualquer destilado de origem agrícola;

j) «Álcool etílico parcialmente desnaturado» o álcool a que se adicionaram, como desnaturante, substâncias químicas que o tornam impróprio para o consumo humano por ingestão;

l) 'Álcool etílico totalmente desnaturado' o álcool a que foram adicionados os desnaturantes nas proporções descritas no ponto i do anexo ao Regulamento de Execução (UE) n.º 162/2013, da Comissão, de 21 de fevereiro;

m) «Bebidas espirituosas» os produtos compreendidos no código NC 2208 definidos nos termos do artigo 2.º do Regulamento (CE) n.º 110/2008, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de Janeiro.

3 - São equiparados a bebidas espirituosas previstas na alínea m) do número anterior:

a) Os produtos não compreendidos nas alíneas g) a i), com um teor alcoólico em volume superior a 1,2 /prct. vol. abrangidos pelos códigos NC 2207 e 2208, mesmo quando estes produtos constituam parte de um produto abrangido por outro capítulo da Nomenclatura Combinada;

b) Os produtos abrangidos pelos códigos NC 2204, 2205 e 2206 de teor alcoólico adquirido superior a 22 /prct. vol.

4 - Para efeitos da alínea a) do n.º 2, todos os ingredientes da cerveja, incluindo os ingredientes acrescentados após a conclusão da fermentação, devem ser tidos em conta para efeitos de medição do grau Plato.

5 - Para efeitos das alíneas b) e c) do n.º 2, são considerados vinhos tranquilo e espumante os produtos vitivinícolas definidos como tal pela legislação especial aplicável, produzidos de acordo com as práticas enológicas autorizadas, e que obedeçam às respetivas regras de designação e rotulagem, não compreendendo quaisquer outras bebidas, mesmo que obtidas a partir de produtos do setor vitivinícola, designadamente as previstas no Regulamento (UE) 251/2014, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de fevereiro de 2014.

 

B – VALOR NORMATIVO DA NOMENCLATURA COMBINADA E DAS NOTAS DO ANEXO I DO REGULAMENTO 2658/87

 

Quanto à “Nomenclatura Combinada” estabelecida no Regulamento nº 2658/87, importa sublinhar que tanto o preâmbulo da Diretiva 92/83/CEE, como os artigos 8º e 12º da mesma diretiva, como as alíneas a) a f) do artigo 66º do CIEC remetem para os códigos da “Nomenclatura Combinada” não havendo, assim, qualquer dúvida de que não apenas essa nomenclatura tem valor legal como é de aplicação direta para efeitos de IEC.

Também as “Notas”, as Notas de subposições” e as “Notas complementares” incluídas no Anexo I do Regulamento nº 2658/87, fazendo parte do próprio anexo, o qual, por sua vez, é parte integrante do regulamento, têm indiscutível valor legal.

 

C – SUBSUNÇÃO DOS FACTOS ÀS NORMAS APLICÁVEIS

 

Para chegarmos aos conceitos de “vinho”, “vinho tranquilo”, “vinho espumante”, “outras bebidas tranquilas fermentadas” e “outras bebidas espumantes fermentadas” há que cruzar as definições da Dir. 92/83/CEE com a descrição dos códigos da Nomenclatura Combinada, uma vez que, como foi anteriormente referido, é a própria diretiva, nos seus artigos 8º e 12º, que remete para a Nomenclatura Combinada.

Vejamos então os vários conceitos.

“Vinho”

Os “vinhos” encontram-se abrangidos pelos códigos NC 2204 e 2205 (os quais, no entanto, abrangem outras bebidas para além de vinhos). De acordo com as respetivas descrições, “vinho” é uma bebida obtida exclusivamente a partir de uvas, visto que o código NC 2204 corresponde a “Vinhos de uvas frescas, incluídos os vinhos enriquecidos com álcool; mostos de uvas, excluídos os da posição 2009”;[4] e o código NC 2205 corresponde a “Vermutes e outros vinhos de uvas frescas preparados com plantas ou substâncias aromáticas”.

A Nomenclatura não fornece mais elementos para a definição de “vinho”, devendo esse conceito retirar-se dos outros normativos elencados.

 “Vinho tranquilo” e “Vinho espumante”

De acordo com o n.º 1 do art.º 8.º da Diretiva 92/83/CEE, são considerados como “vinho tranquilo” os produtos abrangidos pela NC 2204 e 2205, com exceção do vinho espumante, com as seguintes características: a) teor alcoólico adquirido superior a 1,2% vol., mas inferior ou igual a 15% vol., desde que o álcool contido no produto acabado resulte inteiramente de fermentação; ou b) teor alcoólico adquirido superior a 15% vol., mas não a 18% vol., desde que tenham sido produzidos sem enriquecimento e que o álcool contido no produto resulte inteiramente de fermentação.

Daqui se retira que o “vinho tranquilo”, para os efeitos da Dir. 92/83/CEE, devendo ser abrangido pelos códigos NC 2204 e 2205, tem necessariamente de ser uma bebida obtida exclusivamente a partir de uvas, ainda que possa ser “aromatizado com plantas ou substâncias aromáticas”, o que o incluirá na NC 2205 (“Vermutes e outros vinhos de uvas frescas preparados com plantas ou substâncias aromáticas”).

É ainda necessário que o teor alcoólico se situe no intervalo entre 1,2% vol. e 18% vol.; e que esse teor alcoólico, em qualquer dos casos, resulte inteiramente de fermentação.

Comparando esta definição de “vinho tranquilo” com a mesma definição constante da al. b) do nº 2 do artigo 66º do CIEC, que diz: “2 - Para efeitos de aplicação do número anterior, entende-se por: (...) b) «Vinho tranquilo» os produtos abrangidos pelos códigos NC 2204 e 2205, com exceção do vinho espumante, cujo título alcoométrico adquirido resultante inteiramente de fermentação seja superior a 1,2 /prct. vol. e igual ou inferior a 18 /prct. vol.”, chega-se à mesma conclusão: para efeitos de aplicação do CIEC, “vinho tranquilo” é uma bebida obtida exclusivamente a partir de uvas, na aceção dos códigos NC 2204 e NC 2205, ainda que possa ser “aromatizado com plantas ou substâncias aromáticas”, o que o incluirá na NC 2205 (“Vermutes e outros vinhos de uvas frescas preparados com plantas ou substâncias aromáticas”), sendo ainda necessário que o teor alcoólico se situe no intervalo entre 1,2% vol. e 18% vol. e resulte inteiramente de fermentação.

De acordo com o n.º 2 do art.º 8.º da Diretiva 92/83/CEE, são considerados como “vinho espumante”, os produtos abrangidos pelos códigos NC 2204 10, 2204 21 10, 2204 29 10 e 2205 que: estejam contidos em garrafas fechadas por rolhas em forma de cogumelo, fixas por açaimes ou grampos, ou com uma sobrepressão derivada do anidrido carbónico em solução de, pelo menos, 3 bares; e tenham um teor alcoólico adquirido superior a 1,2 % vol. mas não a 15 % vol., desde que o álcool contido no produto acabado resulte inteiramente de fermentação.

Daqui se retira que o “vinho espumante”, à semelhança do que ocorre com o “vinho tranquilo”, tendo obrigatoriamente que estar abrangido pelas NC 2204 e 2205, tem necessariamente de ser uma bebida obtida exclusivamente a partir de uvas, ainda que possa ser, à semelhança do vinho tranquilo, “aromatizado com plantas ou substâncias aromáticas”, o que o incluirá na NC  2205 (“Vermutes e outros vinhos de uvas frescas preparados com plantas ou substâncias aromáticas”). É ainda necessário que o teor alcoólico da bebida se contenha no intervalo entre 1,2% vol. e 15% vol. e resulte inteiramente de fermentação.

Comparando esta definição de “vinho espumante” com a mesma definição constante da al. c) do nº 2 do artigo 66º do CIEC, que diz: “2 - Para efeitos de aplicação do número anterior, entende-se por: (...) c) 'Vinho espumante', os produtos abrangidos pelos códigos NC 2204 10, 2204 21 06, 2204 21 07, 2204 21 08, 2204 21 09, 2204 29 10 e 2205, cujo título alcoométrico adquirido resultante inteiramente de fermentação seja superior a 1,2 /prct. vol. e igual ou inferior a 15 /prct. vol., que estejam contidos em garrafas fechadas por rolhas em forma de cogumelo fixadas por arames ou grampos, ou com uma sobrepressão derivada do anidrido carbónico em solução de, pelo menos, 3 bar;”, chega-se à mesma conclusão: o “vinho espumante”, à semelhança do que ocorre com o “vinho tranquilo”, tendo obrigatoriamente que estar abrangido pelas NC 2204 ou 2205, tem necessariamente que ser uma bebida obtida exclusivamente a partir de uvas, ainda que possa ser, à semelhança do vinho tranquilo, “aromatizado com plantas ou substâncias aromáticas”, o que o incluirá na NC  2205 (“Vermutes e outros vinhos de uvas frescas preparados com plantas ou substâncias aromáticas”), sendo ainda necessário que o teor alcoólico da bebida se contenha no intervalo entre 1,2% vol. e 15% vol. e resulte inteiramente de fermentação.

“Outras bebidas fermentadas” tranquilas e espumantes

O nº 1 do artigo 12º da Diretiva 92/83/CEE dispõe:

“Para efeitos de aplicação da presente diretiva, e sem prejuízo do disposto no artigo 17º, entende-se por:

1. «Outras bebidas tranquilas fermentadas», os produtos abrangidos pelos códigos NC 2204 e 2205 mas não mencionados no artigo 8º, os produtos abrangidos pelo código NC 2206, exceto as outras bebidas espumantes fermentadas definidas no ponto 2 do presente artigo, e qualquer produto abrangido pelo artigo 2º:

- de teor alcoólico adquirido superior a 1,2 % vol. mas não a 10 % vol.,

- de teor alcoólico adquirido superior a 10 % vol. mas não a 15 % vol., desde que o álcool contido no produto resulte inteiramente de fermentação;

Comparando o artigo 12º da Diretiva com a al. d) do nº 2 do artigo 66º do CIEC, que diz: “Para efeitos de aplicação do número anterior, entende-se por: (...) d) «Outras bebidas tranquilas fermentadas» os produtos abrangidos pelos códigos NC 2204, 2205 e 2206, com exceção dos vinhos, da cerveja e das outras bebidas espumantes fermentadas, cujo título alcoométrico adquirido seja superior a 1,2 /prct. vol. e igual ou inferior a 10 /prct. vol., e ainda os de título alcoométrico superior a 10 /prct. vol., mas não a 15 /prct. vol., desde que, neste último caso, o álcool contido no produto resulte inteiramente de fermentação;”, vemos que existe uma coincidência na delimitação da categoria de “Outras bebidas tranquilas fermentadas”, as quais incluirão:

  • Produtos abrangidos pelos códigos NC 2204 e 2205 (embora não mencionados no artigo 8º), os quais, como já vimos, são, necessariamente, bebidas obtidas exclusivamente a partir de uvas, ainda que possam ser “aromatizados com plantas ou substâncias aromáticas”;
  • Produtos abrangidos pelo código NC 2206, correspondente a “Outras bebidas fermentadas (por exemplo, sidra, perada, hidromel, saqué); misturas de bebidas fermentadas e misturas de bebidas fermentadas com bebidas não alcoólicas, não especificadas nem compreendidas noutras posições”.

O nº 2 do artigo 12º da Diretiva 92/83/CEE dispõe:

“2. «Outras bebidas espumantes fermentadas», os produtos abrangidos pelo código NC 2206 00 91, bem como os produtos abrangidos pelos códigos NC 2204 10, 2204 21 10, 2204 29 10 e 2205 não mencionados no artigo 8º que:

- estejam contidos em garrafas com rolhas em forma de cogumelo, fixas por açaimes ou grampos, ou com uma sobrepressão derivada do anidrido carbónico em solução de, pelo menos, 3 bares,

- tenham um teor alcoólico adquirido superior a 1,2 % vol mas não a 13 % vol,

- tenham um teor alcoólico adquirido superior a 13 % mas não a 15 % vol, desde que o álcool contido no produto resulte inteiramente de fermentação.”

 

E comparando o teor deste preceito com o disposto na al. e) do art.º 66.º do CIEC, que diz “Para efeitos de aplicação do número anterior, entende-se por: (...) ‘Outras bebidas espumantes fermentadas', os produtos abrangidos pelos códigos NC 2206 00 31 e 2206 00 39, bem como os produtos abrangidos pelos códigos NC 2204 10, 2204 21 06, 2204 21 07, 2204 21 08, 2204 21 09, 2204 29 10 e 2205, com exceção dos vinhos, cujo título alcoométrico adquirido seja superior a 1,2 /prct. vol. e igual ou inferior a 13 /prct. vol., e ainda os que, tendo um título alcoométrico superior a 13 /prct. vol., mas inferior a 15 /prct. vol., resultem inteiramente de fermentação, que estejam contidos em garrafas fechadas por rolhas em forma de cogumelo, fixadas por arames ou grampos, ou com uma sobrepressão derivada do anidrido carbónico em solução de, pelo menos, 3 bar”, concluímos igualmente que a delimitação da categoria coincide nos dois normativos.

Vemos, assim, que a categoria “Outras bebidas fermentadas” inclui:

  • As bebidas abrangidas pelo código NC 2206: “Outras bebidas fermentadas (por exemplo, sidra, perada, hidromel, saqué); misturas de bebidas fermentadas e misturas de bebidas fermentadas com bebidas não alcoólicas, não especificadas nem compreendidas noutras posições”.
  • Algumas bebidas abrangidas pelos códigos NC 2204 e 2205 (embora não mencionados no artigo 8º), os quais, como já vimos, são, necessariamente bebidas obtidas exclusivamente a partir de uvas, ainda que possam ser “aromatizadas com plantas ou substâncias aromáticas”, mas não enquadráveis no artigo 8º da Diretiva.

A questão em discussão nos presentes autos consiste em saber se os produtos designados comercialmente como “... Sangria Branca”, “... Sangria Tinta” e “... Frutos Vermelhos” são enquadráveis nas alíneas b) [vinho tranquilo] e c) [vinho espumante] do nº 2 do artigo 66º do CIEC, ou se, pelo contrário, apenas poderão subsumir-se nas alíneas d) [outras bebidas tranquilas fermentadas] e e) [outras bebidas espumantes fermentadas].

Consultando as “Notas complementares” anteriormente referidas, vemos que o código 2204 inclui, designadamente:

  • Mosto de uvas parcialmente fermentado: o produto proveniente da fermentação de um mosto de uvas e com um teor alcoólico adquirido superior a 1% vol, mas inferior a três quintos do seu teor alcoólico, em volume, total.
  • Mosto de uvas frescas amuado com álcool: o produto com um teor alcoólico adquirido igual ou superior a 12% vol e inferior a 15% vol, e obtido por adição de um produto, proveniente da destilação de vinho, a um mosto de uvas não fermentado com um teor alcoólico natural não inferior a 8,5% vol;
  • Vinho aguardentado: o produto com um teor alcoólico adquirido não inferior a 18% vol. e não superior a 24% vol, obtido exclusivamente por adição de um produto não retificado, proveniente da destilação do vinho e com um teor alcoólico adquirido máximo de 86% vol, a um vinho que não contenha açúcar residual, e com uma acidez volátil máxima de 1,50 grama por litro, expressa em ácido acético;
  • Vinho licoroso: o produto de teor alcoólico total igual ou superior a 17,5% vol e de teor alcoólico adquirido igual ou superior a 15% vol, mas não superior a 22% vol, e obtido a partir de mosto de uvas ou de vinho, devendo estes produtos provir de castas autorizadas no pais de origem, para produção de vinho licoroso e de teor alcoólico natural igual ou superior a 12%.

É claro que as bebidas referidas nas “Notas complementares” não têm por que esgotar a categoria das “Outras bebidas fermentadas”, servindo aqui unicamente de exemplos. Bebidas, ainda que totalmente obtidas a partir de uvas, mas com grau alcoólico superior a 18% (no caso de bebidas tranquilas) ou de 15% (no caso de bebidas espumosas), ou com grau alcoólico inferior a 1,2% serão consideradas “Outras bebidas fermentadas.” Do mesmo modo, bebidas totalmente obtidas a partir de uvas, mas cujo teor alcoólico não resulte inteiramente de fermentação serão consideradas “Outras bebidas fermentadas.”

A Requerente considera que as bebidas por si comercializadas se enquadram no artigo 8º da Diretiva porque cumprem todos os requisitos aí exigidos para tal: são obtidas exclusivamente a partir de uvas; têm um grau alcoométrico superior a 1,2% e inferior a 15%; e este resulta inteiramente de fermentação. E efetivamente são estas as únicas características que, como se demonstrou, a diretiva que uniformiza as regras sobre os impostos sobre o consumo exige para a classificação de uma bebida como vinho.

Perante esta evidência, cabia à Autoridade Tributária, de acordo com as regras do ónus da prova estabelecidas no artigo 74.º da LGT, alegar e provar ou que as bebidas não cumprem estes requisitos, ou que outra norma legal aplicável exige outros requisitos, para além daqueles, para a classificação de uma bebida como vinho.

Acontece que a Autoridade Tributária não faz nem uma coisa nem outra.

A Autoridade Tributária considera que as bebidas comercializadas pela Requerente não podem enquadrar-se no artigo 8º da Diretiva, devendo antes enquadrar-se em “outras bebidas tranquilas fermentadas”, por não serem “vinho”.

Mas o argumento é tautológico. Não pode concluir-se que a bebida em causa não pode enquadrar-se no artigo 8º da Diretiva, que diz o que deve considerar-se “vinho” para efeitos fiscais, com base no argumento de que essa bebida não é “vinho”.

A Informação que serve de fundamento à decisão de indeferimento do pedido de reembolso ainda faz apelo ao Regulamento (EU) nº 251/2014, dizendo que “da análise deste diploma (Regulamento (EU) nº 251/2014 de 26/02), verifica-se que de acordo com o mesmo a sangria não é considerada um vinho, mas sim, uma «bebida aromatizada à base de vinho»”. Contudo, não é isto o que resulta do referido regulamento, já que o artigo 3º do referido regulamento, que elenca as categorias dos produtos vitivinícolas aromatizados, coloca entre essas categorias, precisamente, os “vinhos aromatizados”.

Concluindo:

Para poder enquadrar-se nas alíneas b) e c) do nº 1 do art.º 66º do CIEC, as bebidas em causa têm de cumprir os vários requisitos necessários para poderem ser consideradas “vinho”, para efeitos fiscais, e que são, de acordo com tudo o que se expôs anteriormente:

1º: Terem sido obtidas unicamente a partir de uvas frescas ou consistirem em mostos de uva que não sejam sumo de uva;

2º Terem um teor alcoólico:

> 1,2% vol., mas < /= 15% vol. (13% no caso de espumante), podendo ter sido enriquecido com álcool, desde que o álcool contido no produto acabado resulte inteiramente de fermentação;

Ou

>15% vol. (13% no caso de espumante), mas < / =18% vol. (15% no caso de espumante), desde que tenham sido produzidos sem enriquecimento e que o álcool contido no produto resulte inteiramente de fermentação;

3º: Não tenham bebidas não alcoólicas adicionadas.

Sendo que:

4º: As bebidas podem ser aromatizadas com plantas ou substâncias aromáticas.

Ora, deu-se como provado que as bebidas comercializadas pela Requerente cumprem todos estes requisitos: i) são obtidas exclusivamente a partir de uvas; ii) têm um teor alcoólico superior a 1,2% vol. e não superior a 15% vol.; iii) o teor alcoólico resulta inteiramente de fermentação; iv) são aromatizadas com substâncias (frutas) admitidas pelo código NC 2205; e v) não têm adicionadas outras bebidas fermentadas ou não alcoólicas.

Conclui-se assim que, de acordo com a Diretiva 92/83/CEE, as bebidas comercializadas pela Requerente são classificáveis como “vinho”.

A Informação que serve de fundamentação à decisão de indeferimento do “pedido de reembolso” diz, no ponto III – “Conclusões”:

A) Do exposto ressalta que nenhuma das classificações de produtos vitivinícolas, nos planos nacional, comunitário ou internacional, reconhece como “vinho” os produtos vitivinícolas aromatizados previstos no Regulamento (EU) nº 251/2014, de 26/02, autonomizando expressa e formalmente estas categorias de produtos vitivinícolas. Esta distinção é adotada por diversos estados membros como a que melhor corresponde, em sede fiscal, ao disposto na diretiva 92/83/CEE;

Ora, ficou demonstrado que que não é assim. Tanto o Regulamento (CEE) nº 2658/87 do Conselho de 23 de Julho de 1987 relativo à nomenclatura pautal e estatística e à pauta aduaneira comum como, e em especial, a Diretiva 92/83/CEE do Conselho, de 19 de Outubro de 1992, relativa à harmonização da estrutura dos impostos especiais sobre o consumo de álcool e bebidas alcoólicas, reconhecem como “vinho” as bebidas obtidas exclusivamente a partir de uvas aromatizadas com plantas ou substâncias aromáticas (as correspondentes ao Código NC que abrange “Vermutes e outros vinhos de uvas frescas preparados com plantas ou substâncias aromáticas”.

A Informação diz ainda, no mesmo ponto III – “Conclusões”:

B) Os produtos vitivinícolas aromatizados previstos no Regulamento (EU) nº 251/2014, de 26/02, não estão abrangidos pelas categorias “vinho tranquilo” ou “vinho espumante”, devendo ser considerados, para efeitos do artigo 66º do CIEC, consoante o caso, “outras bebidas fermentadas” ou “produtos intermédios”;

Ora, o Regulamento (EU) nº 251/2014 considera entre os produtos vitivinícolas aromatizados, no seu artigo 3º, nº 1, precisamente, os “vinhos aromatizados”, os quais são “vinhos”.

Desta forma, há que concluir que a Autoridade Tributária não logrou por em causa a prova feita pela Requerente de que os produtos introduzidos no consumo, com as designações comerciais “... Sangria Tinta”, “... Sangria Branca” e “... Sangria Frutos Vermelhos” são qualificáveis como vinhos e como tal enquadráveis nas alíneas b) [vinho tranquilo] e c) [vinho espumante] do nº 2 do artigo 66º do CIEC.

 

VIII – SOBRE O PEDIDO DE “PRONÚNCIA PELA SUBSTITUIÇÃO DOS ATOS ANULADOS”

 

No seu pedido de pronúncia arbitral, após pedir ao Tribunal que anule o ato de indeferimento do pedido de reembolso por si dirigido ao Direito da Alfândega de ..., a Requerente, formula o pedido de “pronúncia pela substituição do ato anulado por outro que declare que as bebidas alcoólicas comercialmente designadas ‘sangria’, armazenada e expedidas pela Requerente, são classificadas como vinho tranquilo e vinho espumante para efeitos do nº 2 do artigo 72º do CIEC.

Ora, como ficou dito, ao Tribunal não compete determinar a substituição dos atos tributários ou administrativos em matéria tributária anulados ou parcialmente anulados.

A competência dos tribunais arbitrais em matéria tributária é delimitada, em primeiro lugar, pelo artigo 2º do RJAT que dispõe:

1 - A competência dos tribunais arbitrais compreende a apreciação das seguintes pretensões:

a) A declaração de ilegalidade de atos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta;

b) A declaração de ilegalidade de atos de fixação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de atos de determinação da matéria coletável e de atos de fixação de valores patrimoniais;

O pedido deve ser interpretado no sentido de que a pretensão da Requerente se considera satisfeita com a anulação dos atos tributários impugnados e a reconstituição da situação que existiria sem a prática dos atos tributários ilegais.

Não pode, pois, o Tribunal conceder provimento a este segmento do pedido.

 

IX – DIREITO AO REEMBOLSO E A JUROS INDEMNIZATÓRIOS

Pede ainda a Requerente, no seu pedido de pronúncia arbitral, que o Tribunal se pronuncie sobre o reembolso, à Requerente, das quantias de imposto indevidamente pagas.

Quanto à restituição do imposto indevidamente pago, o Requerente tem direito a ela, nos termos do art.º 100.º, n.º 1 da LGT, que determina que “a administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamações ou recursos administrativos, ou de processo judicial a favor do sujeito passivo, à plena reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade”.

O dever de restituição do imposto indevidamente pago aparecerá inevitavelmente ligado à decisão arbitral que anule o ato de liquidação, por força da alínea b) do n.º 1 do art.º 24º do RJAT, em cujos termos a administração tributária fica vinculada, nos exatos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, a “restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito”. O que implica igualmente o pagamento de juros indemnizatórios, calculados nos termos legais.

 

X – DECISÃO

Por tudo o exposto, o Tribunal Arbitral:

  1. Julga improcedentes as exceções de incompetência e de impropriedade do meio processual utilizado suscitadas pela Requerida; 
  2. Julga procedente o pedido de declaração de ilegalidade da decisão de indeferimento do pedido de reembolso de IABA referente às liquidações constantes das declarações de introdução no consumo identificadas no ponto F) da matéria de facto provada, referentes à introdução no consumo dos produtos denominados “... Sangria Tinta”, “... Sangria Branca” e “... Sangria Frutos Vermelhos”, no valor de 73.083,88 euros;
  3. Declara a ilegalidade e consequentemente anula as mesmas liquidações;
  4. Condena a Autoridade Tributária a restituir o imposto indevidamente pago, acrescido dos respetivos juros indemnizatórios, calculados nos termos legais .

 

VIII - VALOR DO PROCESSO

Em conformidade com o disposto nos artigos 306.º, n.º 2 do CPC e 97.ºA do CPPT, e artigo 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, o valor do pedido é fixado em 73.083,88 € (setenta e três mil e oitenta e três euros e oitenta e oito cêntimos).

 

IX - CUSTAS ARBITRAIS

Nos termos do disposto nos artigos 12.º, n.º 2 e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e no artigo 4.º, n.º 4 do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o valor da taxa de arbitragem em 2 448.00 € nos termos da Tabela I do mencionado Regulamento, a cargo da Requerida, a Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

Registe-se e notifique-se.

 

Lisboa, 31 de Maio de 2024

 

Os Árbitros

 

(Fernanda Maças - presidente)

 

(Nina Aguiar –relatora)

 

(António Alberto Franco –vogal)

 



[1] Publicado no JO L256, de 07.09.1097, p. 1-675.

[2] O anexo I e a Nomenclatura, nomeadamente no que diz respeito ao capítulo II, referente a Bebidas líquidos alcoólicos e vinagres, foi alterada pelo “Regulamento de Execução (UE) 2017/1925 da Comissão, de 12 de outubro de 2017, que altera o anexo I do Regulamento (CEE) n.° 2658/87 do Conselho relativo à nomenclatura pautal e estatística e à pauta aduaneira comum”, publicado no JO JO L 282 de 31.10.2017, p. 1-958.

[3] A Nomenclatura não compreende um código NC 2206.

[4] O código ou posição 2009 corresponde “Sumos de frutas (incluídos os mostos de uvas) ou de produtos hortícolas, não fermentados, sem adição de álcool, com ou sem adição de açúcar ou de outros edulcorantes”.