SUMÁRIO:
1. A isenção de IMT, nos termos do artigo 270.º, n.º 2, do CIRE, verifica-se pelo mero facto da aquisição do imóvel no âmbito de um plano de insolvência, de pagamento ou de recuperação ou praticado no âmbito da liquidação da massa insolvente.
2. Aquela isenção, constituindo um benefício fiscal automático, verifica-se no momento dessa aquisição e sem dependência de reconhecimento da AT ou de declaração do particular.
3. Não obstante a Requerente ter inicialmente solicitado e obtido isenção de IMT ao abrigo do artigo 8.º, n.º 1, do Código do IMT, a isenção nos termos do artigo 270.º, n.º 2, do CIRE manteve-se, não tendo caducado e não podendo ser objecto de renúncia pelo beneficiário - artigo 14.º, n.º 8, do EBF.
4. Na ausência de comunicação à AT do benefício da isenção de IMT, nos termos do artigo 270.º, n.º 2, do CIRE, o erro que funda a anulação da liquidação impugnada não é imputável aos serviços da Requerida, para efeitos de condenação em juros indemnizatórios.
DECISÃO ARBITRAL
Martins Alfaro, árbitro designado pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formar o presente Tribunal Arbitral Singular, constituído em 03-10-2023, profere a seguinte Decisão Arbitral:
A - RELATÓRIO
A.1 - Requerente da constituição de tribunal arbitral, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, ambos do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAMT): A..., S.A., com o NIF ... e sede social na ..., ..., ..., Lisboa.
A.2 - Requerida: Autoridade Tributária e Aduaneira.
A.3 - Objecto do pedido de pronúncia arbitral:
O acto de liquidação de IMT n.º ..., no valor de € 21.307,08.
A.4 - Pedido: A Requerente formulou os seguintes pedidos:
Ser o Pedido de Pronúncia Arbitral julgado procedente por provado, sendo, consequentemente, anulado o acto de liquidação de IMT n.º ..., no valor de € 21.307,08 e a condenação da Requerida na restituição do imposto indevidamente pago, acrescido do pagamento de juros indemnizatórios à taxa legal.
A.5 - Fundamentação do pedido:
A Requerente procedeu à emissão da liquidação adicional de IMT n.º ..., no dia 24 de Janeiro de 2019, a qual constitui o objecto do presente Pedido de Pronúncia Arbitral.
A liquidação impugnada enferma do vício de violação de lei, pois verificavam-se, à data de aquisição do imóvel, os pressupostos da isenção prevista no artigo 270.º, n.º 2, do CIRE
A Requerente deduziu o Pedido de Revisão Oficiosa n.º ...2023... ao abrigo do disposto do artigo 78.º da Lei Geral Tributária ("LGT"), o qual foi indeferido definitivamente em 19.04.2023.
A Requerente adquiriu imóveis no âmbito de um processo de insolvência e, embora tenha solicitado a isenção ao abrigo do artigo 270.º, do CIRE, a AT referiu que não era de aplicar esta isenção.
A Requerente apresentou então a declaração para liquidação do IMT, Modelo 1, a zeros, mas com a aplicação do artigo 8.º, n.º 1, do Código do IMT, previsto, especificamente, para as aquisições de imóveis por instituições de crédito.
A Requerente não vendeu o imóvel em questão no prazo de cinco anos.
Volvidos os 5 anos, em 2018, caducou a isenção ao abrigo deste artigo, pelo que a Requerente solicitou a liquidação do imposto.
Foi assim emitida a liquidação de IMT impugnada.
Os actos de venda, permuta ou cessão, de forma isolada, de imóveis da empresa ou de estabelecimentos desta estão isentos de IMT, desde que integrados no âmbito de planos de insolvência, de pagamentos ou de recuperação ou praticados no âmbito da liquidação da massa insolvente.
Estando em causa um benefício (artigo 270.º, n.º 2, do CIRE) que resulta directa e automaticamente da lei e cujo direito se reporta à data da verificação dos respectivos pressupostos, a AT não poderá deixar de, previamente à liquidação, apurar se ocorrem os requisitos da isenção, pois, em caso afirmativo, o facto tributário não readquire força obrigatória.
Tendo ignorado que a Requerente beneficiava de uma isenção impeditiva da liquidação de IMT, a AT incorreu num evidente erro de direito, pelo que a liquidação em causa deve ser anulada na totalidade.
A.6 - Resposta da Requerida, Autoridade Tributária e Aduaneira:
O motivo subjacente ao pedido não reside em quaisquer questões sobre o alcance da isenção do IMT prevista no artigo 8.º n.º 1 do CIMT, ou do fundamento legal da liquidação de IMT ora controvertida, mas apenas e tão somente, o objectivo da Requerente, é o de ser aplicada aos factos tributários ocorridos em 2013, a isenção prevista no art.º 270.º n.º 2, do CIRE, dado tal isenção não se encontrar sujeita a qualquer condição resolutiva de caducidade, ao invés do que acontece com a isenção de IMT prevista no artigo 8.º n.º 1 do CIMT.
Relativamente a esta questão cumpre dizer que, tal como se retira dos documentos juntos aos autos e dos factos supra identificados, a isenção do IMT - n.º 1 artigo 8.º do CIMT – de que beneficiou a aquisição dos prédios em questão, resultou da própria declaração Mod.1 apresentada pela Requerente, por ser uma isenção criada especificamente em sede de IMT, de carácter estrutural, específica, dirigida ao sector financeiro aquando da “obrigação” de aquisição de imóveis, sendo que as aquisições deste tipo de bens “será marginal” à actividade das entidades suas beneficiarias.
Trata-se de uma isenção automática que depende da declaração Modelo 1 apresentada pela Requerente e, não estava na disposição da Entidade Requerida “escolher” qual a isenção que melhor serviria os interesses da Requerente.
Razão pela qual, na sequência da Mod. 1 apresentada pela Requerente, beneficiou da isenção nos termos do n.º1 do artigo 8º do CIMT.
Não se vê como pode ter ocorrido qualquer erro dos serviços nem na verificação dos pressupostos, nem na atribuição da isenção, que simplesmente foi concedida de acordo com o requerido.
Quer a isenção do IMT prevista no artigo 8.º do CIMT, quer a isenção do IMT estabelecida no n.º 2 do artigo 270.º do CIRE, constituem isenções a que o legislador atribuiu, finalidades distintas, circunstância que decorre, desde logo, da literalidade das normas que estatuem tais isenções.
No que se refere ao benefício da isenção de IMT prevista no art.º 270.º do CIRE, benefício fiscal de carácter automático conforme decorre da al. d) do n.º 8 do artigo 10.º do CIMT, cabe ao serviço onde for apresentada a declaração/pedido de isenção prevista no art.º 19.º do CIMT, a sua verificação e declaração.
Uma factualidade abstractamente enquadrável em ambas as previsões (artigo 8.º n.º 1 do CIMT/ artigo 270.º n.2 do CIRE), teria legalmente determinado que a usufruição de uma isenção no momento em que ocorre a obrigação tributária traduzir-se-ia na verificação de um facto impeditivo da tributação que invalidaria (por inutilidade) a aplicação de uma outra isenção.
Verificando- se que o Requerente optou, no acto translativo do prédio, por invocar outra isenção de IMT para impedir a tributação, deve considerar-se que existiu uma renúncia à isenção prevista no art.º 270.º nº 2 do CIRE, agora requerida, cuja aplicação ficou, subsequentemente, prejudicada.
Ao ter beneficiado da isenção nos termos do artigo 8.º n.º 1 do IMT, tal benefício tornou-se eficaz no momento do nascimento da obrigação tributária, que, ao impedir a tributação, inviabilizaria a possibilidade - ainda que hipotética - de funcionar, relativamente à mesma situação, a previsão contida na norma que estabelece uma outra isenção.
Tendo a isenção prevista no artigo 8.º do CIMT, sido requerida e usufruída pelo contribuinte no acto de aquisição, não existe possibilidade de troca ou atribuição posterior de outra isenção, por a lei não prever essa troca, nem a sucessão ou acumulação destas isenções.
Razão pela qual, não tendo optado por exercer o direito subjectivo à isenção prevista no art.º 270.º, n.º 2 do CIRE, à data do acto translativo do imóvel, o exercício deste direito ficou precludido e deixou de existir na esfera jurídica da empresa adquirente.
Qualquer “troca” de isenções, com efeitos retroactivos, ou a sua aplicação sucessiva, para além de carecer de fundamento legal, atenta contra o princípio da certeza e segurança jurídicas.
Conclui que deve o pedido de pronúncia arbitral ser julgado totalmente improcedente, absolvendo-se a Requerida de todos os pedidos, com as demais consequências legais.
B - SANEAMENTO:
O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira nos termos regulamentares.
Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAMT, o Conselho Deontológico do CAAD designou como árbitro do Tribunal Arbitral Singular o signatário, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável.
As partes foram oportuna e devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de a recusar, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAMT e dos artigos 6.° e 7.º do Código Deontológico do CAAD.
Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAMT, o tribunal arbitral colectivo foi regularmente constituído em 03-10-2023.
Por despacho de 16-11-2023, o Tribunal decidiu dispensar a realização da reunião a que alude o artigo 18.º, do RJAMT e a produção de alegações.
Em 26-03-2024, ao abrigo do disposto no artigo 21.º, n.º 2, do RJAMT, o Tribunal proferiu despacho de prorrogação, por dois meses, do prazo previsto no n.º 1 daquele Regime.
O Tribunal Arbitral é materialmente competente, atenta a conformação do objecto do processo e de acordo com o preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 30.º, n.º 1, ambos do RJAMT.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e encontram-se regularmente representadas.
O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo, porque apresentado no prazo previsto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a), do RJAMT.
O processo não enferma de nulidades.
Não existem excepções de que cumpra conhecer.
C - FUNDAMENTAÇÃO:
C.1 - Matéria de facto - Factos provados: Os factos relevantes para a decisão da causa que são tidos como assentes são os seguintes:
A Requerente é uma sociedade que se dedica, além da normal actividade bancária, à pontual aquisição de imóveis no âmbito de processos de insolvência - Facto admitido por acordo.
Em 2013, a Requerente adquiriu, por proposta, o prédio urbano inscrito sob o artigo ..., freguesia de ..., concelho de Lisboa, no âmbito do processo de insolvência da sociedade "B..., Lda.", no processo n.e .../12...TYVNG, que correu termos no 1.9 Juízo do Tribunal de Vila Nova de Gaia, pelo valor de € 400.000,00 - Facto admitido por acordo e documento n.º 4, do pedido de pronúncia arbitral.
A Requerente apresentou, em 02-07-2013, a declaração para liquidação do IMT, Modelo 1, a zeros, por aplicação do artigo 8.º, n.º 1, do Código do IMT, previsto, especificamente, para as aquisições de imóveis por instituições de crédito - Facto admitido por acordo.
A Requerente não vendeu o imóvel em causa no prazo de cinco anos - Facto admitido por acordo.
Dado que a isenção concedida ao abrigo do artigo 8.º do Código do IMT caduca em 5 anos, findo este prazo, a Requerente solicitou a liquidação de IMT - Facto admitido por acordo.
Foi assim emitida a liquidação de IMT n.º ..., no valor de € 21.307,08, paga no dia 24-01-2019 - documento n.º 2, junto ao pedido de pronúncia arbitral.
C.2 - Factos dados como não provados:
Não se encontra provado que a Requerente tenha comunicado aos serviços da Requerida que a aquisição do bem aqui em questão se efectuou nos termos do artigo 270.º, n.º 2, do CIRE.
C.3 - Motivação quanto à matéria de facto:
Os factos pertinentes para o julgamento da causa foram seleccionados em função da sua relevância jurídica, face às soluções plausíveis das questões de direito, nos termos da aplicação conjugada dos artigos 123.º, n.º 2, do CPPT, 596.º, n.º 1 e 607.º, n.º 3, do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAMT.
Os factos foram dados como provados com base nos documentos juntos pela Requerente, não impugnados, no processo administrativo e por acordo das partes.
A convicção do Tribunal fundou-se igualmente nos factos articulados pelas partes, cuja aderência à realidade não se entende posta em causa, e no acervo probatório carreado para os autos, o qual foi objecto de uma análise crítica e de adequada ponderação, à luz das regras da racionalidade, da lógica e da experiência comum e segundo juízos de normalidade e de razoabilidade.
Quanto ao facto dado como não provado, não basta à Requerente alegar factos que são, notoriamente, essenciais para a boa decisão da causa.
Cabendo-lhe o ónus da prova, a Requerente deveria ter aportado aos autos prova bastante - documental ou outra -, o que não sucedeu.
D.4 - MATÉRIA DE DIREITO:
D.4.1 - Questões a decidir:
Primeira questão a decidir: A liquidação impugnada deve ser anulada, uma vez que a Recorrente tem direito à isenção de IMT, prevista no artigo 270.º, n.º 2, do CIRE?
Segunda questão a decidir: Deve a Requerida AT ser condenada no pagamento de juros indemnizatórios?
D.4.2 - Primeira questão a decidir: A liquidação impugnada deve ser anulada, uma vez que a Recorrente tem direito à isenção de IMT, prevista no artigo 270.º, n.º 2, do CIRE?
O Tribunal seguirá de perto o que, a propósito se decidiu no douto acórdão do STA, de 14-03-2018, processo n.º 01044/17.[1]
Dos autos resulta que Requerente e Requerida estão de acordo em que, no plano normativo, a aquisição do imóvel a que se refere a liquidação impugnada, no âmbito de um processo de insolvência, é susceptível de gozar da isenção de IMT, ao abrigo do artigo 270.º, n.º 2, do CIRE.
Onde existe dissenso entre as partes é quanto a saber se, no caso concreto, tendo o facto tributário ocorrido em 2013 e tendo a Requerente requerido e gozado de isenção de IMT, nos termos do artigo 8.º, n.º 1, do respectivo Código, poderá vir invocar, em 2023, a isenção de IMT, ao abrigo do artigo 270.º, n.º 2, do CIRE.
A primeira questão a resolver refere-se à natureza jurídica da norma de isenção contida no artigo 270.º, n.º 2, do CIRE: trata-se de um benefício fiscal dependente de reconhecimento ou de um benefício fiscal automático?
Reconhecidamente, quer a jurisprudência judicial, quer a jurisprudência arbitral tributária - com a qual este Tribunal concorda - consideram que a referida norma constitui um benefício fiscal automático.
Ora, tratando-se de um benefício fiscal automático, ainda assim, a usufruição da isenção encontra-se dependente de pedido efectuado pelo particular perante a AT, ou seja, a eficácia de tal isenção depende de declaração do particular?
Como muito bem se refere no acórdão do STA, de 14-03-2018, processo n.º 01044/17:
«Há isenções que dependem do cumprimento de certas formalidades, identificadas neste e outros artigos que visam averiguar se, no caso concreto, estão preenchidos os requisitos legais que permitem a concessão de isenções. Há isenções que são de reconhecimento automático quando os requisitos para a concessão da isenção não dependem de averiguação por parte da Administração Tributária do respectivo preenchimento, no caso concreto».
Daí que, para o STA - e no que aqui interessa -, para que o particular beneficie da isenção de IMT, ao abrigo do artigo 270.º, do CIRE, apenas tem de ser cumprida uma condição: «tratar-se de transacções de bens imóveis, integradas em qualquer plano de insolvência, de pagamentos ou de recuperação» - acórdão do STA, de 14-03-2018, processo n.º 01044/17.
Ou seja, a isenção em causa não depende nem de reconhecimento pela AT nem de declaração do particular, bastando-se tão-só com a verificação dos pressupostos objectivos, contidos no artigo 270.º, do CIRE.
Ainda segundo o acórdão do STA, de 14-03-2018, processo n.º 01044/17:
«[…] permitir, ou impor, que a concessão da isenção dependesse de requerimento apresentado perante a Administração Tributária ou seria mero acto de inútil burocracia, ou, permitiria conferir à Administração Tributária o poder de considerar que a isenção se aplicava numas circunstâncias e não em outras, o que cremos que o legislador não deu o menor sinal de achar adequado que ocorresse, e, por isso, não conferiu à Administração Tributária qualquer poder vinculado ou discricionário nesta matéria».
Em consequência, entende este Tribunal Arbitral que pela aquisição do imóvel em causa no âmbito do processo de insolvência e no momento daquela aquisição, a Requerente constituiu-se no direito à isenção de IMT.
Porém, a Requerente gozou de uma outra isenção de IMT, nos termos do artigo 8.º, n.º 1, do Código do IMT.
A Requerida alega que, por tal facto, «deve considerar-se que existiu uma renúncia à isenção prevista no art.º 270.º nº 2 do CIRE».
Mas o artigo 14.º, n.º 8, do EBF, estipula expressamente que:
«8 - É proibida a renúncia aos benefícios fiscais automáticos e dependentes de reconhecimento oficioso, sendo, porém, permitida aos benefícios fiscais dependentes de requerimento do interessado, bem como aos constantes de acordo, desde que aceite pela administração tributária».
Deste modo, o certo é que, não obstante a Requerente ter solicitado e obtido isenção de IMT ao abrigo do artigo 8.º, do Código do IMT, a isenção nos termos do artigo 270.º, n.º 2, do CIRE verificou-se pelo mero facto da aquisição do imóvel em questão nestes autos, no momento dessa aquisição e sem dependência de reconhecimento da AT ou de declaração do particular.
Igualmente, tal isenção manteve-se, não tendo caducado e não podendo ser objecto de renúncia pelo beneficiário - no caso concreto, a Requerente.
Em consequência, o Tribunal irá decidir no sentido da anulação da impugnada liquidação de IMT e juros compensatórios.
D.4.3 - Segunda questão a decidir: Deve a Requerida AT ser condenada no pagamento de juros indemnizatórios?
O artigo 43.º, n.º 1, da LGT, estatui que «são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido».
O imposto encontra-se integralmente pago, não existindo dúvida que, da prática do acto impugnado, resultou pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.
Contudo, a ocorrência de «erro imputável aos serviços» constitui igualmente pressuposto da condenação da Requerida em juros indemnizatórios.
No caso dos autos, este erro decorreria de a AT, sabendo que a Requerente beneficiava de isenção de IMT, nos termos do artigo 270.º, n.º 2, do CIRE, ter, não obstante, entendido de modo diverso e ter decidido tributar a Requerente.
Ora, decorre do probatório que não se encontra provado que, aquando da prática do acto tributário impugnado, a Requerente tenha comunicado aos serviços da Requerida que a aquisição do bem aqui em questão se efectuou nos termos do artigo 270.º, n.º 2, do CIRE.
E, em consequência, não é exigível à Requerida que esta tivesse sequer ponderado a existência de tal isenção e optado por uma conduta diferente.
Razões pelas quais o Tribunal considera que o erro na liquidação impugnada e que determinará a anulação desta, não é imputável aos serviços da Requerida, o que determinará a decisão de não condenar a Requerida no pagamento de juros indemnizatórios.
Refira-se ainda que sendo certo que este Tribunal considera que a referida comunicação aos serviços da Requerida é irrelevante para efeitos de se apurar se e em que momento se verifica a isenção de IMT, nos termos e para os efeitos do artigo 270.º, n.º 2, do CIRE, dado tratar-se de um benefício fiscal automático, já no que toca à apreciação do pedido de condenação da Requerida no pagamento de juros indemnizatórios, tal comunicação é relevante.
Com efeito, não é exigível aos serviços da Requerida que, na ausência de comunicação da Requerente sobre os pressupostos da isenção nos termos do artigo 270.º, n.º 2, do CIRE, aquela entidade pública devesse ter conduta diferente daquela que adoptou.
E - DECISÃO:
De harmonia com o exposto, este Tribunal Arbitral decide julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral e, em consequência, anular a impugnada liquidação de IMT e juros compensatórios n.º ..., no valor de € 21.307,08.
O Tribunal Arbitral mais decide julgar improcedente o pedido de condenação da Requerida AT no pagamento de juros indemnizatórios.
F - VALOR DA CAUSA:
A Requerente indicou como valor da causa o montante de € 21.307,08, correspondente à liquidação impugnada, objecto do pedido de pronúncia arbitral.
O valor indicado pela Requerente não foi impugnado e não considera o Tribunal existir fundamento para o alterar, pelo que se fixa à presente causa o valor de € 21.307,08.
G - CUSTAS:
Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAMT, e da Tabela I, anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o montante das custas em € 1.224,00, indo a Requerida, que foi vencida, condenada nas custas do processo.
Notifique.
Lisboa, em 31 de Maio de 2024.
O Árbitro,
( Martins Alfaro )
Assinado digitalmente