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DOS FACTOS
..., com sede em …, vem requerer a anulação do acto de liquidação de IRC nº …, na parte conexa com os montantes de derrama municipal, referentes ao ano de 2007, no quantitativo de € 682.181,60.
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Alega, em síntese, a caducidade do direito à liquidação, uma vez que esta não foi efectuada no prazo de 3 anos previsto no artigo 45º, nº 2, da LGT, por se tratar de erro evidenciado na declaração do sujeito passivo.
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De facto, reportando-se a liquidação vertente ao exercício de 2007, temos que, por aplicação do mesmo normativo, o termo do prazo de caducidade ocorreu no dia 31.12.2010, sendo que o acto tributário em causa data de 26.09.2011.
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Bem assim, a violação da norma de incidência objectiva da derrama, pois que esta incide, nos termos do artigo 14º, nº 1, da Lei nº 2/2007, de 15 de Janeiro, (Lei das Finanças Locais), “sobre o lucro tributável sujeito e não isento de IRC”, sendo que, segundo prescreve o artigo 64º nº 1 do CIRC, por referência à unidade fiscal “grupo de sociedades”, o lucro tributável do grupo é calculado pela sociedade dominante, através da soma algébrica dos lucros tributáveis e dos próprios prejuízos fiscais apurados nas declarações periódicas individuais de cada uma das sociedades pertencentes ao grupo”.
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Ou seja, nas situações de aplicação do RETGS, o lucro tributável sujeito a IRC não é o lucro individual porventura apurado por cada uma das sociedades do Grupo Fiscal individual e isoladamente considerado, mas realidade diferente, qual seja a do lucro (porventura apurado) olhando ao Grupo Fiscal como um todo, isto é, somando os lucros individuais porventura apurados e subtraindo-se-lhes os prejuízos em que esta ou aquela sociedade tenha também, porventura, incorrido.
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Sempre que se aplique o RETGS, o lucro tributável sujeito a IRC (cfr. artigo 14.º, n.º 1, da Lei das Finanças Locais) não é o lucro individual de cada uma das sociedades integrantes do Grupo Fiscal mas o lucro (porventura apurado) do conjunto das sociedades perspectivado pela lei fiscal como a unidade tributária (em substituição das sociedades individuais).
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Concluiu no sentido de que “deve ser declarada a ilegalidade da liquidação adicional de derrama municipal, no valor de € 682.181,60”, e “consequentemente reconhecido o direito a indemnização pelos prejuízos resultantes de prestação de garantia e/ou, se for o caso, o direito a juros indemnizatórios contados à taxa legal desde a data do pagamento do imposto e montantes relacionados até à data do seu integral reembolso”.
Respondeu o Director Geral da AT, excepcionando a incompetência do tribunal Arbitral e a ilegitimidade passiva, ou, caso assim se não entenda, pugnando pela improcedência do pedido. Alega, em síntese, que:
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A derrama municipal assume a natureza de imposto municipal cujo sujeito activo são os municípios, com competência expressa para lançar o imposto, fixar a taxa e decidir de eventuais isenções.
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Assumindo-se como conflituantes os interesses dos vários municípios, consoante a forma de cálculo da derrama siga ou não o regime preconizado pelo Acórdão do STA de 2 de Fevereiro de 2011, todos os municípios configuráveis como sujeitos activos do imposto tem interesse directo na demanda, sendo como tal partes legítimas na demanda.
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A vinculação da AT -Autoridade Tributária e Aduaneira, decorrente da Portaria nº 112-N2011 de 22 de Março, não vincula os municípios.
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Consequentemente, uma decisão arbitral de mérito sobre a questão controvertida não vinculará os sujeitos activos do imposto.
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Assim, forçoso será concluir não só pela ilegitimidade passiva do Director-Geral da AT -Autoridade Tributária e Aduaneira, mas igualmente pela incompetência do tribunal arbitral.
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Sendo "erro evidenciado na declaraçãoapenas o erro que é detectável mediante simples análise dessa declaração, sem recurso a qualquer outra documentação externa, é manifesto que nos caso em apreço não estamos perante tal realidade, sendo assim aplicável o prazo geral de caducidade, e não o previsto no n° 2 do artigo 45° da LGT .
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A Lei das Finanças Locais aprovada pela Lei n° 2/2007 de 15 de Janeiro conferiu à derrama uma verdadeira autonomia face ao IRC.
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Autonomiaessa que todavia acolhe ainda a partilha de alguns elementos do IRC, ao nível de incidência e sujeição, e determinação do lucro tributável.
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Lucro tributável esse que constitui a base de incidência da derrama, rejeitando qualquer influência que prejuízos fiscais -reportáveis em sede de IRC -possam ter em sede de derrama.
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Autonomia que desatende a quaisquer regimes especiais de tributação de IRC para efeitos de incidência ou sujeição a derrama.
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No caso concreto das sociedades que integrem o perímetro de um grupo de sociedades a que seja aplicável o RETGS, inexistia qualquer dimanação legal que condicione a derrama a s6 incidir sobre o "lucro tributável do grupo" e não sobre o "lucro tributável” de cada uma das sociedades, individualmente considerado.
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O legislador havia consagrado expressamente uma definição legal de "lucro tributável" no CIRC, que a Lei das Finanças Locais acolheu para ser a base de incidência da derrama.
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Não existe qualquer disposição legal que dê por não sujeitos ou isentos os lucros tributáveis das sociedades que integram o perímetro dos grupos a que seja aplicado o RETGS.
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Só esta interpretação do acervo legal que enforma este imposto -a derrama -é que permite concretizar o papel que a derrama assume enquanto instrumento de execução de desígnios constitucionalmente consagrado.
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O entendimento sufragado no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo proferido no processo n° 0909/10 segue uma linha de raciocínio radicalmente diversa da aqui preconizada, que não sendo combatida poderá conduzir a um firmar de jurisprudência contrária aos interesses do legislador, e da própria Lei Fundamental (artigos 81.° e 238.°), o que para todos os efeitos legais desde já se invoca.
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Conclui requerendo que “deverão ser reconhecidas como verificadas as excepções suscitadas de ilegitimidade passiva e de incompetência do tribunal arbitral, absolvendo-se assim a AT -Autoridade Tributária e Aduaneira em conformidade, ou, caso assim não se entenda, deverá ser considerada procedente a argumentação vertida na presente resposta, e legal a liquidação sindicada”.
Em sede factual, vem apurado que:
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A liquidação impugnada procedeu a um aumento do valor da derrama em causa, inicialmente apurado, de € 2.325.392,42 para € 3.007.574, 02, com o consequente aumento de € 682. 181,60, ora impugnado.
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A ora requerente dedica-se à actividade industrial (indústria transformadora) na área da produção de pasta de papel e papel, constituindo a sociedade dominante de um grupo de sociedades (o Grupo …) sujeito ao regime especial de tributação dos grupos de sociedades (RETGS) previsto e regulado, à data dos factos, nos artigos 63.º e seguintes do Código do IRC (actualmente, por força da renumeração operada pelo Decreto-Lei n.º 159/2009, artigos 69.º e seguintes do Código do IRC).
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Em 30 de Maio de 2008 a ora requerente apresentou a Declaração Modelo 22 agregada, respeitante ao exercício de 2007.
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Em 12 de Agosto de 2008, a requerente recebeu uma primeira demonstração de liquidação de IRC (n.º …), relativa ao exercício de 2007, cuja liquidação datava de 2 de Julho de 2008, de onde não resultava qualquer pagamento adicional a efectuar ou qualquer reembolso de imposto.
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A 27 de Outubro de 2008, foi a requerente notificada de uma nova demonstração de liquidação de IRC referente a 2007, seguida da correspondente “demonstração de acerto de contas”, na qual lhe era exigidoum valor adicional de € 682.181,60.
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Aquela liquidação viria, posteriormente, a ser anulada em sede de recurso hierárquico (processo n.º 2607/2009), apresentado na sequência do indeferimento de reclamação graciosa, com fundamento em preterição do direito de audição prévia do contribuinte, plasmado no artigo 60.º da Lei Geral Tributária (LGT),
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Por intermédio do Ofício n.º2865 de 9 de Fevereiro de 2011, foi a Requerente notificada para exercer o seu direito de audição prévia com respeito ao projecto de acto de liquidação, de onde constava a intenção de corrigir novamente o valor referente à derrama municipal respeitante ao exercício de 2007 (alteração de € 2.325.392,42 para € 3.007.574, 02, no valor adicional de € 682.181,60).
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A requerente exerceu, efectivamente, aquele direito a 18 de Fevereiro de 2011.
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Posteriormente, foi a requerente notificada da liquidação ora controvertida (liquidação de IRC, n.º 2011 8310005411), na qual se apura imposto a pagar no montante de € 1.514.266,97 e se opera a referida correcção dos montantes devidos a título de derrama municipal, no valor de € 682.181,60.
Os factos referidos resultam provados através dos documentos juntos pelas partes e constantes do processo administrativo. Não se provaram quaisquer outros factos relevantes para a decisão da causa.
DO DIREITO
Há que conhecer, em primeiro lugar, das invocadas excepções de incompetência do Tribunal Arbitral e da ilegitimidade passiva.
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SOBRE A ILEGITIMIDADE E A INCOMPETÊNCIA
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A Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante, AT) é um serviço da administração directa do Estado que tem por missão administrar os impostos, e que para isso prossegue, entre outras atribuições, as de assegurar a liquidação e cobrança de tributos e de outras receitas, de exercer tarefas inspectivas, de exercer a acção de justiça tributária e representar a Fazenda Pública junto dos órgãos judiciais, e de informar os contribuintes sobre as suas obrigações fiscais (arts. 1º e 2º do DL nº 118/2011, 15/12).
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Cabe, portanto, à AT ser agente dos credores dos impostos e outras receitas do Estado e de outras pessoas colectivas de direito público.
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A AT não é ela própria credora dessas receitas, limitando-se a agir por conta e no interesse desses credores; quando muito pode ser-lhe atribuída uma percentagem das cobranças efectuadas a favor das entidades que são as credoras de tais receitas (art. 8º do DL nº 118/2011, 15/12).
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Resulta portanto da lei que à AT é cometida uma tarefa por conta e no interesse de outrem; mais ainda, resulta da própria lei que em princípio essas tarefas devem ser exercidas em exclusivo pela AT, à qual são atribuídas prerrogativas de autoridade de que os próprios credores não dispõem, já que só àquela é confiada a missão genérica de administrar os impostos (art. 2º do DL nº 118/2011, 15/12); não existindo, portanto, uma legitimidade concorrente, ou sobreposta, entre os credores de impostos e a AT, e menos ainda qualquer concorrência ou sobreposição susceptíveis de perturbarem a própria missão da AT.
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Assim, quando, por força da Portaria nº 112-A/2011, 22/3, a AT passou a estar vinculada à jurisdição dos tribunais arbitrais relativamente a litígios subordinados ao regime do DL nº 10/2011, 20/1, foi o interlocutor do contribuinte – o interlocutor exclusivo na ampla maioria das relações juridico-tributárias – que ficou vinculado, e através dele os credores que, naquelas situações e relações, a AT representa (credores que só através da intervenção da AT vêem os impostos administrados, e, logo, obtidas as respectivas receitas).
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Isso não é perturbado pela atribuição legal de competências aos credores de imposto, que pode implicar até que a administração lhes caiba, na sua totalidade (veja-se o art. 1º, 3 da LGT): é que, ou a lei estatui o afastamento da AT da relação tributária para permitir ao credor directamente, ou a uma outra entidade que aja por conta e no interesse do credor, o exercício das tarefas que são por regra atribuídas à AT (possibilidade que resulta, de resto, dos arts. 11º segs. da Lei nº 2/2007, 15/1, Lei das Finanças Locais); ou então é a outra regra, estabelecida – melhor, reafirmada – pelo DL nº 118/2011, 15/12, que prevalece em termos gerais.
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É o que sucede no caso subiudice. Não obstante todos os poderes que a Lei das Autarquias Locais (Lei nº 169/99, de 18 de Setembro) e a Lei das Finanças Locais (Lei nº 2/2007 de 15 de Janeiro) atribuem aos Municípios por força da sua posição de credores da derrama municipal, nenhuma daquelas leis afasta a regra de que é a AT que administra esses impostos, especificamente no sentido de protagonizar os momentos decisivos da relação com os contribuintes, incluindo os momentos de subordinação de litígios à adjudicação judicial ou arbitral. O mesmo resulta do art. 14º da Lei nº 2/2007, 15/1, Lei das Finanças Locais, que comete à AT o papel de interlocutor directo dos contribuintes de derramas.
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Bem podem invocar-se preceitos como o do art. 7º do CPPT (DL nº 433/99, 26/10) para sustentar que as derramas municipais são "tributos administrados por autarquias locais", ou o art. 54º, 2 do ETAF (Lei nº 13/2002, 19/2) para, persistindo no entendimento de que as derramas municipais são "receitas fiscais lançadas e liquidadas pelas autarquias locais", sustentar que a representação da Fazenda Pública deixa de caber à AT: porque o que decorreria da aplicação dessas normas – aliás, em contradição com o activo protagonismo da AT documentado no presente processo – seria a ilegitimidade da intervenção da AT nesta sede; só que agora qualquer intervenção, e não somente a intervenção que se consubstancie na sujeição, ou não, à arbitragem tributária.
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Não parece, pois, aceitável querer-se, por um lado, que seja a AT a desempenhar a maior parte das tarefas administrativas e a interagir em exclusivo com o contribuinte, e pretender, por outro lado, furtar a AT à jurisdição arbitral com o argumento de que não é à AT que cabe aquela administração, ou que não lhe cabe em exclusivo.
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A entender-se de outro modo, qualquer alegação de que ao credor de imposto sempre restam alguns poderes de administração inutilizaria o regime estabelecido pela Portaria nº 112-A/2011, 22/3 com uma persistente alegação de ilegitimidade processual passiva. Mais ainda, isso poderia colocar em xeque toda a legitimidade conferida à AT para administrar impostos como as derramas municipais, cabendo perguntar-se se uma mesma linha argumentativa, relativamente aos mesmos tributos, não feriria a sua legitimidade processual activa ou passiva, mas agora também junto dos tribunais tributários.
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Por sua vez, a subordinação à arbitragem dos credores das derramas municipais, se ela viesse a ser admitida em alternativa à actual subordinação da AT, constituiria uma solução particularmente desvantajosa – bastando pensar-se que, no caso subiudice, ficaria cometida aos municípios envolvidos a defesa de um ofício circulado que está na origem do litígio, sendo que esse ofício foi emitido pela própria AT, dando-se o caso de ser a AT a única vinculada pelo entendimento nele vertido.
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Mas mais decisiva, em termos jurídicos, é a interpretação da própria Portaria nº 112-A/2011, 22/3: quando aí, no art. 1º, se estabelece que ficam vinculados os serviços hoje incorporados na AT, e no art. 2º se define o objecto da vinculação, é bem evidente que se omitem todas as demais entidades às quais sejam cometidos episódicos poderes de administração de tributos. E a razão é a de que essas outras entidades estão vinculadas, sim, à arbitragem tributária; só que o estão através da vinculação do seu agente, a AT.
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SOBRE A CADUCIDADE DO DIREITO À LIQUIDAÇÃO DA DERRAMA.
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O artigo 45.º, 2 da LGT determina que no caso de erro evidenciado na declaração do sujeito passivo, o prazo de caducidade é de três anos.
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No caso em análise o erro foi evidenciado na declaração, pois dela se podia concluir pela desconformidade entre a declaração e o relevo jurídico atribuído pela AT à situação de facto subjacente.
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Aliás a AT teve um comportamento significativo do relevo imediato da declaração para efeitos de imposto: no mesmo ano, passados cerca de cinco meses, manifestou a sua discordância, sem necessitar de mais diligências, nomeadamente de uma fiscalização. Estando em condições de ultimar o procedimento no prazo de três anos, e devendo fazê-lo atendendo à diligência que lhe é exigível.
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Não é aplicável ao caso em juízo o disposto na al. d) do n.º 2 do artigo 46.º da LGT. Com efeito, tal norma prevê situações em que a configuração do facto gerador do tributo está dependente de reclamação ou impugnação, não sendo até à decisão destas o facto gerador cognoscível em todos os seus elementos. Suponha-se que só através de uma decisão administrativa ou judicial pode ser criado um direito ou reconhecida a sua inexistência. Não é o que sucede no caso em análise em que o facto gerador já era, desde o início, configurável. Não resultando o direito a liquidação de reclamação ou impugnação mas já existindo desde o início.
Não há que apreciar a questão referente aos juros indemnizatórios, uma vez que os autos não demonstram que a derrama tenha sido paga, nem há notícia da prestação de qualquer garantia, pelo que igualmente não há que considerar a questão da indemnização por indevida prestação daquela.
Conclui-se, assim, que:
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O tribunal arbitral é competente, nos termos do DL nº 10/2011, 20/1 e da Portaria nº 112-A/2011, 22/3.
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A AT tem legitimidade processual passiva.
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A decisão do tribunal arbitral, vinculando a AT, vinculará os credores dos impostos que, no caso em apreço, a AT administrou e administra, nada obstando a que o Tribunal Arbitral profira uma decisão de mérito no caso.
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O direito à liquidação caducou.
Termos em que se decide:
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Julgar improcedentes as arguidas excepções de incompetência do Tribunal Arbitral e ilegitimidade passiva.
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Julgar procedente a impugnação, consequentemente se anulando a liquidação de IRC nº …, referente a 2007, na parte respeitante à derrama no montante de € 682.181,60.
Fixa-se o valor da causa em € 682.181,60.
Custas pela Requerida, dado o seu decaimento – artigos 12º nº 2 e 22º nº 4 do RJAT e 4º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.
Lisboa, 04 de Maio de 2012.
Os Árbitros
Domingos Brandão de Pinho
Diogo Leite de Campos
Fernando Araújo
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