Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 766/2023-T
Data da decisão: 2024-05-10  IRC  
Valor do pedido: € 269.435,25
Tema: IRC – Retenção na fonte - Dividendos
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SUMÁRIO:

O nº 1 do artigo 22º do EBF, na sua redação à data dos factos, ao limitar o regime nele previsto a organismos de investimento coletivo constituídos segundo a legislação nacional, estabelece uma discriminação arbitrária que é de molde a conduzir a uma restrição à livre circulação de capitais no espaço da União Europeia, proibida pelo artigo 63º do TFUE.

 

Os Árbitros Guilherme W. d'Oliveira Martins, António Cipriano da Silva, Jorge Belchior de Campos Laires, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formar o Tribunal Arbitral Coletivo, decidem o seguinte:

 

DECISÃO ARBITRAL

  1. RELATÓRIO

A... (e doravante designado por “Requerente”), com sede social em ..., ... Paris, em França, conforme certificado de residência fiscal de que se junta cópia sob a designação de Documento n.º 1[1], titular do número de identificação fiscal português ... (enquanto entidade não residente sujeita a retenção na fonte a título definitivo), representado pela B..., na qualidade de sociedade gestora, com sede na mesma morada, veio solicitar a constituição de Tribunal Arbitral, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 2.º e 10.º do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”), apresentando pedido de pronúncia arbitral o qual teve por objeto o indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa apresentado pelo Requerente, apresentado a 18 de maio de 2023 – cfr. cópia do pedido de revisão junto como Documento n.º 2 do pedido de pronúncia arbitral- contra o ato tributário de retenção na fonte, em sede de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (“IRC”), que lhe foi efetuado, a título definitivo, sobre dividendos de fonte portuguesa, em Maio de 2020, no valor global de € 269.435,25 (duzentos e sessenta e nove mil, quatrocentos e trinta e cinco euros e vinte e cinco cêntimos).

É Requerida a AT.

O pedido de constituição do Tribunal Arbitral Coletivo (TAC) foi aceite pelo Senhor Presidente do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) e automaticamente notificado à AT no dia 26 de outubro de 2023.

O Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.° e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.° do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), o Senhor Presidente do Conselho Deontológico designou como árbitros os signatários desta decisão, tendo sido notificadas as partes em 20 de dezembro de 2023, que não manifestaram vontade de recusar a designação, nos termos do artigo 11.º n.º1 alíneas a) e b) e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

O TAC encontra-se, desde 11 de janeiro de 2024, regularmente constituído e é materialmente competente à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 30.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

Notificada para o efeito, a Requerida, apresentou a sua resposta a 14 de fevereiro de 2024.

Por despacho de 22 de fevereiro de 2024, o TAC proferiu o seguinte despacho:

“1. Pretende este Tribunal Arbitral, ao abrigo do princípio da autonomia na condução do processo, previsto no artigo 16.º, alínea c) do RJAT, dispensar a reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT, por desnecessária, atendendo a que a questão em discussão é apenas de direito e a prova produzida é meramente documental.

2. Por outro lado, estando em causa matéria de direito, que foi claramente exposta e desenvolvida, quer no Pedido arbitral, quer na Resposta, dispensa-se a produção de alegações escritas devendo o processo prosseguir para a prolação da sentença. 

3. Informa-se que a Requerente deverá proceder ao pagamento da taxa arbitral subsequente, até a data limite da prolação da decisão final.

4. Em nome do princípio da colaboração das partes solicita-se o envio das peças processuais em versão word.

Notifiquem-se as partes do presente despacho.”

 

  1. DESCRIÇÃO SUMÁRIA DOS FACTOS

II.1      Posição da Requerente

 

A Requerente fundamenta o seu pedido nos seguintes termos:

  1. Nos termos do Código de IRC, as entidades não residentes sem estabelecimento estável em território português – como é o caso do Requerente – apenas são tributadas em Portugal pelos rendimentos que obtenham em território nacional, conforme o disposto no n.º 2 do artigo 4.º do Código do IRC.
  2. Por sua vez, e dado que o Requerente é uma entidade não residente com sede em França, apenas no caso de os rendimentos de fonte portuguesa serem enquadráveis nas alíneas a) a f) do n.º 3 do artigo 4.º do Código do IRC estarão estes sujeitos a tributação, em sede de IRC.
  3. Inclui aquele elenco, ao abrigo da cláusula residual estabelecida no ponto 3) da alínea c) do n.º 3 do artigo 4.º do mesmo diploma – “outros rendimentos de aplicação de capitais” – os dividendos distribuídos por entidades que tenham residência, sede ou direção efetiva em território português.
  4. Adicionalmente, estabelece o n.º 1 do artigo 56.º do mesmo Código que “os rendimentos não imputáveis a estabelecimento estável situado em território português, obtidos por sociedades e outras entidades não residentes, são determinados de acordo com as regras estabelecidas para as categorias correspondentes para efeitos de IRS”, remetendo, portanto, para este Código a definição de rendimentos de capitais e sua forma de determinação, a qual, inclui, nos termos do artigo 5.º do Código do IRS, os dividendos.
  5. Neste sentido, o Requerente reconhece que as referidas disposições legais estabelecem, em termos gerais, a sujeição a IRC dos dividendos que auferiu enquanto acionista não residente de entidades residentes em Portugal, em maio de 2020 (melhor identificados no ponto II. supra).
  6. Contudo, o Código do IRC, particularmente quando conjugado com o artigo 22.º do Estatuto dos Benefícios Ficais (“EBF”), conforme veremos, prevê um tratamento tributário distinto consoante os dividendos sejam auferidos por Organismos de Investimento Coletivo (“OIC”) residentes ou por OIC não residentes em Portugal – como é o caso do Requerente – impondo uma carga fiscal para os OIC não residentes, quando a mesma é inexistente para os OIC residentes.
  7. Com efeito, ao abrigo do disposto no n.º 4 do artigo 87.º do Código do IRC, bem como na alínea c) do n.º 1 e na alínea b) do n.º 3 do artigo 94.º do mesmo diploma legal, os dividendos provenientes de fonte portuguesa auferidos por entidades não residentes – qualificação na qual se subsume o ora Requerente – são objeto de tributação por via de retenção na fonte, a título definitivo, à taxa de 25%, nos termos do n.º 4 do artigo 87.º do Código do IRC, podendo esta taxa ser reduzida ao abrigo de Convenção Destinada a Evitar a Dupla Tributação, nos termos do artigo 98.º do Código do IRC, o que não sucedeu no caso em apreço.
  8. Por oposição, o regime previsto no artigo 22.º do EBF, ao qual os OIC residentes em Portugal estão sujeitos, estabelece no seu n.º 3 que “para efeitos do apuramento do lucro tributável, não são considerados os rendimentos referidos nos artigos 5.º, 8.º e 10.º do Código do IRS”, pelo que estando os dividendos abrangidos pelo artigo 5.º do Código do IRS, os mesmos estão excluídos de tributação nos termos do artigo 22.º do EBF.
  9. Em concordância com esta exclusão de tributação, o n.º 10 do artigo 22.º do EBF acrescenta que não incide qualquer retenção na fonte de IRC sobre os rendimentos obtidos pelos OIC abrangidos pelo artigo 22.º do EBF.
  10. Porém, e conforme antecipado acima, o n.º 1 do artigo 22.º do EBF estabelece que o mesmo só se aplica aos “fundos de investimento mobiliário, fundos de investimento imobiliário, sociedades de investimento mobiliário e sociedades de investimento imobiliário que se constituam e operem de acordo com a legislação nacional”, excluindo, portanto, do âmbito desta exclusão de tributação/isenção os fundos de investimento que não foram constituídos ao abrigo do direito português – como o Requerente, que é um fundo de investimento constituído ao abrigo do direito francês – ainda que atuem de acordo com a legislação comunitária em situação comparável aos fundos residentes.
  11. Ou seja, nos termos da legislação em vigor, Portugal sujeita os dividendos distribuídos por uma entidade residente a tributação quando colocados à disposição de OIC não residentes, aplicando uma taxa definitiva de 25%. Diversamente, quando estejam em causa os mesmos dividendos distribuídos a OIC residentes, não é aplicável qualquer imposto sobre os mesmos na esfera do OIC, na medida em que se exclui do apuramento do seu lucro tributável os dividendos, independentemente da sua fonte, pagos a OIC residentes.
  12. Face ao exposto, conclui-se que o regime em apreço estabelece expressamente uma distinção de tratamento para efeitos de tributação entre OIC residentes e não residentes em Portugal – uma vez que, tendencialmente, as entidades constituídas noutro Estado-Membro também não terão domicílio fiscal em Portugal – impondo aos primeiros um regime claramente mais favorável, através da concessão de uma exclusão de tributaçã/isenção, enquanto que os dividendos auferidos pelos segundos são tributados à taxa de 25%.
  13. Sendo comparáveis aos seus congéneres constituídas ao abrigo da legislação nacional, não se verificam fundamentos capazes de justificar o tratamento diferenciado e menos favorável dos fundos de investimento constituídos noutros Estados-Membros – como é o caso do Requerente – e, consequentemente, a não aplicabilidade do regime mais favorável previsto no n.º 3 do artigo 22.º EBF, o que é passível de consubstanciar uma discriminação arbitrária, proibida pelas normas de Direito da União Europeia, conforme se corroborará infra.
  14. Assim, à luz do referido enquadramento legal, o Requerente sofreu retenções na fonte, a título definitivo, à taxa de 25%, as quais ocorreram no estrito cumprimento dos dispositivos legais mencionados, muito embora, conforme se explanará seguidamente, tais atos tributários de retenção na fonte se reputem de ilegais pela sua desconformidade com o Direito Europeu, o que implica, desde logo, a sua anulação e consequente reembolso do montante indevidamente retido de
    € 269.435,25, acrescido dos respetivos juros indemnizatórios.
  15. Conforme referido anteriormente, a regulamentação nacional introduz um tratamento desigual e discriminatório no que respeita aos OIC não residentes, o qual é proibido pelas liberdades fundamentais que enformam o ordenamento jurídico da União Europeia.
  16. Em concreto, o artigo 18.º do TFUE estabelece uma proibição genérica de qualquer discriminação baseada na nacionalidade, princípio que é concretizado, no que respeita à livre circulação de capitais, no artigo 63.º do mesmo Tratado.
  17. Com efeito, o n.º 1 do artigo 63.º do TFUE consagra a liberdade de circulação de capitais e, consequentemente, proíbe “todas as restrições aos movimentos de capitais entre Estados-Membros e entre Estados-Membros e países terceiros”.
  18. A distribuição de dividendos efetuada por sociedades residentes em Portugal a um fundo de investimento não residente em Portugal – como é o caso do Requerente – é passível de ser qualificada como movimento de capitais, na aceção do artigo 63.º do TFUE, entendimento reforçado pelo disposto na Diretiva 88/361/CEE, de 24 de junho de 1988[2].
  19. Ora, do exposto resulta naturalmente que a distribuição de dividendos entre entidades de dois Estados-Membros da União Europeia não pode estar sujeita a quaisquer medidas restritivas, nos termos do artigo 63.º do TFUE, sobretudo, se estas envolverem discriminações baseadas na nacionalidade ou no local do investimento – no caso do Requerente – proibidas pelo artigo 18.º do TFUE.
  20. A este respeito é de realçar a relevante ligação entre o artigo 63.º do TFUE e o artigo 26.º do mesmo Tratado, o qual versa sobre a criação do mercado interno e a garantia do seu adequado funcionamento pelos Estados-Membros, nomeadamente, no que concerne à livre circulação de capitais, uma liberdade fundamental da União Europeia, que, nessa qualidade, goza de primazia normativa sobre o direito nacional, cabendo aos poderes públicos a tomada de medidas internas que assegurem o seu cumprimento, abstendo-se de adotar medidas legislativas, administrativas e jurisdicionais que as restrinjam.
  21. A este propósito, considerando que a fiscalidade é da competência direta dos Estados-Membros, a alínea a) do n.º 1 do artigo 65.º do TFUE vem esclarecer que “o disposto no artigo 63.º não prejudica o direito de os Estados-Membros aplicarem disposições pertinentes de direito fiscal que estabeleçam uma distinção entre contribuintes que não se encontrem em idêntica situação no que se refere ao lugar de residência ou ao lugar onde o capital é investido.”
  22. Contudo, essa previsão é limitada pelo n.º 3 do mesmo artigo, nos termos do qual aquelas medidas e procedimentos internamente aplicados, decorrentes da soberania fiscal dos Estados-Membros, “não devem constituir um meio de discriminação arbitrária nem uma restrição dissimulada à livre circulação de capitais”, estabelecida no artigo 63.º do TFUE, devendo as disposições do n.º 1 do artigo 65.º do TFUE ser alvo de uma aplicação restrita[3].
  23. Como tem sido sucessivamente referido pelo TJUE, a liberdade de circulação de capitais consagrada no artigo 63.º do TFUE deve ser interpretada em sentido amplo e as possibilidades de restrição à mesma, previstas e limitadas no artigo 65.º do mesmo Tratado, devem ser indispensáveis à prossecução de interesses públicos ponderosos, devidamente fundamentadas e interpretadas de maneira restritiva.
  24. Isto significa que a restrição à liberdade de circulação de capitais na aceção do artigo 63.º do TFUE só pode ser admitida atendendo ao artigo 65.º do TFUE, se a diferença de tratamento disser respeito a situações não objetivamente comparáveis ou se a restrição se justificar por uma razão imperiosa de interesse geral, recaindo sobre o próprio Estado o ónus de provar que os seus objetivos fiscais e financeiros não poderiam ser prosseguidos por meios alternativos menos restritivos do que a diferença de tratamento fiscal em causa.
  25. Com efeito, deve considerar-se decisivo, para efeitos de comparabilidade, o facto de a lei portuguesa diferenciar expressamente a tributação aplicável a OIC residentes da dos não residentes – não considerando relevante a situação fiscal que os OIC não residentes pudessem eventualmente gozar nos respetivos Estados da residência ou ainda a situação fiscal individual dos respetivos investidores.
  26. Aliás, os OIC residentes e não residentes estão numa situação comparável no que respeita à sujeição a tributação sobre o mesmo facto tributário.
  27. De facto, o nosso regime sujeita a imposto os OIC constituídos ao abrigo da lei portuguesa sobre o seu rendimento global (ainda que exclua determinada tipologias de rendimentos de tributação) e os OIC constituídos ao abrigo das normas de outros Estados-Membros – no nosso caso, o Requerente – relativamente aos rendimentos obtidos em Portugal, não restando, pois, qualquer dúvida de que os OIC estão em situações efetivamente comparáveis relativamente aos dividendos de origem portuguesa por si recebidos.
  28. O problema do tratamento fiscal na distribuição de dividendos tem ocupado um lugar central na jurisprudência do TJUE e na jurisprudência nacional, apontando globalmente no sentido de dever considerar-se que o tratamento fiscal diferenciado de residentes e não residentes configura, em princípio, uma violação da liberdade de circulação de capitais, pondo em causa o funcionamento do mercado interno.
  29. A este respeito, outros entendimentos poderiam naturalmente ser chamados à colação, considerando que o tratamento discriminatório ora em riste já foi amplamente analisado, quer pelo TJUE[4], quer pelos Tribunais nacionais, contudo, relativamente à mesma questão de fundo trazida à colação no presente pedido de pronúncia arbitral, já se pronunciou recentemente o TJUE no Processo C-545-19, de 17 de março de 2022 – AllianzGI-FondsAevn[5] (de que o Requerente juntou cópia sob a designação de Documento n.º 6), ao qual foram colocadas 5 questões prejudiciais e que foram dirimidas, tendo o Tribunal:
  30. Considerado que a situação da compatibilidade da legislação fiscal portuguesa teria de ser examinada exclusivamente à luz do artigo 63º do TJUE;
  31. Considerado que a isenção fiscal conferida pelo artigo 22º-3 do EBF, quanto à não retenção na fonte de IRC, sobre dividendos auferidos por OIC constituídos e que operem de acordo com a legislação portuguesa, regime que não se aplica aos dividendos auferidos por OIC estabelecidos noutro Estado-Membro, constitui tratamento desfavorável dos dividendos pagos aos OIC não residentes - pontos 37 e 38 do acórdão do TFUE, pelo que “esse tratamento desfavorável pode dissuadir, por um lado, os OIC não residentes de investirem em sociedades estabelecidas em Portugal e, por outro, os investidores residentes em Portugal de adquirirem participações sociais em OIC e constitui, por conseguinte, uma restrição à livre circulação de capitais proibida, em princípio, pelo artigo 63º TFUE” - ponto 39 do acórdão do TJUE;
  32. Quanto à questão da inexistência de situações objetivamente comparáveis, invocadas pela AT, refere que “a circunstância de os OIC não residentes não estarem sujeitos ao imposto do selo e ao imposto específico previsto no artigo 88, nº 11, do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas não os coloca numa situação objetivamente diferente em relação aos OIC residentes no que se refere à tributação dos dividendos de origem portuguesa” – ponto 57 do acórdão do TJUE;
  33. E concluiu que: “o critério de distinção a que se refere a legislação nacional (...), que tem por objeto unicamente o lugar de residência dos OIC, não permite concluir pela existência de uma diferença objetiva de situações entre os organismos residentes e os organismos não residentes”, pelo que “atendendo a todos os elementos precedentes, há que concluir que, no caso em apreço, a diferença de tratamento entre os OIC residentes e os OIC não residentes diz respeito a situações objetivamente comparáveis” – pontos 73 e 74 do acórdão do TJUE;
  34. Quanto à existência de razões imperiosas de interesse geral, invocadas pelo Governo Português junto do TJUE (coerência do regime fiscal português e repartição equilibrada do poder de tributar de Portugal vs. RFA – no caso do processo em questão), conclui o TJUE que “a necessidade de preservar a coerência do regime fiscal nacional não pode ser invocada para justificar a restrição à livre circulação de capitais induzida pela legislação nacional em causa (...)” e “a justificação baseada na preservação de uma repartição equilibrada do poder de tributar entre os Estados-Membros também não pode ser acolhida” – pontos 81 e 84 do acórdão do TJUE.
  35. Neste sentido, conclui o Requerente, face à declaração do TJUE, a saber: “O artigo 63º TFUE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação de um Estado-Membro por força da qual os dividendos distribuídos por sociedades residentes a um organismo de investimento coletivo (OIC) não residente são objeto de retenção na fonte, ao passo que os dividendos distribuídos a um OIC residente estão isentos dessa retenção”, que as normas dos artigos 94º nº 1 alínea c), 94º nº 3 alínea b), 94º nº 4 e 87º nº 4 do CIRC e artigo 22º do EBF (redação em vigor desde 01.07.2015), na medida em que constituem legislação interna portuguesa, onde se prevê a tributação em sede de imposto sobre o rendimento, através de retenção liberatória, dos dividendos de origem nacional quando são auferidos por OIC não residentes, ao mesmo tempo que prevê uma exclusão / isenção de tributação, quanto ao mesmo imposto e quando os dividendos de origem nacional são auferidos por OIC residentes em Portugal, estão em desconformidade com o artigo 63º do TFUE.   
  36. Face ao primado do Direito da UE, em relação às disposições legais internas que sejam contrárias às disposições comunitárias (que resulta do nº 4 do artigo 8º da CRP), será de concluir que as retenções na fonte de IRC aqui contestadas padecem da desconformidade de violação da lei comunitária.
  37. A própria jurisprudência arbitral nacional, em concreto, nos processos[6] n.º 90/2019-T, de 23 de julho de 2019, n.º 528/2019-T, de 27 de dezembro de 2019, n.º 549/2019-T, de 20 de abril de 2020, n.º 548/2019-T, de 26 de junho de 2020, n.º 11/2020-T, de 6 de novembro de 2020, n.º 922/2019-T, de 11 de janeiro de 2021, n.º 32/2021-T, de 5 de novembro de 2021, n.º 215/2021-T, de 16 de dezembro de 2021, n.º 133/2021-T, de 21 de março de 2022, n.º 625/2020-T, de 28 de março de 2022, n.º 675/2020-T, de 28 de março de 2022, n.º 547/2019-T, de 24 de abril de 2022, n.º 132/2021-T, de 26 de abril de 2022, n.º 593/2021-T, de 26 de abril de 2022, n.º 821/2021-T, de 26 de abril de 2022, n.º 717/2021-T, de 27 de abril de 2022, n.º 368/2021-T, de 28 de abril de 2022, n.º 566/2020-T, de 2 de maio de 2022, n.º 576/2019-T, de 8 de maio de 2022, n.º 28/2021-T, de 18 de maio de 2022, n.º 623/2021-T, de 24 de maio de 2022, n.º 734/2021-T, de 7 de junho de 2022, , nº 641/2020-T, de 13 de julho de 2022, n.º.721/2019-T, de 14 de julho de 2022, n.º 620/2021-T, de 14 de julho de 2022, n.º 121/2022-T, de 15 de julho de 2022, n.º 99/2019-T, de 22 de julho de 2022, n.º 711/2021-T, de 22 de julho de 2022, n.º 746/2021-T, de 26 de setembro de 2022, n.º 640/2020-T, de 03 de outubro de 2022, n.º 34/2021-T, de 18 de novembro de 2022, n.º 440/2022-T, de 22 de novembro de 2022, n.º 45/2022-T, de 23 de fevereiro de 2023, n.º 505/2022-T, de 9 de março de 2023, e nº 439/2022-T, de 10 de março de 2023, relativos todos eles a casos idênticos ao do ora Requerente, considera que o Estado português, “no exercício da sua jurisdição fiscal, opta deliberadamente por diferenciar entre fundos residentes e fundos não residentes, isentando os primeiros da retenção de imposto sobre a distribuição de dividendos e sujeitando à mesma os segundos, colocando-os numa situação comparável, e em seguida tratando-os de forma diferente”, seguindo o sentido e a decisão do Processo C-545-19 – AllianzGI-Fonds Aevn, do TJUE.
  38. Atendendo ao exposto, mais não resta concluir que o regime contido no artigo 22.º do EBF, por ser contrário às disposições do Direito da União Europeia, ao prever a exclusão de tributação de dividendos de fonte portuguesa distribuídos a OIC residentes, mas não a OIC não residentes, padece de um vício de inconstitucionalidade por violação do disposto no artigo 8.º da CRP.
  39. Aliás, parece que o próprio Estado Português começa a reconhecer a desconformidade deste regime ao concluir no Relatório de avaliação do regime fiscal dos Organismos de Investimento Coletivo, o qual foi elaborado com o objetivo de avaliar o regime fiscal aplicável aos OIC introduzido pelo Decreto-Lei n.º 7/2015, de 13 de janeiro (de que se junta cópia sob a designação de Documento n.º 8), que “o atual regime fiscal dos OIC deverá ser mantido”, devendo, contudo, ponderar-se a necessidade de “eliminar eventuais situações discriminatórias de aplicação do regime fiscal aos OIC residentes e aos OIC não residentes (quando comparáveis), mitigando, assim, o risco de violação à liberdade de circulação de capitais prevista no Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia”.
  40. Assim, da fundamentação demonstrada, reforçada pelos entendimentos jurisprudenciais apresentados, conclui-se que o regime consagrado no artigo 22.º do EBF, que estabelece uma distinção de tratamento com base na nacionalidade, é contrário ao Direito da União Europeia, ao colidir com os seus princípios basilares relativos à liberdade de circulação de capitais, ao funcionamento do mercado interno e à não discriminação em função da nacionalidade, pelo que deve ser objeto de uma interpretação conforme àquele Direito Comunitário[7], por forma a ser aplicado aos OIC não residentes, comparáveis pela situação em que se encontram, pela sua substância jurídica e económica, e pela atividade que gerou a tributação em sede de IRC – como é o caso do Requerente.

 

II.2. Posição da Requerida

 

Por seu turno, a Requerida fundamenta a sua posição nos seguintes termos:

  1. A AT encontra-se subordinada ao princípio da legalidade, pelo que não poderia aplicar de forma direta e automática as decisões do TJUE proferidas sobre casos concretos que não relevam do direito nacional, para mais não estando em causa situações materialmente idênticas, e em que a aplicação correta do direito comunitário não se revela tão evidente (Ato Claro) que não deixe margem para qualquer dúvida razoável quanto ao modo como deve ser resolvida a questão suscitada.
  2. O regime fiscal aplicável aos OIC constituídos ao abrigo da legislação nacional, embora consagre a isenção dos dividendos distribuídos por sociedades residentes, não afasta a tributação desses rendimentos por outras formas, seja por tributação autónoma, seja em imposto do selo, quando os mesmos rendimentos integram o valor líquido destes organismos, logo, não pode afirmar-se que, em substância, as situações em que se encontram aqueles OIC e os Fundos de Investimentos constituídos e estabelecidos noutros Estados-Membros que auferem dividendos com fonte em Portugal, sejam objetivamente comparáveis.
  3. Assim, não pode concluir-se que o regime fiscal dos OIC – que não se contém em exclusivo no n.º 3 do artigo 22.º do EBF – esteja em desconformidade com as obrigações que decorrem do artigo 63.º do TFUE.
  4. Por conseguinte, a retenção na fonte efetuada sobre os dividendos pagos à Requerente respeita o disposto na legislação nacional e na convenção para evitar a dupla tributação celebrada entre Portugal e o Luxemburgo, devendo ser mantida na ordem jurídica.
  5. Acrescentamos ainda que admitindo-se a comparabilidade das situações dos OIC residentes e não residentes, entende-se, porém, seguindo a doutrina expendida no Acórdão proferido no proc. 1435/12 do STA de 9.07.2014, que o tratamento diferenciado entre residentes e não residentes não constitui em si mesmo qualquer discriminação proibida pelo n.º 1 do artigo 63.º do TFUE.
  6. Na verdade, seguindo-se o entendimento expresso no Acórdão do STA, proc.19/10.3BELRS, de 07-05, “Para que se pudesse concluir, in casu, no sentido do carácter discriminatório do regime que sujeita a retenção na fonte as entidades financeiras não residentes, a recorrida teria que demonstrar que suportara uma tributação mais elevada no seu conjunto, o que não se verificou.
  7. Neste sentido, vide o Acórdão Gerritse, de 12 de Junho de 2003 (Processo C- 234/01).
  8. É de sublinhar que estando perante matéria de direito, como entendido pela sentença proferida pelo Tribunal a quo, “cabia à impugnante ter demonstrado a existência dos factos constitutivos dos direitos, prova a fazer por quem os invoca, tal como o que se encontra firmado no ordenamento fiscal português, no art.º 74.º da LGT e 342.º do Código Civil, subsidiariamente aplicável às relações jurídico-tributárias. Não o tendo feito, não é possível invocar de modo assertivo o carácter discriminatório da norma em discussão.”.
  9. No caso sub judice, em face da matéria de facto e dos documentos juntos aos autos, entende-se que o Requerente não fez prova da discriminação proibida, não revelando a certidão de existência emitida por entidade luxemburguesa para o propósito estabelecido no artigo 93.º, n.º 3 da Diretiva 2009/65/EC qualquer discriminação proibida.
  10. Assim sendo, considerando-se que, à luz do disposto no artigo 348.º do Código Civil, segundo o qual àquele que invocar direito estrangeiro compete fazer prova da sua existência e conteúdo, o Requerente não fez prova da discriminação proibida, pelo que só se pode defender a improcedência do pedido, por falta de prova da impossibilidade de neutralização da discriminação contestada.
  11. Recordando a este propósito os Acórdãos do STA proferidos nos processos n.º 1192/13, de 21.05.20215, n.º 1435/12, de 9.07.2014, n.º 884/17, de 12.09.2018, e o já citado proc. 19/10.3BELRS, de 7.05.
  12. Por tudo o exposto, entende a Requerida que devem ser mantidas as retenções na fonte supra mencionadas, devendo-se concluir pela improcedência do PPA.

 

  1. SANEAMENTO

O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (vide artigos 4.º e 10.º, n.º 2, ambos do RJAT, e artigos 1.º a 3.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

O Tribunal Arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º e 6.º, n.º 2, alínea a), do RJAT.

O processo não enferma de nulidades.

  1. Fundamentação

IV.1.    Matéria de facto

 

Factos dados como provados

Considera-se como provada a seguinte matéria de facto:

  1. O Requerente tem residência fiscal em França, assumindo nesse país a natureza de um OIC (aí designado como “organisme de placement collectif” –  OPC), supervisionado pela “Autorité des Marchés Financiers” – cfr. Documento n.º 3 junto com o PPA.
  2. O Requerente auferiu, em maio de 2020, dividendos no montante total (bruto) de € 1.077.740,99, tendo sofrido retenções na fonte, a título definitivo, no montante total de € 269.435,25, em virtude da aplicação da taxa de 25% prevista no n.º 4 do artigo, 87.º do Código do IRC – Cfr. Documentos n.ºs 4 e 5 juntos com o PPA.
  3. O Requerente apresentou, a 18/05/2023, o pedido de revisão oficiosa do ato tributário de retenção na fonte – cfr. Documento n.º 2 junto com o PPA –, com base no disposto no artigo 78.º, n.º 1, da LGT: “a revisão dos atos tributários pela entidade que os praticou pode ser efetuada por iniciativa do sujeito passivo, no prazo de reclamação administrativa e com fundamento em qualquer ilegalidade, ou, por iniciativa da administração tributária, no prazo de quatro anos após a liquidação ou a todo o tempo se o tributo ainda não tiver sido pago, com fundamento em erro imputável aos serviços”.
  4. O pedido de revisão oficiosa não foi, até à data, respondido pela AT (Cfr. alegação do Requerente e não contestado pela Requerida).

 

Factos dados como não provados

Não existem quaisquer factos não provados relevantes para a decisão da causa.

O Tribunal formou a sua convicção quanto à factualidade provada com base nos documentos juntos à petição e no processo administrativo junto pela Autoridade Tributária, e em factos não questionados pelas partes.

 

Fundamentação da matéria de facto provada e não provada

A matéria de facto foi fixada por este TAC e a convicção ficou formada com base nas peças processuais e requerimentos apresentados pelas Partes, bem como nos documentos juntos aos autos.

Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem o dever de se pronunciar sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de selecionar a que interessa para a decisão, levando em consideração a causa (ou causas) de pedir que fundamenta o pedido formulado pelo autor, cfr. n.º 1 do artigo 596.º e n.ºs 2 a 4 do artigo 607.º, ambos do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi das alíneas a) e e) do n.º do artigo 29.º do RJAT e consignar se a considera provada ou não provada, cfr. n.º 2 do artigo 123.º Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT).

Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do n.º 7 do artigo 110.º do CPPT, a prova documental e o PA juntos aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados.

Segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal baseia a decisão, em relação às provas produzidas, na íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a experiência de vida e conhecimento das pessoas, conforme n.º 5 do artigo 607.º do CPC.

Somente quando a força probatória de certos meios se encontrar pré-estabelecida na lei (e.g., força probatória plena dos documentos autênticos, conforme artigo 371.º do Código Civil) é que não domina na apreciação das provas produzidas o princípio da livre apreciação.

 

IV. 2. Matéria de Direito

 

IV.2.1. Da tributação agravada dos OIC não residentes quando comparada com a que recai sobre os OIC residentes em território nacional

 

 

O art.º 22º do EBF dispõe: 

“[1] - São tributados em IRC, nos termos previstos neste artigo, os fundos de investimento mobiliário, fundos de investimento imobiliário, sociedades de investimento mobiliário e sociedades de investimento imobiliário que se constituam e operem de acordo com a legislação nacional. (Redação do Decreto-Lei n.º 7/2015, de 13 de janeiro, em vigor a partir de 1 de julho de 2015).

2 - O lucro tributável dos sujeitos passivos de IRC referidos no número anterior corresponde ao resultado líquido do exercício, apurado de acordo com as normas contabilísticas legalmente aplicáveis às entidades referidas no número anterior, sem prejuízo do disposto no número seguinte. (Redação do Decreto-Lei n.º 7/2015, de 13 de janeiro, em vigor a partir de 1 de julho de 2015).

3 - Para efeitos do apuramento do lucro tributável, não são considerados os rendimentos referidos nos artigos 5.º, 8.º e 10.º do Código do IRS, exceto quando tais rendimentos provenham de entidades com residência ou domicílio em país, território ou região sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável constante de lista aprovada em portaria do membro do Governo responsável pela área das finanças, os gastos ligados àqueles rendimentos ou previstos no artigo 23.º-A do Código do IRC, bem como os rendimentos, incluindo os descontos, e gastos relativos a comissões de gestão e outras comissões que revertam para as entidades referidas no n.º 1. (Redação do Decreto-Lei n.º 7/2015, de 13 de janeiro, em vigor a partir de 1 de julho de 2015).

4 - Os prejuízos fiscais apurados nos termos do disposto nos números anteriores são deduzidos aos lucros tributáveis nos termos do disposto nos n.º 1 e 2 do artigo 52.º do Código do IRC. (Redação da Lei n.º 42/2016, de 28 de Dezembro).

5 - Sobre a matéria coletável correspondente ao lucro tributável deduzido dos prejuízos fiscais, tal como apurado nos termos dos números anteriores, aplica-se a taxa geral prevista no n.º 1 do artigo 87.º do Código do IRC. (Redação do Decreto-Lei n.º 7/2015, de 13 de janeiro, em vigor a partir de 1 de julho de 2015).

6 - As entidades referidas no n.º 1 estão isentas de derrama municipal e derrama estadual. (Redação do Decreto-Lei n.º 7/2015, de 13 de janeiro, em vigor a partir de 1 de julho de 2015).

7 - Às fusões, cisões ou subscrições em espécie entre as entidades referidas no n.º 1, incluindo as que não sejam dotadas de personalidade jurídica, é aplicável, com as necessárias adaptações, o disposto nos artigos 73.º, 74.º, 76.º e 78.º do Código do IRC, sendo aplicável às subscrições em espécie o regime das entradas de ativos previsto no n.º 3 do artigo 73.º do referido Código. (Redação do Decreto-Lei n.º 7/2015, de 13 de janeiro, em vigor a partir de 1 de julho de 2015).

8 - As taxas de tributação autónoma previstas no artigo 88.º do Código do IRC têm aplicação, com as necessárias adaptações, no presente regime. (Redação do Decreto-Lei n.º 7/2015, de 13 de janeiro, em vigor a partir de 1 de julho de 2015).

9 - O IRC incidente sobre os rendimentos das entidades a que se aplique o presente regime é devido por cada período de tributação, o qual coincide com o ano civil, podendo no entanto ser inferior a um ano civil: (Redação do Decreto-Lei n.º 7/2015, de 13 de janeiro, em vigor a partir de 1 de julho de 2015) a) No ano do início da atividade, em que é constituído pelo período decorrido entre a data em que se inicia a atividade e o fim do ano civil; (Redação do Decreto-Lei n.º 7/2015, de 13 de janeiro, em vigor a partir de 1 de julho de 2015) b) No ano da cessação da atividade, em que é constituído pelo período decorrido entre o início do ano civil e a data da cessação da atividade. (Redação do Decreto-Lei n.º 7/2015, de 13 de janeiro, em vigor a partir de 1 de julho de 2015).

10 - Não existe obrigação de efetuar a retenção na fonte de IRC relativamente aos rendimentos obtidos pelos sujeitos passivos referidos no n.º 1. (Redação do Decreto-Lei n.º 7/2015, de 13 de janeiro, em vigor a partir de 1 de julho de 2015).

11 - A liquidação de IRC é efetuada através da declaração de rendimentos a que se refere o artigo 120.º do Código do IRC, aplicando-se, com as necessárias adaptações, o disposto no artigo 89.º, no n.º 1 do artigo 90.º, no artigo 99.º e nos artigos 101.º a 103.º do referido Código. (Redação do Decreto-Lei n.º 7/2015, de 13 de janeiro, em vigor a partir de 1 de julho de 2015).

12 - O pagamento do imposto deve ser efetuado até ao último dia do prazo fixado para o envio da declaração de rendimentos, aplicando-se, com as necessárias adaptações, o disposto nos artigos 109.º a 113.º e 116.º do Código do IRC. (Redação do Decreto-Lei n.º 7/2015, de 13 de janeiro, em vigor a partir de 1 de julho de 2015).

13 - As entidades referidas no n.º 1 estão ainda sujeitas, com as necessárias adaptações, às obrigações previstas nos artigos 117.º a 123.º, 125.º e 128.º a 130.º do Código do IRC. (Redação do Decreto-Lei n.º 7/2015, de 13 de janeiro, em vigor a partir de 1 de julho de 2015).

14 - O disposto no n.º 7 aplica-se às operações aí mencionadas que envolvam entidades com sede, direção efetiva ou domicílio em território português, noutro Estado membro da União Europeia ou, ainda, no Espaço Económico Europeu, neste último caso desde que exista obrigação de cooperação administrativa no domínio do intercâmbio de informações e da assistência à cobrança equivalente à estabelecida na União Europeia. (Redação do Decreto-Lei n.º 7/2015, de 13 de janeiro, em vigor a partir de 1 de julho de 2015).

15 - As entidades gestoras de sociedades ou fundos referidos no n.º 1 são solidariamente responsáveis pelas dívidas de imposto das sociedades ou fundos cuja gestão lhes caiba. (Redação do Decreto-Lei n.º 7/2015, de 13 de janeiro, em vigor a partir de 1 de julho de 2015). 16 - No caso de entidades referidas no n.º 1 divididas em compartimentos patrimoniais autónomos, as regras previstas no presente artigo são aplicáveis, com as necessárias adaptações, a cada um dos referidos compartimentos, sendo-lhes ainda aplicável o disposto no Decreto-Lei n.º 14/2013, de 28 de janeiro. (Redação do Decreto-Lei n.º 7/2015, de 13 de janeiro, em vigor a partir de 1 de julho de 2015).”

O artigo 22.º do EBF estabelece um regime consideravelmente mais favorável que o regime geral de tributação em IRC, pois, não obstante o n.º 1 daquele normativo sujeitar a tributação em IRC os fundos de investimento mobiliário, fundos de investimento imobiliário, sociedades de investimento mobiliário e sociedades de investimento imobiliário que se constituam e operem de acordo com a legislação nacional, nos termos do disposto no n.º 3 e  para efeitos do apuramento do lucro tributável daqueles sujeitos, não são considerados os rendimentos referidos nos artigos 5.º, 8.º e 10.º do Código do IRS, exceto quando tais rendimentos provenham de entidades com residência ou domicílio em país, território ou região sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável constante de lista aprovada em portaria do membro do Governo responsável pela área das finanças, os gastos ligados àqueles rendimentos ou previstos no artigo 23.º-A do Código do IRC, bem como os rendimentos, incluindo os descontos, e gastos relativos a comissões de gestão e outras comissões que revertam para as entidades referidas no n.º 1.

Acresce que aqueles mesmos sujeitos estão isentos de derrama estadual e municipal em conformidade com o disposto no n.º 6 do art.º 22º do EBF.

Resulta  claro que dos n.ºs 1 e 3 do art.º 22.º do EBF e do n.º 4 do art.º 87.º e da alínea c) do n.º 1, alínea b) do n.º 3 e n.º 4, todos, do art.º 94.º do CIRC (normas sobre taxa aplicável aos rendimentos aqui em causa e sobre retenções na fonte em sede de IRC relativamente a rendimentos obtidos em território português), decorre que os OIC’s residentes em Portugal e os OIC’s residentes noutro Estado Membro estão sujeitos, quanto aos dividendos que lhes são distribuídos por sociedades residentes em Portugal, a um tratamento distinto (e, diga-se como afirmação de princípio, menos favorável), pois apenas os dividendos distribuídos por aquelas a OIC’s não residentes estão sujeitos a IRC mediante retenção na fonte, já que, nos termos e em conformidade com o disposto no n.º 10 do aludido art.º 22º do EBF, não existe obrigação de efectuar a retenção na fonte de IRC relativamente aos rendimentos obtidos pelos sujeitos passivos referidos no n.º 1 daquele mesmo art.º 22.º do EBF, ou seja, os OIC´s constituídos e a operarem segundo a lei nacional.

Em face do vindo de aduzir se constata que a legislação nacional concede aos OIC´s residentes e constituídos e a funcionarem segundo a legislação portuguesa, a possibilidade de beneficiarem de um regime que lhes permite receberem dividendos totalmente desonerados de imposto (os rendimentos de dividendos não concorrem para a formação do Lucro Tributável), bem ao invés do que se passa com os OIC´s não residentes (constituídos e a operaram segundo legislação de outro Estado da U.E.) que relativamente à percepção daquele mesmo rendimento o vêm onerado com retenção na fonte a título definitivo de 25%.

 

IV.2.2. Da violação da proibição das restrições à liberdade de circulação de capitais decorrente do art.º 63.º do TFUE; Da ilegalidade que está a enfermar a presumida decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa apresentado e da ilegalidade que está a viciar as retenções na fonte sindicadas

 

A criação do Mercado Interno foi historicamente um dos fundamentos basilares da construção europeia.

Com efeito, o Tratado de Roma já previa o estabelecimento de um «mercado comum» que assentava na livre circulação de mercadorias, de pessoas, de serviços e de capitais.

O TFUE fornece um conjunto de regras para o comércio e relações económicas entre os Estados-membros da U.E., visando a criação de um mercado comum e de uma união económica e monetária (Cf. art.º 2º do Tratado de Roma).

Aquelas quatro liberdades foram reforçadas e em certa medida condicionadas com o decorrer do tempo e as sucessivas revisões dos tratados e da legislação europeia.

O Tratado de Lisboa manteve a ligação destas liberdades com o Mercado Interno ao defini-lo como "Um espaço sem fronteiras internas no qual a livre circulação das mercadorias, das pessoas, dos serviços e dos capitais é assegurada de acordo com as disposições dos Tratados” (Cf. art.º 26° TFUE).

O art.º 18.º do TFUE prevê uma proibição genérica de discriminações baseadas na nacionalidade.

O TFUE, no seu artigo 63°, proíbe todas as restrições aos movimentos de capitais (investimento), bem como todas as restrições aos pagamentos (pagamento de uma mercadoria ou de um serviço) entre Estados-Membros e entre Estados-membros e países terceiros.

Algumas limitações são, no entanto, aceites, nomeadamente, medidas nacionais para impedir infrações à sua própria legislação (por exemplo em matéria fiscal) ou justificadas por razões de ordem pública ou de segurança pública.

Da mesma forma, os Estados-Membros também podem exigir a declaração dos movimentos de capitais para efeitos de informação administrativa ou estatística.

Todas estas medidas não devem constituir um meio de discriminação arbitrária, nem uma restrição dissimulada à livre circulação de capitais e pagamentos.

A distribuição de dividendos é passível de ser qualificada como movimento de capital na aceção do art.º 63.º do TFUE e da própria Diretiva 88/361/CEE, de 24 de Junho de 1988. A distribuição de dividendos efetuada por sociedades residentes em Portugal a OIC´s não residentes é, assim, passível de ser qualificada como movimento de capital na aceção dos normativos acima enunciados.

Na medida em que ela se revela importante para a dilucidação da questão sub judice, invoca-se e transcreve-se aqui o ponto 36 da decisão arbitral tirada no Processo n.º 528/2019-T,disponível in https://caad.org.pt/tributario/decisoes/view.php?l=MjAyMDA0MTMxNjQzMDMwLlA1MjhfMjAxOS1UIC0gMjAyMC0xMi0yNyAtIEpVUklTUFJVREVOQ0lBLnBkZg%3D%3D e onde a dado passo se refere: 

“[E]xistem pelo menos quatro aspetos fundamentais de regime jurídico que se revestem de grande relevância hermenêutica e metódica, e que por esse motivo devem ser salientados. O primeiro diz respeito à aplicabilidade direta do artigo 63.º TFUE e da inerente proibição de restrições injustificadas da liberdade de circulação de capitais. O segundo refere-se ao facto de as liberdades fundamentais do mercado interno terem como principais destinatários os Estados-Membros, que devem abster-se de adotar medidas legislativas, administrativas e jurisdicionais de restrição das mesmas. O terceiro aspeto prende-se com a relação de complementaridade – e por vezes de sobreposição – que a liberdade de circulação de capitais estabelece com as liberdades de circulação de mercadorias e de pessoas, a liberdade de estabelecimento e a liberdade de prestação de serviços. Um quarto ponto tem que ver com o reforço progressivo da importância da liberdade de circulação de capitais no mercado interno, especialmente a partir da criação da União Económica e Monetária (UEM). Um dos principais objetivos da UEM consiste, precisamente, em facilitar a livre transferência de capital entre os Estados-Membros no quadro do mercado interno e das relações económicas e financeiras com Estados terceiros. A criação de um mercado interno supõe, por definição, a gradual e efetiva abolição dos diferentes mercados nacionais, em favor de um único mercado interno, de forma a potenciar o crescimento económico à escala europeia através da mais fácil disponibilização de capital. Tal como está na nota de rodapé n.º 7, a fls. 17 da aludida decisão arbitral: “Estes pontos são sublinhados pela Decisão do CAAD no Processo n.º 90/2019-T, de 23.07.2019, em litígio sobre matéria de facto e argumentação das Requerente e Requerida muito semelhantes aos constantes do presente processo, com reflexos na presente decisão.”

Esta matéria do tratamento discriminatório de não residentes em sede de tributação do rendimento já foi bastas vezes tratada pelo TJUE.

A este respeito tragam-se à discussão as seguintes decisões do TJUE[1]

  1. Acórdão do TJUE de 8 de Novembro de 2007, Processo C-379/05 – caso Amurta, disponível in http://curia.europa.eu/juris/document/document.jsf?text=&docid=72277&pageIndex=0&doclang=PT&mode=lst&dir=&occ=first&part=1&cid=940587 ; 
  2. Acórdão do TJUE de 3 de Junho de 2010, Processo C-487/08 disponível in   http://curia.europa.eu/juris/document/document_print.jsf;jsessionid=9EFFDBDC9CA4CD5186C1385433921C12?docid=81084&text=&dir=&doclang=PT&part=1&occ=first&mode=DOC&pageIndex=0&cid=13503116 ; 
  3. Acórdão do TJUE de 10 de Maio de 2012, Processos C-338/11 e C-347/11, Caso Fidelity Funds, disponível in http://curia.europa.eu/juris/document/document.jsf?text=&docid=203226&doclang=PT ; e
  4. Acórdão do TJUE de 21 de Junho de 2018, Processo C-480/16, Caso Santander Asset Management SGIIC, S.A., disponível in http://curia.europa.eu/juris/document/document.jsf?text=&docid=122645&pageIndex=0&doclang=PT&mode=lst&dir=&occ=first&part=1&cid=947849, sendo que, relativamente a este último, vamos aqui reproduzir o seu segmento decisório que diz: “Os artigos 63.° TFUE e 65.° TFUE devem ser interpretados no sentido de que se opõem a uma regulamentação de um Estado‑Membro que prevê a tributação, através de uma retenção na fonte, dos dividendos de origem nacional quando são recebidos por organismos de investimento coletivo em valores mobiliários residentes noutro Estado, ao passo que tais dividendos são isentos do imposto a cargo dos organismos de investimento coletivo em valores mobiliários residentes no primeiro Estado.”

Para além daquelas, adequado se mostra agora trazer à colação o acórdão do TJUE de 10-04-2014, proferido no processo n.º C-190/12, disponível in http://curia.europa.eu/juris/document/document.jsf?docid=150785&doclang=PT que a dado passo diz: “36. Com a sua segunda questão, o órgão jurisdicional de reenvio procura saber, em substância, se os artigos 63.° TFUE e 65.° TFUE devem ser interpretados no sentido de que se opõem a uma legislação fiscal de um Estado‑Membro, como a que está em causa no processo principal, ao abrigo da qual os dividendos pagos por sociedades estabelecidas nesse Estado‑Membro a um fundo de investimento situado num país terceiro não podem beneficiar de isenção fiscal[2]. 37. Em particular, nos termos da Lei do imposto sobre as sociedades, na sua versão aplicável aos factos do litígio no processo principal, ou seja, nos anos de 2005 e 2006 e até janeiro de 2011, os dividendos distribuídos por uma sociedade residente a um fundo de investimento estabelecido num país terceiro eram tributados, em princípio, à taxa de 19%, através de retenção na fonte, salvo se uma taxa diferente fosse aplicável por força de uma convenção preventiva da dupla tributação, ao passo que esses dividendos estavam isentos quando eram pagos a um fundo de investimento residente, desde que este último também cumprisse os requisitos estabelecidos pela Lei sobre os fundos de investimento. 38. Importa recordar, antes de mais, que, embora a fiscalidade direta seja da competência dos Estados‑Membros, estes devem, todavia, exercer essa competência no respeito do direito da União (acórdão de 10 de maio de 2012, Santander Asset Management SGIIC e o., C‑338/11 a C‑347/11, n.° 14 e jurisprudência referida). 39. A este respeito, resulta de jurisprudência constante do Tribunal de Justiça que as medidas proibidas pelo artigo 63.°, n.° 1, TFUE, enquanto restrições aos movimentos de capitais, incluem as que são de molde a dissuadir os não residentes de investirem num Estado‑Membro ou a dissuadir os residentes desse Estado‑Membro de investirem noutros Estados (acórdãos de 18 de dezembro de 2007, A, C‑101/05, Colet., p. I‑11531, n.° 40; de 10 de fevereiro de 2011, Haribo Lakritzen Hans Riegel e Österreichische Salinen, C‑436/08 e C‑437/08, Colet., p. I‑305, n.° 50; e Santander Asset Management SGIIC e o., já referido, n.° 15). 40. No caso vertente, a isenção fiscal prevista pela legislação fiscal nacional em causa no processo principal era concedida unicamente aos fundos de investimento que exerciam a sua atividade em conformidade com a Lei sobre os fundos de investimento. 41. Resulta igualmente da decisão de reenvio que, nos termos da legislação nacional em causa no processo principal, os fundos de investimento só beneficiam da isenção na condição de a sua sede se situar em território polaco. Por conseguinte, os dividendos pagos a fundos de investimento não residentes não podiam beneficiar, apenas devido ao local de estabelecimento desses fundos, da isenção da retenção na fonte, mesmo que esses dividendos pudessem eventualmente ser objeto de uma redução da taxa de tributação ao abrigo de uma convenção preventiva da dupla tributação. 42. Ora, uma tal diferença de tratamento fiscal dos dividendos entre os fundos de investimento residentes e os fundos de investimento não residentes é suscetível de dissuadir, por um lado, os fundos de investimento estabelecidos num país terceiro de adquirirem participações em sociedades estabelecidas na Polónia e, por outro, os investidores que residem nesse Estado‑Membro de adquirirem participações em fundos de investimento não residentes (v., neste sentido, acórdão Santander Asset Management SGIIC e o., já referido, n.° 17). 43. Daqui resulta que uma legislação nacional como a que está em causa no processo principal é de molde a conduzir a uma restrição à livre circulação de capitais proibida, em princípio, pelo artigo 63.° TFUE.”

Da transcrição operada se infere que um quadro normativo interno que imponha a retenção de 25%  incidente sobre dividendos distribuídos a OIC’s não residentes (por detenção de participações sociais em sociedades residentes no Estado fonte) e a correspetiva isenção aplicável aos OIC´s residentes que se hajam constituído e se encontrem a operar nesse mesmo estado fonte, fundando-se tal tratamento diferenciado, tão-somente, em função do lugar de residência dos OIC´s beneficiários, ou seja, na expressiva letra do arresto do TJUE, “apenas devido ao local de estabelecimento desses fundos”, mesmo que esses dividendos pudessem eventualmente ser objeto de uma redução da taxa de tributação ao abrigo de uma convenção preventiva da dupla tributação, não pode deixar de conduzir a uma restrição à livre circulação de capitais, proibida, em princípio, pelo artigo 63.° TFUE.

Não devendo olvidar-se que está prevista no artigo 65.º do TFUE, na senda das derrogações à liberdade de circulação de capitais já previstas na Diretiva n.º 88/361/CEE, a admissibilidade de restrições à liberdade de circulação de capitais por parte dos Estados-Membros.

Quanto à questão da comparabilidade para efeitos de análise do carácter discriminatório do regime fiscal interno de tributação dos OIC´s residentes e não residentes adequado se mostra trazer aqui à colação tudo quanto a tal propósito foi dilucidado na decisão arbitral prolatada no processo 528/2019-T acima melhor identificado e onde nos pontos 47 e seguintes da sua fundamentação se diz:  

“47. O artigo 65.º alínea a) do TFUE prevê a possibilidade de os Estados-Membros aplicarem disposições pertinentes de direito fiscal que estabeleçam uma distinção entre contribuintes que não se encontrem em idêntica situação no que se refere ao lugar de residência ou ao lugar onde o capital é investido. No entanto, essa previsão deve ser atenuada pelo requisito do artigo 65.º, n.º 3, do mesmo Tratado, segundo o qual qualquer exceção não pode constituir um meio de discriminação arbitrária nem uma restrição dissimulada à livre circulação de capitais e pagamentos, tal como definida pelo artigo 63.º. Quer dizer, as restrições têm como limite a garantia da própria liberdade de circulação de capitais[3]. Importa, pois, para este efeito, saber se a situação dos fundos de investimento residentes e não residentes em Portugal é objetivamente comparável[4].

48. No caso de fundos de investimento residentes na Alemanha, o artigo 10.º da relevante CDT, permite que o imposto retido na fonte, com carácter definitivo, seja limitado à taxa de 15%. No entanto, como os fundos de investimento em causa gozam de uma isenção à luz do direito alemão, sendo considerados fiscalmente transparentes, não podem beneficiar do referido artigo. Numa primeira análise, poder-se-ia dizer que essa impossibilidade resulta do facto de gozarem de uma vantagem fiscal, a isenção, de que os seus congéneres portugueses não usufruem. Estes, beneficiam da isenção de retenção, ao mesmo tempo que estão sujeitos a dois impostos – IRC e Imposto do Selo – cujo efeito cumulativo pode, em certos casos, exceder 23% do valor bruto dos dividendos.

49. Por outro lado, o imposto retido à Requerente poderá eventualmente dar lugar a um crédito de imposto por dupla tributação internacional na esfera dos investidores individualmente considerados. Num caso e noutro, a tributação dos dividendos opera segundo modalidades diferentes, e nada indica que a carga fiscal que onera os dividendos auferidos pelos OIC abrangidos pelo artigo 22.º do EBF possa ser mais reduzida do que a que recai sobre os dividendos auferidos em Portugal pelos fundos alemães. Estas diferenças podem ser invocadas, prima facie, para sustentar que não se trata de situações comparáveis.

50. Porém, em causa está saber se a determinação da comparabilidade da situação dos fundos residentes e não residentes em Portugal deve entrar em linha de conta com a situação fiscal em que se encontram os fundos de investimento não residentes em Portugal no respetivo Estado de residência – tendo em conta o pertinente regime jurídico e as CDT’s entre Portugal e esses Estados – especialmente no caso dos Estados-Membros da União Europeia ou integrantes do Espaço Económico Europeu, ou ainda levar em conta a situação concreta dos respetivos investidores. Soluções normativas que obrigassem a ter em conta, para efeitos de comparação, a situação concreta dos fundos de investimento dos 28 Estados-Membros, a partir das relevantes CDT’s, se os houver, ou a indagar do impacto fiscal da retenção e das medidas de mitigação da dupla tributação económica na situação fiscal de cada investidor individualmente considerado seriam extremamente complexas, mesmo numa situação em que os acionistas fossem, eles próprios, pessoas coletivas, cada qual residente numa jurisdição diferente.

51. Por outras palavras, se se quiser fazer uma determinação caso a caso para cada fundo de investimento não residente ou investidor individual, o trabalho administrativo envolvido, embora possa compensar os Estados-Membros por via de um aumento das receitas, acaba por ser, tendo em conta o grande número de investidores de alguns fundos, administrativamente impraticável. Tanto os fundos residentes em Portugal como os não residentes podem ter acionistas institucionais e individuais de todos os Estados-Membros da União Europeia e de Estados terceiros. Em causa estão, na prática, diferenças significativas de facilidade e praticabilidade administrativa. Diferentemente, se se circunscrever a análise ao nível da situação fiscal dos fundos residentes e não residentes a quem são distribuídos dividendos, uma única determinação será suficiente.

52. Neste contexto, o que deve relevar é o impacto direto que as normas tributárias têm na atividade dos fundos e não o efeito indireto na situação fiscal dos investidores individualmente considerados. Estes não têm necessariamente a mesma nacionalidade dos fundos, já que hoje é extremamente fácil levar a cabo investimentos transfronteiriços, sendo que esse mesmo é um dos objetivos do mercado interno e da liberdade de circulação de capitais. O rastreamento de investidores individuais espalhados por todo o mundo e a aplicação de um conjunto diferente de regras a cada um deles, dependendo de seu país de domicílio, apresentaria uma situação impraticável para os tribunais que, no futuro, fossem chamados a analisar a conformidade da legislação fiscal nacional em causa com as liberdades de estabelecimento e de circulação de capitais.

53. O fundo Requerente, residente na Alemanha, pode ter investidores estrangeiros, incluindo portugueses, e os fundos fiscalmente residentes em Portugal podem ter investidores estrangeiros, incluindo alemães. A presente ação não foi intentada pelos investidores nem os mesmos são partes nela, nem é lícito chamar à colação a posição (para efeitos fiscais) dos referidos investidores. O artigo 22.º do EBF não estabelece nenhuma ligação entre o tratamento fiscal dos dividendos de origem nacional recebidos pelos OIC —residentes ou não residentes - e a situação fiscal dos seus detentores de participações. Da mesma forma, a AT não afere da posição dos investidores em OIC estabelecidos (e residentes para efeitos fiscais) em Portugal para reconhecer a estes o regime fiscal previsto no artigo 22.º do EBF.

54. Deve, por conseguinte, considerar-se decisivo, para efeitos de comparabilidade, o facto de a lei portuguesa diferenciar expressamente, para efeitos de retenção na fonte, entre fundos de investimento residentes e não residentes – e não a situação fiscal, mais ou menos vantajosa, que os fundos não residentes possam gozar nos respetivos Estados da residência ou ainda a situação fiscal individual dos respetivos investidores. Do ponto de vista do Estado-Membro que se considere, fundos residentes e não residentes estão numa situação comparável se ambos estão sujeitos à respetiva tributação.

55. Como sublinhou o TJUE no caso Santander Asset Management, quando um Estado-Membro escolhe exercer a sua competência fiscal sobre os dividendos pagos por sociedades residentes unicamente em função do lugar de residência dos OIC beneficiários, a situação fiscal dos detentores de participações destes últimos é desprovida de pertinência para efeitos de apreciação do caráter discriminatório ou não da referida regulamentação. Também não parece a este Tribunal Arbitral ser relevante aferir do impacto fiscal que, nas mais variadas situações individuais e concretas, a sujeição da Imposto de Selo dos OIC residentes em Portugal possa produzir neste ou naquele fundo de investimento, visto tratar-se aí de um imposto sujeito a uma lógica patrimonial totalmente distinta da tributação do rendimento. O critério a ter em conta é, em primeira linha, o da letra do artigo 22.º do EBF, só depois havendo que tomar em consideração outros fatores.

56. Como se pôs em relevo acima, os fundos residentes e não residentes são colocados numa posição comparável a partir do momento em Portugal opta por tributar os não residentes de maneira menos favorável do que os residentes, dissuadindo aqueles, na qualidade de acionistas, de investirem nas empresas residentes distribuidoras de dividendos e dificultando a obtenção de capital no exterior por parte destas mesmas empresas. Por outro lado, Portugal não pode deixar de cumprir as obrigações jurídicas decorrentes das liberdades fundamentais do mercado interno por considerar que os outros Estados-Membros se encarregarão, de alguma forma, de compensar de tratamento desfavorável gerado pela sua própria legislação.”

 

Com a devida vénia, este Tribunal Arbitral Coletivo vai aqui acompanhar sem reservas tudo quanto a propósito da comparabilidade das situações acima se transcreveu, concluindo no sentido de que o OIC não residente (que é aqui Requerente) está efetivamente numa situação de comparabilidade com qualquer um OIC residente, ainda que este último se encontre submetido em Portugal a outros efeitos impositivos, tais como o respeitante à verba 29.2 da Tabela Geral do Imposto do Selo (TGIS), ou até a tributação autónoma de IRC prevista no n.º 11 do art.º 88º do CIRC. 

É certo que a Autoridade Tributária e Aduaneira, na sua Resposta e tal como visto no ponto dedicado à explicitação da posição por aquela defendido, sustenta que a não tributação dos OIC’s residentes em sede de IRC é compensada pela tributação trimestral destes em Imposto do Selo, nos termos da verba 29 da TGIS; tal como é ainda compensada pela possibilidade de ser aplicável aos OIC´s residentes tributação autónoma, designadamente a prevista no n.º 11 do artigo 88.º do CIRC.

Adequado se mostrando, a este propósito, trazer ainda à colação o que é dito na decisão tirada no processo arbitral n.º 11/2020-T que pode ser consultada inhttps://caad.org.pt/tributario/decisoes/view.php?l=MjAyMTAxMTMyMzUzMzcwLlAxMV8yMDIwLVQgLSAyMDIwLTExLTA2IC0gSlVSSVNQUlVERU5DSUEucGRm e onde se aduz: 

“[N]o que concerne à referida tributação em Imposto do Selo, ocorre apenas quando “os fundos de investimento mobiliário, fundos de investimento imobiliário, sociedades de investimento mobiliário e sociedades de investimento imobiliário sejam constituídos e operem de acordo com a legislação nacional” (artigo 4.º, n.º 7, do Código do Imposto do Selo), pelo que se trata, de facto, de uma tributação que não se aplica aos OIC´s não residentes. Mas, esta tributação incide sobre o valor líquido global dos OIC´s residentes, à taxa de 0,0025%, por cada trimestre, quando invistam exclusivamente em instrumentos do mercado monetário e depósitos, e, nos restantes casos, em que a base tributável poderá incluir os dividendos distribuídos, à taxa 0,0125%, por cada trimestre. É manifesto, porém, que esta tributação em Imposto do Selo que poderá atingir, no máximo, nesta segunda hipótese, a taxa de 0,05% anuais (na soma dos quatro trimestres), apesar de incidir sobre o valor líquido global dos OICS´s, não se pode considerar equivalente à que resulta da tributação dos dividendos em IRC à taxa de 15%), 300 vezes superior.”

Prossegue ainda o ilustre coletivo que prolatou o Acórdão arbitral tirado no processo arbitral n.º 11/2020-T, como segue: 

“[P]or outro lado, a tributação autónoma prevista no n.º 11 do artigo 23.º do CIRC, invocada pela Administração Tributária como compensatória da não tributação os dividendos, aplica-se, à taxa de 23 %, aos lucros distribuídos por entidades sujeitas a IRC a sujeitos passivos que beneficiam de isenção total ou parcial, abrangendo, neste caso, os rendimentos de capitais, quando as partes sociais a que respeitam os lucros não tenham permanecido na titularidade do mesmo sujeito passivo, de modo ininterrupto, durante o ano anterior à data da sua colocação à disposição e não venham a ser mantidas durante o tempo necessário para completar esse período. No entanto, desde logo, a aplicação desta tributação autónoma tem lugar apenas quando ocorra de detenção de partes sociais por período inferior a um ano, pelo que, não se aplicando em todas as situações, sempre se terá de concluir que não tem potencialidade para assegurar sempre a eliminação da situação de desvantagem dos fundos não residentes. Por outro lado, esta tributação autónoma nem sequer se aplica aos OIC´s residentes, quanto aos dividendos, pois não se trata de entidades isentas de IRC, mas apenas isentas quanto a derrama estadual e municipal, por força do n.º 6 do artigo 22.º do EBF.”

Acompanhando a decisão arbitral tirada no processo 11/2020-T e louvado nela, o Tribunal Arbitral entende que a não tributação dos OIC’s residentes em sede de IRC que se hajam constituído e operem segundo a legislação nacional, não é compensada pela tributação trimestral daqueles em Imposto do Selo; tal como também não é compensada pela possibilidade de ser aplicável aos OIC´s residentes a aludida tributação autónoma prevista no n.º 11 do artigo 88.º do CIRC. Com a agravante de que e para além da redução de taxa a que acima nos reportávamos por aplicação da CDT outorgada com o Grão-Ducado do Luxemburgo, de 25% para 15%, cumprindo-se os requisitos formais impostos para que tal redução possa operar, a legislação nacional não prever qualquer outro mecanismo que possa atenuar ou eliminar a carga fiscal acrescida a que estão sujeitos os rendimentos auferidos por OIC´s não residentes.

Finalmente quanto à justificação da diferenciação mister é repristinar aqui o que a tal respeito diz a decisão arbitral prolatada no processo 528/2019-T acima melhor identificada e onde nos pontos 57 e seguintes da sua fundamentação se diz: 

“57. No âmbito das liberdades fundamentais do mercado interno assume a maior importância a problemática dos chamados limites dos limites. Cumpre, assim, indagar sobre se a diferenciação entre fundos residentes e não residentes, nos termos do artigo 22.º do EBF na redação relevante à data dos factos, pode ser justificada, à luz da alínea b) do n.º 1 do artigo 65.º do TFUE, nomeadamente por se tratar de uma medida indispensável para impedir infrações às leis e regulamentos nacionais, nomeadamente em matéria fiscal e de supervisão prudencial das instituições financeiras. A própria derrogação prevista nesse preceito é ulteriormente limitada pelo disposto n.º3, do mesmo artigo – uma norma especial de limite dos limites – que prevê que as disposições nacionais a que se refere o n.º 1 “não devem constituir um meio de discriminação arbitrária, nem uma restrição dissimulada à livre circulação de capitais e pagamentos, tal como definida no artigo 63.º”.

58. No entender do presente colégio arbitral, dificilmente se poderia argumentar de forma convincente no sentido da indispensabilidade da medida diferenciadora em apreciação. Em primeiro lugar, é o Estado português que, no exercício da sua jurisdição fiscal, opta deliberadamente por diferenciar entre fundos residentes e fundos não residentes, isentando os primeiros da retenção de imposto sobre a distribuição de dividendos e sujeitando à mesma os segundos, colocando-os numa situação comparável, e em seguida tratando-os de forma diferente. Ora, não se vê em que medida é que essa diferenciação é indispensável à prevenção de infrações fiscais. Com efeito, não se percebe que a diferenciação em causa possa prevenir a evasão fiscal, nada existindo na mesma que se refira à prevenção de montagens ou construções meramente artificiais, desprovidas de genuína substância económica. Recorde-se que o critério da indispensabilidade aponta para a justificação da diferenciação fiscal em causa apenas quando não existam meios alternativos menos restritivos – de limitação e diferenciação – à disposição do Estado-Membro em presença, adequados à salvaguarda do sistema fiscal ou de supervisão.

59. Em segundo lugar, e na linha do que acaba de ser dito, sempre seria possível isentar de retenção (ou diminuir o respetivo montante) tanto os fundos residentes em Portugal como os fundos residentes noutros Estados-Membros e, simultaneamente, dar um tratamento fiscal em geral idêntico aos investidores residentes em Portugal pelos dividendos recebidos de sociedades residentes em Portugal ou noutros Estados-Membros, seguindo as orientações definidas pela jurisprudência do TJUE em sede de dupla tributação económica. A existência de alternativas menos restritivas de relativamente fácil concretização legislativa constitui evidência de que se está, no caso, perante uma diferenciação desproporcional e, portanto, ilegítima.. Por outro lado, o TJUE tem sustentado que um tratamento fiscal desfavorável contrário a uma liberdade fundamental não pode ser considerado compatível com o direito da União devido à eventual existência de outros benefícios. Nas suas palavras, se os Estados-Membros utilizarem a liberdade de sujeitar a imposto os rendimentos gerados no seu território, são obrigados a respeitar o princípio da igualdade de tratamento e as liberdades de circulação garantidas pelo direito primário da União.

60. Acresce que, e este é um terceiro aspeto relevante em sede do artigo 65.º n.º1 e 3 do TFUE, a garantia da coerência do sistema fiscal português também não pode ser invocada para justificar a diferenciação de regime da retenção, na medida em que a jurisprudência do TJUE exige uma ligação direta entre a vantagem fiscal em causa e a compensação dessa vantagem através de uma imposição específica, situação que não se verifica necessariamente através da eventual sujeição dos OIC’s às taxas de tributação autónoma de IRC e da Verba 29 da Tabela Geral do Imposto Selo, sendo este um tributo de natureza e lógica patrimonial.

61. A aplicação trimestral do Imposto de Selo a fundos em diferentes condições (v.g. fundos com valorização súbita de ativos, seguida de alienação e distribuição de dividendos; fundos com perfil conservador de investimento e valor da carteira de investimentos relativamente constante), estando dependente da eventual capitalização dos rendimentos provenientes dos dividendos, pode gerar, dentro de cada um dos sucessivos exercícios, consideráveis disparidades arbitrárias de tratamento fiscal entre os vários fundos de investimento residentes e entre estes e os não residentes, com impacto evidente nos respetivos fundos de caixa. Esta realidade é tanto mais significativa quanto é certo que, de acordo com a jurisprudência do TJUE, a apreciação da existência de um eventual tratamento desvantajoso dos dividendos pagos a não residentes deve ser efetuada em relação a cada ano fiscal individualmente considerado.

62. Por outro lado, a aplicação da taxa de tributação autónoma de 23% prevista no artigo 88.º n.º 11 do CIRC – por força do artigo 22.º do EBF – está dependente do facto eventual da não permanência, de modo ininterrupto, das partes sociais a que correspondem os lucros na titularidade dos sujeitos passivos aí previstos durante o ano anterior à data da sua colocação à disposição, e da sua não manutenção durante o tempo necessário para completar esse período, situações de ocorrência eventual e incerta. Ora, as disparidades de tratamento fiscal assim geradas não asseguram necessariamente a neutralização da desvantagem fiscal em que ficaram colocados os fundos não residentes, sujeitos a uma retenção de imposto suscetível de os dissuadir de investirem em Portugal e de dissuadir os residentes em Portugal de investirem em fundos de investimento de outros Estados-Membros.

63. Também não colhe o argumento do interesse geral na garantia de uma repartição e equilibrada do poder de tributar, devendo entender-se, com o TJUE, que quando um Estado-Membro tenha optado por não tributar os OIC residentes beneficiários de dividendos de origem nacional, não pode invocar a necessidade de garantir uma repartição equilibrada do poder de tributação entre os Estados-Membros para justificar a tributação dos OIC não residentes beneficiários de tais rendimentos. Ou seja, em caso algum se poderá entender que se trata aqui de restrições justificadas por razões de segurança pública ou ordem pública.

64. Do mesmo modo, em quarto lugar, a garantia da efetividade da supervisão financeira não justifica, por si só, a diferenciação de tratamento entre fundos residentes e fundos não residentes em Portugal. Como efeito, se é certo que um OIC constituído ao abrigo de legislação estrangeira (em concreto, ao abrigo da legislação de um outro Estado-Membro da UE) e aí sujeito aos poderes de supervisão da respetiva entidade reguladora não cumpre os pressupostos previstos na legislação portuguesa e certamente não estará sujeito à supervisão da CMVM, também o é que o TJUE já sustentou, num caso envolvendo o nosso país, a inadmissibilidade de uma regulamentação nacional que impeça de forma absoluta um determinado fundo de fazer prova de que satisfaz as exigências que lhe permitiriam beneficiar da isenção, nomeadamente fornecendo os documentos comprovativos pertinentes que permitam às autoridades fiscais nacionais verificar, de forma clara e precisa, que esses fundos preenchem, no seu Estado de residência, exigências equivalentes às previstas pela legislação nacional.

65. Como tem sido sucessivamente afirmado pelo TJUE, a liberdade de circulação de capitais consagrada no artigo 63.º do TFUE deve ser interpretada em sentido amplo e as possibilidades de restrição à mesma, previstas e limitadas no artigo 65.º do mesmo Tratado devem ser indispensáveis à prossecução de interesses públicos ponderosos, devidamente fundamentadas e interpretadas de maneira restritiva. É sobre o Estado português que recai o ónus de provar que os seus objetivos fiscais e financeiros não poderiam ser prosseguidos por meios alternativos menos restritivos do que a diferença de tratamento fiscal em causa[28], ónus esse que manifestamente não foi cumprido pela argumentação expendida pela AT, sem prejuízo de se reconhecer o empenhado e competente esforço nesse sentido. A orientação de fundo seguida pela jurisprudência do TJUE sobre o âmbito normativo da liberdade de circulação de capitais, os seus limites e os limites dos limites – da maior importância à luz da garantia de uniformidade de interpretação e aplicação do direito da União Europeia – torna inviável essa missão probatória no caso concreto.

66. O presente Tribunal Arbitral aceita como boa a noção, várias vezes sustentada pelo TJUE, de que o reconhecimento de uma ampla margem de conformação dos Estados-Membros em sede de regulação dos capitais tornaria a respetiva liberdade de circulação ilusória. Dada a linguagem prudente nelas incorporada, resulta claro que as exceções do artigo 65.º, nº 1, alínea a) e do n.º 3 do TFUE devem ser aplicadas somente em circunstâncias raras e especiais. Esta é uma barreira significativa de difícil superação por parte do Estado português.(...).”

Tudo ponderado sempre se dirá que à questão sub judicio não pode deixar de se aplicar a jurisprudência que vem emanando do TJUE acima sobejamente enunciada, na medida em que, levando-se na devida conta o acima explicitado tratamento mais vantajoso decorrente da aplicação do art.º 22.º do EBF aos OIC´s residentes versus da aplicação do regime geral do IRC aos OIC´s não residentes, o tratamento privilegiado decorrente da aplicabilidade do art.º 22.º do EBF não pode ser utilizado pelo aqui Requerente (na qualidade de OIC não residente) exclusivamente por a sua constituição e funcionamento não ter sido feita segundo a legislação nacional.

Inferindo-se daqui que o art.º 22º do EBF se mostra contrário ao Direito da U.E. se interpretado no sentido de que só os OIC´s residentes e constituídos e a funcionarem de acordo com a legislação nacional podem beneficiar da não relevância dos rendimentos derivados de dividendos na determinação do lucro tributável, porquanto em manifesta violação do principio da não discriminação em razão da nacionalidade e ainda em violação das disposições relativas à livre circulação de capitais previstas no art.º 63º do TFUE.  

Acresce que, o Requerente, na petição que consubstanciou o pedido de pronúncia arbitral, mais concretamente no seu art.º 96.º, a fls. 32, dava conta de que no processo n.º 93/2019-T, foi proferida decisão de reenvio prejudicial para análise de questões prejudiciais por parte do TJUE em tudo semelhantes às que se colocam nos presentes autos.

Tal decisão de reenvio correu termos no TJUE sob o Processo n.º C-545/19, sendo que e tal como aduzido no PPA, por Acórdão do TJUE de 17 de Março de 2022, aquele areópago tomou posição sobre as questões prejudiciais colocadas, tendo, em síntese, declarado: “O artigo 63.° TFUE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação de um Estado-Membro por força da qual os dividendos distribuídos por sociedades residentes a um organismo de investimento coletivo (OIC) não residente são objeto de retenção na fonte, ao passo que os dividendos distribuídos a um OIC residente estão isentos dessa retenção.”

O texto integral do aludido Acórdão pode ser consultado in https://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/HTML/?uri=CELEX:62019CJ0545&from=PT.   

Sendo que, dada a total similitude entre a questão sub judicio e a tratada no Acórdão do TJUE de 17 de Março de 2022, Processo n.º C-545/19, transcreve-se doravante parte da fundamentação plasmada naquele arresto:   

“37.     No caso em apreço, é facto assente que a isenção fiscal prevista pela legislação nacional em causa no processo principal é concedida aos OIC constituídos e que operam de acordo com a legislação portuguesa, ao passo que os dividendos pagos a OIC estabelecidos noutro Estado‑Membro não podem beneficiar dessa isenção.

38 Ao proceder a uma retenção na fonte sobre os dividendos pagos aos OIC não residentes e ao reservar aos OIC residentes a possibilidade de obter a isenção dessa retenção na fonte, a legislação nacional em causa no processo principal procede a um tratamento desfavorável dos dividendos pagos aos OIC não residentes.

39 Esse tratamento desfavorável pode dissuadir, por um lado, os OIC não residentes de investirem em sociedades estabelecidas em Portugal e, por outro, os investidores residentes em Portugal de adquirirem participações sociais em OIC e constitui, por conseguinte, uma restrição à livre circulação de capitais proibida, em princípio, pelo artigo 63.° TFUE (v., por analogia, Acórdão de 21 de junho de 2018, Fidelity Funds e o., C‑480/16, EU:C:2018:480, n.os 44, 45 e jurisprudência referida).

 40 Não obstante, segundo o artigo 65.°, n.° 1, alínea a), TFUE, o disposto no artigo 63.° TFUE não prejudica o direito de os Estados‑Membros aplicarem as disposições pertinentes do seu direito fiscal que estabeleçam uma distinção entre contribuintes que não se encontrem em idêntica situação no que se refere ao seu lugar de residência ou ao lugar em que o seu capital é investido.

41 Esta disposição, enquanto derrogação ao princípio fundamental da livre circulação de capitais, é de interpretação estrita. Por conseguinte, não pode ser interpretada no sentido de que qualquer legislação fiscal que comporte uma distinção entre os contribuintes em função do lugar em que residam ou do Estado‑Membro onde invistam os seus capitais é automaticamente compatível com o Tratado FUE. Com efeito, a derrogação prevista no artigo 65.º, n.º 1, alínea a), TFUE é ela própria limitada pelo disposto no artigo 65.º, n.º 3, TFUE, que prevê que as disposições nacionais a que se refere o n.º 1 desse artigo «não devem constituir um meio de discriminação arbitrária, nem uma restrição dissimulada à livre circulação de capitais e pagamentos, tal como definida no artigo 63.º [TFUE]» [Acórdão de 29 de abril de 2021, Veronsaajien oikeudenvalvontayksikkö (Rendimentos distribuídos por OICVM), C‑480/19, EU:C:2021:334, n.º 29 e jurisprudência referida].

42 O Tribunal de Justiça declarou igualmente que, por conseguinte, há que distinguir as diferenças de tratamento permitidas pelo artigo 65.°, n.º 1, alínea a), TFUE das discriminações proibidas pelo artigo 65.°, n.º 3, TFUE. Ora, para que uma legislação fiscal nacional possa ser considerada compatível com as disposições do Tratado FUE relativas à livre circulação de capitais, é necessário que a diferença de tratamento daí decorrente diga respeito a situações que não sejam objetivamente comparáveis ou se justifique por uma razão imperiosa de interesse geral [Acórdão de 29 de abril de 2021, Veronsaajien oikeudenvalvontayksikkö (Rendimentos distribuídos por OICVM), C‑480/19, EU:C:2021:334, n.º 30 e jurisprudência referida].Quanto à existência de situações objetivamente comparáveis

43 Para apreciar a comparabilidade das situações em causa, o órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se, por um lado, sobre a questão de saber se a situação dos detentores de participações deve ser tida em conta do mesmo modo que a dos OIC e, por outro, sobre a eventual pertinência da existência, no sistema fiscal português, de certos impostos aos quais apenas estão sujeitos os OIC residentes.

44 O Governo português alega, em substância, que as respetivas situações dos OIC residentes e dos OIC não residentes não são objetivamente comparáveis uma vez que a tributação dos dividendos recebidos por estas duas categorias de organismos de investimento de sociedades residentes em Portugal é regulada por técnicas de tributação diferentes – a saber, por um lado, esses dividendos são objeto de retenção na fonte quando são pagos a um OIC não residente e, por outro, estão sujeitos ao imposto do selo e ao imposto específico previsto no artigo 88.°, n.° 11, do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas quando são pagos a um OIC residente.

45 Este Governo indica igualmente que resulta do artigo 22.°‑A do EBF que os dividendos distribuídos por OIC residentes a detentores de participações sociais residentes em território português ou que sejam imputáveis a um estabelecimento estável situado neste território são tributados à taxa de 28 % (quando os beneficiários estão sujeitos ao imposto sobre o rendimento das pessoas singulares) ou de 25 % (quando os beneficiários estão sujeitos ao imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas), ao passo que os dividendos pagos a detentores de participações sociais que não residem no território português e que não têm estabelecimento estável neste último estão, em princípio, isentos do imposto sobre o rendimento das pessoas singulares e do imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas (com algumas exceções destinadas essencialmente a prevenir abusos).

46 Segundo o referido Governo, há uma estreita coerência entre a tributação dos rendimentos dos OIC e dos detentores de participações sociais nestes organismos. Assim, o modelo português de tributação dos OIC, de natureza «compósita», conjuga estruturalmente os impostos incidentes, por um lado, sobre os OIC residentes, ou seja, o imposto do selo e o imposto específico previsto no artigo 88.°, n.° 11, do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas, bem como, por outro, os incidentes sobre os detentores de participações sociais em tais organismos, conforme referidos no número anterior. Estas diferentes tributações, muito bem integradas entre si, sendo cada uma delas imprescindível à coerência do sistema de tributação instituído, devem ser entendidas como um todo.

47 Além disso, este mesmo Governo acrescenta, em substância, que, no âmbito da apreciação da comparabilidade das situações em causa, não se deve abstrair dos efeitos da transparência fiscal que caracteriza a relação entre a recorrente no processo principal e os detentores de participações sociais na mesma, o que leva a que a retenção na fonte efetuada em Portugal possa ser imediatamente repercutida nos detentores de participações sociais que, não estando isentos de imposto, podem imputar ou, ainda, creditar a sua participação dessa retenção efetuada em Portugal sobre o imposto do qual são devedores na Alemanha.

 48 Por último, o Governo português considera que, ao ter livremente optado por não operar em Portugal através de um estabelecimento estável, a recorrente no processo principal autoexcluiu‑se de qualquer comparação com os OIC estabelecidos em Portugal, sendo a sua situação, isso sim, comparável a todas as situações das demais entidades não residentes e cujos dividendos auferidos em Portugal são sempre tributados a taxas nunca inferiores a 25 %.

49 Resulta de jurisprudência constante que, a partir do momento em que um Estado, de modo unilateral ou por via convencional, sujeita ao imposto sobre o rendimento não só os contribuintes residentes mas também os contribuintes não residentes, relativamente aos dividendos que auferem de uma sociedade residente, a situação dos referidos contribuintes não residentes assemelha‑se à dos contribuintes residentes (Acórdão de 22 de novembro de 2018, Sofina e o., C‑575/17, EU:C:2018:943, n.° 47 e jurisprudência referida).

50 Quanto ao argumento do Governo português que figura no n.° 44 do presente acórdão, há que recordar que, nas circunstâncias que deram origem ao Acórdão de 22 de dezembro de 2008, Truck Center (C‑282/07, EU:C:2008:762), o Tribunal de Justiça admitiu a aplicação, aos beneficiários de rendimentos de capitais, de técnicas de tributação diferentes consoante esses beneficiários sejam residentes ou não residentes, uma vez que esta diferença de tratamento diz respeito a situações que não são objetivamente comparáveis (v., neste sentido, Acórdão de 22 de dezembro de 2008, Truck Center, C‑282/07, EU:C:2008:762, n.° 41).

51 Do mesmo modo, no processo que deu origem ao Acórdão de 2 de junho de 2016, Pensioenfonds Metaal en Techniek (C‑252/14, EU:C:2016:402), o Tribunal de Justiça declarou que o tratamento diferenciado da tributação dos dividendos pagos a fundos de pensões segundo a qualidade de residente ou de não residente destes últimos, resultante da aplicação, a esses fundos respetivos, de dois métodos de tributação diferentes, era justificado pela diferença de situação entre estas duas categorias de contribuintes à luz do objetivo prosseguido pela regulamentação nacional em causa nesse processo, bem como do seu objeto e do seu conteúdo.

52 No entanto, sob reserva da verificação pelo órgão jurisdicional de reenvio, a legislação nacional em causa no processo principal não se limita a prever diferentes modalidades de cobrança de imposto em função do local de residência do OIC beneficiário de dividendos de origem nacional, mas prevê, na realidade, uma tributação sistemática dos referidos dividendos que onera apenas os organismos não residentes (v., por analogia, Acórdão de 8 de novembro de 2012, Comissão/Finlândia, C‑342/10, EU:C:2012:688, n.° 44 e jurisprudência referida).

53 A este propósito, importa salientar, por um lado, no que respeita ao imposto do selo, que resulta tanto das observações escritas apresentadas pelas partes como da resposta do órgão jurisdicional de reenvio ao pedido de informações do Tribunal de Justiça que, pelo facto de a sua matéria coletável ser constituída pelo valor líquido contabilístico dos OIC, esse imposto do selo é um imposto sobre o património, que não pode ser equiparado a um imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas.

54 Além disso, como salientou a advogada‑geral no n.° 47 das suas conclusões, no processo principal, a legislação fiscal portuguesa distingue, no caso dos OIC residentes, entre o rendimento do capital acumulado e o que é imediatamente redistribuído, apenas o primeiro sendo englobado na matéria coletável do referido imposto do selo. Ora, este aspeto basta, por si só, para distinguir este processo do que deu origem ao Acórdão de 2 de junho de 2016, Pensioenfonds Metaal en Techniek (C‑252/14, EU:C:2016:402).

55 Com efeito, mesmo considerando que esse mesmo imposto do selo possa ser equiparado a um imposto sobre os dividendos, um OIC residente pode escapar a tal tributação dos dividendos procedendo à sua distribuição imediata, ao passo que esta possibilidade não está aberta a um OIC não residente.

56 Por outro lado, no que se refere ao imposto específico previsto no artigo 88.°, n.° 11, do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas, resulta das indicações da Autoridade Tributária, contidas na decisão de reenvio, que, por força desta disposição, este imposto só incide sobre os dividendos recebidos por OIC residentes quando as partes sociais a que respeitam os lucros não tenham permanecido na titularidade do mesmo sujeito passivo, de modo ininterrupto, durante o ano anterior à data da sua colocação à disposição e não venham a ser mantidas durante o tempo necessário para completar esse período. Assim, o imposto previsto pela referida disposição só incide sobre os dividendos de origem nacional recebidos por um OIC residente em casos limitados, pelo que não pode ser equiparado ao imposto geral de que são objeto os dividendos de origem nacional recebidos pelos OIC não residentes.

57 Por conseguinte, a circunstância de os OIC não residentes não estarem sujeitos ao imposto do selo e ao imposto específico previsto no artigo 88.°, n.° 11, do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas não os coloca numa situação objetivamente diferente em relação aos OIC residentes no que se refere à tributação dos dividendos de origem portuguesa.

58 Em seguida, quanto ao argumento do Governo português que figura no n.° 48 do presente acórdão, há que salientar que, como alegou a Comissão em resposta às perguntas escritas do Tribunal de Justiça, no domínio da livre prestação de serviços, ao abrigo do artigo 56.° TFUE, os operadores económicos devem ser livres de escolher os meios adequados para exercer as suas atividades num Estado‑Membro diferente do da sua residência, independentemente de se estabelecerem ou não de modo permanente nesse outro Estado‑Membro, não devendo esta liberdade ser limitada por disposições fiscais discriminatórias.

59 Além disso, na medida em que o argumento do Governo português se refere à pretensa necessidade de ter em conta a situação dos detentores de participações sociais, resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que a comparabilidade de uma situação transfronteiriça com uma situação interna do Estado‑Membro em causa deve ser examinada tendo em conta o objetivo prosseguido pelas disposições nacionais controvertidas (v., designadamente, Acórdão de 30 de abril de 2020, Société Générale, C‑565/18, EU:C:2020:318, n.° 26 e jurisprudência referida), bem como o objeto e o conteúdo destas últimas (v., designadamente, Acórdão de 2 de junho de 2016, Pensioenfonds Metaal en Techniek, C‑252/14, EU:C:2016:402, n.° 48 e jurisprudência referida).

60 Por outro lado, apenas os critérios de distinção pertinentes estabelecidos pela legislação em causa devem ser tidos em conta para apreciar se a diferença de tratamento resultante dessa legislação reflete uma diferença de situação objetiva (v., neste sentido, Acórdão de 2 de junho de 2016, Pensioenfonds Metaal en Techniek, C‑252/14, EU:C:2016:402, n.° 49 e jurisprudência referida).

61 No caso em apreço, no que diz respeito, em primeiro lugar, ao objeto, ao conteúdo e ao objetivo do regime português em matéria de tributação dos dividendos, seja ao nível dos próprios OIC ou dos seus detentores de participações sociais, resulta tanto da resposta do órgão jurisdicional de reenvio ao pedido de informação do Tribunal de Justiça como da resposta do Governo português às perguntas escritas que lhe foram dirigidas no âmbito do presente processo que o referido regime foi concebido numa lógica de «tributação à saída», ou seja, os OIC que são constituídos e operam de acordo com a legislação portuguesa estão isentos do imposto sobre o rendimento, sendo o encargo que este último representa transferido para os detentores de participações sociais que têm a qualidade de residentes, estando os detentores de participações sociais não residentes dele isentos.

62 Com efeito, o Governo português precisou que o regime nacional em matéria de tributação dos dividendos visava alcançar objetivos como, nomeadamente, evitar a dupla tributação económica internacional e transferir a tributação na esfera dos OIC para a esfera dos respetivos participantes, procurando assim que a tributação incidente sobre estes rendimentos seja aproximadamente equivalente à que ocorreria caso esses rendimentos tivessem sido obtidos diretamente pelos participantes nesses mesmos OIC.

63 Caberá ao órgão jurisdicional de reenvio, que tem competência exclusiva para interpretar o direito nacional, tendo em conta todos os elementos da legislação fiscal em causa no processo principal e o conjunto dos elementos constitutivos desse mesmo regime de tributação, determinar o objetivo principal prosseguido pela legislação nacional em causa no processo principal (v., neste sentido, Acórdão de 30 de janeiro de 2020, Köln‑Aktienfonds Deka, C‑156/17, EU:C:2020:51, n.° 79).

64 Se o órgão jurisdicional de reenvio concluir que o regime português em matéria de tributação dos dividendos visa evitar a dupla tributação dos dividendos pagos por sociedades residentes, atendendo à qualidade de intermediário dos OIC face aos seus detentores de participações sociais, importa recordar que o Tribunal de Justiça já declarou que, relativamente às medidas previstas por um Estado‑Membro para evitar ou atenuar a tributação em cadeia ou a dupla tributação económica dos rendimentos distribuídos por uma sociedade residente, as sociedades beneficiárias residentes não se encontram necessariamente numa situação comparável à das sociedades beneficiárias não residentes (Acórdão de 21 de junho de 2018, Fidelity Funds e o., C‑480/16, EU:C:2018:480, n.° 53 e jurisprudência referida).

65 Todavia, como resulta do n.° 49 do presente acórdão, a partir do momento em que um Estado‑Membro, de modo unilateral ou por via convencional, sujeita ao imposto sobre o rendimento não só as sociedades residentes mas também as sociedades não residentes, relativamente aos rendimentos que auferem de uma sociedade residente, a situação das referidas sociedades não residentes assemelha‑se à das sociedades residentes.

66 Com efeito, é unicamente o exercício por esse mesmo Estado da sua competência fiscal que, independentemente de tributação noutro Estado‑Membro, cria um risco de tributação em cadeia ou de dupla tributação económica. Em tal caso, para que as sociedades beneficiárias não residentes não sejam confrontadas com uma restrição à livre circulação de capitais, proibida, em princípio, pelo artigo 63.° TFUE, o Estado de residência da sociedade distribuidora deve assegurar que, em relação ao mecanismo previsto no seu direito nacional para evitar ou atenuar a tributação em cadeia ou a dupla tributação económica, as sociedades não residentes sejam submetidas a um tratamento equivalente ao tratamento de que beneficiam as sociedades residentes (Acórdão de 21 de junho de 2018, Fidelity Funds e o., C‑480/16, EU:C:2018:480, n.° 55 e jurisprudência referida).

67 Tendo a República Portuguesa optado por exercer a sua competência fiscal sobre os rendimentos auferidos pelos OIC não residentes, estes encontram‑se, por conseguinte, numa situação comparável à dos OIC residentes em Portugal no que respeita ao risco de dupla tributação económica dos dividendos pagos pelas sociedades residentes em Portugal (v., por analogia, Acórdão de 21 de junho de 2018, Fidelity Funds e o., C‑480/16, EU:C:2018:480, n.° 56 e jurisprudência referida).

68 Caso o órgão jurisdicional de reenvio chegue à conclusão de que o regime português em matéria de tributação dos dividendos visa, no intuito de não renunciar pura e simplesmente à tributação dos dividendos distribuídos por sociedades residentes em Portugal, transferir essa tributação para a esfera dos detentores de participações sociais dos OIC, há que recordar que o Tribunal de Justiça já declarou que, se o objetivo da legislação nacional em causa for deslocar o nível de tributação do veículo de investimento para o acionista desse veículo, são, em princípio, as condições materiais do poder de tributação sobre os rendimentos dos acionistas que devem ser consideradas determinantes e não a técnica de tributação utilizada (Acórdão de 21 de junho de 2018, Fidelity Funds e o., C‑480/16, EU:C:2018:480, n.° 60).

69 Ora, um OIC não residente pode ter detentores de participações sociais que tenham residência fiscal em Portugal e sobre cujos rendimentos este Estado‑Membro exerce o seu poder de tributação. Nesta perspetiva, um OIC não residente encontra‑se numa situação objetivamente comparável à de um OIC residente em Portugal (v., por analogia, Acórdão de 21 de junho de 2018, Fidelity Funds e o., C‑480/16, EU:C:2018:480, n.° 61).

70 É certo que a República Portuguesa não pode tributar os detentores de participações sociais não residentes sobre os dividendos distribuídos por OIC não residentes, como aliás o Governo português admitiu tanto nas suas observações escritas como em resposta às perguntas que lhe foram submetidas pelo Tribunal de Justiça. Contudo, essa impossibilidade é coerente com a lógica de deslocação do nível de tributação do veículo para o detentor de participações sociais (v., por analogia, Acórdão de 21 de junho de 2018, Fidelity Funds e o., C‑480/16, EU:C:2018:480, n.° 62).

 71 No que respeita, em segundo lugar, aos critérios de distinção pertinentes, na aceção da jurisprudência do Tribunal de Justiça referida no n.° 60 do presente acórdão, há que observar que o único critério de distinção estabelecido pela legislação nacional em causa no processo principal se baseia no lugar de residência dos OIC, sujeitando apenas os organismos não residentes a uma retenção na fonte dos dividendos que recebem.

72 Ora, como resulta de jurisprudência do Tribunal de Justiça, a situação de um OIC residente que beneficia de uma distribuição de dividendos é comparável à de um OIC beneficiário não residente, na medida em que, em ambos os casos, os lucros realizados podem, em princípio, ser objeto de dupla tributação económica ou de tributação em cadeia (v., neste sentido, Acórdão de 10 de abril de 2014, Emerging Markets Series of DFA Investment Trust Company, C‑190/12, EU:C:2014:249, n.° 58 e jurisprudência referida).

73 Por conseguinte, o critério de distinção a que se refere a legislação nacional em causa no processo principal, que tem por objeto unicamente o lugar de residência dos OIC, não permite concluir pela existência de uma diferença objetiva de situações entre os organismos residentes e os organismos não residentes.

74 Atendendo a todos os elementos precedentes, há que concluir que, no caso em apreço, a diferença de tratamento entre os OIC residentes e os OIC não residentes diz respeito a situações objetivamente comparáveis. Quanto à existência de uma razão imperiosa de interesse geral

75 Há que recordar que, segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, uma restrição à livre circulação de capitais pode ser admitida se se justificar por razões imperiosas de interesse geral, for adequada a garantir a realização do objetivo que prossegue e não for além do que é necessário para alcançar esse objetivo [Acórdão de 29 de abril de 2021, Veronsaajien oikeudenvalvontayksikkö (Rendimentos distribuídos por OICVM), C‑480/19, EU:C:2021:334, n.° 56 e jurisprudência referida].

76 No caso em apreço, há que constatar que, embora o órgão jurisdicional de reenvio não invoque essas razões no pedido de decisão prejudicial, uma vez que este se concentra na eventual comparabilidade das situações em causa no processo principal, o Governo português alega, tanto nas suas observações escritas como em resposta às perguntas que lhe foram submetidas pelo Tribunal de Justiça, que a restrição à livre circulação de capitais efetuada pela legislação nacional em causa no processo principal se justifica à luz de duas razões imperiosas de interesse geral, a saber, por um lado, a necessidade de preservar a coerência do regime fiscal nacional e, por outro, a de preservar uma repartição equilibrada do poder de tributar entre os dois Estados‑Membros em causa, ou seja, a República Portuguesa e a República Federal da Alemanha.

77 No que respeita, em primeiro lugar, à necessidade de preservar a coerência do regime fiscal nacional, o Governo português considera, como resulta do n.° 46 do presente acórdão, que o modelo de tributação português dos dividendos constitui um modelo «compósito». Assim, só seria possível garantir a coerência deste modelo se a entidade gestora dos OIC não residentes operasse em Portugal através de um estabelecimento estável, de modo a que essa entidade pudesse concretizar as retenções na fonte necessárias junto dos detentores de participações sociais residentes, bem como, em certos casos excecionais orientados por considerações ligadas ao facto de evitar a planificação fiscal, junto dos detentores de participações sociais não residentes.

78 A este respeito, há que recordar que, embora o Tribunal de Justiça tenha declarado que a necessidade de preservar a coerência de um regime fiscal nacional pode justificar uma regulamentação nacional suscetível de restringir as liberdades fundamentais (v., neste sentido, Acórdão de 10 de maio de 2012, Santander Asset Management SGIIC e o., C‑338/11 a C‑347/11, EU:C:2012:286, n.° 50 e jurisprudência referida, e de 13 de março de 2014, Bouanich, C‑375/12, EU:C:2014:138, n.° 69 e jurisprudência referida), precisou, contudo, que, para que um argumento baseado nessa justificação possa ser acolhido, é necessário que esteja demonstrada a existência de uma relação direta entre o benefício fiscal em causa e a compensação desse benefício por uma determinada imposição fiscal (v., neste sentido, Acórdão de 8 de novembro de 2012, Comissão/Finlândia, C‑342/10, EU:C:2012:688, n.° 49 e jurisprudência referida, e de 13 de novembro de 2019, College Pension Plan of British Columbia, C‑641/17, EU:C:2019:960, n.° 87).

79 Ora, no presente processo, como resulta do n.° 71 do presente acórdão, a isenção da retenção na fonte dos dividendos em benefício dos OIC residentes não está sujeita à condição de os dividendos recebidos pelos organismos serem redistribuídos por estes e de a sua tributação na esfera dos detentores de participações sociais permitir compensar a isenção da retenção na fonte (v., por analogia, Acórdão de 10 de maio de 2012, Santander Asset Management SGIIC e o., C‑338/11 a C‑347/11, EU:C:2012:286, n.° 52, e de 10 de abril de 2014, Emerging Markets Series of DFA Investment Trust Company, C‑190/12, EU:C:2014:249, n.° 93).

80 Consequentemente, não há uma relação direta, na aceção da jurisprudência referida no n.° 78 do presente acórdão, entre a isenção da retenção na fonte dos dividendos de origem nacional auferidos por um OIC residente e a tributação dos referidos dividendos enquanto rendimentos dos detentores de participações sociais nesse organismo.

81 A necessidade de preservar a coerência do regime fiscal nacional não pode, por conseguinte, ser invocada para justificar a restrição à livre circulação de capitais induzida pela legislação nacional em causa no processo principal.

82 No que diz respeito, em segundo lugar, à necessidade de preservar uma repartição equilibrada do poder de tributar entre a República Portuguesa e a República Federal da Alemanha, há que recordar que, como o Tribunal de Justiça declarou reiteradamente, a justificação baseada na preservação da repartição equilibrada do poder de tributar entre os Estados‑Membros pode ser admitida quando o regime em causa visa prevenir comportamentos suscetíveis de comprometer o direito de um Estado‑Membro exercer a sua competência fiscal em relação às atividades realizadas no seu território (v., neste sentido, Acórdão de 22 de novembro de 2018, Sofina e o., C‑575/17, EU:C:2018:943, n.° 57 e jurisprudência referida, e de 20 de janeiro de 2021, Lexel, C‑484/19, EU:C:2021:34, n.° 59).

83 No entanto, como o Tribunal de Justiça também já declarou, quando um Estado‑Membro tenha optado, como na situação em causa no processo principal, por não tributar os OIC residentes beneficiários de dividendos de origem nacional, não pode invocar a necessidade de garantir uma repartição equilibrada do poder de tributar entre os Estados‑Membros para justificar a tributação dos OIC não residentes beneficiários desses rendimentos (Acórdão de 21 de junho de 2018, Fidelity Funds e o., C‑480/16, EU:C:2018:480, n.° 71 e jurisprudência referida).

84 Daqui resulta que a justificação baseada na preservação de uma repartição equilibrada do poder de tributar entre os Estados‑Membros também não pode ser acolhida.

85 Atendendo a todas as considerações precedentes, há que responder às questões submetidas que o artigo 63.° TFUE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação de um Estado‑Membro por força da qual os dividendos distribuídos por sociedades residentes a um OIC não residente são objeto de retenção na fonte, ao passo que os dividendos distribuídos a um OIC residente estão isentos dessa retenção.”

Partindo da decisão vinda de transcrever e tendo em conta a similitude da situação fáctica e do direito a aplicar in casu e naqueloutro dissídio, entende o Tribunal Arbitral Coletivo que à data dos factos a legislação interna aplicável à tributação de dividendos de fonte portuguesa auferidos por OIC não residente implicava uma restrição ao princípio da livre circulação de capitais previsto no artigo 63.º do TFUE, na medida em que impunha uma discriminação arbitrária, consubstanciada no tratamento menos favorável aos OIC não residentes, sem que existisse para o efeito um motivo válido e legítimo que justificasse essa diferença de tratamento.

 E assim sendo, o Tribunal Arbitral Colectivo não pode deixar de acompanhar tal decisão do TJUE, louvando-se, aliás, naquele arresto para decidir no sentido referido.

Não devendo olvidar-se que as decisões do TJUE constituem fonte de direito imediata, logrando-se, com isso, a desejável uniformidade e harmonização na aplicação do direito comunitário no espaço físico da união europeia.

E também que a jurisprudência do TJUE (aqui chamada à colação) não pode deixar de beneficiar do chamado “precedente vinculativo” na medida em que vincula todos os tribunais nacionais dos Estados-membros tal como resulta do acórdão do TJUE de 15 de Julho de 1964, Pº Costa/Enel – 6/64, disponível in https://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/PDF/?uri=CELEX:61964CJ0006&from=NL  .

E ainda da vigência do princípio da interpretação conforme com o direito da União, que decorre da interpretação que o TJUE faz das disposições conjugadas dos artigos 4.º, n.º 3 do TUE e 288.º, n.º 3 do TFUE.

Tal princípio impõe que o intérprete ou aplicador do direito nacional atribua às disposições nacionais um sentido conforme ou compatível com as disposições do direito da União. E quanto ao sentido e alcance deste princípio, no acórdão Von Colson[32], o TJUE entendeu que a obrigação de interpretação da norma nacional que transpõe uma diretiva, em conformidade com o texto e objetivo daquela, obriga o juiz nacional a dar prioridade ao método – de entre os métodos de interpretação permitidos pela ordem jurídica interna – que lhe permita atribuir à disposição nacional em causa uma interpretação compatível com a Directiva.

Concluindo-se com meridiana clareza no sentido de que é ilegal o n.º 1 e n.º 3 do art.º 22.º do EBF, na parte em que limita o regime nele previsto a OIC’s constituídos e a operarem de acordo com a legislação nacional, com exclusão, não justificada, dos OIC’s constituídos segundo legislação de outros Estados-Membros da União Europeia, retirando-se daqui que as retenções na fonte controvertidas e a presumida decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa apresentado que, de forma ficcionada, as confirmou, enfermam de vício de violação de lei, que justifica a sua anulação, de harmonia com o disposto no artigo 163.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea c), da LGT.

 

IV.2.3. Do Reembolso das quantias pagas e do pagamento de Juros Indemnizatórios   

 

No petitório que o Requerente apresentou a este Tribunal solicita o reembolso do imposto pago indevidamente, acrescido de juros indemnizatórios.

Sendo efetuadas as retenções na fonte pelo substituto tributário, considera-se pago o imposto pelo substituído, como decorre do n. 1 do artigo 28.º da LGT, em que se estabelece que “em caso de substituição tributária, a entidade obrigada à retenção é responsável pelas importâncias retidas e não entregues nos cofres do Estado, ficando o substituído desonerado de qualquer responsabilidade no seu pagamento”.

Acrescendo dizer que se a retenção empreendida e entregue nos cofres do Estado não devia ter sido efetuada, porque ilegal, o pagamento em que ela se consubstancia tem de ser considerado indevido e deve ser restituído.

In casu, na sequência da ilegalidade das retenções na fonte e da ilegalidade também de que enferma a presumida decisão de indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa apresentado, há lugar a reembolso das quantias indevidamente retidas, como consequência da anulação daquelas, por força do disposto nos artigos 24.º, n.º 1, alínea b), do RJAT e 100.º da LGT.

Já no que tange aos juros indemnizatórios, de harmonia com o disposto na alínea b) do art.º 24.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a Administração Tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exactos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, “restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito”, o que está em sintonia com o preceituado no art.º 100.º da LGT [aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do art.º 29.º do RJAT] que estabelece, que “a administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamação, impugnação judicial ou recurso a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da legalidade do acto ou situação objecto do litígio, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso, a partir do termo do prazo da execução da decisão”.

Embora o art.º 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT utilize a expressão “declaração de ilegalidade” para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, não fazendo referência a decisões condenatórias, deverá entender-se que se compreendem nas suas competências os poderes que, em processo de impugnação judicial, são atribuídos aos tribunais tributários, sendo essa a interpretação que se sintoniza com o sentido da autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, em que se proclama, como primeira directriz, que “o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária”.

O processo de impugnação judicial, apesar de ser essencialmente um processo de anulação de actos tributários, admite a condenação da Administração Tributária no pagamento de juros indemnizatórios, como se depreende do art.º 43.º, n.º 1, da LGT, em que se estabelece que “são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido” e do art.º 61.º, n.º 4 do CPPT (na redacção dada pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, a que corresponde o n.º 2 na redacção inicial), que dispõe: “se a decisão que reconheceu o direito a juros indemnizatórios for judicial, o prazo de pagamento conta-se a partir do início do prazo da sua execução espontânea”.

Assim, o n.º 5 do art.º 24.º do RJAT, ao dizer que “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na Lei Geral Tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário”, deve ser entendido como permitindo o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral.

O regime substantivo do direito a juros indemnizatórios é regulado no artigo 43.º da LGT, que estabelece, no que aqui interessa, o seguinte: “1 – São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido. 2 – Considera-se também haver erro imputável aos serviços nos casos em que, apesar da liquidação ser efectuada com base na declaração do contribuinte, este ter seguido, no seu preenchimento, as orientações genéricas da administração tributária, devidamente publicadas.”

            No caso de pedido de revisão oficiosa a lei acolhe o regime especial previsto na alínea c) do n.º 3 do referido artigo 43.º da LGT, estipulando que são igualmente devidos juros indemnizatórios “quando a revisão do acto tributário por iniciativa do contribuinte se efectuar mais de um ano após o pedido deste, salvo se o atraso não for imputável à administração tributária”.

Assim, estando em causa um pedido de revisão oficiosa, deve prevalecer o regime especial previsto na norma citada, pelo que o direito a juros indemnizatórios apenas se constitui decorrido que seja um ano contado da data da propositura da revisão oficiosa, ou seja 18 maio de 2023, não tendo ainda decorrido o período de um ano previsto na lei.

  1. DECISÃO

 

Em face do supra exposto, o Tribunal Arbitral decide:

  1. Julgar procedente o presente pedido arbitral, condenando a Requerida ao reembolso de IRC suportado a título de retenção na fonte sobre dividendos no valor de € 269.435,25;
  2. Julgar improcedente o pedido de atribuição de juros indemnizatórios;
  3. Condenar a Requerida ao pagamento das custas.

 

  1. Valor do processo

 

Fixa-se o valor do processo em € 269.435,25, nos termos do disposto no artigo 32.º do CPTA e no artigo 97.º-A do CPPT, aplicáveis por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT, e do artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT).

  1. Custas

 

Nos termos da Tabela I anexa ao RCPAT, as custas são no valor de € 4.896,00, a pagar pela Requerida, uma vez que o pedido foi totalmente procedente, conformemente ao disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, do RJAT, e artigo 4.º, n.º 5, do RCPAT.

Notifique-se.

 

 

Lisboa, 10 de maio de 2024

 

Os Árbitros,

 

 

(Guilherme W. d’Oliveira Martins)

 

(António Cipriano da Silva)

 

 

(Jorge Belchior de Campos Laires)



[1] A declaração em apreço encontra-se em língua inglesa, contudo o Requerente protesta juntar a respetiva tradução caso a mesma se venha a mostrar necessária.

[2] O TJUE tem vindo a reconhecer e a acolher sucessivamente o valor indicativo, mas não exaustivo, da Diretiva n.º 88/361/CEE, em particular do número IV do seu Anexo I, que estabelece a nomenclatura dos movimentos de capitais, onde se incluem as operações sobre ações e, portanto, as operações de distribuição de dividendos, vide Acórdão de 16 de março de 1999, Trummer e Mayer, C-222/97.

[3] Conforme jurisprudência do TJUE citada no âmbito do Processo n.º 90/2019-T, de 23 de julho de 2019, do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”):“Dada a linguagem prudente nelas incorporada, resulta claro que as exceções do artigo 65.º, nº 1, alínea a) e do n.º 3, do TFUE devem ser aplicadas somente em circunstâncias raras e especiais.”

[4] A título de exemplo ao nível da jurisprudência do TJUE, vide Acórdãos proferidos nos processos C-107/94 (Asscher), C-118/96 (Safir), C-55/98 (Vestergaard), C-190/12 (Emerging Markets Series of DFA Investement Trust Company, C-338/11 a C-347/11 (Santander Asset Management SGIIC), C-387/11 (Comissão/Bélgica), C-493/09 (Comissão/Portugal) e C-480/16 (Fidelity Funds).

 

[5] Processo resultante do reenvio prejudicial no âmbito do Processo 93/2019-T, de 9 de julho de 2019, do CAAD, de que se junta cópia sob a designação de Documento n.º 7.

[6] Disponíveis em www.caad.org.pt.

[7] Sem necessidade de reenvio prejudicial de interpretação previsto no artigo 267.º, n.º 1, alínea a) e n.º 3 do TFUE, na medida em que a jurisprudência nacional arbitral tem reconhecido diretamente a primazia do Direito da União Europeia sobre o direito interno e que é de seguir a orientação interpretativa acolhida pelo TJUE nos diversos processos que versam sobre a matéria, nomeadamente no Processo n.º 545/19-C, entendendo que se está claramente diante de uma restrição não indispensável nem justificada da liberdade de circulação de capitais consagrada no artigo 63.º do TFUE.