Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 736/2023-T
Data da decisão: 2024-06-05   Outros 
Valor do pedido: € 269.209,79
Tema: Contribuição de Serviço Rodoviário – competência dos tribunais arbitrais – ineptidão da petição inicial – legitimidade.
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SUMÁRIO:

 

  1. A Contribuição de Serviço Rodoviário (CSR) é um tributo que se qualifica como “imposto” e não como “contribuição”, pelo que os Tribunais Arbitrais são competentes para apreciar matérias a ela respeitantes.
  2. Os Tribunais Arbitrais são competentes para apreciar a legalidade de atos de liquidação de CSR e já não de atos de repercussão daquele imposto.
  3. A falta de identificação dos atos de liquidação de CSR contestados, cuja declaração de ilegalidade e anulação se requer, implica a ineptidão do pedido arbitral.
  4. As Requerentes não suportaram o encargo da CSR por repercussão legal, pelo que carecem de legitimidade processual para contestar a legalidade dos atos de liquidação daquele imposto.

 

DECISÃO ARBITRAL

 

            Os Árbitros Carla Castelo Trindade, Fernando Miranda Ferreira e António Barros Lima Guerreiro, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formar o Tribunal Arbitral, decidem no seguinte:

 

  1. RELATÓRIO

 

  1. B..., titular do número único de pessoa coletiva..., com sede na Avenida Estados Unidos da ..., ...-... Lisboa (“A... SGPS”), B..., S.A., titular do número único de pessoa coletiva ..., com sede na ..., ...-... Lisboa (“B...”), C..., S.A., titular do número único de pessoa coletiva..., com sede na ...,  ..., ...-... Loures (“C...”), D..., S.A., titular do número único de pessoa coletiva ..., com sede na ..., ...-... ...  (“D...”), E..., S.A., titular do número único de pessoa coletiva ..., com sede no ..., ...-... Sines (“E...”) e F..., S.A., titular do número único de pessoa coletiva ..., com sede na rua ..., n.º ..., ... ... Porto (“F...”), na sequência da formação da presunção de indeferimento tácito do pedido de promoção de revisão oficiosa apresentado em 30 de março de 2023, junto da Alfândega do Jardim do Tabaco, relativo às liquidações de CSR praticadas pela Administração Tributária e Aduaneira, com base nas Declarações de Introdução no Consumo de gasolina e gasóleo rodoviário submetidas pela G..., S.A. (“G...”) e apresentadas entre 1 de Março de 2019 e 31 de Dezembro de 2022, e dos atos de repercussão da referida CSR durante esse período, no valor global de € 269.209,79, documentados pela faturação emitida pela G..., vêm requerer a declaração de ilegalidade desses atos nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 3.º-A, n.º 2, e 10.º, n.º 1, alínea a) e n.º 2, do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT).

 

  1. O pedido de constituição do Tribunal Arbitral apresentado pelas Requerentes em 19 de Outubro de 2023, tendo sido, nessa data, aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Requerida.

 

  1. No pedido arbitral as Requerentes invocam, em síntese, que:
  • A CSR, aprovada pela Lei n.º 55/2007, de 31 de Agosto, está em antinomia com o regime geral dos impostos especiais de consumo vertido na Diretiva 2008/118/CE do Conselho, de 16 de Dezembro de 2008 (“Diretiva 2008/118/CE”), conforme entendeu o Tribunal de Justiça da União Europeia (“TJUE”) no despacho Vapo Atlantic proferido em 7 de Fevereiro de 2022, no processo n.º C-460/21;
  • Tal antinomia resulta do facto de a CSR não prosseguir “motivos específicos”, na aceção do artigo 1.º, n.º 2, da Diretiva 2008/118/CE, uma vez que “as suas receitas têm essencialmente como fim assegurar o financiamento da rede rodoviária nacional, não podendo considerar‑se como suficiente, para estabelecer uma relação direta entre a utilização das receitas e um “motivo específico”, os objetivos genéricos de redução da sinistralidade e de sustentabilidade ambiental”;
  •  Neste sentido, os atos tributários praticados ao abrigo das normas internas que conformam o regime jurídico da CSR padecem do vício de ilegalidade abstrata por violação de norma do direito da União Europeia de parâmetro hierárquico superior;
  • O direito da União Europeia vincula todos os serviços do Estado, o que significa que a AT estava obrigada a desaplicar as referidas normas internas com fundamento na apontada desconformidade com o direito da União Europeia, por forma a evitar a consequente ilegalidade abstrata dos putativos atos de aplicação;
  • Uma vez que a AT não o fez, conclui-se que o erro (ilegalidade) ínsito nos atos tributários objeto do presente processo é imputável aos serviços, que deviam ter procedido à respetiva revisão nos termos previstos na segunda parte do n.º 1 do artigo 78.º da Lei Geral Tributária (“LGT”);
  • Devem assim ser anulados os atos tributários objeto do presente processo arbitral e, em consequência, devolvidas às Requerentes as quantias pelas mesmas suportadas a título de CSR, no montante global de € 269.209,79.

 

  1. As Requerentes juntaram ao processo declarações da G... indicando que a CSR suportada entre 1 de Março de 2019 e 31 de Dezembro de 2022 foi totalmente repercutida às Requerentes por aquela sociedade.

 

  1. A 6 de Novembro de 2023, a Requerida pronunciou-se junto do presidente do CAAD sobre o pedido de pronúncia arbitral invocando que deste não consta a identificação dos atos de liquidação impugnados, nem esta consta da plataforma da AT.

 

  1. No mesmo dia, o presidente do CAAD remeteria a apreciação da questão para o tribunal arbitral a constituir.

 

  1.  As Requerentes não procederam à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no artigo 6.º, n.º 2, alínea a) e do artigo 11.º, n.º 1, alínea a), ambos do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou os signatários como árbitros do Tribunal Arbitral coletivo, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável. As partes foram notificadas dessa designação em 11 de Dezembro de 2023, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alínea b), do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD.

 

  1. Em conformidade com o disposto no artigo 11.º, n.º 1, alínea c), do RJAT, o Tribunal Arbitral coletivo ficou constituído em 2 de Janeiro de 2024, sendo que naquela mesma data foi a Requerida notificada para apresentar resposta, o que fez a 2 de Fevereiro de 2024.

 

  1. Segundo a resposta:

 

a) As Requerentes limitaram-se a identificar faturas de aquisição de combustíveis aos seus fornecedores sem identificarem os atos tributário de liquidação impugnados, o que determina a nulidade de todo o processo e absolvição da Requerida da instância por verificação de exceção de ineptidão da petição inicial, conforme artigos 186.º, n.º 1, 576.º, n.ºs 1 e 2, 577.º alínea b) e 278.º, n.º 1, alínea b), do Código de Processo Civil (“CPC”), aplicáveis ex vi artigo 29.º do RJAT;

 

b) A espécie tributária da CSR é qualificada como contribuição financeira e não como imposto, pelo que está excluída do âmbito material da arbitragem tributária, por força do disposto nos artigos 2.º e 3.º do RJAT e do artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março (“Portaria de Vinculação”), tal como entenderia o Tribunal Arbitral no acórdão proferido em 29 de Maio de 2023, no processo n.º 31/2023-T;

 

c) A incompetência do Tribunal Arbitral para conhecer do pedido das Requerentes resulta ainda do facto de esta questionar a conformidade jurídico-constitucional do regime jurídico da CSR no seu conjunto, tendo em vista a suspensão da eficácia de atos legislativos aprovados por Lei da Assembleia da República no exercício das suas competências, o que extravasa as competências dos Tribunais Arbitrais previstas nos artigos 2.º e 3.º do RJAT e do artigo 2.º da Portaria de Vinculação, as quais são de natureza exclusivamente anulatória.

 

d) Neste sentido, verifica-se a exceção dilatória de incompetência material do Tribunal Arbitral que determina a absolvição da Requerida da instância nos termos do disposto nos artigos 576.º e 577.º, alínea a) do CPC, aplicáveis ex vi da alínea e), do n.º 1, do artigo 29.º do RJAT;

 

e) Decorre dos artigos 15.º, n.º 2 e 16.º do Código dos Impostos Especiais de Consumo (“CIEC”) aplicáveis ex vi artigo 5.º da Lei n.º 55/2007, de 31 de Agosto, que o reembolso só poderá ser solicitado pelos sujeitos passivos abrangidos pela incidência subjetiva definida no artigo 4.º que tiverem procedido à introdução no consumo dos produtos em território nacional e provem o pagamento do respetivo imposto;

 

f) Nos termos do artigo 5.º da Lei n.º 55/2007, de 31 de Agosto, a CSR é devida pelos sujeitos passivos do Imposto sobre os Produtos Petrolíferos e Energéticos (“ISP”), sendo aplicável à sua liquidação, cobrança e pagamento o disposto no CIEC, na LGT e no CPPT, com as devidas adaptações;

 

g) Por conseguinte, o direito à revisão oficiosa ou ao reembolso por erro não é conferido às entidades em que alegadamente foi repercutido o imposto, como é o caso das Requerentes, que não estão abrangidas na incidência subjetiva da CSR, como vem definida no já referido artigo 4.º do CIEC, aplicável ex vi do artigo 5.º da Lei n.º 55/2007;

 

h) Mesmo que as Requerentes tivessem demonstrado que suportaram o encargo da CSR, o respetivo reembolso deveria ser sempre recusado, já que o meio adequado para o obter segundo a jurisprudência do TJUE, é uma ação civil de repetição do indevido contra o sujeito passivo;

 

i) Apenas se esse meio fosse impossível ou excessivamente difícil, entre outras causas por insolvência do repercutente, em conformidade com a jurisprudência do TJUE no acórdão Danfoss A/S, proferido em 20 de Outubro de 2011, no processo n.º C‑94/10, impossibilidade ou desproporcionada onerosidade que as Requerentes não provaram, seria eventualmente possível a impugnação da repercussão pelo repercutido seria legalmente possível;

 

j) Verifica-se, assim, exceção de ilegitimidade, com a consequente absolvição da Requerida da instância nos termos dos artigos 278.º, n.º 1, alínea d), 576.º, n.ºs 1 e 3 e 579.º todos do CPC, aplicáveis ex vi do artigo 2.º, alínea e), do Código de Procedimento e Processo Tributário (“CPPT”), de todos os pedidos.

 

10. Em 7 de Fevereiro de 2024, foram as Requerentes notificadas para exercer o direito ao contraditório, o que vieram a fazer em 22 de Fevereiro de 2024, onde sustentaram, em síntese, o seguinte:

 

- Resulta da Lei n.º 55/2007 que a CSR deve constituir um encargo dos utilizadores da rede rodoviária nacional (identificados por via do seu consumo de combustível), de tal modo que a CSR liquidada pela AT deve ser legalmente repercutida até atingir a entidade nomeada pelo legislador como devendo suportar, em termos finais, o encargo económico deste tributo: o apontado consumidor de combustível;

 

- Assim, a existência e a efetivação da repercussão constituem uma presunção (ainda que ilidível), na medida em que resulta de um dever legal projetado sobre os respetivos sujeitos passivos;

 

- Resulta da jurisprudência do TJUE e do princípio da efetividade que o repercutido terá sempre o direito a obter a restituição do tributo suportado em violação do direito da União diretamente junto da respetiva autoridade tributária nacional quando esse direito lhe seja atribuído pelo ordenamento jurídico doméstico, por um lado, e quando apesar de não lhe ser atribuído tal direito, seja impossível ou excessivamente difícil obter essa restituição junto da entidade repercutente;

 

- No caso concreto da CSR, além de o ordenamento jurídico-tributário português atribuir aos repercutidos o direito de contestarem os actos tributários de repercussão de que sejam destinatários diretamente junto da AT (artigo 18.º, n.º 4, alínea a), da LGT), esse é, de resto, o único meio à sua disposição para o efeito, não lhes sendo possível obter essa restituição junto das entidades repercutentes por via de uma ação para repetição do indevido (artigo 476.º, n.º 1, do Código Civil);

 

- O carácter legal dessa repercussão resultaria do artigo 3.º do CIEC, na redação do artigo 3.º da Lei n.º 22/E/2022, de 30/12, de acordo com o qual os impostos especiais de consumo obedecem ao princípio da equivalência, procurando onerar os contribuintes na medida dos custos que estes provocam, designadamente nos domínios do ambiente e da saúde pública, sendo repercutidos nos mesmos, em concretização de uma regra geral de igualdade tributária, norma que, segundo o artigo 6.º dessa Lei, teria caráter interpretativo;

 

- Em suma, no âmbito de uma relação jurídico-tributária sujeita a repercussão legal (como a de CSR), os atos de repercussão consubstanciam actos tributários autonomamente sindicáveis por parte dos respetivos repercutidos (as Requerentes), cabendo-lhes, ao abrigo do princípio geral de repartição do ónus da prova consagrado no artigo 74.º da LGT, o ónus de identificação e de comprovação dos pertinentes atos tributários de repercussão que pretendam contestar (corporizados nas faturas que lhes foram emitidas pelas entidades repercutentes), mas já não o ónus de identificação e de comprovação dos antecedentes atos de liquidação repercutidos, o qual caberá à própria AT;

 

- Sendo a AT a entidade incumbida de promover a liquidação da CSR, é esta quem está, na verdade, em condições de identificar os atos pressupostos pelos atos de repercussão, através dos meios ao seu dispor e ao abrigo dos respetivos poderes de indagação, averiguar a correlação entre os identificados atos de repercussão da CSR e o imposto liquidado, e, assim, proceder à específica identificação dos atos de liquidação de CSR aqui em causa;

 

- Atribuir ao artigo 74.º da LGT um sentido interpretativo diferente do que fica enunciado, projetando sobre os terceiros repercutidos o ónus de identificarem e de juntarem aos autos atos tributários de que não foram destinatários e que não têm forma de conhecer – i.e., os atos de liquidação dirigidos aos respetivos sujeitos passivos primários e que constituem o quid da repercussão legal, viola os princípios constitucionais do acesso ao direito e tutela jurisdicional efetiva e da proporcionalidade previstos nos artigos 20.º e 18.º da Constituição da República Portuguesa (“CRP”), bem como o princípio da efetividade vigente no âmbito do direito da União, pelo que improcede a exceção de ineptidão da petição inicial invocada pela Requerida;

 

- No presente caso era a AT que tinha o ónus de averiguar a correlação entre os respetivos atos de repercussão legal e os atos de liquidação de CSR que os antecedem e que estão na sua origem, não podendo a situação processual das Requerentes sair prejudicada, designadamente quanto à aferição da tempestividade do pedido de revisão oficiosa, pelo facto de não lhes ser possível apresentar uma prova documental específica a que não podem ter acesso;

 

- A remissão feita no n.º 1 do artigo 5.º da Lei n.º 55/2007 para o CIEC apenas abrange as matérias de liquidação, cobrança e pagamento da CSR, ficando assim de fora o regime especial de revisão oficiosa consagrado nos artigos 15.º e 16.º do CIEC;

 

- De resto, a invocação de desconformidade entre as normas nacionais que sustentam os atos tributários sub judice (o regime da CSR vertido na Lei n.º 55/2007) e a norma de direito da União em causa (artigo 1.º, n.º 2 da Diretiva 2008/118/CE) consubstancia um erro imputável à AT para efeitos do disposto na última parte do n.º 1 do artigo 78.º da LGT pelo que improcede a exceção de intempestividade invocada pela Requerida;

 

- As Requerentes têm legitimidade, através do procedimento de revisão oficiosa regulado no artigo 78.º da LGT, para contestar a legalidade de actos tributários de liquidação de CSR, enquanto titulares de interesses legalmente protegidos, considerando-se que é na sua esfera patrimonial que se opera a repercussão desse tributo;

 

- Qualquer interpretação que conclua pela inexistência do direito dos repercutidos legais a recorrer ao procedimento de revisão oficiosa regulado no artigo 78.º da LGT – ou que, considerando ser aplicável à CSR o regime especial de reembolso previsto nos artigos 15.º e 16.º do CIEC, exclua os repercutidos legais do respetivo âmbito subjetivo de aplicação – violaria os princípios constitucionais do acesso ao direito e tutela jurisdicional efetiva (artigo 20.º da CRP), e da igualdade, por discriminar negativamente os repercutidos relativamente aos demais sujeitos da relação jurídico‑tributária de repercussão legal (artigo 13.º da CRP);

 

- Sustentar que os repercutidos não têm legitimidade para contestar a legalidade dos atos de repercussão implica que o ordenamento jurídico doméstico não confere qualquer meio de reação às entidades repercutidas para obterem, eficazmente, a restituição do tributo que tenham indevidamente suportado, o que viola o princípio da efetividade previsto no Direito da União, pelo que improcede a exceção de ilegitimidade invocada pela Requerida;

 

- No âmbito da relação jurídico-tributária de repercussão legal, a legitimidade – e, nessa medida, a necessidade de intervenção – dos sujeitos passivos da relação tributária subjacente e dos respetivos repercutidos é mutuamente excludente, já que o reconhecimento de legitimidade para contestar a validade da CSR aos repercutidos exclui a possibilidade de os repercutentes o fazerem, e vice-versa;

 

- Pelo que improcederia sempre ao conhecimento da causa a exceção de preterição de litisconsórcio necessário que a Requerida pretendesse opor;

 

- A CSR assenta em dois propósitos estruturalmente distintos: um primeiro, de simples arrecadação de receita (consistente na indicada remuneração da Infraestruturas de Portugal, S.A., enquanto entidade gestora da rede rodoviária nacional) e, um segundo, de comutação da utilização da referida rede;

 

- A CSR deve, atenta a sua qualidade de contribuição especial por maiores despesas (segregada pelo legislador constitucional de 1997 do conceito de contribuições financeiras consagrado na alínea i) do n.º 1 do artigo 165.º da Constituição da República Portuguesa), ser perspetivada como um verdadeiro imposto, quer em sede constitucional, quer, consequentemente, em sede infraconstitucional;

 

- Deste modo, todos os atos tributários relacionados com a CSR são plenamente arbitráveis nos termos dos artigos 2.º do RJAT e da Portaria de Vinculação;

 

- Mesmo que se entendesse que a CSR deve ser qualificada como uma contribuição financeira a favor de entidades públicas, ela enquadrar-se-ia no conceito de tributo a que alude o artigo 2.º, n.º 1, alínea a), do RJAT, o que sempre seria suficiente para efeitos da sua arbitrabilidade, pelo que improcede a exceção de incompetência material invocada pela AT;

 

- Caso subsistam dúvidas quanto ao direito das Requerentes – na sua qualidade de repercutidas – obter a restituição da CSR indevidamente suportada, em violação do direito da União, diretamente junto da AT, deve ser promovido reenvio prejudicial do presente processo para o TJUE, nos termos previstos no artigo 267.º do Tratado Sobre o Funcionamento da União Europeia (“TFUE”).

 

11. Juntariam as Requerentes cópias das Decisões Arbitrais n.ºs 294/2023- T, 298/2023-T, 374/2023-T, 410/2023-T ,465/2023-T e 486/2023-T.

 

12. A 27 de Fevereiro de 2024, a Presidente do Tribunal Arbitral emitiria o seguinte despacho: “Apesar de peticionar a anulação das liquidações de CSR praticadas pela Autoridade Tributária e Aduaneira, certo é que a Requerente não procedeu à sua junção aos autos. Por conseguinte, ao abrigo do disposto no artigo 18.º, n.º 1, alínea c) do RJAT, convida-se a Requerente para, querendo, no prazo de 10 (dez) dias, aperfeiçoar o seu pedido arbitral e suprir as insuficiências anteriormente evidenciadas através da junção ao processo de cópia das liquidações objeto de impugnação.”

 

13. As Requerentes não apresentaram a documentação pedida dentro desse prazo, com a seguinte justificação:

a) A 15 de Março de 2024, as Requerentes deram integral cumprimento ao disposto no artigo 10.º, n.º 2, alínea b), do RJAT, identificando no pedido de pronúncia arbitral, na medida do que estava ao seu alcance, todos os atos tributários cuja legalidade se contesta no âmbito do presente processo arbitral (seja os atos de repercussão de CSR, seja os atos de liquidação de CSR);

 

b) Quanto ao mais, considerando que ao atos de liquidação de CSR sub judice foram praticados pela AT e notificados tão somente ao respetivo sujeito passivo de CSR, não tendo, por conseguinte, as Requerentes (terceiras repercutidas) qualquer acesso aos mesmos, naturalmente que não lhes é possível (não lhes sendo, portanto, exigível) indicar quaisquer outros elementos identificativos dos atos de liquidação de CSR em causa (tais como as respetivas datas de emissão ou os n.ºs de liquidação) ou, bem assim, proceder à sua junção aos presentes autos;

 

c) Com efeito, como vem detidamente demonstrado em sede de réplica, no âmbito de uma relação de repercussão legal de tributos, como a da CSR, perfila-se como lógico e linear que os repercutidos apenas tenham o ónus de identificar específica e concretamente os – únicos – atos tributários de que são destinatários no âmbito dessa relação jurídico-tributária sujeita a repercussão legal, ou seja, os atos de repercussão legal corporizados nas faturas ou documentos equivalentes que lhes são dirigidos pelos respetivos sujeitos repercutentes;

 

d) Por seu turno, sendo a AT a entidade incumbida de promover a liquidação da CSR, é esta quem está, na verdade, obrigada a indicar, através dos meios ao seu dispor e ao abrigo dos respetivos poderes de indagação, os concretos elementos identificativos dos atos de liquidação de CSR objeto do presente processo arbitral (como, por exemplo, as respetivas datas de emissão ou os n.ºs de liquidação) e de, se necessário for, promover a sua junção aos autos (tal como, aliás, vem requerido no pedido de pronúncia arbitral);

 

e) No âmbito de um pedido de pronúncia arbitral, quando o sujeito passivo suporte o imposto por via do mecanismo da repercussão legal e, por isso, não tenha na sua posse os atos de liquidação que constituam o quid (i.e., o objeto) da respetiva repercussão, caberá à AT (a aqui Requerida), através dos meios ao seu dispor e ao abrigo dos respetivos poderes de indagação, identificar − e , se necessário, juntar aos autos − os atos de liquidação de CSR que antecedem e que estão na origem dos respetivos atos de repercussão legal;

 

f) Atribuir ao artigo 10.º, n.º 2, alínea b), do RJAT (ou, bem, assim, ao artigo 74.º da LGT) um sentido interpretativo diferente do que fica enunciado, projetando sobre os terceiros repercutidos – como as ora Requerentes – o ónus de identificarem e de juntarem aos autos atos tributários de que não foram destinatários e que não têm forma de conhecer – i.e., os atos de liquidação dirigidos aos respetivos sujeitos passivos primários e que constituem o quid da repercussão legal –, violará os princípios constitucionais do acesso ao direito e tutela jurisdicional efetiva (ínsito no artigo 20.º da CRP ) e da proporcionalidade (ínsito no artigo 18.º), sendo um tal sentido interpretativo, por esse motivo, materialmente inconstitucional;

 

g) Concomitantemente, regista-se ainda que a projeção de um tal ónus sobre as Requerentes violaria também o princípio da efetividade vigente no âmbito do direito da União, tendo em consideração que tornaria impossível ou excessivamente difícil o exercício, por parte das Requerentes, do seu direito a obter a restituição de um tributo suportado em violação do direito da União, já que o princípio da efetividade do direito da União impõe que as regras nacionais não possam tornar impossível ou excessivamente difícil a efetivação de um direito decorrente da ordem jurídica europeia, originando um verdadeiro direito subjetivo – nestes casos, do repercutido – relativamente ao qual «os Estados Membros devem proporcionar a infraestrutura normativa (procedimental, processual e substantiva) suficiente para que as situações subjetivas criadas à sombra das normas comunitárias recebam a tutela adequada» (cf. Sérvulo Correia, Efetividade e limitações do sistema português de aplicação impositiva do direito da concorrência através de meios processuais administrativos e civis, in Estudos em Honra do Professor Doutor José de Oliveira Ascensão, Volume II, pp. 1782-1783)].

 

14. A 15 de Março de 2024, o Tribunal Arbitral dispensaria por estar em causa matéria exclusivamente de direito a realização da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, bem como a apresentação de alegações.

 

  1. SANEAMENTO

 

15. O Tribunal Arbitral coletivo foi regularmente constituído, as partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e estão regularmente representadas, em conformidade com o disposto nos artigos 4.º e 10.º, n.º 2, ambos do RJAT e nos artigos 1.º a 3.º da Portaria de Vinculação.

 

16. Para efeitos de saneamento do processo cumpre apreciar as exceções de (i) incompetência do Tribunal Arbitral, (ii) ineptidão do pedido de pronúncia arbitral e (iii) ilegitimidade das Requerentes, o que será feito por esta ordem a título prévio no âmbito da análise do mérito da causa, logo após a fixação da matéria de facto provada e não provada.

 

  1. MATÉRIA DE FACTO

 

§1 – Factos provados

 

17. Analisada a prova produzida nos presentes autos, com relevo para a decisão da causa consideram-se provados os seguintes factos:

 

17.1. As Requerentes são sociedades de direito português, com sede e direção efetiva em Portugal, integrando o grupo H... que assegura o transporte e distribuição da energia elétrica em território nacional;

 

17.2. Entre 1 de Março de 2019 e 31 de Dezembro de 2022:

 

a) A A... SGPS adquiriu 57.885,07 litros de gasóleo rodoviário e 29.432,24 de gasolina, tendo o valor tributável da operação para efeitos de IVA, nos termos da alínea a) do n.º 5 do artigo 16.º, incluído € 8.985,85 de CSR.

 

b) A B... adquiriu 1.408.775,21 litros de gasóleo rodoviário e 196.868,12 litros de gasolina, tendo o valor tributável da operação para efeitos de IVA, nos termos da alínea a) do n.º 5 do artigo 16.º, incluído € 173.501,57 de CSR.

 

c) A C... adquiriu 523.076,49 litros de gasóleo rodoviário e 48.023,51 litros de gasolina, tendo o valor tributável da operação para efeitos de IVA, nos termos da alínea a) do n.º 5 do artigo 16.º, incluído € 62.239,54 de CSR.

 

d) A D... adquiriu 20.159,16 litros de gasóleo rodoviário e 2.663,78 litros de gasolina, tendo, nessa medida, tendo o valor tributável da operação para efeitos de IVA, nos termos da alínea a) do n.º 5 do artigo 16.º, € 2.469,42 de CSR.

 

e) A E... adquiriu 32.859,40 litros de gasóleo rodoviário e 6.729,38 litros de gasolina, tendo, tendo o valor tributável da operação para efeitos de IVA, nos termos da alínea a) do n.º 5 do artigo 16.º, incluído € 4.232,85 de CSR.

 

f) Finalmente, a F... adquiriu 122.777,62 litros de gasóleo rodoviário e 47.726,97 litros de gasolina tendo o valor tributável da operação para efeitos de IVA, nos termos da alínea a) do n.º 5 do artigo 16.º, incluído € 17.780,56 de CSR.

 

g) Em 30 de Março de 2023, as Requerentes deduziram junto da Direção de Finanças do Jardim do Tabaco um pedido de promoção de revisão oficiosa com vista à anulação das liquidações de CSR e dos consequentes atos de repercussão alegadamente consubstanciados nas faturas que lhe foram emitidas pela referida fornecedora de combustíveis.

 

18. Sobre o referido pedido de promoção de revisão oficiosa não foi, até à presente data, proferida qualquer decisão notificada às Requerentes.

 

§2 – Factos não provados

 

19. Analisada a prova produzida nos presentes autos, com relevo para a decisão da causa, não se consideram provados os seguintes factos:

 

19.1. A G... pagou pela introdução no consumo do combustível referente às faturas emitidas às Requerentes a quantia global de € 269.209,79, incorporando o ISP liquidado pela alfândega do Porto.

 

19.2. As Requerentes são consumidoras finais da totalidade dos combustíveis rodoviários adquiridos à G..., por os terem adquirido fora do âmbito de qualquer atividade económica.

 

§3 – Fundamentação da fixação da matéria de facto

 

20. O Tribunal Arbitral tem o dever de selecionar os factos pertinentes para a decisão da causa, com base na sua relevância jurídica e tendo em consideração as várias soluções plausíveis das questões de Direito suscitadas pelas partes, bem como o dever de discriminar os factos provados e não provados. Porém, o Tribunal Arbitral não tem um dever de pronúncia quanto a toda a matéria de facto alegada pelas partes, em conformidade com o disposto no artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e nos artigos 596.º, n.º 1 do CPC e 607.º, n.º 3, ambos do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT.

 

21. O Tribunal formou a sua íntima e prudente convicção quanto aos factos provados e não provados através do exame de todos os elementos probatórios carreados aos autos, que foram apreciados e avaliados com base no princípio da livre apreciação dos factos e nas regras da experiência, normalidade e racionalidade, em conformidade com os ditames fixados nos artigos 16.º, alínea e) do RJAT e 607.º, n.ºs 4 e 5 do CPC aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.

 

22. Relativamente ao facto dado como não provado em 19.1. supra, considerou este Tribunal Arbitral que as declarações juntas pela G..., desacompanhadas das DIC globalizadas, sem a individualização dos atos de liquidação e dos respetivos comprovativos de pagamento não permitiam certificar a efetiva liquidação e pagamento da CSR pela introdução no consumo das quantidades de gasóleo rodoviário referidas nos pontos a) a f) de 16.2 da matéria de facto dado como provada.

 

23. Com efeito, as Requerentes não identificaram pelo número e data os atos de liquidação que pretendem impugnar, nem demonstraram a introdução no consumo dos bens na alfândega do Jardim do Tabaco.

 

24. Também não é exigível à AT que proceda à identificação desses atos, com o argumento de a respetiva documentação estar em poder dela: esse ónus de identificação é do contribuinte, nos termos do artigo 74.º, n.º 2 da LGT e as Requerentes não demonstraram qualquer impossibilidade de obterem esses elementos junto das fornecedoras nos termos das relações negociais que com esta mantém, apesar de, no pedido de pronúncia arbitral, afirmarem perentoriamente que as quantidades adquiridas foram introduzidas no consumo pela G... na alfândega do Jardim do Tabaco.

 

25. Quanto ao facto dado como não provado em 19.2. supra impõe-se desde logo registar que a prova da repercussão pressupõe inevitavelmente como ponto de partida a demonstração de que a CSR foi inicialmente liquidada e paga pelo sujeito passivo daquele tributo aquando da introdução no consumo dos produtos a ele sujeitos – o que, conforme se viu, não foi demonstrado pelas Requerentes.

 

26. As Requerentes não cumpriram finalmente o critério a observar na prova da repercussão da CSR, tal qual fixado pelo TJUE no despacho Vapo Atlantic, proferido em 7 de Fevereiro de 2022, no processo n.º C‑460/21. Ao que aqui importa, referiu aquele Tribunal o seguinte:

 

“(…) ainda que, na legislação nacional, os impostos indiretos tenham sido concebidos de modo a serem repercutidos no consumidor final e que, habitualmente, no comércio, esses impostos indiretos sejam parcial ou totalmente repercutidos, não se pode afirmar de uma maneira geral que, em todos os casos, o imposto é efetivamente repercutido. A repercussão efetiva, parcial ou total, depende de vários fatores próprios de cada transação comercial e que a diferenciam de outras situações, noutros contextos. Consequentemente, a questão da repercussão ou da não repercussão em cada caso de um imposto indireto constitui uma questão de facto que é da competência do órgão jurisdicional nacional, cabendo a este último apreciar livremente os elementos de prova que lhe tenham sido submetidos (v., neste sentido, Acórdãos de 25 de fevereiro de 1988, Les Fils de Jules Bianco e Girard, 331/85, 376/85 e 378/85, EU:C:1988:97, n.º 17, e de 2 de outubro de 2003, Weber’s Wine World e o., C-147/01, EU:C:2003:533, n.º 96).

 

45 Não se pode no entanto admitir que, no caso dos impostos indiretos, exista uma presunção segundo a qual a repercussão teve lugar e que cabe ao contribuinte provar negativamente o contrário. Sucede o mesmo quando o contribuinte tenha sido obrigado, pela legislação nacional aplicável, a incorporar o imposto no preço de custo do produto em causa. Com efeito, essa obrigação legal não permite presumir que a totalidade do imposto tenha sido repercutida, mesmo no caso de a violação de essa obrigação conduzir a uma sanção (Acórdão de 14 de janeiro de 1997, Comateb e o., C-192/95 a C-218/95, EU:C:1997:12, n.ºs 25 e 26).

 

46 O direito da União exclui assim que se aplique toda e qualquer presunção ou regra em matéria de prova destinada a fazer recair sobre o operador em causa o ónus de provar que os impostos indevidamente pagos não foram repercutidos noutras pessoas e que visem impedir a apresentação de elementos de prova destinados a contestar uma pretensa repercussão (…)”.

 

27. Ora, este exercício de prova não foi realizado pelas Requerentes, que se limitaram a estabelecer meros juízos presuntivos de que suportaram a CSR em virtude de uma suposta – embora inexistente – obrigação legal de repercussão do encargo daquele tributo.

 

28. Acresce que mesmo que as Requerentes tivessem demonstrado a liquidação e repercussão da CSR, sempre inexistiriam elementos nos autos que permitissem certificar que o encargo da CSR se cristalizou na sua esfera jurídica, isto é, que foram as Requerentes as entidades que em última instância foram oneradas com o tributo em causa, por não ter incorporado o seu custo no preço do serviços prestados aos seus clientes que podem situar‑se no circuito ou cadeia económico-comercial como os verdadeiros consumidores finais. Foi por isso que se deu como não provado o facto constante referido a 18.2.

 

29. Na verdade, uma parte do universo das empresas do grupo H..., em que as Requerentes se incluem, dedica-se à sua distribuição e venda, não os consumindo diretamente.

 

30. Por fim, regista-se que não se deram como provadas nem não provadas alegações feitas pelas partes, que, apesar de serem apresentadas como factos, consistem em juízos conclusivos, insuscetíveis de prova e cuja veracidade se terá de aferir em relação à concreta matéria de facto acima consolidada.

 

 

  1. MATÉRIA DE DIREITO

 

IV.1. Questões prévias – saneamento

 

§1 – Incompetência do Tribunal Arbitral

 

31. Quanto à competência deste Tribunal Arbitral, impõe-se em primeiro lugar aferir se, em termos gerais, o pedido formulado pelas Requerentes é arbitrável, isto é, se a apreciação de pretensões referentes à CSR se encontra ou não inserida no âmbito de competência material da arbitragem tributária.

 

32. Ao que aqui importa, a competência dos Tribunais Arbitrais é delimitada no RJAT nos seguintes termos:

Artigo 2.º

Competência dos tribunais arbitrais e direito aplicável

1 - A competência dos tribunais arbitrais compreende a apreciação das seguintes pretensões:

a) A declaração de ilegalidade de atos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta;

b) A declaração de ilegalidade de atos de fixação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de actos de determinação da matéria coletável e de atos de fixação de valores patrimoniais”.

 

33. Âmbito material este que é por sua vez circunscrito na Portaria de Vinculação, da seguinte forma:

Artigo 2.º

Objeto da vinculação

Os serviços e organismos referidos no artigo anterior vinculam-se à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD que tenham por objecto a apreciação das pretensões relativas a impostos cuja administração lhes esteja cometida referidas no n.º 1 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, com excepção das seguintes:

a) Pretensões relativas à declaração de ilegalidade de atos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário;

b) Pretensões relativas a atos de determinação da matéria coletável e atos de determinação da matéria tributável, ambos por métodos indirectos, incluindo a decisão do procedimento de revisão;

c) Pretensões relativas a direitos aduaneiros sobre a importação e demais impostos indiretos que incidam sobre mercadorias sujeitas a direitos de importação; e

d) Pretensões relativas à classificação pautal, origem e valor aduaneiro das mercadorias e a contingentes pautais, ou cuja resolução dependa de análise laboratorial ou de diligências a efectuar por outro Estado membro no âmbito da cooperação administrativa em matéria aduaneira.

e) Pretensões relativas à declaração de ilegalidade da liquidação de tributos com base na disposição antiabuso referida no n.º 1 do artigo 63.º do CPPT, que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos do n.º 11 do mesmo artigo.

 

34. Apesar de a jurisprudência do CAAD não ser uniforme sobre a arbitrabilidade de atos de liquidação de contribuições, certo é que a vinculação do competência material dos Tribunais Arbitrais apenas abrange a apreciação da legalidade de atos de liquidação de impostos e não dos tributos sem essa natureza, como as taxas e demais contribuições financeiras a favor de entidades públicas. Obviamente, não interessa para tal a designação da espécie tributária em concreto, mas a sua substância: historicamente o legislador deu a designação de contribuições a espécies tributárias que a doutrina e jurisprudência maioritárias qualificam de impostos, como é o caso das contribuições da entidade patronal para a segurança social e da extinta contribuição autárquica, ambas abrangidas pela reserva constitucional na criação de impostos.

 

35. Revela-se, assim, necessário, qualificar a CSR enquanto “contribuição” ou “imposto”, para daí extrair as necessárias consequências quanto à competência material deste Tribunal Arbitral. Esta análise tem sido amplamente discutida e desenvolvida pela jurisprudência, que importa aqui considerar em cumprimento do desiderato de interpretação e aplicação uniforme do direito que emana do artigo 8.º, n.º 3 do Código Civil.

 

36. Nas decisões arbitrais proferidas nos processos n.ºs 31/2023-T, 508/2023-T e 520/2023‑T a CSR foi qualificada como uma contribuição, o que levou aqueles Tribunais Arbitrais a julgar procedente a exceção de incompetência material. No acórdão proferido em 16 de Novembro de 2023, no processo n.º 520/2023-T, referiu-se a este respeito o seguinte:

 

“(…) nem se pode aceitar, à face da presunção de que o legislador soube exprimir o seu pensamento em termos adequados (artigo 9.º, n.º 3, do Código Civil), que fosse atribuída à CSR a designação de «contribuição» se legislativamente se pretendesse que ela fosse considerada como um «imposto» e não como uma das «demais contribuições financeiras a favor das entidades públicas» a que aludem o artigo 165.º, n.º 1, alínea i) da CRP e o artigo 3.º, n.º 2, da LGT. A expressão do pensamento em termos adequados faz-se necessariamente através da expressão correcta e não uma outra que o dissimule.

Assim, em boa hermenêutica, é de concluir que o artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, quando se refere a «impostos», está a reportar-se apenas aos tributos a que legalmente é atribuída tal designação (como, por exemplo, o IVA, o IRC e o IRS) e àqueles que, embora tenham outra designação, a própria lei explicitamente considera «impostos» (como sucede com as «contribuições especiais que assentam na obtenção pelo sujeito passivo de benefícios ou aumentos de valor dos seus bens em resultado de obras públicas ou da criação ou ampliação de serviços públicos ou no especial desgaste de bens públicos ocasionados pelo exercício de uma atividade», que o n.º 3 do artigo 4.º da LGT identifica e expressamente considera «impostos»). E, paralelamente, aquele artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011 não se estará a reportar a tributos que pela lei são denominados como «taxas» ou «contribuições financeiras a favor das entidades públicas», que não se enquadrem na definição das referidas «contribuições especiais», mesmo que, após análise aprofundada das suas características pelo tribunal previamente definido como competente, se possa concluir que devem ser considerados como impostos especiais, designadamente para efeitos de aplicação das exigências constitucionais relativas a impostos.

No caso da CSR, é manifesto que não se está perante uma «contribuição especial» enquadrável no conceito definido no n.º 3 do artigo 4.º da LGT, pois não assenta «na obtenção pelo sujeito passivo de benefícios ou aumentos de valor dos seus bens em resultado de obras públicas ou da criação ou ampliação de serviços públicos ou no especial desgaste de bens públicos ocasionados pelo exercício de uma atividade», pelo que não há suporte literal mínimo para que seja considerada, na perspetiva legislativa, um dos «impostos» a que alude o artigo 2.º da Portaria n.º 112-/2011.”.

 

37. Em sentido contrário, pronunciaram-se os Tribunais Arbitrais nas decisões proferidas nos processos n.ºs 564/2020-T, 629/2021-T, 304/2022-T, 305/2020-T, 644/2022-T, 665/2022‑T, 702/2022-T, 24/2023-T, 113/2023-T, 294/2023-T, 410/2023‑T, 467/2023-T e 491/2023-T que qualificaram a CSR como imposto e, consequentemente, consideraram-na arbitrável. Por todos, cita‑se nesta sede o acórdão proferido em 24 de Outubro de 2023, no processo n.º 644/2022-T, que registou a este respeito o seguinte:

 

Afigura-se a este tribunal que a CSR, não obstante um nomen iuris que pareceria integrá-la na categoria das “contribuições financeiras a favor de entidades públicas” (art. 165º, 1, i) da CRP), preenche todos os requisitos de conteúdo pecuniário, carácter coativo, unilateralidade, definitividade, ausência de cariz sancionatório, tendo como credor o Estado ou outros entes públicos, e a afectação à realização de fins públicos – que definem um imposto.

 

Essa qualificação não se modifica pela circunstância de surgirem algumas correspetividades como a da obtenção de receitas para financiamento da utilização de vias públicas – pois as contribuições que assentam no especial desgaste de bens públicos são impostos, como estabelece o art. 4º, 3 da LGT.

 

Falta à CSR o carácter de comutatividade, bilateralidade ou sinalagmaticidade grupal ou coletiva que é necessária à contribuição financeira. O seu regime não determina, para o sujeito ativo respetivo, qualquer dever de prestar específico, qualquer contraprestação exigível pelo contribuinte, o que significa que tem o carácter unilateral de um verdadeiro imposto (quando muito, alguma “paracomutatividade”, referente à compensação de prestações de que os sujeitos passivos são presumíveis causadores ou beneficiários – mas não a correspetividade bilateral estrita de uma taxa, sem uma contrapartida aproveitada ou provocada individualmente pelo sujeito passivo, como sucede numa taxa).

 

Basta percebermos que, enquanto a CSR é estabelecida a favor da Infraestruturas de Portugal (inicialmente, Estradas de Portugal), sendo esta a entidade titular da correspondente receita, os sujeitos passivos da contribuição são as empresas comercializadoras de combustíveis rodoviários, e, portanto, não são os destinatários da atividade da Infraestruturas de Portugal. Na sua conceção, a CSR incide sobre a gasolina e o gasóleo rodoviário sujeitos ao imposto sobre os produtos petrolíferos e energéticos e dele não isentos, e é devida pelos sujeitos passivos do ISP, sendo aplicável à sua liquidação, cobrança e pagamento o disposto no Código dos Impostos Especiais de Consumo.

 

Trata-se, assim, de um imposto de receita consignada (a consignação, desacompanhada de qualquer comutatividade, não subverte a sua natureza), e esta conclusão reforça-se com a posição veiculada pelo Tribunal de Contas na Conta Geral do Estado de 2008 (…)

 

Lembremos, por fim, que a CSR nasceu, com a Lei nº 55/2007, de 31 de Agosto, como um mero desdobramento do ISP, e, sobre este último, nem o nomen iuris permite dúvidas sobre a respetiva natureza.

 

Não há, nesse ponto, qualquer paralelo entre a CSR e a CESE (Contribuição Extraordinária Sobre o Sector Energético), relativamente à qual uma decisão arbitral (Proc. n.º 714/2020-T) entendeu procedente a excepção de incompetência ratione materiae. A CESE, criada pela Lei do Orçamento do Estado para 2014, é tida como uma contribuição extraordinária cuja receita é consignada ao Fundo para a Sustentabilidade Sistémica do Sector Energético (FSSSE), criado pelo Decreto-Lei n.º 55/2014, de 9 de Abril, tendo por base, portanto, uma contraprestação de natureza grupal, na medida em que constitui um preço público a pagar pelo conjunto de pessoas singulares ou colectivas que integram o sector energético nacional, o que configura uma bilateralidade genérica ou difusa – que pura e simplesmente não encontramos na CSR.

 

38. Acompanha este Tribunal Arbitral a jurisprudência maioritária que qualifica a CSR como um imposto sobre o consumo de combustíveis e não como uma taxa ou contribuição financeira a favor da Infra-estruturas de Portugal. Tal qualificação resulta, não apenas do direito nacional, como do princípio do primado do direito comunitário, consagrado no n.º 3 do artigo 8.º da CRP e do efeito direto da norma do n.º 2 do artigo 1.º da Diretiva n.º 2007/118/CE, que pode ser invocado diretamente pelos tribunais junto dos tribunais nacionais como seria o caso da pretensão que originou o Despacho no processo n.º C-460/2021.

 

39. Para justificar que a CSR não é um imposto, as referidas Decisões Arbitrais invocam que a Lei n.º 55/2007 que destacou do CIEC a CSR, a designou como contribuição. O facto, no entanto, não é relevante.

 

40. A designação dessa prestação como imposto ou contribuição nada diz sobre a natureza jurídica da figura.

 

41. Essa jurisprudência tem um sólido suporte doutrinário:

 

Na recolha de Casalta Nabais “Estudos sobre a Tributação dos Transportes e do Petróleo”, Almedina, Coimbra, 2019, pgs. 42-43, refere-se, a propósito da CSR (e de outras figuras aí referidas), “estarmos perante tributos que, atenta a sua estrutura unilateral, se configuram como efectivos impostos, muito embora dada a titularidade activa das correspondentes relações tributárias (e o destino da sua receita), tenham clara natureza parafiscal.”. Como o A. escreve em Direito Fiscal, 11.ª ed, Almedina, Coimbra, 2021, pp. 53-54, “o critério para a distinção entre os tipos de tributos [reporta-se] exclusivamente à estrutura da relação tributária, ao tipo de relação que se estabelece entre os respetivos sujeito ativo e passivo, e não à titularidade activa dessa relação (…) É, pois, a estrutura bilateral da relação jurídica, em que assentam tanto as taxas como as contribuições financeiras, que revela a natureza comutativa destes tributos….”

 

42. Procurando identificar os critérios de distinção das taxas, das contribuições financeiras, das contribuições especiais e dos impostos, Suzana Tavares da Silva, As Taxas e a Coerência do Sistema Tributário, 2.ª ed., Coimbra Editora, Coimbra, 2013, recorre, para a delimitação dos contornos das contribuições financeiras, aos critérios desenvolvidos pelo Tribunal Constitucional Alemão: 1) incidir sobre um grupo homogéneo; 2) manter uma proximidade com a obrigação tributária e as suas finalidades; 3) corresponder a uma relação encargo/benefício capaz de demonstrar que as receitas geradas são fruídas pelos membros do grupo” (pg. 91).”

 

43. Segundo essa autora:

 

“(…) a CSR apresenta diferenças muito significativas em relação ao comum das contribuições financeiras, sejam elas contribuições para a segurança social, quotas para associações públicas, “taxas” de regulação ou as “grandes contribuições” que foram surgindo a título transitório e se vão mantendo (Contribuição sobre o Sector Bancário, Contribuição Extraordinária sobre o Sector Energético - CESE, Contribuição Extraordinária sobre a Indústria Farmacêutica, …).

 

Em primeiro lugar, nessas contribuições para a segurança social, quotas para associações públicas, “taxas de regulação” e “contribuições”, o sujeito passivo é o contribuinte (na CESE há mesmo uma proibição da sua repercussão), enquanto que na CSR um e outro são diferentes: o sujeito passivo (quem tem de entregar o imposto ao Fisco) é o introdutor dos produtos no mercado e o contribuinte (quem tem de suportar a exação fiscal) é o adquirente dos combustíveis (incluindo, como a já citada jurisprudência arbitral evidencia, adquirentes de combustíveis que nada têm a ver com a utilização das estradas a cargo da Infraestruturas de Portugal).

 

Em segundo lugar, o nexo grupal – que faria das contribuições financeiras uma espécie de taxas colectivas – não se estabelece com os sujeitos passivos da CSR, mas sim com terceiros não participantes na relação tributária. (…)

 

Em terceiro lugar, enquanto nas contribuições para a segurança social, quotas para associações públicas, “taxas de regulação” e “contribuições” é a pertença ao grupo que permite de imediato a identificação do devedor – sendo a indução de um custo ou a obtenção de um benefício presumida a partir dessa inclusão nele – na CSR não há nenhum grupo prévio a que se possa imputar o pagamento: é porque se paga a CSR que se supõe que se integra o grupo. (…)

 

Em quarto lugar, o princípio da equivalência – a que se recorre para conferir unidade de sentido às contribuições financeiras, equiparando-se o pagamento feito à repartição, tendencialmente idêntica (ou, pelo menos, com base em características dadas e estáveis), dos custos especificamente gerados pelo grupo homogéneo (ou dos benefícios auferidos pelo grupo homogéneo, como nas “taxas” das autoridades reguladoras, ou, forçando mais ou menos a nota, nas tais “grandes contribuições”) – assume na CSR uma ligação a um índice variável: o do consumo dos “grandes combustíveis rodoviários”. Com a agravante de o presumido benefício não ter uma relação direta com esse índice variável: por um lado, as vias da Rede Rodoviária Nacional (que foram concessionadas, em 2007, à EP - Estradas de Portugal, E.P.E.) não são a totalidade das estradas nacionais (além das auto-estradas concessionadas, e da rede municipal – urbana e rural –, o Plano Rodoviário Nacional prevê a transferência para as autarquias das estradas que não estejam nele incluídas). Noutras palavras: a utilidade proporcionada pela circulação nas estradas a cargo da Infraestruturas de Portugal não é segmentável da que é proporcionada pelas demais; por outro lado, uma fração crescente dos utilizadores dessa sub-parcela das vias de circulação automóvel – a rede rodoviária nacional – não fica sujeita a essa “contribuição”: o dos utilizadores dela com veículos eléctricos ou velocípedes. (…)

 

Em quinto lugar, e não obstante – como já referido – não ser bom critério determinar a natureza de um tributo a partir da sua consignação material ou orgânica, certo é que a EP - Estradas de Portugal, E.P.E. só gastava o dinheiro em estradas (e no mais necessário a poder fazê-lo, incluindo as suas despesas correntes), mas, com a fusão, em 2015, com a Rede Ferroviária Nacional - REFER E.P.E. para dar origem à Infraestruturas de Portugal, isso deixou de ser assim.”.

 

44. Segundo a jurisprudência mais recente do STA essa natureza bilateral ou comutativa está presente:

 

- Na contribuição extraordinária do sector bancário, CSB, acórdão de 5 de julho de 2023, proc, 0510/20.3BELRS e jurisprudência aí referida, cuja receita é afeta ao Fundo de Resolução, com o consequente benefício, para as instituições de crédito, da estabilidade do sistema financeiro.

 

- Na contribuição extraordinária do setor energético, CESE, acórdão de 5 de Julho de 2023, proc. 0675/229BERG, cuja função é a assegurar a sustentabilidade sistémica do setor energético.

 

- Na contribuição para o setor farmacêutico, acórdão de 10 de maio de 2023, proc. 0191/20.4BELRS, que é receita do Serviço Nacional de Saúde.

 

45. Não está seguramente essa natureza bilateral presente na CSR, por faltarem notoriamente os requisitos da homogeneidade de grupo, responsabilidade de grupo e participação comum nos benefícios.

 

46. Na mesma linha, Tribunal de Contas, a pp. 90 do seu Parecer sobre a Conta Geral do Estado de 2008, consideraria o seguinte:

 

Face ao conteúdo normativo das disposições legais aplicáveis aos vários aspetos de que se reveste a problemática da contribuição de serviço rodoviário e tendo em conta os artigos 103.º, 105.º e 106.º da Constituição, a Lei de enquadramento orçamental e a legislação fiscal aplicável, o Tribunal de Contas considera que a contribuição de serviço rodoviário tem as características de um verdadeiro imposto ou, pelo menos, que dada a sua natureza não pode deixar de ser tratada como imposto pelo que, sendo considerada como receita do Estado, não pode deixar de estar inscrita no Orçamento do Estado, única forma de o Governo obter autorização anual para a sua cobrança.”.

 

47. Prosseguindo pela análise ao primeiro pedido, avança-se desde já que a apreciação da legalidade de actos de repercussão de CSR extravasa o âmbito material da arbitragem tributária.

 

48. Os atos de repercussão materializam “um fenómeno que consiste na transferência do peso económico de um tributo para pessoa diferente do sujeito passivo e com quem este está em relação, através da sua integração no preço de um qualquer bem”, tal como evidencia Sérgio Vasques, Manual de Direito Fiscal, 2ª edição , Coimbra, 2019. pg. 399.

 

49. Fenómeno este que não se subsume a nenhuma das realidades visadas pelo artigo 2.º do RJAT anteriormente transcrito, que determina que os Tribunais Arbitrais são competentes para apreciar a legalidade de actos de liquidação (alínea a) do n.º 1) e de atos de fixação da matéria tributável/matéria coletável/valores patrimoniais na eventualidade de não terem originado qualquer ato de liquidação (alínea b) do n.º 1).

 

50. Com efeito, independentemente da posição que se adote sobre a natureza jurídica dos atos de repercussão – i.e., saber se são atos que integram uma relação jurídico‑tributária complexa ou se são um fenómeno económico de natureza estritamente privada – certo é que aqueles não são atos tributários em sentido lato, porque não envolvem o apuramento da matéria coletável/tributável através da aplicação de uma norma tributária substantiva a um caso concreto e muito menos atos tributários de liquidação stricto sensu, que tornam certa, líquida e exigível a obrigação tributária através da operação aritmética de aplicação da taxa legal à matéria tributável previamente determinada (neste sentido vide Serena Cabrita Neto e Carla Castelo Trindade, Contencioso Tributário, vol. I, Almedina, 2017, p. 278).

 

51. Este é, de resto, o entendimento que tem sido uniformemente defendido pela jurisprudência que se pronunciou sobre o tema, concretamente pelos Tribunais Arbitrais constituídos nos processos n.º 296/2023-T, 375/2023-T, 332/2023-T, 408/2023-T e 467/2023-T. Por todos, reproduz-se nesta sede em reforço das considerações já realizadas, o excerto das conclusões a que chegou o Tribunal Arbitral no acórdão proferido em 1 de Fevereiro de 2024, no processo n.º 296/2023-T:

 

III.6. A possibilidade de os tribunais arbitrais sindicarem atos de repercussão

Como os Coletivos que decidiram os processos n.os 408/2023-T e 375/2023-T, o presente Tribunal arbitral entende que não tem competências para apreciar diretamente – e sem mais – actos de repercussão. Ainda que se possam integrar numa relação tributária complexa, tais atos ocorrem a jusante dos atos de liquidação e a competência que o legislador atribuiu aos tribunais arbitrais esgota-se – no que ao caso importa – na sindicância dos atos de liquidação. Isso decorre diretamente das normas legais, mas corresponde também ao ensinamento da doutrina: Alberto Xavier, distinguindo a substituição tributária da repercussão, escrevia que nesta temos “um devedor de imposto, que é do mesmo passo contribuinte, e um terceiro que não desempenha qualquer papel na obrigação tributária.”

 

Para Leite de Campos/Benjamim Rodrigues/Lopes de Sousa, entre o terceiro repercutido “e o sujeito ativo não existe vínculo jurídico, no sentido de que o repercutido não é devedor do sujeito ativo. A sua obrigação não nasce da realização do facto tributário, mas sim da realização de um facto ao qual a lei liga o direito de o sujeito passivo de repercutir e a correlativa obrigação do repercutido de reembolsar o sujeito passivo quando este exerça o seu direito. Daqui decorre, nomeadamente, que as relações entre o sujeito passivo e o repercutido inadimplente se regem pelo Direito privado.”

 

52. Da apreciação da legalidade da repercussão, em que repercutente e repercutido discutem a legalidade da transferência do encargo económico do primeiro para o segundo, seja por esta ser proibida por lei ou contrária às relações contratuais de direito privado estabelecidas entre repercutente e repercutido, distingue-se a legalidade da liquidação do imposto ao repercutido, que ao Tribunal Arbitral é lícito conhecer, desde que verificados os pressupostos da alínea a), do n.º 4 do artigo 18.º da LGT: legitimidade das partes e interesse em agir.

 

53. Em face do exposto, declara-se o presente Tribunal Arbitral incompetente, em razão da matéria, para conhecer o pedido de apreciação da legalidade de actos de repercussão de CSR, impondo-se a absolvição parcial da Requerida da instância quanto a este concreto pedido, em conformidade com o disposto nos artigos 278.º, n.º 1, alínea a), 576.º, n.ºs 1 e 2 e 577.º, alínea a) todos do CPC aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.

 

54. Em sentido oposto, e sem necessidade de mais valorações, reconhece-se o presente Tribunal Arbitral competente para apreciar o segundo pedido formulado pelas Requerentes, de declaração de ilegalidade das liquidações de CSR dirigidas à G... enquanto sociedade fornecedora de combustíveis, porque subsumível ao âmbito material previsto no artigo 2.º, n.º 1, alínea a) do RJAT. Saber se tal impugnação pode ser feita pelas Requerentes, na qualidade de (alegadas) repercutidas, ou apenas às fornecedoras de combustíveis, enquanto sujeitos passivos primários a quem foi (alegadamente) liquidada e por quem foi (alegadamente) paga a CSR, é uma questão que não releva para efeitos de determinação de competência mas tão só para efeitos de apuramento de legitimidade, pelo que será nessa sede apreciada.

 

§2 – Ineptidão da petição inicial

 

55. O artigo 268, n.º 4 da CRP garante aos administrados tutela jurisdicional efetiva dos seus direitos ou interesses legalmente protegidos, incluindo, nomeadamente, o reconhecimento desses direitos ou interesses, a impugnação de quaisquer atos administrativos que os lesem, independentemente da sua forma, a determinação da prática de atos administrativos legalmente devidos e a adoção de medidas cautelares adequadas.

 

56. Essa tutela jurisdicional efetiva é garantida não apenas por meios demolitórios do ato impugnado mas pela consagração de meios de plena jurisdição como a ação para o reconhecimento de um direito ou intimação para um comportamento (artigos 145.º e 147.º do CPPT, que não têm necessariamente natureza subsidiária da impugnação judicial, bastando tais meios serem adequados à tutela de um direito ou interesse legalmente protegido, cfr. acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 24 de Fevereiro de 2022, proc. 27/20.9BEA LM).

 

57. A garantia constitucional da tutela jurisdicional plena e efetiva impõe certamente a consagração dos meios de plena jurisdição adequados à tutela do direito ou interesse legalmente protegido, mas não tem de ser assegurada por cada um dos meios processuais legalmente admitidos, desde que estes sejam completados por meios de plena jurisdição adequados, como é o caso, em princípio, do direito nacional.

 

58. Assim, no domínio dos meios processuais impugnatórios, como a impugnação judicial e o pedido de pronúncia arbitral, o contencioso tributário continua a ser de mera legalidade, de tipo, natureza ou matriz “objetivista”, que tem no acto tributário, maxime de liquidação, o seu elemento central (neste sentido vide Joaquim Freitas da Rocha, Lições de Procedimento e Processo Tributário, 5.ª ed., Coimbra Editora, 2014, pp. 292-293).

 

59. A impugnação judicial e o pedido de pronúncia arbitral não visam uma regulação integral da relação jurídico-tributária em que se fundamenta a ação, mas apenas a reparação integral da situação tributária afetada pelo ato lesivo.

 

60. Consequentemente, aqueles meios processuais dependem necessariamente da imputação de vícios a um determinado ato tributário previamente praticado e devidamente identificado que consiste no objeto do processo, cuja anulação se pretende.

 

61. É ao interessado que compete, ao contrário do que sucederia se esses meios fossem de plena jurisdição, invocar e provar tais vícios.

 

62. Neste mesmo sentido, referiu-se no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (“STA”) de 16 de Dezembro de 2020, proc. n.º 0545/13.2BEVIS, que “o contencioso tributário é de mera apreciação da legalidade, consistindo na formulação de um pedido jurisdicional tendo em vista a anulação de um ato jurídico (tributário – liquidação) da administração, ou seja é um contencioso de anulação, e não de substituição”.

 

63. Ao contrário do que a Requerida pretende, não é incompatível com a natureza impugnatória do meio processual utilizado, a possibilidade de o impugnante invocar a constitucionalidade ou ilegalidade da norma em que se baseou o ato impugnado, como acontece quando é invocado o efeito direto de uma diretiva comunitária, que seria reservada aos meios de plena jurisdição.

 

64. Dada a primazia que assume o ato tributário, torna-se particularmente relevante o cumprimento pelos particulares dos requisitos da petição inicial e do pedido arbitral no que respeita à identificação dos atos de liquidação. Assim, determina-se no CPPT o seguinte:

 

Artigo 108.º

Requisitos da petição inicial

1 - A impugnação será formulada em petição articulada, dirigida ao juiz do tribunal competente, em que se identifiquem o ato impugnado e a entidade que o praticou e se exponham os factos e as razões de direito que fundamentam o pedido.”.

 

65. Já no RJAT estabelece-se, ao que importa, o seguinte:

 

 

Artigo 10.º

Pedido de constituição de tribunal arbitral

(…) 2 – O pedido de constituição de tribunal arbitral é feito mediante requerimento enviado por via eletrónica ao presidente do Centro de Arbitragem Administrativa do qual deve constar:

(…) b) A identificação do ato ou atos tributários objecto do pedido de pronúncia arbitral;”. (destaque nosso)

 

66. Compreende-se que em concretização do princípio do dispositivo a lei faça recair o ónus de identificação dos actos de liquidação sobre quem exerce o impulso processual de os impugnar. Se assim não fosse, isto é, se quem tomasse a iniciativa de contestar a legalidade de um ato de liquidação não tivesse o dever de o identificar e caracterizar, bem como de invocar os elementos essenciais que conformam o pedido e a causa de pedir, poderia verificar-se o prosseguimento de uma ação com um objeto processual inexistente ou, pelo menos, não devidamente delimitado.

 

67. Tal hipótese não pode, naturalmente, ser admitida. Por um lado, porque é em função do objeto processual que o Tribunal afere o cumprimento dos pressupostos que lhe permitem apreciar o mérito, designadamente a competência material, a legitimidade das partes, a tempestividade do pedido e a competência em razão do valor. Por outro lado, porque sem objeto o processo será inútil, já que no limite a ação poderá prosseguir sem que o Tribunal consiga aferir perante o concreto acto de liquidação contestado a verificação dos vícios invocados pelo impugnante. Isto sem contar que a final a decisão não terá efeito útil prático, já que o Tribunal não poderá declarar a ilegalidade e consequente anulação de um ato que desconhece, nem o seu conhecimento pode ser relegado para a execução do julgado, que é um meio processual acessório e não de correção de uma sentença nula.

 

68. Vejam-se a este respeito as seguintes conclusões a que chegou o STA no acórdão de 07 de Fevereiro de 2018, proc. n.º 01400/17:

 

A única questão a decidir consiste em saber se está correta a decisão ora sindicada que se decidiu pelo indeferimento liminar da petição de impugnação com fundamento no facto de a petição inicial ser inepta, por falta de objeto e, ainda, por ininteligibilidade do pedido, determinante da sua nulidade, a qual entendeu ser do conhecimento oficioso do tribunal, de harmonia com o disposto nos artigos 98.º do CPPT, 195.º n.º 1 e 186.º, n.º 2, alínea a), estes últimos do CPC, aplicável por remissão do artigo 2.º, alínea e), do CPPT.

 

Importa saber se foram cometidos erros de julgamento de direito, e se terá sido violado o princípio da cooperação, consagrado no artigo 7º, n.º 1, do CPC, e, bem assim, o direito de acesso à justiça e aos tribunais, proclamado no artigo 20.º, n.º 1, da CRP.

(…)

Dispõe o artigo 108º do CPPT o seguinte:

 

“2 – Na petição indicar-se-á o valor do processo ou a forma como se pretende a sua determinação a efectuar pelos serviços competentes da administração tributária.

3 – Com a petição, elaborada em triplicado, sendo uma cópia para arquivo e outra para o representante da Fazenda Pública, o impugnante oferecerá os documentos de que dispuser, arrolará testemunhas e requererá as demais provas que não dependam de ocorrências supervenientes”.

 

A impugnante não identificou o acto impugnado e, não incumbia ao tribunal a quo substituir-se à Impugnante na identificação e junção do ato impugnado.

 

Ocorre total ausência de indicação do ato de liquidação passível de ser impugnado, no âmbito da presente impugnação judicial e daí decorre a falta de objeto da impugnação e a ininteligibilidade do pedido apresentado na petição inicial. A ora recorrente concede, aliás que a sua petição inicial era imprecisa (vide supra conclusão e)), mas nada fez, nem quando notificada para a tornar precisa, desde logo neste elemento essencial – indicação do acto lesivo para si ou seja o ato impugnado que constituiria o objeto da ação que dirigiu ao tribunal.

 

É exato que atenta a falta de objeto da impugnação e, bem assim, a ininteligibilidade do pedido formulado na petição inicial, o tribunal “a quo” nunca poderia emitir primeiro uma decisão sobre a tempestividade da impugnação, que obedece aos prazos previstos no artº 102º do CPPT e depois, caso se verificasse a tempestividade da mesma, uma decisão de mérito, por não ter sido materializado o ataque a um qualquer ato de liquidação de um tributo com indicação de causa(s) de pedir inteligíveis.

 

Esta é uma situação bem distinta de outros casos apreciados por este STA onde se expressou que o indeferimento liminar só terá lugar quando for de todo em todo impossível o aproveitamento da petição inicial, isto tendo em atenção que o princípio da pronúncia sobre o mérito se sobrepõe a questões formais que não interfiram e ponham em causa o mesmo.

 

Mas no presente caso nem sequer estamos imediatamente numa situação de evidência da improcedência da pretensão do autor. Estamos ainda a montante, na omissão de identificação do próprio acto impugnado e daí que o seguimento do processo não tenha razão alguma de ser, sendo que a concretizar-se redundaria em manifesto desperdício de actividade judicial. Nestas circunstâncias não se contraria o sentido decisório dos Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 21.05.2014, recurso 69/14, de 6.03.2014, recurso 509/13, de 26.09.2012, recurso 377/12, de 16.05.2012, recurso 212/12, de 12.01.2011, recurso 766/10 e de 24.02.2011, recurso 765/10, todos in www.dgsi.pt.

 

No caso apreço, consideramos que o entendimento veiculado na decisão recorrida justifica o despacho de indeferimento liminar por impossibilidade da lide sendo correta a fundamentação, supra destacada, em que se sustenta a decisão e que também para aqui se aporta.

 

Permitimo-nos ainda destacar aqui a asserção do Sr. Procurador Geral Adjunto neste STA inserta no seu parecer, consistente em que:

 

“(…) da simples leitura da fundamentação do despacho de indeferimento liminar, emerge que não foi proferida uma decisão atentatória dos princípios da tutela jurisdicional efetiva e da promoção do acesso à justiça ou pro actione, consagrados no artigo 20.º da CRP.

 

A não ser assim, inexistiriam decisões de natureza meramente formal, o que, por absurdo, levaria ao prosseguimento de ações, à partida, sem a mínima viabilidade, desperdiçando os meios materiais e humanos disponíveis e os dinheiros públicos, já de si escassos e, ademais, ocupando artificialmente os tribunais, já tão assoberbados, com questões de antemão condenadas ao insucesso”.

 

Acresce referir que atenta a falta de indicação e de junção do ato impugnado, que, necessariamente, o deveria instruir, por parte da Impugnante, não se impunha à Meritíssima Juíza do TAF de Sintra que interviesse de novo, no processo antes de proferir o despacho ora sindicado pois que o convite foi feito logo com a cominação do que sucederia caso não fosse satisfeito o convite formulado. Em consequência, não houve qualquer decisão surpresa para a ora recorrente e também não ocorreu violação do princípio da cooperação.

 

Finalmente cremos que o Mº Juiz não violou qualquer dever de «gestão processual», princípio que permite ao juiz dirigir ativamente o processo, tomando as providências necessárias ao seu andamento célere e legal, o que inclui a adoção dos atos indispensáveis à regularização da instância.

 

É que, perante petição inicial, ostensivamente deficiente de elementos exigidos por lei, tomou a iniciativa própria e adequada traduzida na notificação/convite para identificação/junção aos autos do ato impugnado lesivo dos direitos da impugnante. Saíram goradas as suas diligências, por manifesta falta de colaboração da própria impugnante que erradamente entendeu que podia transferir para o Tribunal a obrigação de juntar aos autos um documento que não identificou, e não alegou que estivesse em poder da parte contrária, atinente ao ato impugnado também não identificado, sendo que a existir a sua junção estava no âmbito do princípio do dispositivo que à parte assiste não sendo caso para aplicação do disposto no artº 429º do novo CPC.

 

Nestas circunstâncias muito bem andou a Meritíssima Juiz de Direito do TAF de Sintra, ao decidir indeferir liminarmente a presente petição de impugnação judicial.”.

 

69. Num sentido próximo, vejam-se as considerações do Tribunal Arbitral no acórdão proferido em 28 de Setembro de 2021, proc. n.º 693/2020-T:

 

Analisado o pedido Arbitral na globalidade, verifica-se, em primeiro lugar, que a Requerente se limita, no pedido final, e de forma abstracta, a dizer que deve ser decretada “a anulação do ato tributário impugnado com todas as consequências legais”, ficando o intérprete sem saber muito bem qual seja esse acto tributário, porquanto o mesmo não é identificado de forma clara, nem ao longo do articulado nem a afinal.

(…)

O RJAT não contém regime próprio em matéria de exceções e nulidades processuais, aplicando-se, nesta matéria, a título subsidiário, o disposto no CPPT, no CPTA e no CPC, como decorre do previsto no art. 29.º, n.º 1, a), c) e e) do RJAT.

 

De acordo com o estabelecido no art. 186.º, n.º 2, do CPC, há lugar a ineptidão da petição inicial quando falte ou seja ininteligível a indicação do pedido ou da causa de pedir; quando o pedido esteja em contradição com a causa de pedir e quando se cumulem causas de pedir ou pedidos substancialmente incompatíveis.

 

Na presente instância, a imprecisão quanto à identificação do pedido e a omissão dos factos correspondentes à identificação e caracterização dos atos tributários em causa, representam factualidade essencial, por isso integrante da causa de pedir. Trata-se, além do mais, de conteúdo que, pela sua essencialidade, deve, nos termos do estabelecido no art. 10.º, n.º 2, b), do RJAT, constar necessariamente do pedido de pronúncia arbitral.

 

Com efeito, o pedido é um elemento da petição inicial que, para além de ser importante para o réu (de modo a devidamente poder conformar a sua defesa), assume carácter essencial para o tribunal, na medida em que é com base no pedido que o tribunal aquilata o tipo de actividade jurisdicional que lhe é solicitada e define as balizas e objecto de conhecimento do mérito que lhe são permitidos e devidos. Conclusões que, no presente caso, em face do teor da petição inicial, e, em particular, da ausência, nela, da formulação de pedido, o tribunal não consegue apurar, não se reunindo, pois, as condições mínimas para que este possa conhecer do mérito.

 

Verifica-se, portanto, um dos tipos de deficiências “de carácter substancial, que irremediavelmente” comprometem “a finalidade da petição inicial” (ANTUNES VARELA, SAMPAIO e NORA e Miguel BEZERRA, Manual de Processo Civil, 1985, Coimbra Editora, p. 244), constituindo causa de ineptidão da petição inicial. Esta consubstancia, por seu turno, irregularidade geradora da nulidade de todo o processo (cfr. art. 186.º, n.º 1 do CPC), cuja previsão legal, enquanto exceção dilatória, consta do art. 89.º, n.º 4, b) do CPTA. Representa, por outro lado, nulidade insanável, como decorre do estipulado no art. 98.º, n.º 1, a), do CPPT, determinando, consequentemente, a absolvição da Requerida da instância (cfr. art. 576.º, n.º 2 do CPC).” (destaque nosso)

 

70. Retomando ao presente processo, constata-se que as Requerentes peticionam a final a declaração de ilegalidade de atos de liquidação de CSR praticados pela AT, porém, não identificam quais os específicos e concretos atos em causa nem juntam aos autos qualquer prova, rectius documental, onde tal identificação seja feita.

 

71. Dos elementos probatórios produzidos pelas Requerentes apenas constam faturas que titulam aquisições de gasolina e gasóleo rodoviário, bem como uma declaração da  G..., onde esta afirma que, enquanto sujeito passivo de CSR, repercutiu a totalidade do encargo do imposto nas Requerentes.

 

72. Por muito que as faturas e as declarações das fornecedoras de combustíveis titulassem atos de repercussão de CSR – o que não ficou provado –, certo é que aquelas não são atos de liquidação, o que significa que as Requerentes não cumpriram o ónus legal que lhes é imposto pelo artigo 10.º, n.º 2, alínea b) do RJAT e demais legislação aplicável.

 

73. Incumprimento este que as Requerentes não supriram, apesar de terem sido devidamente notificadas para o efeito, limitando-se a invocar a inexistência dessa obrigação.

 

74. Ora, tal como se referiu, o dever de identificação das liquidações impugnadas recai sobre as Requerentes por força do princípio do dispositivo associado ao impulso processual de impugnação (artigo 10.º, n.º 2, alínea b) do RJAT), sem contar que o incumprimento deste ónus é processualmente valorado contra as Requerentes por serem estas que têm de demonstrar os factos constitutivos dos seus direitos (artigo 74.º, n.º 1 da LGT).

 

75. Em todo o caso, e sem prejuízo de não existir fundamento para transferir para a AT a obrigação de identificação e junção aos autos das liquidações contestadas, a verdade é que inexistem elementos no processo que permitam à AT – e muito menos ao Tribunal Arbitral – estabelecer um nexo causal entre as faturas que alegadamente titulam a repercussão da CSR e as liquidações que lhe estão a montante.

 

76. Nenhum obstáculo negocial ou legal se opõe a que as Requerentes exijam dos fornecedores a prova do imposto repercutido.

 

77. Por outro lado, no caso de os fornecedores se recusarem a fornecer aos clientes a identificação dos atos tributários repercutidos, caberia às Requerentes sempre, segundo a doutrina do processo C-94/10, propor ação repetição do indevido contra a fornecedora G..., nos termos dos artigos 473.º e seguintes do CC.

 

78. Apenas haveria violação do direito a uma tutela jurisdicional plena e efetiva por essa identificação se não houvessem meios legais para as Requerentes obterem a identificação das liquidações de CSR que pretendem impugnar quando os fornecedores se recusem a fazê-lo.

 

79. Seria um absurdo, isso sim, o Tribunal Arbitral anular uma liquidação que desconhece, senão através de presunções ou indícios.

 

80. Pelo que julga este Tribunal Arbitral procedente a ineptidão da petição inicial por falta de indicação dos concretos actos de liquidação objeto de impugnação pelas Requerentes.

 

§3 – Legitimidade das partes

 

81. Ainda que se admitisse que as Requerentes suportaram por repercussão o encargo da CSR, seriam sempre parte ilegítima para deduzir impugnação ou pedido de pronúncia arbitral pelos motivos que se passam a expor.

 

82. Parte da jurisprudência arbitral tem-se pronunciado no sentido da legitimidade do repercutido para impugnar as liquidações de CSR efetuadas ao repercutente (Decisões Arbitrais n.ºs 294/2023-T, 299 /2023-T, 332/2023- T, 374/2023-T, 379/2023‑T, 409/2023-T, 410/2023-T, 467/2023-T, 490/2023-T, 491/2023-T, 496/2023‑T e 534/2023-T).

 

83. Outra parte tem-se pronunciado desfavoravelmente a essa legitimidade, abstendo‑se, por isso, de decidir sobre o mérito (Decisões Arbitrais n.ºs 24/2023-T, 75/2023-T, 113/2023-T, 523/2023-T, 375/2023-T, 477/2023-T 644/2023-T, 467/2023-T e 702/2023‑T.

 

84. O artigo 15.º do CIEC reserva, assim, a legitimidade para requerer o reembolso do ISP e, inerentemente, da CRS aos sujeitos passivos do imposto enunciados no artigo 4.º do CIEC, ou seja, os operadores que introduzem no consumo os bens sujeitos a IEC e, em virtude da remissão do n.º 1 do artigo 5.º da Lei n.º 55/2007, com exclusão, assim, dos repercutidos.

 

85. A jurisprudência arbitral que sustenta a legitimidade do repercutido para impugnar a liquidação da CSR e o consequente direito a uma decisão de mérito da causa tem‑se baseado na parte final da alínea a), do n.º 4 do artigo 18,º da LGT, que, após declarar não ser sujeito passivo quem suporta o imposto por repercussão legal, admite que aquele goza do direito de reclamação, impugnação ou recurso de acordo com as leis tributárias.

 

86. O n.º 1, do artigo 20.º da CRP garante aos cidadãos o acesso a uma justiça fiscal plena, eficaz e efetiva que garante, entre outras consequências, o direito de reclamação, impugnação ou recurso não apenas dos atos formalmente administrativos, mas de todos os atos lesivos, independentemente da forma. Esse princípio não é, no entanto, incompatível com a necessidade da racionalização dos meios processuais, indispensável à eficácia da justiça: apenas exige que a cada direito ou meio processual corresponda, pelo menos, um meio processual adequado, a exercer conforme os casos junto dos tribunais para o fazer valer em juízo.

 

87. Apenas na repercussão legal e não na repercussão voluntária cuja fonte não é a lei, mas a vontade das partes, tal direito vem legalmente garantido ao repercutido: o fato de este não ter acesso à jurisdição arbitral por os repercutidos não integrarem o universo definido no universo definido no artigo 15.º do CIEC não prejudica nesse caso o acesso aos tribunais estaduais, comuns ou arbitrais.

 

88. Assim, tal possibilidade apenas pode ser exercida desde que cumulativamente:

 

a) O repercutido tenha suportado efetivamente o imposto, o que é ao impugnante que cabe provar.

b) Quando a repercussão seja legal, no sentido de obrigatória ou resultar de um direito potestativo do repercutente da incorporação do imposto suportado no preço do bem.

 

Tenha-se em conta que, segundo a doutrina dos Acórdãos C-193/95 a C-218/95, mesmo na repercussão legal, o direito do repercutente, ainda que consagrado na lei, é renunciável, “maxime” por razões comerciais.

 

89. No direito interno, tal dever de repercussão legal, é imposto no artigo 37.º, n.º 1, do Código do IVA, ainda que com as exceções previstas no n.º 3 dessa norma legal, e no artigo 3.º do Código do imposto de Selo, mas não é imposto pelo CIEC, nem na Lei n.º 55/2007, nem se conhecem quaisquer medidas legais ou administrativas para operacionalizar tal dever.

 

90. Basta para haver repercussão legal que o sujeito passivo do IVA, que tenha procedido ao pagamento do imposto, poder exigir com fundamento na lei ao adquirente dos bens ou serviços o reembolso do imposto que tiver pago ao Estado.

 

91. O CIEC não impõe qualquer dever ou direito potestativo de repercussão aos operadores referidos no artigo 4.º, pelo que essa repercussão, pelo menos a quando dos factos sobre os quais incide o presente pedido de pronúncia arbitral, é meramente voluntária.

 

92. Tal repercussão – a ter acontecido – ocorreu, assim, dada a inexistência de qualquer dever ou faculdade jurídica de repercussão de, em geral, os fornecedores terem de refletir os custos suportados na sua atividade comercial que, por serem sociedades comerciais, visarem a obtenção do lucro (nesse sentido, ainda a Decisão Arbitral n.º 375/2023-T).

 

93. No mesmo sentido de que a repercussão nos impostos especiais de consumo é um fenómeno exterior à relação tributária, mas uma mera condição de legitimação, em virtude de a função última desses impostos ser fazer pagar o consumidor pelo custo social das suas escolhas, Sérgio Vasques e Tânia Carvalhais Pereira, Coimbra, 2016 “Os impostos especiais de consumo”, pgs. 104 e sgs.).

 

94. Também, sendo a repercussão voluntária, a AT carece de legitimidade processual passiva.

 

95. Segundo a jurisprudência consolidada do STA (Acórdão do Pleno de 4/2/2023, proc. 0506/17.2 BEALM, a propósito de outro caso de repercussão voluntária, não legal, a da taxa de ocupação do sub-solo) na impugnação judicial do ato de repercussão de um tributo intentada contra entidade pública, a legitimidade processual passiva é atribuída a quem seja imputável o ato impugnado, no caso o repercutente, não relevando tal entidade ser de direito público ou privado.

 

96. As próprias Requerentes admitiriam que o direito de reclamação ou impugnação consagrado no artigo 18.º, n.º 4, da LGT apenas abranger a repercussão legal, não defendendo que inclui a repercussão voluntária.

 

97. No entanto, sustentam o atual artigo 2.º do CIEC, na redação ao artigo 3.º da Lei n.º 24-E/2022, de 30 de Dezembro, de acordo com a qual os impostos especiais de consumo obedecem ao princípio da equivalência, procurando onerar os contribuintes na medida dos custos que estes provocam, designadamente nos domínios do ambiente e da saúde pública, sendo repercutidos nos mesmos, em concretização de uma regra geral de igualdade tributária, transformou o anterior regime de repercussão voluntária num regime de repercussão legal.

 

98. Por outro lado, o artigo 6.º dessa Lei conferiria a essa nova redação carácter interpretativo, transformado essa repercussão voluntária em repercussão legal, retrocedendo os seus efeitos à data das liquidações impugnadas.

 

99. Tal interpretação colide com a fundamentação do Despacho do proc. C-460/21 do TJUE, que, aliás, se basearia em grande parte na doutrina do proc. C-553/13, que concluiria a CSR não caber na exceção do artigo 2.º, n.º 1 , da Diretiva n.º 2007/118/CE, por o seu objetivo não ser o desincentivo da utilização dos combustíveis rodoviários, mas o financiamento de rede rodoviária nacional.

 

100. O artigo 6.º da Lei n.º 24-E/2022 é, no entanto, uma norma falsamente interpretativa, mas materialmente inovatória (sobre o caráter falsamente interpretativo de norma de tipo idêntico, o artigo 154.º da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março, que visa essencialmente contornar a proibição constitucional da retroatividade dos impostos, consagrado no artigo 104.º, n.º 3, da CRP, Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 196/2021).

 

101. Esse pretenso carácter interpretativo é igualmente prejudicado por nenhuma corrente jurisprudencial ou doutrinária relevante sustentar, antes da entrada em vigor da Lei n.º 24-E/2022, a interpretação a que o seu artigo 6.º se refere, que, aliás, poderia facilmente ser invocada contra as Requerentes, já que, de acordo coma sua lógica, à data dos atos impugnados, a CSR já seria um imposto de repercussão legal, desencorajando o consumo dos combustíveis, não visando apenas o financiamento da rede rodoviária nacional.

 

102. Na interpretação e aplicação do artigo 2.º do CIEC sempre foi entendido, antes da Lei n.º 24-E/2022, que é um imposto de repercussão voluntária, entendimento subjacente ao Despacho do proc. C-460/2021.

 

103. De acordo com a referida alínea a), do n.º 4 do artigo 18.º da LGT, em princípio, apenas o repercutido que não assuma a qualidade de sujeito passivo ou seja, o consumidor final que não adquire os bens e serviços no âmbito de uma atividade económica tem o direito de reclamar ou impugnar (artigo 9.º e alínea a) do n.º 4 do artigo 18.º da LGT em conjugação com os n.ºs 1 e 4 do artigo 9.º do CPPT, cfr. António Carlos Santos e Clotilde Celorico Palma, Código do IVA e do RITI, Anotado e Comentado, Coimbra, 2014, Notas e Comentários de 347, e sgs.).

 

104. Não foi, como ficou abundantemente provado, o caso das Requerentes.

 

105. Em face de tudo o exposto, e sem necessidade de maiores considerações, julga este Tribunal Arbitral procedente a exceção de ilegitimidade das Requerentes para deduzirem pedido de declaração da ilegalidade das liquidações de CSR emitidas à G... e que são aqui impugnadas.

 

106. Fica prejudicada, porque inútil em face do decidido, a apreciação das demais questões suscitadas no processo.

 

  1. DECISÃO

 

Termos em que o Tribunal decide:

 

  1. Julgar procedente a exceção dilatória de incompetência material do Tribunal Arbitral para apreciar a legalidade de atos de repercussão;
  2. Julgar improcedente a exceção dilatória de incompetência material do Tribunal Arbitral para apreciar atos de liquidação de CSR
  3. Julgar procedentes a exceção da ineptidão da petição inicial e de ilegitimidade das Requerentes quanto ao pedido de declaração de ilegalidade dos actos de liquidação de CSR.
  4. Em consequência, absolver a Requerida da instância.
  5. Condenar as Requerentes no pagamento das custas do processo.

 

  1. VALOR DO PROCESSO

 

Atendendo ao disposto no artigo 97.º-A do CPPT, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT, e do artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 269.209,79.

 

  1. CUSTAS

 

Nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, as custas são no valor de € 4.896.00, a suportar pelas Requerentes, conforme ao disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem.

 

Notifique-se.

 

Lisboa,  5  de junho de 2024

 

A Presidente do Tribunal Arbitral

 

 

 

(Carla Castelo Trindade)

 

 

O árbitro adjunto

 

(Fernando Miranda Ferreira)

(Revendo posição, vencido quanto à questão da incompetência por falta de vinculação,

nos termos da declaração anexa)

 

 

O árbitro adjunto e relator

 

 

 

(António Barros Lima Guerreiro)

 

 

Processo n.º 736/2023-T

 

Declaração de voto de vencido, (revendo posição anterior).

 

Voto vencido, quanto á questão de incompetência do Tribunal nos termos avançados nos, entre outros, acórdãos 31/2023-T, 372/2023-T e 520/2023-T, reproduzindo, deste último, as conclusões, fundamentantes:

… É de concluir que o artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, quando se refere a «impostos», está a reportar-se apenas aos tributos a que legalmente é atribuída tal designação (como, por exemplo, o IVA, o IRC e o IRS) e àqueles que, embora tenham outra designação, a própria lei explicitamente considera «impostos» (como sucede com as «contribuições especiais que assentam na obtenção pelo sujeito passivo de benefícios ou aumentos de valor dos seus bens em resultado de obras públicas ou da criação ou ampliação de serviços públicos ou no especial desgaste de bens públicos ocasionados pelo exercício de uma actividade», que o n.º 3 do artigo 4.º da LGT identifica e expressamente considera «impostos»). E, paralelamente, aquele artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011 não se estará a reportar a tributos que pela lei são denominados como «taxas» ou «contribuições financeiras a favor das entidades públicas», que não se enquadrem na definição das referidas «contribuições especiais», mesmo que, após análise aprofundada das suas características pelo tribunal previamente definido como competente, se possa concluir que devem ser considerados como impostos especiais, designadamente para efeitos de aplicação das exigências constitucionais relativas a impostos.

No caso da CSR, é manifesto que não se está perante uma «contribuição especial» enquadrável no conceito definido no n.º 3 do artigo 4.º da LGT, pois não assenta «na obtenção pelo sujeito passivo de benefícios ou aumentos de valor dos seus bens em resultado de obras públicas ou da criação ou ampliação de serviços públicos ou no especial desgaste de bens públicos ocasionados pelo exercício de uma actividade», pelo que não há suporte literal mínimo para que seja considerada, na perspectiva legislativa, um dos «impostos» a que alude o artigo 2.º da Portaria n.º 112-/2011.

Por outro lado, da relegação da definição do âmbito da vinculação para diploma de natureza regulamentar depreende-se que, subjacente à restrição que se pretendeu efectuar estarão também razões pragmáticas relacionadas com a criação das condições práticas para implementação do novo regime, que normalmente se reservam para diplomas de natureza executiva, como são as relativas à disponibilidade de meios humanos da Administração Tributária com formação adequada para a representarem adequadamente nos processos tributários que exijam formação mais especializada. Neste caso, pelas limitações ao âmbito da jurisdição arbitral que se fazem nas alíneas c) e d) do artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, quanto a litígios relacionados com matéria aduaneira, entrevê-se que estarão razões desse tipo subjacentes a essas restrições à arbitrabilidade de litígios.

Tendo o poder discricionário para definir o âmbito da vinculação sido atribuído aos membros do Governo indicados no artigo 4.º, n.º 1, da Portaria n.º 112-A/2011 e não aos tribunais arbitrais, não podem estes substituir-se àqueles na definição do âmbito da jurisdição arbitral. Desde logo porque os tribunais não possuem o conhecimento de todos os elementos de natureza operacional que podem ter levado os membros do Governo que emitiram a Portaria n.º 112-A/2011. E, depois, porque foi a esses membros do Governo e não aos tribunais arbitrais que a lei atribuiu o poder de definir o âmbito da vinculação.

Pelo exposto, a interpretação correcta, alicerçada no teor literal deste artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011 e nas regras interpretativas que constam do n.º 3 do artigo 9.º do Código Civil, mas tendo também em conta as «circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada» (artigo 9.º, n.º 1, do Código Civil), é a de que se pretendeu restringir a vinculação da Autoridade Tributária e Aduaneira aos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD a litígios em que estejam em causa tributos legislativamente classificados como impostos ou explicitamente como tal considerados (como sucede com as «contribuições especiais» referidas no n.º 3 do artigo 4.º da LGT), com as excepções arroladas naquela norma.

Assim, é de concluir que não é abrangida pela vinculação da Autoridade Tributária e Aduaneira, a apreciação de litígios que tenham por objecto a apreciação das pretensões relativas à CSR.

Pelo que se refere no acórdão arbitral proferido no processo n.º 146/2019-T, a falta de vinculação não implica incompetência absoluta, em razão da matéria, a que alude o artigo 16.º do CPPT, aplicável aos processos arbitrais tributários por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea c), do RJAT, pois a competência para apreciação da generalidade de actos de liquidação de tributos se insere nas competências dos tribunais arbitrais definidas no artigo 2.º do RJAT.

Mas, está-se perante incompetência relativa por falta do acordo necessário para a constituição de tribunal arbitral, a que se reporta o artigo 18.º da Lei de Arbitragem Voluntária [Lei n.º 63/2011, de 14 de Dezembro, aplicável aos processos arbitrais tributários por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea c), do RJAT e artigo 181.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, acordo esse que, relativamente à arbitragem tributária, é genericamente exigido e definido no que concerne à Autoridade Tributária e Aduaneira através da vinculação, prevista no artigo 4.º do RJAT.

Assim, deveria concluir-se pela procedência da excepção de incompetência, suscitada, já que a pretensão da Requerente versa sobre um tributo não incluído na vinculação da Autoridade Tributária e Aduaneira aos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, ficando, obrigatoriamente, prejudicado o conhecimento das restantes questões suscitadas no processo.

 

Lisboa,  5  de junho de 2024

 

 

 

 

 

 

 

 

O árbitro

 

(Fernando Miranda Ferreira)