Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 656/2023-T
Data da decisão: 2024-05-27  IRS  
Valor do pedido: € 4.687,43
Tema: Regime tributário de residente não habitual. Inscrição em cadastro.
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SUMÁRIO:

  • O direito a ser tributado como residente não habitual (RNH) depende do ato da inscrição como residente em território português, conforme n.ºs 8, 9 e 11 do artigo 16.º do Código do IRS
  •  A inscrição deste estatuto especial em cadastro fiscal assume natureza procedimental, meramente declarativa e não constitutiva do direito a ser tributado enquanto RNH

 

 

 

DECISÃO ARBITRAL

1. Relatório

 

“A...”, NIF..., casado, residente no ..., sito na Rua ..., n.º..., ..., ...-... Ponte de Lima, veio, nos termos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (doravante “RJAT”), apresentar pedido de pronúncia arbitral, tendo por objeto a decisão de indeferimento da reclamação graciosa relativa á liquidação oficiosa de IRS n.º 2022..., do ano de 2018, no valor total (imposto e juros compensatórios) de € 4.687,43, pedindo a sua anulação.

É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (doravante também identificada por “AT” ou simplesmente “Administração Tributária”).

O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi, em 18-09-2023, aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD, sendo, nos termos legais, notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira. O Conselho Deontológico designou como árbitro do Tribunal Arbitral, o signatário, notificando as partes dessa designação. Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66- B/2012, de 31 de dezembro, o Tribunal Arbitral ficou constituído em 28-11-2023.

A AT apresentou Resposta, em que defendeu a improcedência do pedido de pronúncia arbitral.

 

Saneamento

O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído, à face do preceituado na alínea e) do n.º 1 do artigo 2.º, e do n.º 1 do artigo 10.º, ambos do RJAT.

As partes estão devidamente representadas gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade (artigo 4.º e n.º 2 do artigo 10.º, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

Não há nulidades.

 

2. Matéria de facto

2.1. Factos provados

Consideram-se provados os seguintes factos, com relevância para a matéria, em análise

- O Requerente viveu em França, desde, pelo menos, 1970, tendo regressado a Portugal em 2018.

- Desde 1970 e até 2017 sempre, o Requerente, foi considerado pelas autoridades francesas como residente fiscal em França, tendo este liquidado os seus impostos junto do Estado Francês. Foi-lhe atribuido o número contribuinte francês ... e o número de segurança social ... .

- Desde 1970 e até 2018, nunca o requerente permaneceu, anualmente, em território nacional mais de 183 dias.

- O Requerente, no longo período em que residiu e trabalhou em França, apenas  alterou o seu “domicílio fiscal” para esse país em 29/04/2015, mantendo,  erradamente, e até então, o domicílio fiscal português.

Em 09.04.2018 verificou-se o regresso definitivo para Portugal, após a venda da casa morada de família que ambos possuíam na ..., ... Sartrouville, adquirida em 29.05.1992 .

- O Requerente encontra-se institucionalizado desde dezembro de 2019, residindo no ..., em ..., Ponte de Lima.

Previamente à sua institucionalização, o Requerente viveu com a sua mulher em ..., na moradia sita na Rua ..., n.º ..., propriedade de ambos.

- O  Requerente não apresentou qualquer pedido de inscrição como residente não habitual nos termos do artigo 16.º, n.º 10 do Código do IRS.

- Foi oficiosamente emitida pela AT a declaração modelo 3, visando a tributação em sede de IRS dos rendimentos de pensões provenientes de França, auferidos em 2018.

- O contribuinte apresentou, em 09/11/2022, declaração modelo 3 de IRS – ID..., por se verificarem incongruências relativamente ao cônjuge indicado, ao rendimento declarado e à situação de residente não habitual declarada.

- O Requerente apresentou, em 25.01.2023, Reclamação Graciosa, indeferida por despacho proferido em 16.06.2023, pelo Chefe do Serviço de Finanças de Ponte de Lima.

O Requerente efetuou o pagamento do valor da liquidação em causa.

 

2.1.1 Factos Não Provados

Não há factos relevantes para a decisão da causa que não se tenham provado.

 

2.2. Fundamentação da decisão da matéria de facto

2.2.1. Fundamentação da Fixação da Matéria de Facto

Ao Tribunal incumbe o dever de selecionar os factos que interessam à decisão e discriminar a matéria que julga provada e declarar a que considera não provada, não tendo de se pronunciar sobre todos os elementos da matéria de facto alegados pelas partes, tal como decorre dos termos conjugados do artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e do artigo 607.º, n.º 3, do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT.

Os factos pertinentes para o julgamento da causa foram assim selecionados e conformados em função da sua relevância jurídica, a qual é definida tendo em conta as várias soluções plausíveis das questões de direito para o objeto do litígio, tal como resulta do artigo 596.º, n.º 1 do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.

Tendo em conta as posições assumidas pelas partes, nomeadamente os factos invocados no RI, que não mereceram contestação relevante e a prova documental e o PPA junto aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados.

 

3- Questões de competência e Inimpugnabilidade do ato

3.1- Posições das Partes

 3.1.1- A AT suscita a questão de incompetência por entender, em suma, o seguinte:

Conforme resulta da factualidade aduzida, atenta a causa de pedir subjacente ao pedido de pronuncia arbitral (PPA), resulta manifesto, que está em causa um pedido de reconhecimento do estatuto de residente não habitual.

 Assim resulta que a matéria controvertida nos presentes autos é relativa à não aplicação do regime previsto para os residentes não habituais, e, depois, consequentemente a suposta aplicação do método de isenção aos rendimentos auferidos por residentes não habituais fora de território português.

Em suma, a única causa de pedir subjacente ao articulado apresentado pelo Requerente respeita à sua não inscrição como residentes não habitual, que, aliás, diga-se, nunca julgou de suma relevância deter, não obstante residir em Portugal desde 2018, pretendendo a correção do ato de liquidação em crise, por aplicação do regime dos RNH.

Ou seja, sem se apreciar se o Requerente pode ou não estar inscrito como RNH, não há como avançar para a apreciação para a ilegalidade que se imputa ao ato de liquidação de IRS uma vez que decorre tão só de aplicação deste regime de tributação.

Com efeito, repita-se, sem aquele primeiro passo, sem que essa questão prévia seja decidida a seu favor pelo presente Tribunal, não há como imputar o vício de ilegalidade à liquidação de IRS contestada.

É de facto notório que o Requerente pede, de forma expressa e literal que lhe seja reconhecido o direito a ser tributado ao abrigo de um regime especial em sede de IRS: o regime fiscal dos residentes não habituais, só que o julgamento dessa questão prévia não comporta a apreciação da legalidade de nenhum ato concreto de liquidação de imposto.

Sendo, assim, o Tribunal Arbitral é incompetente em razão da matéria para apreciar o pedido de aplicação do regime jurídico-tributário dos RNH.

Porquanto, se trata de questão tributária que não comporta a apreciação da legalidade do ato de liquidação invocado.

Evoca em favor a decisão arbitral proferida no processo 796/2022-T CAAD.

 

3.1.1.1- Da Inimpugnabilidade do ato de liquidação com fundamento no suposto estatuto de RNH

Refere a Requerida que o reconhecimento da condição de RNH, assenta num procedimento prévio e independente da liquidação objetada nos presentes autos. Invoca, o entendimento professado no Acórdão do Tribunal Constitucional nº 718/2017, proferido no Processo nº 723/2016, de 2017.11.15,.

O Aresto apoiou as suas conclusões, na desconstrução da natureza interlocutória do procedimento de reconhecimento da condição de residente não habitual.

Seguindo o Aresto, o preceito estipulado no artigo 54.º, nº 1, alínea d) da Lei Geral Tributária (LGT), estatuiria que, do conjunto de atos compreendidos no procedimento tributário, encontrar-se-ia o reconhecimento ou revogação de benefícios fiscais.

Deste modo, o Acórdão infere que a aplicação do princípio da impugnação unitária, ordenado no artigo 54º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), não seria subsumível ao caso em apreço.

Justamente, porque o procedimento de reconhecimento da residência fiscal não habitual, não teria uma natureza preparatória/destacável do procedimento de liquidação.

Mas seria, antes, um ato administrativo autónomo.

Sempre no prisma do Aresto, a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo (STA) prevalecente (Acórdão do STA, Uniformizador de Jurisprudência, nº 014/19.7BALSB, de 04.11.2020), ditaria que a impugnação do ato de benefícios fiscais, seria autónoma em relação ao ato de impugnação, sendo, nestes casos e na ótica do Acórdão, o meio de reação ao dispor do contribuinte, a ação administrativa.

Ou seja, a exigência de impugnação autónoma do reconhecimento da condição de residente não habitual não prejudicaria a possibilidade de contestação contenciosa de atos eventualmente nocivos de direitos e interesses legalmente protegidos, tendo sido julgado procedente o recurso interposto pela administração fiscal.

Conforme aduzido pelo Acórdão do TC, a impugnação do ato de reconhecimento da condição de residente não habitual, não encontra sustentação jurisdicional na discussão da legalidade da liquidação.

Nessa conformidade, o erro na forma de processo, assim como, a inimpugnabilidade do ato com fundamento no suposto estatuto de RNH, são manifestos, neste particular.

Pelo que, face ao exposto, conclui-se que ocorre a exceção dilatória da inimpugnabilidade do ato de liquidação com o fundamento no suposto estatuto de RNH de que o Requerente se arroga para se conhecer o pedido arbitral apresentado, o que se argui, com as devidas consequências legais, designadamente, a absolvição da instância, de acordo com o previsto nos artigos 88.º, n.º 2 e 89.º, n.º 3, alínea i) do CPTA, aplicáveis ex vi artigo 29.º, alínea c) do RJAT.

 

3.1.2- A Requerente respondeu às excepções suscitadas pela Autoridade Tributária e Aduaneira, concluindo:

A competência dos tribunais arbitrais, de acordo com o disposto no art. 2.º, n.º 1 do RJAT, compreende a apreciação das seguintes pretensões (com as delimitações decorrentes dos arts. 2.º e 3.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22.03): (a) a declaração de ilegalidade de atos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta; (b) a declaração de ilegalidade de atos de fixação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de atos de determinação da matéria coletável e de atos de fixação de valores patrimoniais.

Assim, como o Requerente deduz pretensão, fundada em erro sobre os pressupostos, atinente à apreciação da (i)legalidade dos indicados atos de liquidação de IRS e juros compensatórios, é manifesto que o Tribunal Arbitral é materialmente competente para apreciar as liquidações impugnadas nos autos, atento o dispositivo do art. 2.º, n.º 1, al. a) do RJAT. – vd. Processo n.º 705/2022-T.

Ademais, se é certo que o Requerente aqui como ali (processo n.º 705/2022-T) acaba  por questionar a natureza da inscrição no registo dos contribuintes da condição de  residente não habitual para efeitos da aplicação do competente regime, os termos  da configuração do pedido de pronúncia arbitral, pelos quais se afere a competência, não correspondem ao que assim indica a Requerida na sua douta resposta, sendo claro que se impugna a liquidação de IRS em crise, à qual se imputa, entre outros, o vício de erro sobre os pressupostos por não aplicação das regras de tributação dos residentes não habituais que corresponderia à situação tributária do Requerente.

Por outras palavras, o objeto do presente processo não é a inscrição autónoma e específica no registo da condição de residente não habitual do Requerente, mas a legalidade da liquidação de IRS em atenção à regulação jurídica aplicável.

Terá, assim, que improceder a exceção de incompetência material do Tribunal Arbitral suscitada pela Requerida.

 

3.1.2.1- Quanto à questão da (alegada) inimpugnabilidade do ato de liquidação

Não se observa na situação dos autos qualquer indeferimento (expresso ou presumido) de pedido de inscrição do Requerente como residente não habitual em Portugal, o qual, pura e simplesmente, não foi formulado anteriormente à liquidação impugnada, não existindo, no caso, nenhum ato administrativo-tributário de não reconhecimento (expresso, tácito ou presuntivo) dessa condição.

Resulta daqui que não existe no caso qualquer ato de não inscrição cadastral ou de não reconhecimento como residente não habitual para efeitos fiscais que possa operar como ato pressuposto autónomo, prévio e destacável relativamente ao ato de liquidação de imposto ora sindicado, que é, assim, o único ato tributário com que o Requerente foi confrontado e contra o qual foi possível, com oportunidade, suscitar, como ato lesivo, a sua impugnação nos termos do art. 54.º do CPPT.

Por outro lado, entende-se que o n.º 10 do art. 16.º do CIRS, na redação do Decreto-Lei n.º 41/2016, de 01.08, o sujeito passivo deve solicitar a inscrição como residente não habitual, por via eletrónica, no Portal das Finanças, posteriormente ao ato da inscrição como residente em território português e até 31 de março, inclusive, do ano seguinte àquele em que se torne residente nesse território), ao impor a solicitação, por via eletrónica, da inscrição no registo dos contribuintes como residente não habitual, não consagra, para além da imposição de um dever acessório (art. 31.º, n.º 2 da Lei Geral Tributária - LGT), um procedimento autónomo ou um momento procedimental interlocutório dirigido a um ato de reconhecimento do estatuto de residente não habitual, prévio e prejudicial, sem o qual

 

3.2. Apreciação da questão

A incompetência em razão da matéria é uma excepção dilatória (artigo 89.º, n.º 4, alíneas a) e k), do CPTA, subsidiariamente aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea d), do RJAT), obstando a que o tribunal conheça do mérito da causa, dando lugar à absolvição da instância (artigos 89.º, n.º 2, do CPTA e 278.º, n.º 1 al. a), do CPC), bem como é de conhecimento prioritário, nos termos do artigo 608.º, do CPC, de aplicação subsidiária ao processo arbitral tributário, por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.

A competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD é limitada às matérias indicadas no artigo 2.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (RJAT). Por isso, para apreciação da competência material do Tribunal, importa, pois, proceder à articulação da causa de pedir e da pretensão jurídica formulada pelo Requerente no seu Requerimento Inicial.

Ora, do pedido deduzido decorre, inequivocamente, que o Requerente pretende que o Tribunal Arbitral, anule ou dê sem efeito o indeferimento da Reclamação graciosa que apresentou, solicitando, de forma mediata, a anulação do acto tributário de IRS relativo ao ano de 2018, onde, obviamente, terão de ser analisados e tratados os pressupostos da tributação subjacente, (incluindo vícios e fundamentos respectivos).

Assim, considerando a formulação do presente pedido arbitral, o qual versa sobre a impugnação de ato de liquidação de imposto, expressamente prevista no artigo 2º, nº 1, alínea a), do RJAT como matéria de competência dos tribunais arbitrais constituídos no âmbito do CAAD, decide-se pela improcedência da excepção da incompetência material suscitada pela AT.

 Impropriedade do meio contencioso usado pelos Requerentes

 Remete-se nesta matéria para o Acórdão proferido no Processo 705/2022_T, (que faz eco da jurisprudência, quase unânime do CAAD), com o qual se concorda:

…não existe no caso, qualquer ato de não inscrição cadastral ou de não reconhecimento como residente não habitual para efeitos fiscais que possa operar como ato pressuposto autónomo, prévio e destacável relativamente ao ato de liquidação de imposto ora sindicado, que é, assim, o único ato tributário com que o Requerente foi confrontado e contra o qual foi possível, com oportunidade, suscitar, como ato lesivo, a sua impugnação nos termos do art. 54.º do CPPT.

Note-se que, como não consta da factualidade assente qualquer ato administrativo-tributário da AT de negação da condição de residente não habitual, designadamente qualquer indeferimento de pedido de inscrição como residente não habitual, a situação dos autos não possui comparação com o caso que esteve na base do processo arbitral n.º 514/2015-T, do acórdão do Tribunal Constitucional n.º 718/2017 e do acórdão do Supremo Tribunal Administrativo proferido no processo n.º 014/19.7BALSB (o qual, diga-se, não se pronunciou sobre a substância do tema, já que, por estar em causa decisão arbitral que não conheceu do mérito, não admitiu o recurso para uniformização de jurisprudência), espécies jurisprudenciais que são invocadas pela AT na sua resposta em apoio da alegação em apreço.

Por outro lado, deve-se ainda assinalar que esta jurisprudência respeitou a liquidação relativa ao ano de 2010, cujo cenário normativo não coincide com o aqui em consideração, por se reportar à regulação originariamente introduzida pelo Decreto-Lei n.º 249/2009, de 23.09 (anterior, pois, às alterações ocorridas com a Lei n.º 20/2012, de 14.05, e com o Decreto-Lei n.º 41/2016, de 01.08), em que o n.º 7 do art. 16.º do Código do IRS (CIRS) dispunha: “O sujeito passivo que seja considerado residente não habitual adquire o direito a ser tributado como tal pelo período de 10 anos consecutivos, renováveis, com a inscrição dessa qualidade no registo de contribuintes da Direcção-Geral dos Impostos” (cfr. o atualmente disposto no n.º 9 do art. 16.º do CIRS).

No mais, antecipando o que a seguir se expõe em sede de apreciação do mérito, entende-se que o n.º 10 do art. 16.º do CIRS, na redação do Decreto-Lei n.º 41/2016, de 01.08: (“O sujeito passivo deve solicitar a inscrição como residente não habitual, por via eletrónica, no Portal das Finanças, posteriormente ao ato da inscrição como residente em território português e até 31 de março, inclusive, do ano seguinte àquele em que se torne residente nesse território”), ao impor a solicitação, por via eletrónica, da inscrição no registo dos contribuintes como residente não habitual, não consagra, para além da imposição de um dever acessório (art. 31.º, n.º 2 da Lei Geral Tributária - LGT), um procedimento autónomo ou um momento procedimental interlocutório dirigido a um ato de reconhecimento do estatuto de residente não habitual, prévio e prejudicial, sem o qual estaria inviabilizada a aplicação em cada ano dos benefícios fiscais a isso associados. Trata-se, aliás, de entendimento que está em consonância com a orientação estabelecida na Circular n.º 4/2019 da Diretora-Geral da AT (n.º 1) segundo a qual as medidas resultantes do regime dos residentes não habituais “consubstanciam medidas excecionais de desagravamento da tributação de caráter automático, pois os seus efeitos resultam direta e imediatamente da lei pela simples verificação dos respetivos pressupostos e condições, não estando a sua aplicação dependente de qualquer ato de reconhecimento por parte da AT, conforme determina o artigo 5.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF)”.

Assim, face à regulação legal aplicável, abaixo melhor examinada, julga-se que a inscrição cadastral como residente não habitual do sujeito passivo de imposto não constitui ato autónomo ou destacável em relação ao procedimento de liquidação do imposto para efeitos de impugnação contenciosa, que obrigue, em derrogação do princípio da impugnação unitária (art. 54.º do CPPT), à impugnação direta e autónoma, no prazo e pelo meio legalmente previsto, de uma eventual decisão de indeferimento, sob pena de estabilização da situação mediante caso decidido ou caso resolvido e de decorrente preclusão da impugnação da liquidação de imposto nessa base.

         

Configura-se, pois, como apropriado, no caso, o recurso a procedimento arbitral no CAAD, para impugnar a liquidação de IRS de 2018.

 

4. Matéria de direito/merito

4.1- Posições das Partes      

4.1.1- Entende a Requerente, em suma:

O Requerente terá que ser considerado não residente fiscal até 2017 (de 1970 até 2017, inclusive), sendo considerado residente fiscal em Portugal a partir do ano de 2018, mais concretamente 09.02.2018, data em que regressa com a sua mulher definitivamente a este país.

Pois, apesar de ter regressado a Portugal no ano de 2018, e, não obstante às alterações cadastrais/domicilio fiscal (alteração puramente formal da morada portuguesa para a francesa e vice-versa), nunca diligenciou no sentido de beneficiar do estatuto de residente não habitual.

Em tese, uma vez regressado, no ano de 2018, este teria, pelo menos, até 31 de março de 2019, para solicitar a sua inscrição – enquanto obrigação estritamente declarativa - como residente não habitual, por via eletrónica, no portal das finanças.

O direito à tributação como residente não habitual fica condicionado ao cumprimento dos requisitos descritos no n.º 1 e 2 do artigo 16.º do CIRS e, concomitantemente, “[d]a inscrição como residente em território português”, e não (da inscrição) como residente não habitual (negrito e sublinhado nosso).

A inscrição como residente não habitual não é, assim, constitutiva do referido direito (à tributação como residente não habitual), mas reveste uma mera natureza declarativa - vide, também, neste sentido, a decisão arbitral n.º 188/2020-T, de 24 de setembro de 2021 e a decisão arbitral n.º 777/2020-T, de 15 de dezembro de 2021.

 Aos rendimentos obtidos pelo Requerente no ano de 2018, e subsequentes, será, deste modo, aplicável o regime de tributação dos residentes não habituais.

O facto de este não ter entregue, no prazo estipulado no n.º 10 do artigo 16.º do CIRS, o respetivo pedido de inscrição como residente não habitual, não lhe veda a possibilidade legal de beneficiar daquele regime, como vimos.

Tratando-se a obrigação de apresentar o pedido de inscrição como residente não habitual, de uma obrigação meramente declarativa e, portanto, não constitutiva do direito a beneficiar daquele regime, o atraso na entrega de declarações constitui – no limite - uma contraordenação tributária prevista e punida nos termos do artigo 116.º do RGIT, e não deverá ter como consequência, sem mais, o não enquadramento no regime do residente não habitual.

Ademais e voltando à questão da residência, Como bem sabe este órgão decisor, não obstante o domicílio fiscal fazer presumir a habitação própria e permanente do sujeito passivo, nos termos do n.º 10 do artigo 13.º do CIRS, este pode, a todo o tempo, apresentar prova em contrário nos termos do n.º 11 do mesmo artigo.

É que da própria letra da lei decorre que o conceito de domicílio fiscal não pode ser entendido como sinónimo de residência, ou sequer, sem mais, de residência habitual.

O simples facto de constar no registo informático da AT uma morada em Portugal como sendo o domicílio fiscal do Requerente não poderá sobrepor-se a todos os factos a que supra se aludiu e que têm que ser levados em consideração para a correta apreciação da presente questão, pois o espírito da lei é apurar qual é, efetivamente, o Estado no qual o contribuinte tem habitação permanente, passa habitualmente o seu tempo e mantém o seu centro de interesses vitais.

 

4.1.2 - A Autoridade Tributária e Aduaneira entendeu, entre o mais, o seguinte:

4.1.2.1- A inscrição como residente não habitual tem de ser solicitada por via eletrónica, posteriormente à inscrição como residente fiscal ou, em momento ulterior, até 31 de março, inclusive, do ano seguinte aquele em que se tornou residente em Portugal (n.º 10 art.º 16.º do CIRS).

A condição de residente não habitual, em face do disposto no artigo 16º, nº 10, do CIRS, versa sobre um benefício fiscal, dependente de reconhecimento por parte da administração fiscal, por iniciativa do contribuinte, iniciativa essa que nem sequer ocorreu no caso sub judice.

Não obstante o Requerente residir em Portugal desde o ano de 2018 nunca manifestou a intenção de requerer, via portal das finanças ou escrito  a sua inscrição como Residentes Não Habituais.

Não restam dúvidas de que, para a concessão do estatuto de RNH, deve o contribuinte solicitar a sua inscrição no prazo legal. Aliás, não faria sentido conceder um prazo alargado de 1 ano ou mais para inscrição no regime, quando nesse entremeio serão emitidos atos de liquidação de imposto.

É necessário determinar o estatuto do sujeito passivo – i.e., como residente, não residente ou RNH, o que determinará quais as taxas, deduções e isenções a aplicar ao caso concreto – para que a sua tributação em sede de IRS, que é anual, seja conforme.

O Requerente recorre à presente via contenciosa, como mero expediente, tendente a contornar necessária ação administrativa ou seja, o impetrante pretende instrumentalizar a presente impugnação que deveria apontar ao respetivo objeto, isto é, à liquidação do período de tributação de 2018, para, verdadeiramente, discutir a condição de residente não habitual.

A interpretação invocada pelo Requerente, sobre o alegado efeito meramente declarativo da inscrição prevista no n.º 10 do artigo 16.º do CIRS – temática que aqui nos ocupa – consubstancia uma violação frontal aos princípios da Legalidade, do Sistema Fiscal e da Segurança Jurídica (cf. artigos 3º nº 3, 103º nº 2, 267º nº 2 e 2º todos da CRP).

 

4.2- Decidindo 

Centremo-nos, pois, na questão principal objecto do presente pedido arbitral, que é a de saber se o pedido de inscrição como residente não habitual tem natureza substantiva ou meramente declarativa. O que sustentará, de forma decisiva, a consideração da (i)legalidade da liquidacão.

Surge aqui, com efeito, como questão a resolver, a de saber se a inscrição no registo da condição de RNH possui, não uma natureza meramente declarativa, mas eficácia constitutiva, no sentido de que se trata, com essa inscrição cadastral, de um pressuposto específico sem o qual não é possível beneficiar das reduções ou isenções fiscais que são conferidas ao contribuinte em razão dessa condição de RNH.

 

É conhecida a forte inclinação, (a rondar a unanimidade), da  jurisprudência do CAAD, nesta materia. Veja-se, entre muitos, os processos 67/2023, 550/2022T, 188/2020-T, 777/2020-T, 815/2021-T, 705/2022-T, 57/2023-T, 581/22-T, 777/2020-T, 319/2022-T, 891/2023-T, 894/2023-T. Incluindo, mesmo, o processo 391/2023-T relativo á conjuge do Requerente.

Face a tal forte inclinação, não podemos olvidar o previsto no nº3 do artº 8º do Codigo Civil:

…. Nas decisões que proferir, o julgador terá em consideração todos os casos que mereçam tratamento análogo, a fim de obter uma interpretação e aplicação uniformes do direito.

 

Assumimos, pois, concordância com o massivamente defendido, invocando o acordão proferido no Proc. 487/2023-T, que - pela especifica apreciação e resenha jurisprudencial citada - seguiremos de perto, pouco cabendo acrescentar:

(...) O regime do RNH foi inicialmente previsto no artigo 23.º do Código Fiscal do Investimento, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 249/2009, de 23 de setembro, tendo criado o regime fiscal para o RNH em sede de IRS, tendo em vista atrair para Portugal profissionais não residentes qualificados em atividades de elevado valor acrescentado ou da propriedade intelectual, industrial ou know-how, bem como beneficiários de pensões obtidas no estrangeiro.

O regime jurídico do RNH é enformado por uma política fiscal de atração de investimento estrangeiro no âmbito da realidade económico-financeira que resulta da crise (financeira) que limitou o crescimento económico em Portugal no início do século XXI. Ou, dito de outro modo, pretende promover o crescimento económico através da formação de capital humano, da transferência de inovação tecnológica e know-how e, assim, o desenvolvimento das empresas no país recetor de residentes e da competitividade do tecido empresarial.

Esse regime exige, assim, o cumprimento dos seguintes requisitos: i) que o sujeito passivo se torne fiscalmente residente em território português, de acordo com qualquer um dos critérios estabelecidos nos números 1 e 2 do artigo 16.º do CIRS, no ano relativamente ao qual se pretenda a tributação como residente não habitual; e ii) que não tenha sido considerado residente em território português em qualquer dos cinco anos anteriores (àquele ano em que se pretende a tributação como RNH).

O direito à tributação como RNH fica condicionado ao cumprimento dos requisitos descritos no n.º 1 e 2 do artigo 16.º do CIRS e, concomitantemente, “da inscrição como residente em território português”, e não da inscrição como RNH .

Iniciamos pela análise do regime fiscal aplicável à data dos factos (2019 a 2021), anos nos quais o regime do Estatuto do Residente não Habitual rege-se pela redação dos n.ºs 8 a 10 do Código do IRS, conforme segue:

8 - Consideram-se residentes não habituais em território português os sujeitos passivos que, tornando-se fiscalmente residentes nos termos dos n.os 1 ou 2, não tenham sido residentes em território português em qualquer dos cinco anos anteriores.

9 - O sujeito passivo que seja considerado residente não habitual adquire o direito a ser tributado como tal pelo período de 10 anos consecutivos a partir do ano, inclusive, da sua inscrição como residente em território português.

10 - O sujeito passivo deve solicitar a inscrição como residente não habitual, por via eletrónica, no Portal das Finanças, posteriormente ao ato da inscrição como residente em território português e até 31 de março, inclusive, do ano seguinte àquele em que se torne residente nesse território.

Constata-se assim que os critérios para ter o estatuto de RNH são definidos pelo n.º 8 do artigo 16.º CIRS, que estabelece um critério positivo e negativo.

Critério positivo: tornarem-se fiscalmente residentes nos termos do n.º 1 e 2 do artigo 16.º do Código do IRS (1.ª parte do n.º 8 do artigo 16.º do CIRS);

Critério negativo: não terem sido residentes em território português nos cinco anos anteriores (2.ª parte do n.º 8 do artigo 16.º do CIRS).

Por seu turno, o n.º 10 do mesmo artigo, refere que o contribuinte “deve” solicitar a sua inscrição até ao dia 31 de Março do ano seguinte em que se torne residente fiscal em Portugal. Trata-se de estabelecer como limite o dia anterior ao prazo do início da entrega do Modelo 3 do IRS (1 de Abril), previsto no artigo 60.º do CIRS, com vista a facilitar a tarefa de organização administrativa do cadastro, mormente com a liquidação do IRS dos beneficiários de tal estatuto.

Deste modo, do confronto dos números 8 a 10 do artigo 16.º do CIRS, dúvidas não restam de que os requisitos estão unicamente previstos no respectivo n.º 8.

Concluindo-se assim que a inscrição como residente não habitual, por via eletrónica, no Portal das Finanças, antes da data-limite prevista no n.º 10 do artigo 16.º do CIRS, tem natureza exclusivamente declarativa, e não tem efeitos constitutivos do direito a ser tributado nos termos do respectivo regime.

Voltando ao caso dos autos, dúvidas não restam de que o Requerente não foi residente fiscal antes de 2012, e apenas nesse ano se tornou residente fiscal. Facto que, aliás, nem sequer é contestado pela Requerida.

Acresce que, pela entrega das respetivas declarações modelos 3 do IRS com o anexo L, e com o pedido de inscrição como residente não habitual, ainda que em data posterior, é inequívoco que pretende beneficiar de tal regime, dado que cumpre os respetivos requisitos de atribuição.

Acompanha-se a fundamentação da decisão arbitral do processo n.º 777/2020-T, no sentido de que vale “(…) a junção dos anexos L à declaração de rendimentos como pedido, dirigido à AT, para ser tributado pelo regime dos “residentes não habituais (…)”

E concorda-se igualmente com a mesma decisão arbitral na parte em que decidiu que:

“(…) o que interessa aferir nos presentes autos é apenas se o registo como “residente não habitual,” previsto no n.º 8 (à data dos factos) do art.º 16.º, constitui um requisito formal necessário para que o sujeito passivo possa beneficiar do regime respetivo.

Atente-se na redação do n.º 7 do art.º 16º: “O sujeito passivo que seja considerado residente não habitual adquire o direito a ser tributado como tal pelo período de 10 anos consecutivos a partir do ano, inclusive, da sua inscrição como residente em território português.”

O direito a ser tributado como residente não habitual depende, portanto, e como se vê, apenas de o sujeito passivo “ser considerado residente não habitual”.

Para que o sujeito passivo possa “ser considerado residente não habitual”, a lei não exige o registo, pelo contrário, o n.º 6 é inequívoco ao estabelecer que “Consideram-se residentes não habituais em território português os sujeitos passivos que, tornando-se fiscalmente residentes nos termos dos n.os 1 ou 2, não tenham sido residentes em território português em qualquer dos cinco anos anteriores.”

Ou seja, para que o sujeito passivo possa “ser considerado residente não habitual”, basta que se verifiquem os dois requisitos, positivo e negativo, a que já nos referimos; não sendo nenhum deles o registo como residente não habitual.

Afigura-se assim evidente que a letra das disposições relevantes não permite a conclusão de que o registo como residente habitual seja requisito substancial, ou constitutivo, de aplicação do regime.

Acompanha-se igualmente a fundamentação do processo nº 188/2020-T:

“Não obstante, como por regra ocorre, a interpretação da lei fiscal não pode, nem deve, ficar-se pelo teor literal dos normativos imediatamente aplicáveis, devendo, antes, e mais não seja pela imposição da realização dos princípios da tributação da capacidade contributiva e da justiça material, decorrentes dos artigos 4.º, n.º 1, e 5.º, n.º 2, da LGT, identificar-se a finalidade material do regime a aplicar, através da compreensão da natureza das normas convocáveis, das finalidades por si visadas, e do contexto sistemático das mesmas.

Sob esta perspectiva, a norma do n.º 10 do artigo 16.º do CIRS, que disciplina a data limite até à qual os sujeitos passivos que reúnam os pressupostos materiais de que depende a tributação de acordo com o regime dos residentes não habituais podem requerer a inscrição como residente não habitual – até 31 de Março, inclusive, do ano seguinte àquele em que se torne residente em território nacional - deverá entender-se como uma norma essencialmente procedimental, de organização do sistema operacional de tributação, que visa assegurar sua efectividade e o seu normal funcionamento, sendo, especialmente e desde logo de notar que a norma em causa, não tem subjacentes quaisquer finalidades de evitar a fraude ou a evasão fiscal.

E, nem se diga, como faz a AT, que não tendo o Requerente respeitado o prazo previsto no n.º 10 do artigo 16.º do Código do IRS para requerer a sua inscrição como residente não habitual, não pode beneficiar desse regime em qualquer um dos dez anos a que teria direito se tivesse apresentado o pedido dentro do prazo. Tratando-se a obrigação de apresentar o pedido de inscrição como residente não habitual, de uma obrigação meramente declarativa e, portanto não constitutiva do direito a beneficiar daquele regime, o atraso na entrega de declarações constitui uma contraordenação tributária prevista e punida nos termos do artigo 116.º do RGIT, e não deverá ter como consequência, sem mais, o não enquadramento no regime do residente não habitual.”

 Deste modo, é patente a diferença de redacção com a anterior versão do n.º 2 do artigo 23.º Código Fiscal do Investimento, como bem se observa na decisão do processo n.º 705/2022-T:

“Esta interpretação mostra-se corroborada pelo confronto com a anterior regulação do regime dos residentes não habituais. Recorde-se que, na versão do Decreto-Lei n.º 249/2009, o art. 23.º, n.º 2 do Código Fiscal do Investimento dispunha que: “O sujeito passivo que seja considerado residente não habitual adquire o direito a ser tributado como tal, pelo período de 10 anos consecutivos, renováveis, com a inscrição dessa qualidade no registo de contribuintes da DGCI” e o então n.º 7 do art. 16.º do CIRS afirmava, do mesmo modo, que: “O sujeito passivo que seja considerado residente não habitual adquire o direito a ser tributado como tal pelo período de 10 anos consecutivos, renováveis, com a inscrição dessa qualidade no registo de contribuintes da Direcção-Geral dos Impostos”. Como se observa, a ligação que então se fazia entre a inscrição da qualidade de residente não habitual no registo dos contribuintes e a aquisição do direito a ser tributado como tal desapareceu da regulação vigente, a qual apenas conexiona a aquisição do direito a ser tributado como residente não habitual à consideração como tal em atenção à factualidade de os sujeitos passivos se tornarem fiscalmente residentes nos termos dos n.ºs 1 ou 2 do art. 16.º do CIRS e não terem sido residentes em território português em qualquer dos cinco anos anteriores, que são, pois, os únicos requisitos de que depende essa condição.”

Conclui-se assim que o Requerente cumpre com os requisitos previstos no nº 8 do artigo 16.º do CIRS, os quais, como já se viu, são os únicos requisitos exigidos por lei para que um sujeito passivo possa beneficiar do regime dos RNH.

Igualmente se conclui que, por seu turno, a inscrição no registo de residentes não habituais tem natureza exclusivamente declarativa, e não efeitos constitutivos do direito de ser tributado nos termos do respectivo regime.

O pedido de inscrição como residente não habitual, estabelecido no n.º 10 do art. 16.º do CIRS deve, então, reputar-se um dever acessório do contribuinte (art. 31.º, n.º 2 da LGT), que serve a finalidade de facilitação da fiscalização da situação tributária do contribuinte e da aplicação do beneficio fiscal, de modo a que a AT proceda ao controlo dos registos do contribuinte no seu cadastro, bem como dos demais elementos em seu poder, solicite eventuais elementos adicionais para verificar que o interessado foi considerado como residente fiscal noutra jurisdição, e valide o cumprimento dos requisitos legalmente previstos.

Sendo, porém, da verificação destes requisitos, e não da solicitação ou realização daquela inscrição no registo, que depende a constituição do direito a ser tributado, de modo desagravado, como RNH.

Assim, considerando que se trata de um dever acessório, ao respetivo incumprimento pode corresponder uma contraordenação tributária (cfr. art. 117.º do Regime Geral das Infrações Tributárias), mas isso não interfere com o direito à redução ou isenção tributária adveniente do regime do RNH, que assenta estritamente na satisfação das condições materiais legalmente previstas, e não pressupõe, como requisito substancial adicional, a inscrição cadastral.

Conclui-se, pois, que a aplicação do regime dos residentes não habituais exige a verificação de dois requisitos – de o sujeito passivo se ter tornado fiscalmente residente em território português e não ter sido nele residente em qualquer dos cinco anos anteriores –, mas não depende da correspondente inscrição no cadastro.

Como tal, a falta ou intempestividade da inscrição como residente não habitual não determina, por si mesma, a exclusão do regime correspondente.

Destarte, pelo facto de não ter sido aplicado o regime dos residentes não habituais, os actos de liquidação em causa são ilegais por erro nos pressupostos de direito, o que implica a sua anulação, nos termos do n.º 1 do artigo 163.º do Código do Procedimento Administrativo.(...)

 

Assim, suportado em tão consistência jurisprudencial, considera o tribunal, que o pedido de inscrição como residente não habitual não tem qualquer efeito constitutivo, mas meramente declarativo.

 Impõem-se, pois apreciar se o Requerente cumpre, os requisitos necessários para que possa beneficiar do Regime dos RNH, ou seja:

- ser considerado residente fiscal em território português

- não ter sido residente em território português em qualquer dos cinco anos anteriores

 

Ora, conforme a factualidade assente, não restam duvidas, que ambos se verificam, não obstante as faltas e incongruências registrais e de cadastro. Sendo certo, que em matéria tributária são admitidos os meios gerais de prova, quer no procedimento quer no julgamento, necessários ao conhecimento dos factos em ordem á realização do principio da substância sobre a forma, que vigora, outrossim, no direito tributário.

 

Nestes termos, a liquidação impugnada enferma de vícios de erro sobre os pressupostos de facto e de direito que justificam a sua anulação, de harmonia com o disposto no artigo 163.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea c), da LGT.

 

Da inconstitucionalidade da interpretação invocada pelo Requerente sobre o efeito meramente declarativo da inscrição prevista no n.º 10 do artigo 16.º do CIRS.

 

Entende, por fim, a Requerida que a interpretação invocada pelo Requerente. sobre o alegado efeito meramente declarativo da inscrição prevista no n.º 10 do artigo 16.º do CIRS consubstancia uma violação frontal aos princípios da Legalidade, do Sistema Fiscal e da Segurança Jurídica (cf. artigos 3º nº 3, 103º nº 2, 267º nº 2 e 2º todos da CRP).

Ora, se relativamente aos outros argumentos contraditórios, vemos pertinente argumentação e muita douta fundamentação, não vemos, neste particular, mínima adequação ás questões envolventes, não se mostrando minimamente beliscados os princípios constitucionais invocados, com a concretizada interpretação. Pelo que vai, de forma muito liminar, indeferida a sua consideração.

 

5- Juros indemnizatórios

Nos processos arbitrais tributários pode haver lugar ao pagamento de juros indemnizatórios, nos termos do disposto nos artigos 43.º, n.ºs 1 e 2, e 100.º da LGT, quando se determine que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

E, como há muito vem entendendo o Supremo Tribunal Administrativo, a imputabilidade para efeitos de juros indemnizatórios apenas depende da prática de um acto ilegal, por iniciativa da Administração Tributária.

Esta imputabilidade do erro aos serviços é independente da demonstração da culpa de qualquer dos seus funcionários ao efectuar liquidação afectada por erro, podendo servir de base à responsabilidade por juros indemnizatórios a falta do próprio serviço, globalmente considerado.

Entendemos, no entanto, que no caso, tal consideração se verifica, apenas, com o acto de indeferimento da Reclamação Graciosa, naturalmente.

 

 Assim, o Requerente terá direito a juros indemnizatórios, à taxa legal, contados nos termos referidos e calculados sobre a quantia de IRS paga indevidamente, nos termos do disposto nos arts. 24.º, n.º 1 al. b) do RJAT, 100.º e 43.º da LGT.

 

6- Procedem, assim, em parte, os fundamentos da Requerente, reconhecendo-se a ilegalidade da liquidação efetuada, do que resultará a sua anulação, devendo ser restituído ao Requerente a quantia paga, acrescida de juros indemnizatórios, calculados desde a data de indeferimento da Reclamação Graciosa, até à efetiva restituição.

 

5- DECISÃO

Face a todo o exposto, o presente Tribunal Arbitral, decide:

- julgar improcedente a excepção de incompetência material do Tribunal e ininpugnabilidade do acto, bem como a formulada arguição de inconstitucionalidades.

- julgar procedente o pedido arbitral de anulação do despacho de indeferimento da Reclamação Graciosa e ato tributário impugnado, devendo ser restituído á Requerente a quantia paga.

- Condenar a Requerida no pagamento de juros indemnizatórios sobre o montante do imposto indevidamente pago, calculados desde a data de indeferimento da Reclamação Graciosa, 16.06.2023, até à efetiva restituição.

 

6. Valor do processo

De harmonia com o disposto nos artigos 296.º, 306.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de €4.687,43valor económico do dissenso e indicado pela Requerente, sem oposição da Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

7. Custas

Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em €612,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerida

 

Lisboa, 27mai2024

 

O árbitro

 

Fernando Miranda Ferreira