Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 365/2023-T
Data da decisão: 2024-05-31   Outros 
Valor do pedido: € 55.412,38
Tema: Contribuição de Serviço Rodoviário (CSR); repercussão legal e económica; Legitimidade processual.
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DECISÃO ARBITRAL

 

O árbitro do Tribunal Singular Dr. Armando Oliveira, designado pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formar o presente Tribunal Arbitral, constituído em 31.07.2023, decide:

  1. RELATÓRIO

A..., S.A., titular do número único de pessoa coletiva..., com sede em ..., ...-... ..., na sequência da formação da presunção de indeferimento tácito dos pedidos de promoção de revisão oficiosa apresentados em 30 de novembro de 2022, junto da Alfândega do Jardim do Tabaco e da Alfândega de Aveiro, relativo às liquidações de Contribuição de Serviço Rodoviário («CSR») praticadas pela Administração Tributária e Aduaneira com base nas Declarações de Introdução no Consumo («DIC») submetidas pelas sociedades B..., S.A. e C..., S.A. (doravante, abreviadamente designadas, em conjunto, por «fornecedoras de combustíveis») e, bem assim, relativo aos consequentes atos de repercussão da referida CSR consubstanciados nas faturas referentes ao gasóleo rodoviário e à gasolina àquelas adquiridos pela Requerente no período compreendido entre novembro de 2018 e outubro de 2022, apresentou pedido de pronuncia arbitral e de constituição de tribunal arbitral singular, ao abrigo do disposto nos artigos 2.°, n.º1, alínea a), 3.°-A, n.° 2, e 10.°, n.° 1, alínea a) e n.° 2, do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária («RJAT»), sendo a Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (“AT”).

  1. O pedido foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD em 22 de maio de 2023 e automaticamente notificado à Requerida.
  2. O Requerente optou por não designar árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no n.º 1, do artigo 6.º do RJAT, foi designado, pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa, a 11 de novembro de 2020, o ora signatário como Árbitro a integrar o Tribunal arbitral singular, o qual se constituiu em 31 de julho de 2023, em conformidade com o preceituado na alínea c), do n.º 1, do artigo 11.º, do RJAT, com a redação introduzida pelo artigo 228º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro.
  3. A fundamentar o pedido de pronúncia arbitral, a Requerente alega, em síntese, o seguinte:
    1. As acima identificadas fornecedoras de combustíveis entregam ao Estado, enquanto sujeitos passivos da respetiva relação jurídico-tributária, os valores apurados nos atos de liquidação conjunta de Imposto sobre os Produtos Petrolíferos e Energéticos («ISP») e de CSR praticados pela Autoridade Tributária e Aduaneira com base nas DIC por aquelas submetidas,
    2. A Requerente, sociedade de direito português, com sede e direção efetiva em Portugal, adquiriu (Docs. 1 a 3):
      1. à B..., durante o período compreendido entre janeiro de 2019 e outubro de 2022, 3.455,37 litros ele gasolina e 35.912,41 litros de gasóleo rodoviário; e
      2. à C..., durante o período compreendido entre novembro de 2018 e outubro de 2022, 460.590,00 litros de gasóleo rodoviário.
    3. As mencionadas fornecedoras de combustíveis repercutiram nas respetivas faturas a CSR correspondente a cada um desses consumos, tendo a Requerente, por conseguinte, suportado integralmente este imposto (Docs. 1 a 3).
    4. Com a aquisição do referido combustível, a Requerente suportou, assim, a título de CSR, a quantia global de f 55.412,38 (Docs. 1 a 3).
    5. Nesta sequência, a Requerente deduziu, no passado dia 30 de novembro de 2022, junto da Alfândega do Jardim do Tabaco e da Alfândega de Aveiro, dois pedidos de promoção de revisão oficiosa com vista à anulação das referidas liquidações de CSR e dos consequentes atos de repercussão consubstanciados nas faturas emitidas pelas mencionadas fornecedoras de combustíveis referentes ao gasóleo rodoviário e à gasolina àquelas adquiridos pela Requerente no referido período de novembro de 2018 a março de 2022 (Docs. 4 e 5).
    6. Não tendo a Requerente sido notificada, até à presente data, de qualquer decisão referente aos mencionados pedidos de promoção de revisão oficiosa — e tendo, em consequência, se verificado a presunção de indeferimento tácito das suas pretensões —, vem a mesma apresentar o presente pedido de pronúncia arbitral, com vista à obtenção da declaração de ilegalidade dos mencionados atos tributários.
    7. Após fazer uma breve exposição sobre o regime geral dos impostos especiais de consumo vertido na diretiva 2008,/118,/CE do conselho, de 16 de dezembro de 2008, refere
    8. […] Neste sentido, «[o]s produtos sujeitos a impostos especiais de consumo podem ser alvo de outros impostos indiretos, para fins específicos. Nesse caso, porém, a fim de não comprometer o efeito positivo das normas comunitárias respeitantes aos impostos indiretos, os Estados-Membros deverão observar determinados elementos essenciais dessas normas» (Considerando 4 da Diretiva 2008/118/ CE).
    9. Mais concretamente, «Os Estados-Membros podem cobrar, por motivos específicos, outros impostos indiretos sobre os produtos sujeitos a impostos especiais de consumo, desde que esses impostos sejam conformes com as normas fiscais da Comunidade aplicáveis ao imposto especial de consumo e ao imposto sobre o valor acrescentado no que diz respeito à determinação da base tributável, à liquidação, à exigibilidade e ao controlo do imposto, regras estas que não incluem as disposições relativas às isenções» (cf. artigo 1.°, n.° 2, da Diretiva 2008/118/ CE).
    10. Significa o que antecede, por conseguinte, que os Estados-Membros apenas poderão, sob pena de violação do direito da União Europeia, criar ou manter, alóm do imposto especial de consumo mínimo, outras imposições indiretas incidentes sobre o consumo dos produtos elencados no artigo 1.°, n.° 1, da Diretiva 2008/ l18J CE (entre os quais, como já observado, a gasolina, o gasóleo e gás de petróleo liquefeito) quando tais imposições indiretas:
      1. São cobrados por um motivo específico, isto é, prosseguem uma finalidade especifica;
      2. Estão conformes com as normas fiscais da União Europeia aplicáveis ao imposto especial sobre o consumo e ao imposto sobre o valor acrescentado, quanto à determinação da base tributável, à liquidação, à exigibilidade e ao controlo do imposto.
    11. Assim, no que respeita ao primeiro requisito, que é o que aqui mais importa, cumpre começar por referir que um motivo especifico na aceção do transcrito artigo 1.", n." 2, da Diretiva 2008/118/ CE, não pode ser reconduzida a uma finalidade meramente orçamental (cf. Acórdão do TJUE de 27 de fevereiro de 2014, Transportes Jordi Besora, Proc. C-82/12, n.° 23) [ainda que «o simples facto de um imposto ter um objetivo orçamental não [seja] suficiente, enquanto tal, sob pena de esvaziar de substância o artigo 1.", n.° 2, da Diretiva 2008/ 118, para excluir que se possa considerar que esse imposto tem também um motivo específico, na aceção da referida disposição», na medida em que qualquer imposto prossegue necessariamente uma finalidade orçamental (Acórdão do TJUE de 5 de março de 2015, Statoil Fue1 & Retail, Proc. C-553/13, n.° 38)].
    12. Por seu turno, «embora a afetação predeterminado do produto de um imposto ao financiamento do exercício, pelas autoridades de um Estado-Membro, de competências que lhes foram atribuídas possa constituir um elemento a tomar em consideração para identificar a existência de um motivo específico, essa afetação, que decorre de uma simples modalidade de organização interna do orçamento de um Estado-Membro, não pode, enquanto tal, constituir uma condição suficiente, uma vez que qualquer Estado-Membro pode decidir impor, independentemente da finalidade prosseguida, a afetação do produto de um imposto ao financiamento de determinadas despesas. Se assim não fosse, qualquer finalidade poderia ser considerada específica, na aceção do artigo 1.‘, n.‘ 2, da Diretiva 2008/118, o que privaria o imposto especial de consumo harmonizado instituído por esta diretiva de qualquer efeito útil e violaria o princípio segundo o qual uma disposição derrogatória, como a do artigo 1.°, n.° 2, deve ser objeto de interpretação estrita. Por conseguinte, a existência de um motivo específico na aceção da referida disposição não pode ser estabelecida pela simples afetação das receitas do imposto considerado ao financiamento de despesas gerais que incumbem à coletividade pública num dado setor. Com efeito, no caso contrário, o alegado motivo específico não poderia ser distinguido de uma finalidade puramente orçamental» (Acórdão do TJUE de 5 de março de 2015, Statoil Fuel & Retail, Proc. C-553/13, n.os 39 e 40).
    13. Consequentemente, para que a afetação predeterminada da receita de um imposto que incide sobre produtos sujeitos a impostos especiais de consumo permita considerar que esse imposto tem um motivo específico na aceção do artigo 1.° n.° 2, da Diretiva 2008/ 118, sempre será necessário que o produto de tal imposição indireta seja obrigatoriamente utilizado nos invocados fins específicos «de tal forma que exista uma relação direta entre a utilização das receitas e a finalidade da imposição em causa» (cf. Acórdão do TJUE de 27 de fevereiro de 2014, Transportes Jordi Besora, Proc. C-82/ 12, n.° 30).
    14. De resto, «[n]a falta desse mecanismo de afetação predeterminada das receitas, um imposto que incide sobre produtos sujeitos a impostos especiais de consumo apenas pode ser considerado que tem um motivo específico, na aceção do artigo 1.°, n.° 2, da Diretiva 2008/118, se esse imposto for concebido, no que respeita à sua estrutura, nomeadamente, à matéria coletável ou à taxa de tributação, de modo a influenciar o comportamento dos contribuintes num sentido que permita a realização do motivo específico invocado, por exemplo, tributando significativamente os produtos considerados para desencorajar o seu consumo» (cf. Acórdão do TJUE de 5 de março de 2015, Statoil Fuel & Retail, Proc. C-553/13, n.° 42).
    15. Em suma, para que se conclua pela existência de um motivo específico na aceção do artigo 1.°, n.° 2, da Diretiva 2008/ 118, será necessário, nos casos em que se verifica uma afetação predeterminada da receita de uma imposição indireta, que a mesma seja obrigatoriamente utilizada nos fins específicos invocados, de tal forma que exista um vínculo direto entre a utilização das receitas do imposto e tais fins, ou, nos casos em que não se verifique tal mecanismo de afetação direta, que a estrutura de tal imposto, designadamente no que respeita à matéria coletável ou à taxa de tributação, seja apta a influenciar o comportamento dos contribuintes no sentido de alcançar a finalidade específica prosseguida, por exemplo, desencorajando o consumo do produto alvo de tributação.
    16. A CSR, instituída pela Lei n." 55/ 2007, de 31 de agosto, tem por função, nos termos definidos na exposição de motivos da Proposta de Lei 153/ X, «remunerar a EP — Estradas de Portugal, E. P. E. [atualmente denominada Infraestruturas de Portugal, S.A.] pela utilização que é feita da rede rodoviária nacional, tal como ela é verificada pelo consumo da gasolina e do gasóleo como combustíveis rodoviários (...) repercutindo-se nos respetivos utilizadores os custos inerentes à gestão da rede rodoviária nacional, tendo em atenção o percurso que estes realizam consumindo uma unidade de medida de combustível».
    17. Analisado o regime geral dos impostos especiais de consumo vertido na Diretiva 2008/118 e fixado o regime jurídico-tributário da CSR cumpre, então, demonstrar que a introdução (através, como se viu, da Lei n.° 55/ 2007, de 31 de agosto) deste tributo na ordem jurídica nacional, consubstancia uma violação ao direito da União Europeia e a consequente ilegalidade (abstrata) dos atos tributários, com os aqui em causa, praticados ao seu abrigo.
    18. Ora, para o efeito, bastará, em claro benefício da economia do presente processo arbitral, recordar que o TJUE já se pronunciou, expressa e especificamente, sobre esta matéria na sequência do pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.° do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia («TFUE»), pelo Tribunal constituído no âmbito do processo arbitral n.° 564/ 2020-T que correu termos no Centro de Arbitragem Administrativa («CAAD»).
    19. Assim, como observado pelo TJUE, «em primeiro lugar, como resulta da jurisprudência referida no n.° 26 do presente despacho, que, embora a afetação predeterminada do produto da CSR ao financiamento, pela concessionária da rede rodoviária nacional, das competências gerais que lhe são atribuídas possa constituir um elemento a tomar em consideração para identificar a existência de um motivo específico, na aceção do artigo 1.°, n.° 2, da Diretiva 2008/ 118, essa afetação não pode, enquanto tal, constituir um requisito suficiente» (Despacho do TJUE de 7 de fevereiro de 2022, proferido no caso Vapo Atlantic, Proc. C-460-21, n.° 29).
    20. Por seu turno, e «[e]m segundo lugar, para se considerar que prossegue um motivo específico, na aceção desta disposição, a CSR deveria destinar-se, por si só, a assegurar os objetivos de redução da sinistralidade e de sustentabilidade ambiental que foram atribuídos à concessionária da rede rodoviária nacional. Seria esse o caso, nomeadamente, se o produto deste imposto devesse ser obrigatoriamente utilizado para reduzir os custos sociais e ambientais especificamente associados à utilização dessa rede que ó onerada pelo referido imposto. Seria então estabelecida uma relação direta entre a utilização das receitas e a finalidade da imposição em causa (v., neste sentido,  Acórdãos  de  27 de fevereiro  de  2014,  Transportes  Jordi Besora, C 82 12 EU:C:2014:108, n.° 30,  e  de  25 de julho  de  2018,  Messer France, C 10,3 l7 EU:C:2018:587, n.° 38)» (Despacho do TJUE de 7 de fevereiro de 2022, proferido no caso Vapo Atlantic, Proc. C-460-21, n.° 30).
    21. «Em terceiro lugar, como resulta do n.° 14 do presente despacho, é certo que a Autoridade Tributária sustenta que existe uma relação entre a afetação das receitas geradas pela CSR e o motivo específico que levou à instituição deste imposto, uma vez que o decreto-lei que atribuiu a concessão da rede rodoviária nacional à IP impõe a esta última que trabalhe em prol, por um lado, da redução da sinistralidade nessa rede e, por outro, da sustentabilidade ambiental. No entanto, como foi salientado no n.° 15 do presente despacho, resulta da decisão de reenvio que o produto do imposto em causa no processo principal não se destina exclusivamente ao financiamento de operações que supostamente concorrem para a realização dos dois objetivos mencionados no número anterior do mesmo despacho. Com efeito, as receitas provenientes da CSR destinam-se, mais amplamente, a assegurar o financiamento da atividade de conceção, projeto, construção, conservação, exploração, requalificação e alargamento da rede rodoviária nacional» (Despacho do TJUE de 7 de fevereiro de 2022, proferido no caso Vapo Atlantic, Proc. C-460-21, n.s 31 e 32).
    22. «Em quarto lugar, os dois objetivos atribuídos à concessionária da rede rodoviária nacional portuguesa estão enunciados em termos muito gerais e não cieixam transparecer, à primeira vista, uma real vontade de desencorajar a utilização c}uer dessa rede c{uer dos principais combustíveis rodoviários, como a gasolina, o gasóleo rodoviario ou o gás de petróleo licJuefeito (GPL) automóvel. A este respeito, é significativo que o órgão jurisdicional de reenvio destaque, na redação da sua primeira questão prejudicial, que as receitas geradas pelo imposto são genericamente afetadas à concessionária da rede rodoviária nacional e que a estrutura deste imposto não atesta a intenção de desmotivar um qualquer consumo desses combustíveis» (Despacho do TJUE de 7 de fevereiro de 2022, proferido no caso Vapo Atlantic, Proc. C-460-21, n.º 33).
    23. Por último, e «[e]m quinto lugar, o pedido de decisão prejudicial não contém nenhum elemento que permita considerar que a CSR, na medida em que incide sobre os utilizadores da rede rodoviária nacional, foi concebida, no que respeita à sua estrutura, de tal modo que dissuade os sujeitos passivos de utilizarem essa rede ou que os incentiva a adotar um tipo de comportamento cujos efeitos seriam menos nocivos para o ambiente e que seria suscetível de reduzir os acidentes» (Despacho do TJUE de 7 de fevereiro de 2022, proferido no caso Vapo Atlantic, Proc. C-460-21, n.°34).
    24. Por conseguinte, como veio a concluir preclaramente o TJUE, «o artigo 1.°, n.° 2, da Diretiva 2008/ 118 deve ser interpretado no sentido de que não prossegue “motivos específicos”, na aceção desta disposição, um imposto [em concreto, a CSR] cujas receitas ficam genericamente afetadas a uma empresa pública concessionária da rede rodoviária nacional e cuja estrutura não atesta a intenção de desmotivar o consumo dos principais combustíveis rodoviários» (Despacho do TJUE de 7 de fevereiro de 2022, proferido no caso Vapo Atlantic, Proc. C-460-21, n.° 36).
    25. Em face do exposto, impõe-se, pois, concluir, sem necessidade de maiores desenvolvimentos — como resulta, de resto, das decisões proferidas nos processos arbitrais n.ºs 564/2020-T, 304/2022-T e 305/2022-T — que «a CSR, criada pela Lei n.° 55/ 2007, de 31 de Agosto, não prossegue “motivos específicos”, na aceção do artigo 1.°, n.º 2, da Diretiva 2008/118, na medida em que as suas receitas têm essencialmente como fim assegurar o financiamento da rede rodoviária nacional, não podendo considerar-se como suficiente, para estabelecer uma relação direta entre a utilização das receitas e um “motivo específico”, os objetivos genéricos de redução da sinistralidade e de sustentabilidade ambiental», consubstanciando, por conseguinte, todos os atos tributários praticados ao seu abrigo, designadamente os atos objeto do presente pedido pronúncia arbitral, uma violação do direito da União Europeia.
    26. Encontrando-se verificada a antinomia entre a CSR e o regime geral dos impostos especiais de consumo vertido na Diretiva 2008/ 118 — e, nessa medida, a ilegalidade abstrata dos atos tributários aqui em causa — resta, então, demonstrar a existência da obrigação que recai(u) sobre a Administração Tributária e Aduaneira de desaplicar as normas de fonte interna que instituíram a CSR com fundamento na apontada desconformidade com o direito da União Europeia.
    27. (…) forçoso é reconhecer, portanto, com substancial e decisivo apoio na jurisprudência do TJUE, que todos os órgãos dos Estados-Membros, incluindo a Administração pública, estão vinculados ao dever de garantir o cumprimento das obrigações decorrentes do ordenamento europeu, desaplicando, se necessário, as nomas de fonte interna que com aquele se encontrem desconformes.
    28. Isto visto, é, pois, indubitável que a Administração Tributária Aduaneira se encontra(va), em face da identificada antinomia entre as normas dispostas na Lei n.° 55/ 2007, de 31 de agosto e a Diretiva 2008/118, vinculada a desaplicar as primeiras com fundamento na sua desconformidade com a segunda.
    29. Paralela e convergentemente, verificada a referida a obrigação de desaplicação das identificadas normas internas por desconformidade com o direito da União Europeia, impõe-se, igualmente, concluir pela existência de erro imputável aos serviços, designadamente para efeitos do disposto na segunda parte do n.° 1 do artigo 78.° da Lei Geral Tributária («LGT»).
    30. Com efeito, o erro imputável aos serviços — enquanto fundamento da revisão oficiosa prevista na segunda parte do n.O 1 do artigo 78.° da LGT — recorta-se em torno de uma errónea cristalização, no ato praticado, não só das circunstâncias de facto que o mesmo pressupõe (erro de facto) mas igualmente da efetiva aplicabilidade das disposições normativas invocadas (erro de direito).
    31. Assim, como o Supremo Tribunal Administrativo tem vindo, repetidamente, a afirmar «havendo erro de direito na liquidação, por aplicação de normas nacionais que violem o direito comunitário e sendo ela efetuada pelos serviços, é à administração tributária que é imputável esse erro, sempre que a errada aplicação da lei não tenha por base qualquer informação do contribuinte. Por outro lado, esta imputabilidade aos serviços é independente da culpa de qualquer dos seus funcionários ao efetuar liquidação afetada por erro» (cf. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 12 de dezembro de 2001, Proc. 26.233) (os destacados são da Requerente).
    32. Em suma, como vem observado pelo Supremo Tribunal Administrativo — no que é acompanhado, conforme referido, pela jurisprudência do TJUE —, a Administração Tributária e Aduaneira está vinculada a desaplicar as normas nacionais que sejam, como no caso sob apreciação, desconformes com as normas do direito da União Europeia, constituindo as atuações opostas — as de não desaplicação de normas nacionais desconformes — situações de erro imputável aos serviços, passíveis, em face do assinalado incumprimento do referido poder-dever de desaplicaçíio, de fundamentar o recurso ao procedimento de revisão oficiosa de atos tributários previsto no artigo 78.° da LGT, com o consequente dever de revogação, por parte do seu autor, dos atos tributários inquinados por esse vício.
    33. Como demonstrado: i) subsiste uma antinomia entre as normas que instituíram a CSR e o regime geral dos impostos especiais de consumo vertido na Diretiva 2008/118; ii) os atos praticados ao abrigo das referidas normas internas padecer, assim, do vício de ilegalidade abstrata; iii) a Administração Tributária e Aduaneira estava obrigada a desaplicar as referidas normas internas com fundamento na aportada desconformidade com o direito da União Europeia, por forma a evitar a consequente ilegalidade abstrata dos putativos atos de aplicação; ‹r) o erro (ilegalidade) ínsito nos atos tributários sub judice é imputável aos serviços, designadamente para efeitos do disposto na segunda parte do n." 1 do artigo 78." da LGT.
    34. Neste contexto, impunha-se à Administração Tributária e Aduaneira determinar, no âmbito do procedimento de revisão oficiosa que antecede, a anulação dos atos tributários sub judice e, pelos mesmos motivos, proceder ao reembolso das quantias indevidamente suportadas pela Requerente a título de CSR.
    35. Não o tendo feito, a Administração Tributária e Aduaneira manteve na ordem jurídica atos tributários que são ilegais, razão pela qual se impõe — agora, em sede de contencioso arbitral — ao presente tribunal proceder à anulação dos mesmos.
    36. Em face de todo o exposto, devem, pois, os atos tributários objeto do presente processo arbitral ser anulados e, em consequência, devolvidas à Requerente as quantias pela mesma suportadas a título de CSR, no montante global de € 55.412,38.
    37. (…) cumpre registar que o regime vertido na alínea d) do n.º 3 do artigo 43.º da Lei LGT deve ser interpretado no sentido de nele se encontrarem incluídas as situações de ilegalidade abstrata decorrentes da desconformidade entre a norma de direito interno e o direito da União Europeia (como sucede nos presentes autos), maxime, sob pena de violação do princípio da equivalência que sobressai da jurisprudência do TJUE.
    38. (…) isto dito, recorde-se que as normas ao abrigo das quais foram praticados os atos tributários sub judice foram já declaradas ilegais em razão da sua desconformidade com o direito da União Europeia, através das decisões arbitrais proferidas no âmbito dos processos arbitrais ri.OS 564/ 2020-T, 304/ 2022-T e 305/ 2022-T em, respetivamente, 30 de março de 2022, 5 de janeiro de 2013 e 16 de janeiro de 2013.
    39. Consequentemente, tendo as referidas decisões arbitrais declarado a ilegalidade das normas legislativas (as dispostas na Lei n.° 55/ 2007, de 31 de agosto) ao abrigo das quais foram praticados os atos aqui em causa, a Requerente está investida no direito ao recebimento de juros indemnizatórios calculados desde a data dos pagamentos indevidos (cf. alínea d) do n.° 3 do artigo 43.° da LGT).
    40. Termina, pedindo o presente pedido arbitral deverá ser considerado procedente, por provado e fundado, declarando-se a ilegalidade dos atos de repercussão da CSR consubstanciados nas faturas referentes ao gasóleo rodoviário e à gasolina adquiridos pela requerente no decurso do período compreendido entre novembro de 2018 e outubro de 2022, e, bem assim, das correspondentes liquidações de CSR praticadas pela administração tributária e aduaneira com base nas DIC submetidas pelas respetivas fornecedoras de combustíveis, determinando-se, nessa medida, a sua anulação, com as demais consequências legais, designadamente, com o reembolso a requerente de todas as quantias suportadas a esse título, acrescidas dos respetivos juros indemnizatórios contados nos termos acima referidos.
  4. A Requerida apresentou resposta, invocando, de forma resumida, o seguinte:
    1. Após uma breve exposição sobre o enquadramento factual e legal, refere que a questão jurídica relacionada com a ilegalidade da liquidação da CSR, criada pela Lei n.º 55/2007, de 31 de agosto, por ser um tributo desconforme ao Direito da União Europeia, nomeadamente, ao n.º 2 do artigo 1.º da Diretiva n.º 2008/118/CE, de 16/12/2008, tendo por base o entendimento sufragado pelo despacho proferido pelo TJUE em 07/02/2022, no Proc.º C-460/21, tem vindo a ser suscitada junto do CAAD por diversos sujeitos passivos de ISP/CSR.
    2. Posteriormente, e por exceção, alega que “O presente pedido arbitral não respeita os pressupostos legais de aceitação do requerimento / petição inicial, por violação da alínea b) do n.º 2 do artigo 10.º do RJAT, requisito essencial à aceitação do pedido”.
    3. O n.º 2 do artigo 10.º do RJAT, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro dispõe que deve constar do pedido de constituição do arbitral a “A identificação do ato ou atos tributários objeto do pedido de pronúncia arbitral;(…)”
    4. Ora, a identificação do(s) ato(s) tributário(s) objeto do pedido de pronúncia arbitral é condição essencial para a aceitação do pedido de constituição do tribunal arbitral em matéria tributária, sendo que, aceite o pedido sem a identificação do ato ou atos tributários cuja ilegalidade a Requerente pretende ver sindicada, não pode o tribunal apreciá-lo.
    5. A Requerente suscita apenas a declaração da “ilegalidade dos atos de repercussão da CSR consubstanciados nas faturas referentes ao gasóleo rodoviário e à gasolina adquiridos pela requerente no decurso do período compreendido entre novembro de 2018 e outubro de 2022, e, bem assim, das correspondentes liquidações de CSR praticadas pela administração tributária e aduaneira com base nas DIC submetidas pelas respetivas fornecedoras de combustíveis”(…), limitando-se a identificar as faturas de aquisição de combustíveis ao seu fornecedor, sem identificar qualquer ato tributário.
    6. Afirmando, ainda, a Requerente, que adquiriu combustível à B... entre janeiro de 2019 e outubro de 2022 e à C..., entre novembro de 2018 e outubro de 2022, alegando que estas lhe repercutiram o preço da CSR “correspondente a cada um desses consumos, tendo a Requerente, por conseguinte, suportado integralmente este imposto” (cfr. artigos 2.º e 3.º do PPA).
    7. Ocorre que a Requerente nunca identifica as liquidações de CSR praticadas pela AT com base nas DIC submetidas pelas fornecedoras de combustíveis.
    8. E tal identificação não é feita pela Requerente, nem é possível à AT suprir tal omissão, dada a impossibilidade absoluta em estabelecer qualquer correlação/correspondência entre os atos de liquidação praticados a montante pelo seu fornecedor, o sujeito passivo de ISP/CSR, e as faturas de compra identificadas pela Requerente.
    9. Não identificando a Requerente o(s) ato(s) tributário(s) cuja legalidade pretende ver sindicada, nem com o presente pedido arbitral nem aquando submissão de pedido de revisão oficiosa, é impossível para a Requerida identificar o(s) ato(s) de liquidação em crise e exercer a faculdade prevista no artigo 13.º do RJAT antes da constituição do tribunal arbitral – questão liminarmente suscitada pela Requerida mediante requerimento junto aos autos, cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais.
    10. (…) a Requerente ao alegar que adquiriu combustíveis ao sujeito passivo, deve provar que o mesmo foi efetivamente o sujeito passivo relativamente àqueles combustíveis e principalmente, no período em causa, sendo que, nos termos do artigo 74.º da LGT, o ónus da prova de factos constitutivos de direito recai sobre quem os invoque.
    11. Aliás, a AT nem sequer poderia juntar as DICs apresentadas pelos sujeitos passivos indicados pela Requerente, no período em causa, para confronto com as faturas identificadas pela Requerente, relativas ao mesmo período, em virtude do dever de sigilo e de confidencialidade previsto no n.º 1 do artigo 64.º da LGT.
    12. Face ao exposto, ao não ser possível a identificação do/s ato/atos de liquidação não é possível sindicar a respetiva legalidade, pelo que nunca poderá o tribunal determinar a respetiva anulação total ou parcial. Ou seja, esta situação de ineptidão da petição inicial (no caso, do pedido arbitral) não é passível de superação através de atuações processuais, como seja a recolha de elementos por parte da AT.
    13. Por todo o exposto, verifica-se a exceção de ineptidão da petição inicial, na medida em que o pedido arbitral não identifica qualquer ato tributário, violando o requisito da alínea b) do n.º 2 do artigo 10.º do RJAT, o que determina a nulidade de todo o processo, e, obstando a que o tribunal conheça do mérito da causa, dá lugar à absolvição da instância, conforme artigos 186.º, n.º 1, 576.º, nºs 1 e 2, 577.º, alínea b) e 278.º, nº 1, alínea b), do CPC, aplicáveis ex vi do artigo 29.º do RJAT.
    14. Sem prejuízo do supra exposto no que concerne aos atos de liquidação, cumpre referir que, apesar de a falta de identificação do ato/atos de liquidação em discussão impedir a aferição da tempestividade do chamado “pedido de promoção de revisão oficiosa da liquidação” formulado pela Requerente,
    15. Certo é que se constata que não pode a Requerente fazer valer-se do prazo de 4 (quatro) anos previsto na segunda parte da norma vertida no artigo 78.º, n.º 1, da LGT.
    16. É que a contagem do prazo para a apresentação do pedido de revisão oficiosa da liquidação iniciase a partir do termo do prazo de pagamento do imposto, tendo por referência a data do ato de liquidação (global).
    17. Constata-se que a Requerente apresenta impugnação no tribunal arbitral em 19/05/2023 do indeferimento tácito de pedidos de revisão oficiosa alegadamente elaborados ao abrigo do artigo 78.º, n.º 1 da LGT e entregues/recebidos a 02/12/2022, conforme consta de registo CTT que ora se junta sob DOC. 1, cujo conteúdo dá-se por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais.
    18. Para a apreciação da tempestividade da apresentação do pedido arbitral não pode deixar de ser previamente apreciada a questão da tempestividade do pedido de revisão oficiosa, o que, como supra se demonstrou, é impossível. No entanto, tudo leva a crer que, o pedido de revisão oficiosa e, consequentemente, o pedido arbitral, são intempestivos.
    19. Porquanto, tomando por referência o alegado pela Requerente – aquisições no “período compreendido entre novembro de 2018 e outubro de 2022” –, a 02/12/2022 há muito que se encontrava ultrapassado o prazo da reclamação graciosa de 120 (cento e vinte) dias a contar do termo do prazo do pagamento do ISP/ CSR, previsto no artigo 78.º, n.º 1, primeira parte da LGT. Razão pela qual a Requerente fundamenta os pedidos de revisão oficiosa em erro dos serviços a estes imputável, de modo a fazer valer-se do prazo de 4 (quatro) anos previsto no artigo 78.º n.º 1, segunda parte da LGT.
    20. No entanto, estando a Requerida vinculada ao princípio da legalidade e tendo a Requerida efetuado toda e qualquer liquidação em estrita observância dos normativos legais em vigor e aplicáveis à data dos factos, não existe qualquer erro imputável aos serviços.
    21. Face ao exposto, verifica-se que o vício do pedido arbitral decorrente da falta de identificação do(s) ato(s) tributário(s) em crise tem, entre outros, como efeito a impossibilidade de se aferir em pleno da tempestividade do pedido de revisão oficiosa e de reembolso por alegado pagamento de valores a título de alegada repercussão económica da CSR, e, consequentemente, da tempestividade do pedido arbitral.
    22. Não obstante, e mesmo que apenas parcialmente, na estrita medida do supra exposto constata-se caducidade do (alegado) direito de ação por parte da Requerente, o que consubstancia, salvo douto e melhor entendimento, uma exceção perentória, devendo, nessa medida, a Requerida ser absolvida do pedido (cf. artigos 576.º, n.º 3 e 579.º do CPC, ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT)
    23. No entanto, e ainda que assim não se entenda, sempre consubstanciará uma exceção dilatória por assim ser qualificada especialmente nos termos e para o efeito do disposto nos artigos 89.º n.ºs 1, 2 e 4, alínea k), do CPTA, devendo, nessa medida, ser a Requerida absolvida do pedido1 ou da instância.
    24. Sem conceder, alega igualmente ilegitimidade processual da requerente ao referir que “no entanto, e ainda que assim não se entenda, sempre consubstanciará uma exceção dilatória por assim ser qualificada especialmente nos termos e para o efeito do disposto nos artigos 89.º n.ºs 1, 2 e 4, alínea k), do CPTA, devendo, nessa medida, ser a Requerida absolvida do pedido1 ou da instância Especiais sobre o Consumo, aprovado pelo Decreto-Lei n.0 73/2010, de 21 de junho]», é sobre o consumidor de combustíveis, como a aqui Requerente, que recai, nos termos da lei, o encargo daquele tributo”, conforme artigo 25.º do PPA”.
    25. Ora, nos termos do n.º 1 e 4 do artigo 9.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), aplicáveis por força da alínea a) do n.º 1 do artigo 29º do RJAT, têm legitimidade no processo judicial tributário, além da administração tributária, os contribuintes, incluindo substitutos e responsáveis, e quaisquer outras pessoas que provem interesse legalmente protegido.
    26. Por sua vez, na alínea a) do n.º 4 do artigo 18.º da Lei Geral Tributária (LGT) é reconhecido o direito de reclamar, recorrer, impugnar ou apresentar pedido de pronúncia arbitral, nos termos das leis tributárias, a quem, embora não sendo sujeito passivo do imposto, suporte por repercussão legal o encargo tributário.
    27. Ora, a lei é clara em afirmar que só a efetiva repercussão legal do imposto, distinta da repercussão meramente económica ou de facto, legitima o pressuposto processual positivo do interesse em agir, que se transfere do repercutente para o repercutido.
    28. A CSR não é, no entanto, um imposto de repercussão legal, já que a sua incorporação pelo fornecedor no preço do combustível vendido não resulta de qualquer imposição ou faculdade que seja concedida àquele pelo legislador, mas de uma relação jurídica de direito privado, não estando, assim, abrangida pela parte final da alínea b) do n.º 4 do artigo 18.º da LGT.
    29. E mais, o n.º 2, do artigo 15.º do CIEC, aplicável por força do artigo 5.º da Lei n.º 55/2007, estabelece que o reembolso só poderá ser solicitado pelos sujeitos passivos referidos no n.º 1 e na alínea a) do n.º 2 do artigo 4.º!
    30. Como tal, no âmbito dos IEC, de acordo com o estatuído nos artigos 15.º e 16.º do CIEC, os múltiplos adquirentes dos produtos não têm legitimidade para efeitos de solicitação da revisão do ato tributário e consequente pedido de reembolso do imposto.
    31. Ora, não sendo a Requerente sujeito passivo nos termos e para o efeito do disposto no artigo 4.º do CIEC, não tem legitimidade nos termos supra nem para apresentar pedido de revisão oficiosa nem, consequentemente, o presente pedido arbitral.
    32. A entidade Requerente não integra nem é parte da relação tributária subjacente à liquidação contestada, não sendo o devedor, nem quem estava obrigado ao seu pagamento ao Estado, o que, não só impossibilita a identificação, quer das liquidações concretas na origem das imposições objeto da alegada repercussão, quer da alfândega que efetuou essa liquidação, com competência para a apreciação do pedido de revisão ou anulação da liquidação, se viesse a ser o caso.
    33. Pelo que, carece a Requerente de legitimidade ativa que sustente a sua pretensão, devendo o Tribunal arbitral abster-se de conhecer do mérito da causa e absolver a AT da instância, cfr. artigos 278.º, n.º 1, alínea d), 576.º, n.ºs 1 e 3 e 579.º todos do CPC, aplicáveis ex vi do artigo 29º, n.º 1, alínea e), do RJAT.
    34. Acresce que, no entender da Requerida, as transações que ocorrem após a introdução no consumo, independentemente do número de intervenientes na cadeia de abastecimento/comercialização, não têm por base um ato de liquidação específico, não podendo assim ser identificado, em concreto, o ato tributário que lhe está subjacente.
    35. No caso em apreço, a Requerente não é sujeito passivo nem de ISP nem de CSR. Não efetuou qualquer introdução no consumo de produtos petrolíferos. Não integrou nem integra nem é parte da relação tributária subjacente à liquidação contestada (não era/é devedora nem era/é a entidade que estava obrigada a proceder ao pagamento ao Estado). E, conforme se exporá infra, alega, mas não concretiza, nem fundamenta nem logra provar que efetuou qualquer pagamento a título de CSR.
    36. Pelo que, salvo douto e melhor entendimento, carece a Requerente não só de legitimidade processual como também de legitimidade substantiva
    37. Note-se, por mero exercício de raciocínio lógico, que, a aceitar-se que a Requerente tenha legitimidade para efetuar o pedido de revisão e de anulação parcial da liquidação do ISP, reclamando o reembolso da CSR alegadamente suportada, o que não se concede, nem concebe e apenas por dever de patrocínio se equaciona, para além de se estar sem fundamento perante a violação de normas da constelação normativa dos IEC, poder-se-ia estar perante uma situação de ilegítima, infundada e indevida restituição reiterada de elevadas quantias monetárias a diversas entidades com base nos mesmos (alegados) factos, sem qualquer possibilidade de controlo.
    38. Note-se, por mero exercício de raciocínio lógico, que, a aceitar-se que a Requerente tenha legitimidade para efetuar o pedido de revisão e de anulação parcial da liquidação do ISP, reclamando o reembolso da CSR alegadamente suportada, o que não se concede, nem concebe e apenas por dever de patrocínio se equaciona, para além de se estar sem fundamento perante a violação de normas da constelação normativa dos IEC, poder-se-ia estar perante uma situação de ilegítima, infundada e indevida restituição reiterada de elevadas quantias monetárias a diversas entidades com base nos mesmos (alegados) factos, sem qualquer possibilidade de controlo.
    39. Por tudo o exposto, inexistindo efetiva titularidade do direito a que se arroga, carece igualmente a Requerente de legitimidade substantiva, o que consubstancia uma exceção perentória nos termos e para o efeito do disposto no artigo 576.º n.º 1 e n.º 3 do CPC, aplicável ao presente processo por via do artigo 29.º, n.º 1 alínea e) do RJAT, devendo a Requerida ser absolvida do pedido.
    40. Alega igualmente falta de interesse em agir por parte da Requerente, argumentando que (…) Por tudo o exposto, inexistindo efetiva titularidade do direito a que se arroga, carece igualmente a Requerente de legitimidade substantiva, o que consubstancia uma exceção perentória nos termos e para o efeito do disposto no artigo 576.º n.º 1 e n.º 3 do CPC, aplicável ao presente processo por via do artigo 29.º, n.º 1 alínea e) do RJAT, devendo a Requerida ser absolvida do pedido.
    41. Alega igualmente, incompetência relativa do tribunal arbitral em razão da matéria ao referir que “A espécie tributária da CSR é qualificada como contribuição financeira e não como imposto, encontrando-se, assim, excluída da arbitragem tributária, por força do disposto nos artigos 2.º e 3.º do RJAT, aprovado pelo Decreto-Lei nº 10/2011, de 20 de janeiro e do artigo 2.º da Portaria nº 112-A/2011, de 22 de março, pelas quais a vinculação da Administração Tributária à jurisdição dos tribunais arbitrais se reporta apenas à apreciação de pretensões relativas a impostos, não abrangendo os tributos que devam ser qualificados como contribuição”.
    42. Referindo que “nesta matéria, seguimos o teor do Acórdão proferido no Processo arbitral nº 714/2020-T, que tem como objeto a Contribuição Extraordinária Sobre o Sector Energético (CESE), ao estabelecer que: “(…) o Acórdão proferido no Procº 48/2012-T, depois seguido por diversos outros arestos, consignou o seguinte: “A competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD é, em primeiro lugar, limitada às matérias indicadas no artigo 2.º, nº 1, do RJAT; Numa segunda linha, a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD é também limitada pelos termos em que a Administração Tributária se vinculou àquela jurisdição, concretizados na Portaria nº 112-A/2011, de 22 de Março, pois o artigo 4.º do RJAT estabelece que “a vinculação da administração tributária à jurisdição dos tribunais constituídos nos termos da presente lei depende de portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da justiça, que estabelece, designadamente, o tipo e o valor máximo dos litígios abrangidos”. Em face desta segunda limitação da competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, a resolução da questão da competência depende essencialmente dos termos desta vinculação, pois, mesmo que se esteja perante uma situação enquadrável naquele artigo 2.º do RJAT, se ela não estiver abrangida pela vinculação estará afastada a possibilidade de o litígio ser jurisdicionalmente decidido por este tribunal arbitral”. No caso, a Portaria de vinculação, aparentemente, estabelece duas limitações: referese a pretensões “relativas a impostos”, de entre aquelas que se enquadram na competência genérica dos tribunais arbitrais, e a impostos “cuja administração esteja cometida à Autoridade Tributária”. Haverá de concluir-se, nestes termos, que a vinculação se reporta a qualquer das pretensões mencionadas no artigo 2.º, nº 1, do RJAT que respeitem a impostos – com exclusão de outros tributos – e a impostos que sejam geridos pela Autoridade Tributária.
    43. Acrescentando que a competência da instância arbitral no que concerne à impugnação de contribuições financeiras foi igualmente objeto de análise, designadamente, nos Processos arbitrais n.ºs 123/2019-T, 138/2019-T, 182/2019-T, 248/2019-T, 585/2020-T, 31/2023-T e 508/2023-T, estes últimos relativos a CSR, sendo consensual o entendimento de que, a sindicância de tais contribuições, se encontra excluída da competência dos tribunais arbitrais tributários. E, quanto à natureza jurídica da CSR, não se suscitam dúvidas de que a mesma, à luz do direito aplicável à data dos factos, constitui uma contribuição financeira, distinguindo-se, assim, do imposto.
    44. Ou seja, independentemente do nomen iuris ou da natureza jurídica da CSR, mista entre taxa e imposto, a verdade é que não é, por definição, um imposto e, portanto, o CAAD não tem competência para decidir sobre o mesmo.
    45. Razões pelas quais, a sindicância dos atos de liquidação de CSR está fora do âmbito das matérias suscetíveis de apreciação em sede arbitral, verificando-se a exceção dilatória que se traduz na incompetência material do tribunal arbitral, a qual prejudica o conhecimento do mérito da causa, devendo determinar a absolvição da Entidade Requerida da instância, atento o disposto nos artigos 576.º, nº 1 e 577.º, alínea a) do CPC, aplicáveis ex vi da alínea e), do nº 1, do artigo 29.º do RJAT.
    46. Continua, alegando, a falta de pagamento dos valores a título de CSR por parte da Requerente ao referir “Alega a Requerente que adquiriu às fornecedoras de combustíveis, à B... 3.455,37 litros de gasolina e 35.912,41 litros de gasóleo rodoviário entre janeiro de 2019 e outubro de 2022, e à C..., durante o período compreendido entre novembro de 2018 e outubro de 2022, 460.590,00 litros de gasóleo rodoviário, e que “as mencionadas fornecedoras de combustíveis repercutiram nas respetivas faturas a CSR correspondente a cada um desses consumos, tendo a Requerente, por conseguinte, suportado integralmente este imposto”, ou seja, “com a aquisição do referido combustível, a Requerente suportou, assim, a título de CSR, a quantia global de € 55.412,38” – vide artigos 2.º, 3.º e 4.º do pedido arbitral.”.
    47. Sucede que, salvo douto e melhor entendimento, não faz a Requerente prova do que alega. Aliás, note-se que não se sabe, nem tem como se saber, qual o valor alegadamente pago pela Requerente pela alegada aquisição de gasolina e o gasóleo rodoviário entre novembro de 2018 e outubro de 2022, pois não refere a Requerente qualquer informação a esse respeito, Aliás, note-se que não se sabe, nem tem como se saber, qual o valor alegadamente pago pela Requerente pela alegada aquisição de gasolina e o gasóleo rodoviário entre novembro de 2018 e outubro de 2022, pois não refere a Requerente qualquer informação a esse respeito.
    48. Não se encontrando, ademais, junto aos autos quaisquer faturas-recibo ou recibos de pagamento ou notas de crédito ou extratos bancários ou quaisquer outros documentos que o comprovem.
    49. Consequentemente, é forçoso concluir que não logra a Requerente fazer prova de que efetivamente ocorreu repercussão económica e, nessa sequência efetuou o pagamento e consequentemente suportou o valor da CSR.
    50. Assim, está-se perante uma exceção perentória nos termos e para o efeito do disposto nos artigos 576.º n.º 1 e n.º 3 do CPC, aplicável ao presente processo por via do artigo 29.º, n.º 1 alínea e) do RJAT, devendo a Requerida ser absolvida do pedido.
    51. Termina a matéria de exceção, alegando o incidente de intervenção provocada, referindo que caso o Tribunal arbitral considere que a ora Requerente goza de legitimidade para a interposição do presente pedido de pronúncia arbitral, o que apenas por mero dever de raciocínio se concede, vem a AT suscitar o incidente de intervenção principal provocada das sociedades B..., S.A. e C..., S.A., melhor identificadas nos documentos juntos pela Requerente, nos termos seguintes. De acordo com o artigo 57.º do CPTA, “para além da entidade autora do ato impugnado, são obrigatoriamente demandados os contrainteressados a quem o provimento do processo impugnatório possa diretamente prejudicar ou que tenham legítimo interesse na manutenção do ato impugnado e que possam ser identificados em função da relação material em causa ou dos documentos contidos no processo administrativo”. E conforme dispõe o artigo 316.º do CPC, aplicável ex vi do artigo 2.º do CPPT, “1 - Ocorrendo preterição de litisconsórcio necessário, qualquer das partes pode chamar a juízo o interessado com legitimidade para intervir na causa, seja como seu associado, seja como associado da parte contrária. (…) 3 - O chamamento pode ainda ser deduzido por iniciativa do réu quando este: a) Mostre interesse atendível em chamar a intervir outros litisconsortes voluntários, sujeitos passivos da relação material controvertida; b) Pretenda provocar a intervenção de possíveis contitulares do direito invocado pelo autor.” (…) 3 - O chamamento pode ainda ser deduzido por iniciativa do réu quando este: a) Mostre interesse atendível em chamar a intervir outros litisconsortes voluntários, sujeitos passivos da relação material controvertida; b) Pretenda provocar a intervenção de possíveis contitulares do direito invocado pelo autor.”
    52. Ora, a considerar-se que a Requerente tem legitimidade para interpor a presente ação, o que apenas por mera hipótese se coloca, é essencial para a descoberta da verdade a intervenção dos efetivos sujeitos passivos da espécie tributária em juízo. Isto porque só os sujeitos passivos poderão afirmar e provar, nomeadamente, se houve a repercussão do tributo em causa, quais são, efetivamente, as liquidações, quanto foi pago a título de CRS, e não menos importante, se os sujeitos passivos pediram o reembolso.
    53. Para além do referido, tanto a B..., S.A., quanto a C..., S.A., tem interesse direto na ação em causa, na medida em que, caso a Requerente tenha sucesso na presente causa e obtenha o pretendido reembolso, os sujeitos passivos ficarão impedidos de o fazer.
    54. A AT não pode vir a ser obrigada a restituir em duplicado um imposto que, obviamente só foi pago uma vez, sob pena de enriquecimento sem causa de todos os que recebessem tal reembolso, para além do sujeito ao qual efetivamente venha a ter direito.
    55. Por impugnação, alegam que nos termos do artigo 15.º do Código do Impostos Especiais sobre o Consumo (CIEC) podem solicitar o reembolso do imposto pago, os sujeitos passivos referidos no n.º 1 e na alínea a) do n.º 2 do artigo 4.º que tenham procedido à introdução no consumo dos produtos em território nacional e provem o pagamento do respetivo imposto. A Requerente também não consegue demonstrar que o valor pago pelos combustíveis que adquiriu, tem incluído o valor da CSR pago pelo sujeito passivo. Mais ainda, não alega nem tão pouco invoca, ou informa, se o seu fornecedor não solicitou ele próprio a devolução da CSR, pelos mesmos factos, mesmos fundamentos e mesmo pedido da Requerente.
    56. Mais ainda, não alega nem tão pouco invoca, ou informa, se o seu fornecedor não solicitou ele próprio a devolução da CSR, pelos mesmos factos, mesmos fundamentos e mesmo pedido da Requerente.
    57. Uma eventual decisão favorável à Requerente poderia implicar a devolução da CSR a todos os intervenientes na cadeia de comercialização dos combustíveis, incluindo, para além dos que pagaram os serviços prestados pela Requerente, todos os consumidores finais de combustíveis, o que, obviamente, significaria enriquecimento sem causa de todos os que recebessem tal devolução, que não o sujeito passivo.
    58. Acresce que, partindo do pressuposto que o valor pago pelo combustível adquirido engloba as imposições pagas, os montantes referenciados no requerimento, que a Requerente entende que pagou em sede de CSR são incorretos, conforme melhor suprarreferido, uma vez que se limitou a aplicar à quantidade de litros fornecidos e constantes das faturas dos seus fornecedores, a taxa de CSR que se encontrava em vigor às datas das mesmas.
    59. Ocorre que, conforme explanado acima, se encontra determinado pelo artigo 91.º do CIEC, a unidade tributável dos produtos petrolíferos e energéticos (e consequentemente da CSR) é de 1000 l convertidos para a temperatura de referência de 15°C.
    60. Não tendo existido certificação da medição da temperatura na descarga do combustível adquirido (temperatura ambiente), que em atos de medição de reservatórios certificados (varejos) dos sujeitos passivos de imposto, designamos por temperatura observada (TO), não é possível realizar a correspondência para o número de litros a 15º C, pelo que, é impossível na fase da cadeia logística em que a Requerente se encontra, determinar a unidade tributável para efeitos de determinação da CSR e, consequentemente, saber, a eventual parte da CSR incluída no preço pago pelo combustível adquirido.
    61. Inexistindo qualquer dúvida, conforme referido, que, no que concerne aos impostos especiais sobre o consumo, o regime previsto no CIEC (artigos 15.º a 20.º) é o aplicável quando se suscite a questão da revisão do ato tributário e consequente reembolso com os fundamentos previstos nas mesmas normas, incluindo o do erro na liquidação. Ora, não se encontram reunidos os pressupostos no artigo 78.º da LGT que, desde logo, dispõe, conforme decorre do n.º 1, que a revisão dos atos tributários pela entidade que os praticou pode ser efetuada por iniciativa do sujeito passivo, no prazo de reclamação administrativa e com fundamento em qualquer ilegalidade, ou, por iniciativa da administração tributária.
    62. Não se encontrando, tal direito, como se vê, incluído na esfera jurídica do repercutido económico, nunca poderia a entidade em que alegadamente teria sido repercutido o imposto apresentar pedido de revisão ou de reembolso por erro.
    63. Esta situação contém duas relações jurídicas distintas: a relação jurídica de imposto pela qual o Estado é credor de uma certa quantia de um sujeito passivo, e a obrigação de Direito Civil, pela qual a Requerente, na medida em que entende ser repercutida, poder vir a ter o direito de exigir uma certa quantia (do mesmo montante da quantia devida a título de imposto, mas não a mesma quantia) do sujeito passivo.
    64. O que não pode é vir pedir à AT o reembolso de um imposto que nunca entregou ao Estado. E a admitir-se a condenação da AT à restituição dos montantes que a Requerente alegadamente suportou, a título de CSR, poderia conduzir-se ao absurdo de a AT vir a ser, sucessivamente, condenada no reembolso, aos sujeitos passivos do ISP/CSR, de elevados montantes cobrados a título de CSR, bem como dos correspondentes juros, no mesmo período, que no caso em concreto, medeia entre 2018 e 2022 (até à entrada em vigor das alterações decorrentes da Lei nº 24-E/2022, de 30 de dezembro).
    65. Ou seja, uma única liquidação de CSR poderia dar lugar ao absurdo de reembolso da quantia liquidada e cobrada multiplicada pelo número de integrantes da cadeia de comercialização de gasolina e gasóleo.
    66. Mais, sem a possibilidade de identificar o registo de liquidação correspondente às transações posteriores, uma vez que as vendas e consequente repercussão das imposições são posteriores ao facto gerador do imposto, a declaração de introdução no consumo pelo sujeito passivo que esteve na origem da liquidação, no cúmulo, a AT poderia vir a ser sucessivamente condenada a pagar montantes de CSR, mais do que uma vez, a todos os diferentes operadores económicos intervenientes na cadeia comercial de combustíveis.
    67. Além do mais, para todos os efeitos, refira-se que, quanto à fornecedora C..., foi apurado que aquela só apresentou DIC’s nos anos de 2021 e 2022, não tendo processado qualquer DIC em 2018 e 2019, anos a que se referem as faturas incluídas no Doc. 3 junto com o PPA. Deste modo, quanto aos combustíveis eventualmente adquiridos nos anos de 2018 e 2019, pela Requerente à C..., não podem tais faturas sustentar um pedido de reembolso com fundamento na repercussão, já que as mesmas seriam referentes a combustível introduzido no consumo em anos anteriores. Efetivamente, e porque as introduções no consumo são efetuadas, nos termos do CIEC, formalizadas através das respetivas DIC, em momento anterior ao da sua disponibilização no mercado, sendo o combustível adquirido, posteriormente, pelos vários intervenientes na cadeia de distribuição e consumo, conclui-se que, relativamente aos atos de liquidação subjacentes à venda do combustível a que alegadamente se referem as faturas em questão, tendo ocorrido antes 2018 e 2019, os mesmos atos não podem ser objeto de anulação porquanto, para todos os efeitos, já teria precludido o direito ao seu reembolso, em consonância com o acima aludido em sede de exceção.
    68. Acresce que, face a todo exposto quanto ao regime específico do ISP e da CSR, o procedimento da globalização mensal das DIC para efeitos de aplicação de uma única liquidação (liquidação global), a circunstância de as transações posteriores à liquidação do ISP/CSR se destinarem a uma multiplicidade de destinos/clientes e a possibilidade-regra da existência de vários intervenientes na cadeia de abastecimento/comercialização de combustíveis até ao consumidor final, e demais características próprias da CSR, parece-nos que fica suficientemente claro que não é possível fazer qualquer paralelismo entre o ISP/CSR e o Imposto de Selo (IS), nem entre o mecanismo de repercussão económica da CSR e o da repercussão legal do IS, como pretende fazer querer a Requerente no seu requerimento de 08/09/2023.
    69. E atenta a regra geral prevista no n.º 1 do artigo 342.º do Código Civil, não se diga que incumbe à AT fazer a prova da não repercussão, entendendo a jurisprudência que, por força do princípio constitucional da proporcionalidade, a maior complexidade da prova de factos negativos necessitará de ter como resultado uma menor exigência probatória por parte do magistrado, mas não uma inversão do ónus da prova (cf. acórdão do STA de 17.12.2008, proferido no Processo n.º 0327/08)
    70. E atenta a regra geral prevista no n.º 1 do artigo 342.º do Código Civil, não se diga que incumbe à AT fazer a prova da não repercussão, entendendo a jurisprudência que, por força do princípio constitucional da proporcionalidade, a maior complexidade da prova de factos negativos necessitará de ter como resultado uma menor exigência probatória por parte do magistrado, mas não uma inversão do ónus da prova (cf. acórdão do STA de 17.12.2008, proferido no Processo n.º 0327/08)
    71. Pelo que, exigir que seja a Requerida a fazer prova de que não houve repercussão, isto é, fazer prova de facto negativo, configura uma exigência de prova diabólica, a qual é inconstitucional por violação dos princípios da proporcionalidade, da tutela jurisdicional efetiva e do processo equitativo, preceituados nos artigos 2.º e 20.º da Constituição da República Portuguesa, e do direito ao contraditório e à ampla defesa.
    72. O que, aliás, tem vindo a ser defendido na maioria das decisões arbitrais atinentes à CSR, sua legalidade e repercussão, na sequência de pedidos de pronúncia arbitral/impugnações arbitrais, apresentados por sujeitos passivos, estando nelas em causa a mesma questão de direito.
    73. O que, aliás, tem vindo a ser defendido na maioria das decisões arbitrais atinentes à CSR, sua legalidade e repercussão, na sequência de pedidos de pronúncia arbitral/impugnações arbitrais, apresentados por sujeitos passivos, estando nelas em causa a mesma questão de direito.
  1. SANEAMENTO
  1. O Tribunal foi regularmente constituído.
  2. As partes têm personalidade e capacidade judiciárias (cf. artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).
  3. Em face das questões prévias colocadas (relativas, nomeadamente, à ineptidão do pedido de pronúncia arbitral, à competência do Tribunal Arbitral e à ilegitimidade das Requerentes), impõe-se o conhecimento prioritário das mesmas (vd., infra, IV.). Seguir-se-á – se a resposta àquelas o permitir – a análise do mérito do pedido.
  1. MATÉRIA DE FACTO
  1. Factos provados
  1. Com relevo para a decisão, importa atender aos seguintes factos que se julgam provados:
    1. A Ora Requerente é sociedade de direito português, com sede e direção efetiva em Portugal.
    2. As fornecedoras de combustíveis entregam ao Estado, enquanto sujeitos passivos da respetiva relação jurídico-tributária, os valores apurados nos atos de liquidação conjunta de Imposto sobre os Produtos Petrolíferos e Energéticos («ISP») e de CSR praticados pela Autoridade Tributária e Aduaneira com base nas DIC por aquelas submetidas.
    3. A Requerente adquiriu (Docs. 1 a 3):
      1. à B..., durante o período compreendido entre janeiro de 2019 e outubro de 2022, 3.455,37 litros ele gasolina e 35.912,41 litros de gasóleo rodoviário; e
      2. à C..., durante o período compreenc4icJo entre novembro de 2018 e outubro de 2022, 460.590,00 litros de gasóleo rodoviário.
    4. As mencionadas fornecedoras de combustíveis repercutiram nas respetivas faturas a CSR correspondente a cada um desses consumos, tendo a Requerente, por conseguinte, suportado integralmente este imposto (Docs. 1 a 3).
    5. A Requerente deduziu, a 30 de novembro de 2022, junto da Alfândega do Jardim do Tabaco e da Alfândega de Aveiro, dois pedidos de promoção de revisão oficiosa com vista à anulação das referidas liquidações de CSR e dos consequentes atos de repercussão consubstanciados nas faturas emitidas pelas mencionadas fornecedoras de combustíveis referentes ao gasóleo rodoviário e à gasolina àquelas adquiridos pela Requerente no referido período de novembro de 2018 a março de 2022.
    6. Não tendo a Requerente sido notificada, até à presente data, de qualquer decisão referente aos mencionados pedidos de promoção de revisão oficiosa — e tendo, em consequência, se verificado a presunção de indeferimento tácito das suas pretensões —, vem a mesma apresentar o presente pedido de pronúncia arbitral, com vista à obtenção da declaração de ilegalidade dos mencionados atos tributários.
  1. Factos não provados
  1. Não foi feita prova de que tenha sido a Requerente a suportar economicamente o imposto em causa, dado que, para fazer tal prova, seria necessário demonstrar duas vertentes cumulativas:
    1. Que a CSR foi repercutida à ora Requerente, quais os montantes e em que períodos;
    2. Que foi a Requerente que suportou em definitivo o encargo da CSR, i.e., que no preço dos serviços de transportes que presta aos seus clientes não estava contemplada a repercussão de CSR (e/ou a medida em que não o estava), por forma a poder sustentar que suportou, de forma efetiva, o encargo do imposto. A Requerente limita-se a juntar declarações genéricas dos seus fornecedores de combustíveis, as quais estão longe de conter os elementos concretos indispensáveis à comprovação do acima exposto.
  1. Fundamentação da decisão da matéria de facto
  1. Relativamente à matéria de facto, o Tribunal não tem de se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. n.º 2 do artigo 123.º do CPPT e n.º 3 do artigo 607.ºdo CPC, aplicáveis ex vi alíneas a) e e) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT).
  2. Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis das questões de direito (cfr. n.º 1 do anterior artigo 511.º, do CPC, correspondente ao atual artigo 596.º, aplicável ex vi alínea e) do n.º 1 do artigo 29.º, do RJAT).
  3. Tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do n.º 7 do artigo 110.º do CPPT, a prova documental e o processo administrativo juntos aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados, com base nos elementos documentais aí indicados.
  1. DO DIREITO E DO MÉRITO
  1. Questões prioritárias a decidir
    1. Ineptidão do Pedido de Pronúncia Arbitral (“PPA”)
      1. Improcede a arguida ineptidão, pois não se verifica nenhuma das situações elencadas no artigo 186.º do Código de Processo Civil (CPC), nomeadamente, a falta ou ininteligibilidade do pedido ou da causa de pedir, ou a contradição entre estes, nem a falta dos requisitos previstos no artigo n.º 2 do 78.º, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA). Questão distinta é a de saber se a ação proposta tem condições de procedência – o que, porém, constitui discussão alheia à da invocada ineptidão e se prende com o mérito.
    2. Competência do Tribunal Arbitral
      1. O Tribunal é competente para conhecer da ilegalidade de liquidações de Contribuição de Serviço Rodoviário (“CSR”), em linha com a argumentação constante da decisão do Processo Arbitral n.º 304/2022-T, de 5/1/2023, pois estamos perante um imposto. Neste sentido, reproduzem-se alguns excertos auto-explicativos da mencionada decisão:

«Baseando-nos em todas os anteriores contributos jurisprudenciais e doutrinários, mas sobretudo no último acórdão citado do STA, concluímos que não é o simples facto de um tributo ter, desde logo, a designação de “contribuição” (ac. TC n.º 539/2015) e nem o facto de esse tributo ter a respetiva receita consignada (ac. TC n.º 232/2022), que o qualifica automaticamente como “contribuição financeira”; antes é, para tal, necessário, como judicia o STA, que esse tributo tenha com finalidade compensar prestações administrativas realizadas de que o sujeito passivo seja presumidamente beneficiário.” Com efeito, o sistema tributário comporta tributos que têm a designação de “contribuições” e são verdadeiros impostos, como se extrai, desde logo, do n.º 3 do art.º 4.º da LGT. Por outro lado, o sistema tributário comporta igualmente impostos que, ao arrepio do princípio da não consignação da receita dos impostos (estabelecido no art.º 7.º da Lei de Enquadramento Orçamental[5]), têm a sua receita consignada (vg. ac. TC n.º 369/99, de 16.06.1999, proc. 750/98). Por conseguinte, nem o nomen juris “contribuição”, nem a afetação da receita a uma finalidade específica são suficientes para qualificar um tributo como “contribuição financeira”. O elemento decisivo para essa qualificação é a existência de uma estrutura de comutatividade que se estabelece entre o ente beneficiário da receita e os sujeitos passivos do tributo. […] Ou seja, para que possamos afirmar estar-se perante uma “contribuição financeira”, é necessário que as prestações públicas que constituem a contrapartida coletiva do tributo beneficiem ou sejam causadas pelos respetivos sujeitos passivos. […] Entendemos, assim, que o que distingue uma “contribuição financeira” de um imposto de receita consignada é a necessária circunstância, de, na primeira, a atividade da entidade pública titular da receita tributária ter um vínculo direto e especial com os sujeitos passivos da contribuição. Tal vínculo pode consistir no benefício que os sujeitos passivos, em particular, retiram da atividade da entidade pública, ou pode consistir num nexo de causalidade entre a atividade dos sujeitos passivos e a necessidade da atividade administrativa da entidade pública. A Contribuição de Serviço Rodoviário não cabe em nenhuma destas hipóteses. Desde logo, a CSR não tem como pressuposto uma prestação, a favor de um grupo de sujeitos passivos, por parte de uma pessoa coletiva. A contribuição é estabelecida a favor da EP — Estradas de Portugal, E. P. E. (art. 3.º, n.º 2 da Lei n.º 55/2007), sendo essa mesma entidade a titular da receita correspondente (art.º 6.º). No entanto, os sujeitos passivos da contribuição (as empresas comercializadoras de produtos combustíveis rodoviários) não são os destinatários da atividade da EP — Estradas de Portugal, E. P. E., a qual consiste na “conceção, projeto, construção, conservação, exploração, requalificação e alargamento” da rede de estradas (art. 3.º, n.º 2 da Lei n.º 55/2007). Em segundo lugar, também não se encontra base legal alguma para afirmar que a responsabilidade pelo financiamento da tarefa administrativa em causa – que no caso será a “conceção, projeto, construção, conservação, exploração, requalificação e alargamento da rede de estradas” – é imputável aos sujeitos passivos da contribuição, que são as empresas comercializadoras de combustíveis rodoviários. Pelo contrário, o art.º 2.º da Lei n.º 55/2007 diz expressamente que o “financiamento da rede rodoviária nacional a cargo da EP - Estradas de Portugal, E.P. E., (...), é assegurado pelos respetivos utilizadores e, subsidiariamente, pelo Estado, nos termos da lei e do contrato de concessão aplicável.” Portanto, apesar de ser visível, de forma clara, o elemento de afetação da contribuição para financiar a atividade de uma entidade pública não territorial – a EP - Estradas de Portugal, E. P. E. – não é de modo algum evidente a existência, pelo contrário, afigura-se inexistir um “nexo de comutatividade coletiva” entre os sujeitos passivos e a responsabilidade pelo financiamento da respetiva atividade, ou entre os sujeitos passivos e os benefícios retirados dessa atividade. A Contribuição de Serviço Rodoviário visa financiar a rede rodoviária nacional a cargo da EP — Estradas de Portugal, E. P. E. (art.º 1.º da Lei 55/2007). O financiamento da rede rodoviária nacional a cargo da EP — Estradas de Portugal, E. P. E., é assegurado pelos respetivos utilizadores (art.º 2.º). São, estes, como se conclui, os sujeitos que têm um vínculo com a atividade da entidade titular da contribuição e com a atividade pública financiada pelo tributo; são eles os beneficiários, e são eles os responsáveis pelo seu financiamento. No entanto, a contribuição de serviço rodoviário é devida pelos sujeitos passivos do imposto sobre os produtos petrolíferos e energéticos, que, nos termos do art.º 4.º n.º 1, al. a) do CIEC, são os “depositários autorizados” e os “destinatários registados”, não existindo qualquer nexo específico entre o benefício emanado da atividade da entidade pública titular da contribuição e o grupo dos respetivos sujeitos passivos. Embora a Autoridade Tributária afirme que a posição dos revendedores de produtos petrolíferos é a de uma “espécie de substituição tributária”, não entendemos assim, pois tal entendimento não tem apoio na lei. Nos termos do n.º 1 do art.º 20.º da LGT, “a substituição tributária verifica-se quando, por imposição da lei, a prestação tributária for exigida a pessoa diferente do contribuinte”. Para que estivéssemos, no caso presente, perante uma situação de substituição tributária, era necessário que os consumidores que pagam o preço dos combustíveis aos revendedores estivessem na posição de “contribuintes”. Sobre o conceito de contribuintes, o n.º 3 do art.º 18.º diz que “o sujeito passivo é a pessoa singular ou coletiva, o património ou a organização de facto ou de direito que, nos termos da lei, está vinculado ao cumprimento da prestação tributária, seja como contribuinte direto, substituto ou responsável.” De onde se retira que o contribuinte é uma das espécies da categoria “sujeitos passivos” e estes são as pessoas (ou entidades) que estão obrigadas ao pagamento da prestação tributária, o que não acontece com os consumidores dos combustíveis. Concluímos, assim, que não estamos perante uma situação de substituição, pelo que os sujeitos passivos da CSR são igualmente os respetivos contribuintes diretos. Ainda poderia acrescentar-se que o universo de entidades que beneficiam ou dão causa à atividade financiada pela CSR não é um grupo delimitado de pessoas, mas é toda a população de um modo geral. E que o efetivo sacrifício fiscal, suportado através de uma repercussão meramente económica, não é suportado apenas pelos que efetivamente utilizam a rede de estradas a cargo da Infraestruturas de Portugal S.A., mas também pelos que utilizam vias rodoviárias que não se incluem nessa rede. Por conseguinte, conclui também este tribunal que a Contribuição de Serviço Rodoviário, apesar do seu nomen juris e de a sua receita se destinar a financiar uma atividade pública específica, não tem o caráter de comutatividade, bilateralidade ou sinalagmaticidade grupal ou coletiva que é necessária à contribuição financeira. […]» (fim de citação).

  1. Em relação aos “atos de repercussão” impugnados, o Tribunal não pode conhecer dos mesmos, pois não são atos tributários, não estando prevista a sua sindicabilidade (vd. art. 2.º do RJAT). No entanto, como foram, em simultâneo, contestados pela Requerente o actos de liquidação de CSR, é sobre estes que recai a pronúncia do Tribunal.
  2. Em face do supra exposto, e estando ultrapassadas as questões suscitadas de ineptidão da petição inicial e de (in)competência do Tribunal Arbitral para conhecer da invocada ilegalidade das liquidações de CSR, interessa analisar a legitimidade da Requerente para ser Partes desta ação arbitral.
  3. Ilegitimidade da Requerente
    1. Quanto à ilegitimidade da Requerente, o presente tribunal, por concordar em absoluto com o decidido no âmbito do processo 375/2023-T, que tem por base a mesma matéria, e que fundamentou da seguinte forma:

“Não consta do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”) a regulação do pressuposto processual da legitimidade, como possibilidade de intervenção num processo contencioso, cuja conformação jurídica tem, assim, de proceder do direito subsidiariamente aplicável, como previsto na closure rule do n.º 1 do artigo 29.º, do RJAT, em concreto e de acordo com a natureza dos casos omissos, das normas de natureza processual do Código de Processo e de Procedimento Tributário (“CPPT”), do CPTA e do CPC.

A regra geral do direito processual, que emana do artigo 30.º do CPC, é a de que é parte legítima quem tem “interesse direto” em demandar , sendo considerados titulares do interesse relevante, para este efeito, na falta de indicação da lei em contrário, “os sujeitos da relação controvertida”. A mesma regra é reproduzida no processo administrativo, que confere legitimidade ativa a quem “alegue ser parte na relação material controvertida” (vd. art. 9.º, n.º 1, do CPTA).

A legitimidade no processo é, pois, recortada pelo conceito central de “relação material” que, no âmbito fiscal, há de ser uma relação regida pelo direito tributário, à qual subjaz um ato tributário2 , cujo sujeito passivo é delimitado no artigo 18.º, n.º 3 da Lei Geral Tributária (“LGT”), como “a pessoa singular ou coletiva, o património ou a organização de facto ou de direito que, nos termos da lei, está vinculado ao cumprimento da prestação tributária, seja como contribuinte direto, substituto ou responsável.”

No domínio tributário, a legitimidade não pode deixar de ser enquadrada no âmbito das relações jurídicas tributárias que se estabelecem entre a administração tributária, agindo como tal, e as pessoas singulares ou coletivas e entidades equiparadas (vd. art. 1.º, n.º 2, da LGT).

O CPPT contém uma norma específica sobre a legitimidade no processo judicial tributário, atribuindo-a aos “contribuintes, incluindo substitutos e responsáveis, outros obrigados tributários, as partes dos contratos fiscais e quaisquer outras pessoas que provem interesse legalmente protegido” (vd. art. 9.º, n.os 1 e 4, do CPPT). No mesmo sentido, ainda que referindo-se somente à legitimidade no procedimento, a LGT determina no seu art. 65.º que “têm legitimidade no procedimento os sujeitos passivos da relação tributária e quaisquer pessoas que provem interesse legalmente protegido.”

De notar que, em relação aos responsáveis (sujeitos passivos não originários, tal como os substitutos), o legislador teve a preocupação de justificar a razão pela qual lhes é concedida legitimidade processual. Quanto aos responsáveis solidários, deriva “da exigência em relação a eles do cumprimento da obrigação tributária ou de quaisquer deveres tributários, ainda que em conjunto com o devedor principal” (vd. art. 9.º, n.º 2, do CPPT). No tocante aos responsáveis subsidiários, está associada ao facto “de ter sido contra eles ordenada a reversão da execução fiscal ou requerida qualquer providência cautelar de garantia dos créditos tributários” (vd. art. 9.º, n.º 3, do CPPT). Em ambas as situações, apesar de não corresponderem à figura do sujeito passivo originário, constitui-se uma relação jurídico-tributária entre estas categorias de sujeitos passivos derivados e o credor tributário Estado, que encerra prestações – principais (de pagamento da obrigação tributária) e acessórias, o que sucede igualmente com o substituto.

Na situação em análise, as Requerentes invocam a qualidade de repercutidos legais para deduzirem a acção arbitral.

Importa começar por notar que a figura do repercutido não se enquadra na categoria de sujeito passivo, nos termos do citado art. 18.º, n.º 3, da LGT, pelo que, não sendo parte em contratos fiscais, a legitimidade, neste caso, só pode advir da comprovação de que é titular de um interesse legalmente protegido (vd. art. 9.º, n.os 1 e 4, do CPPT).

Importa começar por notar que a figura do repercutido não se enquadra na categoria de sujeito passivo, nos termos do citado art. 18.º, n.º 3, da LGT, pelo que, não sendo parte em contratos fiscais, a legitimidade, neste caso, só pode advir da comprovação de que é titular de um interesse legalmente protegido (vd. art. 9.º, n.os 1 e 4, do CPPT).

Neste âmbito, assinala JORGE LOPES DE SOUSA: “nos casos de repercussão legal do imposto, apesar de aquele que suporta o encargo do imposto não ser sujeito passivo, é-lhe assegurado o direito de reclamação, recurso e impugnação [art. 18.º, n.º 4, da LGT]. São casos de repercussão legal os do IVA e dos impostos especiais de consumo, pois, em face do respectivo regime legal, a lei exige o pagamento dos tributos aos intervenientes no processo de comercialização dos bens ou serviços, visando fazer com que eles venham a ser pagos pelos consumidores finais, que são os titulares da capacidade contributiva que se pretende tributar.” – vd. Código de Procedimento e de Processo Tributário Anotado e Comentado, 6.ª edição, 2011, I volume, p. 115.

JORGE LOPES DE SOUSA assinala ainda que, em matéria tributária, “é de considerar ser titular de um interesse susceptível de justificar a intervenção no procedimento tributário quem possa ser directamente afectado pelo que nele possa vir a ser decidido, inclusivamente quando esteja em causa uma mera situação de vantagem derivada do ordenamento jurídico, o que será a interpretação que melhor se compagina com o direito constitucionalmente garantido de participação dos cidadãos nas decisões que lhes disserem respeito (art . 267.º, n.º 5, da CRP), como tal se tendo de considerar, necessariamente, todas as que tenham repercussão directa na sua esfera jurídica.” – vd. Código de Procedimento e de Processo Tributário Anotado e Comentado, 6.ª edição, 2011, I volume, p. 120. Raciocínio que, atenta a identidade de razões, deve considerar-se aplicável ao processo judicial tributário.

Com posição similar, LIMA GUERREIRO, em anotação ao art. 18.º, n.º 4, da LGT, refere que o preceito “admite que, da repercussão do IVA, possa resultar a lesão de um interesse legitimamente protegido (é no mesmo sentido a anotação de Saldanha Sanches ao referido Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, in ‘Fisco’, número 28, pgs. 29 e sgs.). Essa lesão será suficiente para a fundamentação de impugnação judicial ou, se verificasse que este não era o meio apropriado dado o princípio constitucional da tutela plena e efectiva dos direitos e interesses legalmente protegidos, da acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legalmente protegido. A fórmula utilizada declara expressamente, no entanto, a possibilidade de reclamação, impugnação ou recurso contra repercussão ilegalmente efectuada pelo sujeito passivo do IVA, imposto de selo ou de outros tributos sujeitos a mecanismo idêntico, pelo que se infere implicitamente não ser em geral a acção para o reconhecimento de um direito ou interesse, mas a impugnação judicial o meio adequado para reacção contra a repercussão ilegal do imposto, por razões certamente resultantes da similitude da lesão causada por acto ilegal de liquidação e da lesão resultante de repercussão ilegal e do facto de, no nosso sistema processual tributário, a impugnação não visar necessariamente efeitos meramente demolitórios do acto tributário mas também a reparação de qualquer lesão sofrida pelo impugnante. [...]. O não ser sujeito passivo não quer dizer obrigatoriamente ilegitimidade para intervir no procedimento, em caso de lesão de direito ou interesse legalmente protegido de qualquer natureza.”

No entanto, afigura-se claro que a CSR não constitui um caso de repercussão legal. A Lei n.º 55/2007, de 31/8, que instituiu a CSR, não contempla qualquer mecanismo de repercussão legal, nem sequer, adiante-se, de repercussão meramente económica, isto, sem prejuízo de ser um dado que, em princípio, as empresas3 repassam nos preços praticados os gastos em que incorrem, independentemente da sua natureza (e, portanto, incluindo os gastos tributários), por forma a concretizarem o objetivo lucrativo que preside à sua criação e manutenção (vd. artigos 22.º do Código das Sociedades Comerciais e 980.º do Código Civil.

(…)

Contudo, importa, antes de mais, salientar que a repercussão económica não é, por si só, atributo de legitimidade processual, pois o artigo 9.º do CPPT requer a demonstração de um interesse legalmente protegido, i.e., que mereça a tutela do direito substantivo. Além de que a Requerente não tem a qualidade de “consumidor” de combustíveis, no sentido de consumidor final sobre o qual recai ou deve recair o encargo do tributo, na lógica da repercussão económica que subjaz nomeadamente aos Impostos Especiais de Consumo (“IEC”). Na verdade, e começando por esta última parte, as Requerentes são sociedades que se dedicam ao transporte, nacional e internacional, de mercadorias. Desta forma, o combustível adquirido é um factor de produção no circuito económico (de uma cadeia de comercialização de bens), um gasto da actividade de prestação de serviços de transporte realizada pelas Requerentes, não configurando um consumo final. Nestes termos, se a CSR, conforme alegam as Requerentes, se destina a ser suportada pelo consumidor, à partida estas não fazem parte das entidades potencialmente lesadas, que são os consumidores e não os operadores económicos.

Acresce que, nos termos da Lei que prevê a CSR (Lei n.º 55/2007, de 31/8), não existe qualquer referência sobre quem deve recair o encargo do tributo do ponto de vista económico, pelo que é errónea a afirmação das Requerentes de que é sobre as mesmas que “recai, nos termos da lei, o encargo daquele tributo [da CSR]”. Basta atentar, para esta conclusão, no art. 5.º, n.º 1, da citada lei: “A contribuição de serviço rodoviário é devida pelos sujeitos passivos do imposto sobre os produtos petrolíferos e energéticos, sendo aplicável à sua liquidação, cobrança e pagamento o disposto no Código dos Impostos Especiais de Consumo, na lei geral tributária e no Código de Procedimento e Processo Tributário, com as devidas adaptações.”4 Assim, o legislador limitou-se a identificar o sujeito passivo da CSR, nada acrescentando sobre a repercussão da mesma. Nem se identifica como prevendo tal repercussão a norma do art. 3.º, n.º 1, da mesma lei que diz que a CSR “constitui a contrapartida pela utilização da rede rodoviária nacional, tal como esta é verificada pelo consumo dos combustíveis”.

Importa também assinalar, com relevância para esta questão, que a remissão para o Código dos Impostos Especiais de Consumo (“CIEC”) efectuada pela Lei da CSR é expressamente circunscrita aos procedimentos de “liquidação, cobrança e pagamento”.

Em resultado do acima exposto, conclui-se, em síntese, o seguinte: i. A referida Lei n.º 55/2007 define o sujeito passivo e devedor da CSR, mas não contém qualquer regra de repercussão legal, nem se pronuncia sobre a sua repercussão económica; ii. As ora Requerentes não são consumidoras finais, o que significa que os gastos em que incorrem são presumivelmente, de acordo com as regras da experiência comum, repercutidos no elo subsequente do circuito económico até atingirem os consumidores finais, esses sim, onerados com o encargo económico do imposto e demais gastos incorridos na produção dos bens e serviços; iii. Se a CSR foi economicamente repercutida pelos distribuidores de combustíveis às ora Requerentes, não há razões para crer que estas, no exercício de uma atividade económica que visa o lucro e dentro dessa racionalidade, não tenham também repassado de alguma forma o encargo da CSR, no todo ou em parte, para os seus clientes, os quais nem sequer são os consumidores finais (os próprios clientes).

Ora, não sendo as ora Requerentes os sujeitos passivos da CSR, nem repercutidos legais desta contribuição, não lhes assiste legitimidade processual, a menos que, como interessadas, aleguem e demonstrem factos que suportem a aplicação da norma residual atributiva de legitimidade, i.e., a menos que evidenciem a existência de um interesse direto e legalmente protegido na sua esfera, passível de justificar a faculdade de demandar a Requerida em juízo, ónus que sobre as mesmas impende.

Contudo, o único facto que as ora Requerentes alegam para este efeito é o de lhes ter sido repercutida a CSR. Qualificam esta repercussão, erradamente, como legal, embora não indiquem onde está prevista essa repercussão – que, a ser “legal”, sempre teria de constar de uma norma com essa natureza (a qual, porém, não existe). O paralelismo que as Requerentes estabelecem entre a CSR e o IVA não tem qualquer suporte jurídico, pois a repercussão neste último imposto tem previsão legal expressa no art. 37.º do Código do IVA, permitindo o seu controlo e prova, dado que o imposto e respetivo montante são mencionados na factura emitida pelo fornecedor de bens ou prestador de serviços.

Também não tem qualquer pertinência a equiparação que as ora Requerentes pretendem estabelecer entre a CSR e o Imposto do Selo que tanto pode incidir sobre o sujeito passivo originário (em relação ao qual se verifica a capacidade contributiva) como sobre outra entidade. Neste último caso, como sucede de forma paradigmática com as operações financeiras, a doutrina e jurisprudência têm qualificado o fenómeno como substituição tributária sem retenção (vd., a título de exemplo, o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 25 de março de 2015, processo n.º 01080/13). Conforme atrás referido, o substituto é uma espécie do género “sujeito passivo”, logo dispõe de legitimidade activa para demandar o Estado, além de que, à semelhança do IVA, a liquidação do imposto é perfeitamente controlável através da documentação emitida, pois, nos termos do art. 23.º, n.º 6, do Código do Imposto do Selo, “nos documentos e títulos sujeitos a imposto são mencionados o valor do imposto e a data da liquidação, com exceção dos contratos previstos na verba 2 da tabela geral [arrendamento e subarrendamento], cuja liquidação é efetuada nos termos do n.º 8.”

Acresce que, sem prejuízo de a CSR ter sido consagrada como “contrapartida” da utilização da rede rodoviária nacional, a Lei não indica ou sequer sugere sobre quem é que deve constituir encargo, contrariamente ao que as ora Requerentes afirmam (nas suas palavras, o apontado “consumidor de combustíveis”, que, todavia, na realidade, a Lei não aponta...)

Rigorosamente, as ora Requerentes são tão-só clientes comerciais dos sujeitos passivos que liquidaram a CSR. Não são os sujeitos passivos dos actos tributários – de liquidação de CSR – impugnados. Não integram, nem são parte da relação tributária, nem são repercutidos legais. E também não se descortina, nem disso foi feita prova, que tenham sido as Requerentes a suportar economicamente o imposto, para o que seria necessário demonstrar duas vertentes cumulativas:

  1. Que a CSR foi repercutida às ora Requerentes, quais os montantes e em que períodos;
  2. ii. Que, por sua vez, o preço dos serviços de transportes que prestam aos seus clientes não comportam a repercussão de CSR (ou a medida em que não a comportam, se se tratar de repercussão parcial), por forma a poderem sustentar que suportaram, de forma efectiva, o encargo do imposto e o respetivo quantum.

As ora Requerentes limitaram-se a juntar declarações genéricas dos seus fornecedores de combustíveis, as quais estão longe de conter os elementos concretos indispensáveis à comprovação do acima exposto. Não lograram, por isso, atestar que suportaram o tributo contra o qual reagem. E esta seria, segundo entendemos, a única forma de lhes poder ser reconhecida a legitimidade residual para a presente acção arbitral, tendo em conta que não são sujeitos passivos, nas diversas modalidades que o conceito acomoda, nem repercutidos legais da CSR.

Aliás, compreende-se que o legislador não tenha adoptado um conceito irrestrito de legitimidade activa, rodeando-se de algumas cautelas, atentas as dificuldades práticas que uma tal abertura suscitaria, quer na ligação entre o acto de liquidação do imposto, a determinação da sua efectiva repercussão (económica) e a determinação do seu quantum; quer ainda no potencial desdobramento/duplicação de devoluções de imposto indevidas: simultaneamente ao sujeito passivo e ao(s) múltiplos repercutido(s) económicos da cadeia de valor. Ou seja, o mesmo imposto poderia ser restituído a diversos intervenientes, de forma dificilmente controlável e mapeável, com manifesto prejuízo para o Estado, em colisão com os princípios da igualdade e da praticabilidade.

Por fim, não se diga que as ora Requerentes ficaram desprovidas de tutela, pois nada impede o ressarcimento, através de uma acção civil de repetição do indevido instaurada contra os seus fornecedores, se reunirem os devidos pressupostos, nos termos declarados pelo Acórdão do Tribunal de Justiça, de 20 de outubro de 2011, no processo C-94/10, Danfoss A/S (pontos 24 a 29). Nesta perspectiva, está acautelada a observância do princípio fundamental da tutela jurisdicional efetiva (vd. artigo 20.º da Constituição).

De assinalar, adicionalmente, que a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo já entendeu, em relação a um caso de liquidação de Imposto Automóvel (correspondente ao actual Imposto sobre Veículos), que o adquirente não tem legitimidade para impugnar a respetiva liquidação precisamente por não se tratar de um caso de repercussão legal (vd. Acórdão de 1/10/2003, processo n.º 0956/03).

Em face do exposto, deve julgar-se verificada a excepção de ilegitimidade das Requerentes, constituindo a mesma excepção dilatória de conhecimento oficioso que obsta a que o Tribunal conheça a questão de fundo e demais questões suscitadas, com a consequente absolvição da Requerida da instância, nos termos do disposto nos artigos 9.º do CPPT, 65.º da LGT, 55.º, n.º 1, alínea a), e 89.º, n.ºs 2 e 4, alínea e), do CPTA, ex vi artigo 29.º, n.º 1, do RJAT.”

  1. Julga verificada a exceção de ilegitimidade da Requerente, constituindo a mesma exceção dilatória de conhecimento oficioso que obsta a que o Tribunal conheça a questão de fundo e demais questões suscitadas, com a consequente absolvição da Requerida da instância, nos termos do disposto nos artigos 9.º do CPPT, 65.º da LGT, 55.º, n.º 1, alínea a), e 89.º, n.ºs 2 e 4, alínea e), do CPTA, ex vi artigo 29.º, n.º 1, do RJAT.
  1. DECISÃO

De harmonia com o exposto, este Tribunal Arbitral decide:

  1. Julgar verificada a exceção de ilegitimidade (ativa) da Requerente, constituindo uma exceção dilatória de conhecimento oficioso que obsta a que o Tribunal conheça a questão de fundo e demais questões suscitadas, com a consequente absolvição da Requerida da instância, nos termos do disposto nos artigos 9.º do CPPT, 65.º da LGT, 55.º, n.º 1, alínea a), e 89.º, n.ºs 2 e 4, alínea e), do CPTA, ex vi artigo 29.º, n.º 1, do RJAT;
  1. Condenar a Requerente nas custas processuais.
  1. VALOR DO PROCESSO

Fixa-se o valor do processo em 55.412,38 euros, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 3 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

  1. CUSTAS

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em 2.142 €, os termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, e artigo 4.º, n.º 4, do citado Regulamento, a cargo da Requerente.

 

 

Lisboa, 31 de maio de 2024

 

 

(Armando Oliveira)