Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 925/2023-T
Data da decisão: 2024-05-03  IRS  
Valor do pedido: € 23.140,16
Tema: IRS. Presunção indeferimento tácito do recurso hierárquico. Intempestividade do pedido de constituição do Tribunal Arbitral. Exceção dilatória de conhecimento oficioso.
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Sumário:

  1. A presunção de indeferimento tácito do recurso hierárquico conta-se do prazo de decisão previsto no artigo 66.º n.º 5 do CPPT e não do artigo 57.º n.º 4 da LGT.
  2. Nos termos do artigoº 102.º, n.º 1, al. d) do CPPT, aplicável por remissão do artigo 10.º do RJAT, o prazo para a dedução do pedido de pronúncia arbitral é de 90 dias a partir da formação de indeferimento tácito.
  3. Tendo o pedido de constituição do tribunal arbitral e o pedido de pronúncia arbitral sido apresentados depois do prazo de 90 dias previsto no artigo 10.º n.º 1 do RJAT, haverá uma exceção dilatória de conhecimento oficioso que implica a absolvição da Requerida da instância.

 

DECISÃO ARBITRAL

O árbitro Vera Figueiredo, designado pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (adiante designado “CAAD”) para formar Tribunal Arbitral Singular, constituído em 14-02-2024, decide nos termos que se seguem:

  1. RELATÓRIO
  1. A..., solteiro, número de identificação fiscal ..., residente na ..., n.º..., ..., ...-... ..., doravante apenas designado por “Requerente”, vem, nos termos e para os efeitos do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º e dos artigos 10.º e seguintes, todos do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante RJAT, em conjugação com o artigo 99.º e com a alínea d) do n.º1 do artigo 102.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, (“CPPT”), aplicável por força do disposto na alínea a) do artigo 29.º do RJAT, apresentar pedido de pronúncia arbitral relativo à liquidação em sede de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (“IRS”) n.º 2020..., referente ao ano de 2019, em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (adiante designada como “Requerida” ou “AT”), e que tem por objeto a anulação do indeferimento tácito do recurso hierárquico do indeferimento da Reclamação Graciosa, que correu termos sob o n.º ...2020..., e a consequente anulação do ato de liquidação de IRS acima identificado, no valor de € 23.140,16 (vinte e três mil, cento e quarenta euros e dezasseis cêntimos).
  2. O pedido de constituição de Tribunal Arbitral foi apresentado pelo Requerente em 04-12-2023, tendo sido aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD e notificado à Requerida em 06-12-2023.
  3. O Requerente optou por não designar árbitro, tendo, nos termos do artigo 6.º n.º 1 e do artigo 11.º n.º 1 do RJAT, o Conselho Deontológico designado o árbitro do Tribunal Arbitral Singular, que comunicou a aceitação do encargo no prazo legalmente estipulado.
  4. As partes foram devidamente notificadas da nomeação em 26-01-2024, não tendo manifestado vontade de recusar a mesma.
  5. Em conformidade com o disposto no artigo 11.º n.º 1 al. c) do RJAT, o Tribunal Arbitral Singular ficou constituído em 14-02-2024.
  6. Em 16-02-2024, a Requerida foi notificada do despacho proferido pelo Tribunal Arbitral, ao abrigo do disposto no artigo 17.º n.º 1 do RJAT, para apresentar resposta, solicitar a produção de prova adicional e remeter o processo administrativo.
  7. A Requerida juntou aos autos a sua resposta em 14-03-2024, na qual se defendeu por impugnação, pugnando pela manutenção do ato de liquidação em sede de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (“IRS”) n.º 2020 ... e pela improcedência do pedido de pronúncia arbitral.
  8. Na mesma data, a Requerida juntou aos autos o processo administrativo.
  9. Ao abrigo dos princípios da autonomia na condução do processo, da celeridade, da simplificação e informalidade processuais (artigo 16.º, 19.º e 29.º do RJAT), mediante despacho datado de 18-03-2024, o Tribunal Arbitral dispensou a realização da reunião prevista no artigo 18.º n.º 1 do RJAT, e as alegações. Mais consignou que a data estimada para a prolação da decisão arbitral seria o dia 03-05-2024, devendo o Requerente efetuar o pagamento da taxa arbitral subsequente até àquela data e proceder à sua respetiva comunicação ao CAAD.
  10. Em 08-05-2024, foi proferido o seguinte despacho pelo Tribunal Arbitral:

“    Preparando-se este Tribunal para proferir decisão, e melhor compulsados os autos, afigura-se que o presente pedido de pronúncia arbitral terá sido apresentado fora do prazo legalmente estabelecido.

Com efeito, nos termos do art.º 102.º, n.º 1, al. d) do CPPT, aplicável por remissão do artigo 10.º do RJAT, o prazo para a dedução do pedido de pronúncia arbitral é de 90 dias a partir da formação de indeferimento tácito.

Ora, para efeitos de cômputo do prazo para formação da presunção de indeferimento tácito do recurso hierárquico apresentado, o prazo aplicável é de 60 dias previsto no n.º 5 do artigo 66.º do CPPT, contados nos termos do disposto no art. 279.º do CC, ex vi do art.º 20.º do CPPT (vd. entre outros, o Ac. do STA proc. 0118/13.0BEPRT, de 10-03-2021).

Em face do exposto, constituindo a caducidade do direito à ação questão de conhecimento oficioso, notifiquem-se as partes para nos termos do disposto no art. 3.º, n.º 3 do CPC ex vi al. e) do art. 2.º do CPPT se pronunciarem no prazo de 10 dias sobre a eventual verificação da referida exceção.”

  1. A Requerida respondeu mediante requerimento apresentado 09-04-2024, pugnando pela extemporaneidade da ação arbitral.
  2. A Requerente não apresentou resposta no prazo conferido no despacho supra identificado.
  1. SANEAMENTO
  1. O presente Tribunal Arbitral considera-se regularmente constituído para apreciar o litígio (artigo 5.º n.º 1 e n.º 2, artigo 6.º n.º 1 e artigo 11.º do RJAT).
  2. As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas (artigo 3.º, 6.º e 15.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, ex vi artigo 29.º n.º 1 al. a) do RJAT).
  3. Não foram alegadas outras questões prévias, para além das decididas nos presentes autos, que obstem à decisão de mérito.
  4. Contudo, tal como o Tribunal fez constar no despacho arbitral de 8-04-2024, devidamente notificado às Partes, suscita-se nos presentes autos uma questão prévia, de conhecimento oficioso, a qual, a proceder, constituirá exceção dilatória que obstará a que se conheça do mérito da causa, pelo que, após apreciação da matéria de facto, haverá que apreciar tal questão (conforme decorre do disposto no n.º 1 do artigo 608.º do CPC, aplicável ex vi a alínea e) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e, bem assim, da alínea b) do n.º 1 do artigo 18.º do RJAT). A questão prévia a decidir é a seguinte: O pedido de constituição do Tribunal Arbitral deve considerar-se intempestivo, porque apresentado para além do prazo previsto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a) do RJAT?
  1. MATÉRIA DE FACTO

 

  1. Factos dados como provados
  2. Com interesse para a decisão da causa, dão-se como provados os seguintes factos, que não foram contestados pela Requerida:
  1. O Requerente realizou um estágio profissional de seis meses em 2018 na Universities Space Research Association (“USRA”) / NASA Ames Research Center (“NASA ARC”), no âmbito do International Internship Program da NASA ARC.
  2. No período de tributação de 2019, o ora Requerente, era residente fiscal em Portugal.
  3. O Requerente recebeu uma carta da Universities Space Research Association (“USRA”), datada de 12-02-2019, nos termos da qual se pode ler o seguinte parágrafo:

 

  1. O Requerente celebrou um contrato com a USRA, assumindo a categoria profissional “associate scientist”.
  2. No âmbito do presente contrato, o Requerente exerceu as funções de cientista/investigador, através do desenvolvimento do trabalho de investigação aplicada nos campos da ciência de dados e aprendizagem automática na USRA, em Mountain View, Califórnia, EUA, em colaboração com a NASA ARC. 
  3. O trabalho foi realizado presencialmente nos EUA. 
  4. Em 11-04-2019, O Requerente, solicitou, ao abrigo do artigo 22.º da Convenção para evitar a Dupla Tributação celebrada entre Portugal e os EUA (“Convenção”)[1], a isenção de retenção de impostos federais, mediante submissão do Form 8233 - Exemption From Withholding on Compensation for independent (and Certain Dependent) Personal Services of a Nonresident Alien Individual[2]
  5. O ora Requerente submeteu nos Estados Unidos a sua declaração de rendimentos referente ao ano de 2019[3], na qual declarou o montante recebido pelo desempenho da função de investigador na USRA:

 

 

 

  1. De acordo com o “Wage and Income Transcript” emitido pelo Internal Revenue Service, United States Department of the Treasury, datado de 13-06-2020, foi aplicada uma isenção prevista na Convenção aos rendimentos auferidos - “Exempt under tax treaty”.

 

 

  1. Ao constatar que o Anexo J da declaração modelo 3 de IRS não permitia declarar a situação de isenção de tributação em Portugal, conforme resulta do artigo 22.º da Convenção, o Requerente solicitou esclarecimentos junto da Autoridade Tributária.
  2. Na resposta de dia 15-06-2020 recebida através do E-Balcão, pode ler-se: “Deve dirigir o seu pedido à Direção de Serviços de Relações Internacionais – Dupla Tributação. Contudo, estando isento em ambos os países e sem mais rendimento a declarar, o seu englobamento é inútil e desnecessário”
  3. O Requerente apresentou em Portugal, a declaração de rendimentos modelo 3 relativa ao ano de 2019, na qual procedeu ao preenchimento do Anexo J, com os únicos rendimentos obtidos nos EUA.
  4. Em resultado da submissão da sua declaração de IRS, foi notificado da liquidação e da nota de cobrança de IRS datada de 03-07-2020, no montante de € 23.140,16, com data-limite para pagamento em 31-08-2020
  5. O ora Requerente, apresentou, em 21-07-2020, uma Reclamação Graciosa na qual reclamou a procedência (i) da anulação da liquidação de IRS do ano de 2019; (ii) da confirmação da situação de isenção de imposto em Portugal pelo período de dois anos, em cumprimento do disposto no artigo 22.º da Convenção para evitar a dupla tributação celebrado entre Portugal e os EUA; e (iii) consequentemente, a reposição da situação tributária regularizada da Reclamante, operada mediante a emissão de uma nova nota de liquidação de IRS. 
  6. O Requerente foi notificado em 11-04-2022, por ofício n.º ... de 06-04-2022 da Direção de Finanças de Faro (“DFF”), para exercer direito de audição relativamente ao projeto de indeferimento total da reclamação graciosa apresentado:

“Analisada a documentação superveniente entretanto apresentada pelo contribuinte e para o efeito remetida, verifica-se ter sido primeiro atribuída a categoria de «intern», o equivalente a «estagiário», tendo depois, em função do bom desempenho, vindo a ser contratado («hired»), mediante proposta de emprego («offer of employment»), com data de 12 de fevereiro de 2019. Fica, assim, afastada a hipótese de se ter tratado de um convite para a realização de atividades investigatórias, uma das condições de procedibilidade do pedido da isenção. Convirá ainda aduzir que o valor bruto dos rendimentos do trabalho dependente, da titularidade do Contribuinte, com fonte nos EUA, a sujeitar ao IRS de 2019, é o equivalente a Euro 80.542,10, sem imposto federal dos EUA pago a final, isto é, para efeito do disposto na CDT Portugal – EUA, sem imposto dos EUA pago, por conseguinte, sem direito à atribuição de um crédito por dupla tributação jurídica internacional, nos termos da Convenção. Assim, pelo exposto, não tendo sido provado que o exercício da atividade de investigação não se iniciou por candidatura ou concurso, mas expressamente por ”convite” formal, que o desenvolvimento da mesma foi efetuado no interesse público, e não em benefício próprio de uma pessoa ou pessoas, é meu parecer que se mantenha a liquidação reclamada, indeferindo-se o pedido, devendo de tal notificar-se o reclamante nos termos e para efeito do disposto no art.º 60,º da Lei Geral Tributária (LGT).”

  1. Tendo exercido direito de audição em 21-04-2022, no qual reiterou o aduzido na reclamação graciosa.
  2. Através de ofício n.º ... datado de 28-03-2023, o Requerente foi notificado do despacho de indeferimento total da Reclamação Graciosa apresentada relativamente ao IRS do ano de 2019.
  3. No despacho de indeferimento da reclamação graciosa transcreve-se a informação n.º 259/2023, de 06.03.2023. da Direção de Serviços de Relações Internacionais remetida à DFF, da qual se releva:

"(…) x – “Em conclusão, sobre este requisito, a existência, nos EUA, de um Programa de «Research Scholar», e a evidência da realização unicamente de atividades investigatórias, mesmo que manifestamente, de alto valor acrescentado, e no interesse público, tal como alegado, não implicam, segundo parece, que o referido requisito esteja cumprido, pois o benefício convencional da isenção, previsto no Artigo 22 (Professores e investigadores) da CDT Portugal — EUA, não pode aproveitar, aos que exercem, no caso, Profissões dependentes, mas em resultado de um Processo de Recrutamento, ordinário, para o preenchimento de Vagas, atinentes a necessidades específicas (e temporárias), como se afigura, muito menos, se permanentes, de Serviço, por parte, na situação em apreço, da «USRA»”.

xi – “Por isso se exige o «convite», ou seja, a formulação, expressa, por parte da Entidade Relevante, desta se encontrar, perante o Investigador pretendido, a título individual, como necessário ou mesmo até, indispensável, para atingir os Objetivos propostos, dispensando-se, ou ficando dispensada, da abertura de um Processo de Recrutamento e Seleção, «normal» ou ordinário, para o preenchimento de uma Vaga, correspondente a um Emprego («posto de trabalho»)”.

xii – “Nesta conformidade, inexiste fundamento legal para a procedibilidade do Pedido de Isenção.”(…) Pelo exposto e atendendo aos factos e fundamentos invocados no projeto de decisão, bem como os contantes da apreciação do direito de audição prévia exercido, propõe-se que o mesmo se converta  em definitivo, indeferindo-se o pedido.”

  1. Em 28-04-2023, a USRA emitiu uma carta com o seguinte esclarecimento adicional:

 

  1. Em 03-05-2023, o Requerente apresentou junto da DFF, recurso hierárquico da decisão de indeferimento da reclamação graciosa, ao abrigo do disposto no artigo 66.º do CPPT.
  2. A decisão sobre o recurso hierárquico não foi notificada ao Requerente.
  3. Em 04-12-2023 foi apresentado o presente pedido de pronúncia arbitral.
  1. Factos não provados
  1. Com relevo para a decisão não se verificaram quaisquer outros factos alegados que devam julgar-se não provados.
  1. Fundamentação da matéria de facto provada e não provada

Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem de se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cf. artigo 123.º n.º 2 do CPPT e artigo 607.º n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º n.º 1 al. a) e e) do RJAT).

Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cf. artigo 596.º do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º n.º 1 al. e) do RJAT).

Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes e a prova documental junta aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados, não contestados pelas partes.

  1. QUESTÃO PRÉVIA

 

  1. Questão de conhecimento oficioso – caducidade do direito de ação

O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi apresentado na sequência da formação de ato tácito de indeferimento do recurso hierárquico interposto do indeferimento da reclamação graciosa n.º ...2020... instaurada pelo Requerente contra a liquidação de IRS n.º 2020..., referente ao ano de 2019.

Enquanto pressuposto processual do processo arbitral sub judice, importa apurar se o pedido de constituição do Tribunal Arbitral é tempestivo.

Com efeito, ainda que tal questão não tenha sido suscitada pela Requerida na sua Resposta, a exceção de caducidade do direito de ação é de conhecimento oficioso, conforme resulta do disposto no artigo 89.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (“CPTA”), aplicável ex vi artigo 29.º n.º 1 alínea c) do RJAT.

Neste sentido veja-se, entre outros, as decisões arbitrais[4] proferidas no Processo arbitral n.º 691/2020-T de 27-12-2021, no Processo arbitral n.º 530/2021-T de 20-06-2022, no Processo arbitral nº 710/2022-T de 02-10-2023, bem como no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo no processo n.º 03131/16 de 9-10-2019[5].

Nos termos do artigo 10.º n.º 1 alínea a) do RJAT:

“1 - O pedido de constituição de tribunal arbitral é apresentado:

a) No prazo de 90 dias, contado a partir dos factos previstos nos n.os 1 e 2 do artigo 102.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, quanto aos actos susceptíveis de impugnação autónoma e, bem assim, da notificação da decisão ou do termo do prazo legal de decisão do recurso hierárquico;”

Por seu turno, o artigo 102.º n.º 1 do CPPT dispõe:

“1 - A impugnação será apresentada no prazo de três meses contados a partir dos factos seguintes:

a) Termo do prazo para pagamento voluntário das prestações tributárias legalmente notificadas ao contribuinte;

b) Notificação dos restantes actos tributários, mesmo quando não dêem origem a qualquer liquidação;

c) Citação dos responsáveis subsidiários em processo de execução fiscal;

d) Formação da presunção de indeferimento tácito;

e) Notificação dos restantes actos que possam ser objecto de impugnação autónoma nos termos deste Código;

f) Conhecimento dos actos lesivos dos interesses legalmente protegidos não abrangidos nas alíneas anteriores.”

Como resulta das disposições supra expostas, o prazo para apresentação do pedido de constituição do Tribunal Arbitral em caso de impugnação de indeferimento tácito de recurso hierárquico é de 90 dias, nos termos do artigo 10.º n.º 1 alínea a) do RJAT e artigo 102.º n.º 1 alínea d) do artigo 102.º do CPPT.

A questão que se coloca é, assim, qual o prazo de decisão da AT e a partir de que data se presume o indeferimento tácito do recurso hierárquico.

A Requerente entende que se aplica o prazo geral do artigo 57.º n.º 1 da LGT, que dispõe nos termos seguintes: “1 - O procedimento tributário deve ser concluído no prazo de quatro meses, devendo a administração tributária e os contribuintes abster-se da prática de actos inúteis ou dilatórios.” (negrito nosso).

Assim, considera a Requerente que o prazo de 90 dias para interposição do processo arbitral começaria a contar decorrido o prazo de quatro meses da apresentação do recurso hierárquico.

No entanto, o disposto no artigo 57.º n.º 1 da LGT é uma regra geral aplicável a todos os procedimentos tributários. Havendo um prazo especial de decisão do procedimento tributário, como no caso do artigo 67.º do CPPT, deverá ser esse o prazo a considerar.

Com efeito, o artigo 67.º do CPPT determina as regras de interposição do recurso hierárquico e o prazo de decisão:

“1 - Sem prejuízo do princípio do duplo grau de decisão, as decisões dos órgãos da administração tributária são susceptíveis de recurso hierárquico.

2 - Os recursos hierárquicos são dirigidos ao mais elevado superior hierárquico do autor do acto e interpostos, no prazo de 30 dias a contar da notificação do acto respectivo, perante o autor do acto recorrido.

3 - Os recursos hierárquicos devem, salvo no caso de revogação total do acto previsto no número seguinte, subir no prazo de 15 dias, acompanhados do processo a que respeite o acto ou, quando tiverem efeitos meramente devolutivos, com um seu extracto.

4 - No prazo referido no número anterior pode o autor do acto recorrido revogá-lo total ou parcialmente.

5 - Os recursos hierárquicos serão decididos no prazo máximo de 60 dias.” (negrito nosso)

Logo, para efeitos de cômputo do prazo para formação da presunção de indeferimento tácito do recurso hierárquico apresentado, o prazo aplicável é de 60 dias previsto no artigo 66.º n.º 5 do CPPT, contados nos termos do disposto no artigo 279.º do CC, ex vi do artigo 20.º do CPPT. Prazo este que se inicia findo o prazo de 15 dias para o autor do ato recorrido o revogar ou fazer subir.

Neste sentido, veja-se o acórdão do TCAS no processo n.º 333/08.8 BEALM de 27-01-2022: «Existindo norma própria em termos de definição de prazo de decisão, não é aplicável o regime geral previsto no art.º 57.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária (LGT), então de 6 meses, mas sim o prazo especial de 60 dias, consagrado no n.º 5 do mencionado art.º 66.º do CPPT [neste sentido, v., v.g., os Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo, de 30.04.2013 (Processo: 0122/13) e de 27.11.2013 (Processo: 0962/13)]. O prazo de 60 dias em causa conta-se do momento em que se completa o prazo de 15 dias para o autor do ato recorrido o revogar ou o fazer subir ou da sua remessa ao órgão competente para dele conhecer, se esta ocorrer anteriormente e for notificada ao administrado recorrente [v. a este respeito o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 10.03.2021 (Processo: 0118/13.0BEPRT)].»

E o acórdão do STA no processo n.º 0118/13.0BEPRT, de 10-03-2021: «Para os efeitos da formação da presunção do indeferimento tácito a que alude a alínea d) do n.º 1 do artigo 102.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, o prazo de 60 dias a que alude o n.º 5 do seu artigo 66.º inicia-se no momento em que se completa o prazo de 15 dias para o autor do ato recorrido o revogar ou o fazer subir ou a contar da sua remessa ao órgão competente para dele conhecer, se esta ocorrer anteriormente.»[6]

Conforme resulta alegado pelo Requerente e não foi posto em causa pela Requerida, o recurso hierárquico impugnado foi apresentado em 03-05-2023. Assim, na falta de indicação nos autos da data em que o autor do ato fez subir o recurso, o prazo de 60 dias começa a contar do final do prazo de 15 dias contado da receção do recurso hierárquico.

Logo, o recurso hierárquico deveria ter sido decidido até dia 17-07-2023, começando a contar o prazo de apresentação do pedido de constituição do tribunal arbitral em 18-07-2023.

No que respeita à contagem do prazo de 90 dias previsto no artigo 10.º do RJAT, a mesma deve obedecer às regras de contagem dos prazos previstas no artigo 279.º do Código Civil. Neste sentido, veja-se a Decisão Arbitral no Processo n.º 710/2022-T, de 02-10-2023, «Com efeito, e tal como se decidiu no Processo nº 314/2014-T, o “prazo de 90 dias para apresentação do pedido de constituição do tribunal arbitral, previsto na alínea a) do n.º 1 do art.º 10.º do RJAT, na medida em que não consubstancia, nem um prazo de procedimento, nem processual a que aludem, respectivamente, os n.ºs 1 e 2 do art.º 3.º-A do aludido RJAT, aditado pela Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, é disciplinado pelo disposto no CPPT. Com efeito, resulta explicitamente do disposto no mencionado art.º 3.º-A, n.ºs 1 e 2 que aos prazos atinentes ao procedimento arbitral é aplicável o Código do Procedimento Administrativo e, aos prazos de natureza processual ou judicial, inscritos no quadro do processo tributário, é aplicável o Código de Processo Civil, não sendo, assim, tais normas aplicáveis à contagem do prazo relativo ao pedido de constituição do tribunal arbitral. Na verdade, o prazo para a apresentação do pedido de constituição de tribunal arbitral reporta-se a um momento anterior à existência do processo, situando-se fora e aquém do procedimento e, necessariamente, do processo arbitral, cujo início ocorre, face ao disposto no art.º 15.º do RJAT, na data da constituição do tribunal arbitral. Dispõe o n.º 1 do artigo 20.º do CPPT, aplicável subsidiariamente ao processo arbitral tributário por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT, que “Os prazos do procedimento tributário e de impugnação judicial contam-se nos termos do artigo 279.º do Código Civil. A este propósito cabe notar o que escreve o Jorge Lopes de Sousa, in Comentário ao Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, integrado no Guia da Arbitragem Tributária, Almedina, Março, 2013, p. 174, quando refere que “No que concerne ao prazo para apresentação do pedido de constituição de tribunal arbitral, previsto no artigo 10.º, sendo anterior ao procedimento, não se aplicará este artigo 3.º-A (do RJAT), mas sim, o regime do artigo 279.º do Código Civil, por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alínea a) do RJAT e do artigo 20.º, n.º 1, do CPPT”. Note-se, entretanto, que, como é jurisprudência, pacífica e reiterada, do Supremo Tribunal Administrativo, podendo, entre outros ver-se os Acórdãos do STA de 14-01-2004, Proc. 01208/03, de 30-01-2013, Proc. 0951/12 e de 15-01-2014, Proc. 01534/13, disponíveis in www.dgsi.pt, o prazo para deduzir impugnação é um prazo de caducidade, de natureza substantiva, contínuo, integrante da própria relação jurídica material controvertida e contado de acordo com as regras do art.º 279.º do Código Civil (CC) e do art.º 20.º n.º 1 do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT)”»[7]

Nestes termos, e considerando que a presunção de indeferimento tácito do recurso hierárquico ocorre no dia 17-07-2023, o pedido de constituição de tribunal arbitral deveria ter sido apresentado prazo de 90 dias.

Em face do exposto, o prazo de 90 dias contado a partir do dia 18-07-2023 teve o seu termo no dia 16-10-2023. Assim, e uma vez que o Pedido de Constituição do Tribunal Arbitral e o correspondente Pedido de Pronúncia Arbitral foram apresentados no dia 04-12-2023, devem os mesmos ser considerados intempestivos, procedendo, assim, a exceção de caducidade do direito de ação suscitada oficiosamente pelo Tribunal Arbitral, a qual constitui uma exceção dilatória nos termos previstos no artigo 89.º n.º 2 e n.º 4 alínea k) do CPTA, aplicável ex vi artigo 29.º n.º 1 alínea c) do RJAT.

Consequentemente, absolve-se a Requerida da instância, ficando prejudicada a apreciação das restantes questões levantadas quer pelo Requerente, quer pela Requerida, ao abrigo do disposto no artigo 89.º n.º 2 do CPTA.

  1. Decisão

Termos em que decide o Tribunal Arbitral:

 

  1. Julgar verificada a exceção dilatória de intempestividade do pedido de constituição do tribunal arbitral, determinadora da caducidade do direito de ação, decidindo-se, em consequência, não conhecer do pedido de pronúncia arbitral e absolver a Requerida da instância.
  2. Condena-se o Requerente no pagamento das custas do processo.

 

  1. VALOR DA CAUSA

Em conformidade com o disposto no artigo 306.º n.º 2 do CPC e da artigo 97.°-A al. a) do n.º 1 do CPPT, aplicável por força do artigo 29.º n.º 1 alíneas a) e b) do RJAT e do artigo 3.º n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPTA), fixa-se ao processo o valor de €23.140,16 (vinte e três mil cento e quarenta euros e dezasseis cêntimos).

 

  1. CUSTAS

Nos termos do artigo 12.º n.º 2 e 22.º n.º 4 do RJAT, e do artigo 4.º, n.º 5 e 7, do citado Regulamento, fixa-se o montante das custas em €1.224,00 (mil duzentos e vinte e quatro euros), nos termos da Tabela I, do RCPTA, a cargo do Requerente.

Lisboa, 3 de maio 2024

O Árbitro,

 

Vera Figueiredo