Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 668/2023-T
Data da decisão: 2024-05-02   Outros 
Valor do pedido: € 6.348.182,66
Tema: Contribuição de Serviço Rodoviário (CSR) – Desconformidade com o direito da União Europeia – Repercussão e enriquecimento sem causa.
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Sumário:

 

  1. A Contribuição de Serviço Rodoviário é um imposto sobre combustíveis incompatível com o regime harmonizado dos IEC, consagrado na Diretiva 2008/118/CE, não sendo enquadrável na exceção admitida pelo seu artigo 1.º, n.º 2, por não prosseguir “motivos específicos, conforme foi declarado pelo Tribunal de Justiça no processo C-460/21.
  2. Os impostos indiretos cobrados em violação das disposições do direito da União Europeia devem ser reembolsados aos sujeitos passivos com uma única exceção, a de as autoridades nacionais provarem que foram suportados por uma pessoa diferente do sujeito passivo se, e só se, o reembolso do imposto conduzir, para este sujeito passivo, a um enriquecimento sem causa. A repercussão e enriquecimento sem causa não podem ser presumidos.
  3. O registo contabilístico do imposto suportado em rubrica de inventários, com a sua subsequente consideração como custo das mercadorias vendidas, ou a demonstração de uma margem de comercialização reduzida não consubstanciam prova de repercussão, nem de enriquecimento sem causa do sujeito passivo.

 

 

 

 

DECISÃO ARBITRAL

 

Os árbitros designados para formarem o Tribunal Arbitral Coletivo, constituído em 6 de dezembro de 2023, Alexandra Coelho Martins (presidente), Cristina Aragão Seia e José Luís Ferreira, acordam no seguinte:

 

  1. Relatório

 

A..., S.A., adiante “Requerente”, com o número de matrícula e de pessoa coletiva ..., e sede na Rua ..., n.º..., ...-... ..., veio requerer em 21 de setembro de 2023, a constituição de tribunal arbitral, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 10.º, n.ºs 1 e 2, ambos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”), na redação vigente.

 

É demandada a Autoridade Tributária e Aduaneira, doravante identificada por “AT” ou Requerida.

 

A Requerente pretende que seja apreciada a (i)legalidade dos atos de liquidação que englobam o Imposto sobre os Produtos Petrolíferos (“ISP”) a Contribuição de Serviço Rodoviário (“CSR”) e outros tributos, no período decorrido entre janeiro e junho de 2021, na parte que respeita à CSR, no montante de € 6.348.182,66, requerendo ainda o reembolso do valor pago acrescido de juros indemnizatórios.

 

O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”), em 22 de setembro de 2023 e, em seguida, notificado à AT.

 

Após nomeação de todos os árbitros, os mesmos comunicaram, em prazo, a aceitação do encargo. O Exmo. Presidente do CAAD informou as Partes, por notificação eletrónica registada no sistema de gestão processual em 15 de novembro de 2023, para efeitos do disposto no artigo 11.º, n.º 7 do RJAT, não tendo sido manifestada oposição.

 

O Tribunal Arbitral Coletivo ficou constituído em 6 de dezembro de 2023.

 

Em 22 de janeiro de 2024, a Requerida apresentou a sua Resposta, com defesa por exceção e por impugnação, juntou documentos e o processo administrativo (“PA”).

 

Em 7 de fevereiro de 2024, a Requerente pronunciou-se por escrito sobre as exceções suscitadas pela Requerida, pugnando pela improcedência daquelas e pela procedência do pedido.

 

Por despacho deste Tribunal, de 12 de fevereiro de 2024, foi dispensada reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, uma vez que não foi requerida prova testemunhal e que foi exercido, por escrito, o contraditório em relação à matéria de exceção, ao abrigo dos princípios da autonomia do Tribunal Arbitral na condução do processo e da celeridade, simplificação e informalidade processuais (artigos 16.º, alínea c) e 29.º, n.º 2 do RJAT). 

 

Ambas as Partes foram notificadas para apresentarem, de modo simultâneo, alegações escritas e fixou-se o prazo para a decisão até à data-limite constante do artigo 21.º, n.º 1 do RJAT, devendo a Requerente proceder previamente ao pagamento da taxa arbitral subsequente, nos termos do n.º 4 do artigo 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (“RCPAT”) e comunicar o mesmo pagamento ao CAAD.

 

            Em 29 de fevereiro de 2024, a Requerente apresentou alegações, reafirmando a posição expressa no pedido arbitral. A Requerida contra-alegou, em 1 de março de 2024, no mesmo sentido da Resposta.

 

Posição da Requerente

 

Sobre a matéria de exceção, a Requerente pugna pela competência material da jurisdição arbitral, por entender que a CSR constitui um verdadeiro imposto e, ainda, por estarmos perante a formulação de um pedido de ilegalidade (parcial) de atos de liquidação, que constitui o objeto da causa, com pleno cabimento no disposto no artigo 2.º, n.º 1, alínea a) do RJAT, e não a fiscalização abstrata da legalidade de normas jurídicas.

 

Em relação à extemporaneidade do pedido de revisão oficiosa, como fundamento da caducidade do direito de ação, a Requerente sustenta que a revisão oficiosa pode ser solicitada pelo contribuinte no prazo de quatro anos após a liquidação, com fundamento em erro imputável aos serviços, nos termos do artigo 78.º, n.º 1, II parte da Lei Geral Tributária (“LGT”). 

 

Tendo em conta que, de acordo com a jurisprudência dos nossos tribunais, em particular do Supremo Tribunal Administrativo, o conceito de “erro imputável aos serviços” deve ser interpretado no sentido de compreender os erros de direito cometidos pela AT, resultem eles da má interpretação das normas legais em vigor, ou da aplicação de normas desconformes com o bloco de legalidade que lhes serve de parâmetro, no qual se inclui o direito da União Europeia, o pedido de revisão oficiosa apresentado em 27 de junho de 2023, com referência às liquidações de janeiro a junho de 2021, deve ser julgado tempestivo.

 

Consequentemente, verifica-se também a tempestividade da ação arbitral, porque apresentada dentro do prazo de 90 dias previsto no artigo 10.º do RJAT, a contar da notificação do despacho de rejeição do pedido de revisão oficiosa, datado de 15 de setembro de 2023, devendo considerar -se improcedente a exceção invocada.

 

No tocante ao mérito, a Requerente argui vício de violação de lei das liquidações (parcialmente) impugnadas e, bem assim, da decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa que as confirmou, com fundamento na respetiva incompatibilidade com o direito da União Europeia.

Sustenta que a CSR consubstancia um imposto não harmonizado sobre produtos sujeitos a impostos especiais de consumo – os  grandes combustíveis rodoviários – harmonizados pelas Diretivas 2008/118/CE, de 16 de dezembro de 2008 (que fixa o regime geral dos impostos especiais de consumo ou “IEC”), e 2003/96/CE, de 27 de outubro de 1996 (que estabelece o quadro da tributação dos produtos energéticos e da eletricidade).

 

Para prevenir que seja posto em causa o sistema harmonizado dos IEC, a citada Diretiva 2008/118/CE, subordina a criação de impostos não harmonizados sobre excisable goods à dupla condição de, por um lado, respeitarem a estrutura e regras essenciais dos IEC e do IVA e de, por outro lado, terem por fundamento “motivos específicos”.

 

Segundo a Requerente esta última condição não se encontra preenchida, conforme foi já declarado pelo Tribunal de Justiça no processo C-460/21, Vapo Atlantic, por Despacho de 7 de fevereiro de 2022, relativo à própria Requerente, na sequência de reenvio despoletado no âmbito do processo arbitral n.º 564/2020-T, sobre a CSR liquidada no ano de 2016.

 

Com efeito, de acordo com a jurisprudência consolidada do Tribunal de Justiça, este “motivo específico” não pode corresponder a uma finalidade puramente orçamental de obtenção de receita, podendo a afetação da receita a despesas determinadas constituir um indicador de um “motivo específico” na criação destes impostos. No entanto, nem toda a afetação comprova um “motivo específico”, sendo necessária uma ligação direta entre a utilização da receita e a finalidade do imposto, não se verificando essa ligação direta quando a receita gerada pelo imposto esteja afeta a despesas suscetíveis de serem financiadas pelo “produto de impostos de qualquer natureza”.

 

Para se concluir pela existência de “motivo específico” seria necessário que a estrutura do imposto claramente servisse para desmotivar o consumo que ele quer prevenir. Porém, a CSR foi criada pela Lei n.º 55/2007, de 31 de agosto, por razões de ordem puramente orçamental, para financiar a empresa pública concessionária da rede nacional de estradas, à data Estradas de Portugal, E.P.E., entretanto transformada na Infraestruturas de Portugal, IP, S.A., entidade à qual ficou genericamente consignada a receita da CSR.

 

A CSR serve, portanto, para financiar despesas suscetíveis de serem custeadas pelo “produto de impostos de qualquer natureza”, como o são a manutenção e alargamento da rede nacional de estradas, não se verificando o indispensável “motivo específico”, pelo que estamos perante um imposto desconforme ao disposto no artigo 1.º, n.º 2, da Diretiva n.º 2008/118/CE. Também invoca neste sentido diversa jurisprudência arbitral.

 

É jurisprudência assente do Tribunal de Justiça que os Estados-Membros são obrigados a reembolsar os montantes de imposto indevidamente cobrados em violação do direito da União Europeia e a pagar os juros devidos pelo prejuízo decorrente da indisponibilidade de quantias em dinheiro.

 

Em derrogação a este princípio, aquele Tribunal tem reconhecido aos Estados-Membros, a título excecional, a possibilidade de recusar o reembolso de impostos cobrados em violação do Direito Europeu quando se comprove que o mesmo leve ao enriquecimento sem causa do contribuinte.

 

Para este efeito, é exigida a demonstração da repercussão do imposto, não podendo esta ser presumida pela Administração Tributária, mesmo quando um imposto indireto seja concebido pelo legislador com o objetivo de ser repercutido ou quando o contribuinte esteja legalmente obrigado a incorporá-lo no preço dos bens. E, ainda que se comprove a repercussão, não se pode concluir, sem mais, que haja enriquecimento sem causa do sujeito passivo. A repercussão efetiva, total ou parcial, depende de vários fatores que acompanham cada transação comercial e a diferenciam de outras situações em contextos diversos, não dispensando uma análise económica que tenha em conta todas as circunstâncias pertinentes. Assim, não se pode dar por adquirido que, com a repercussão, o peso dos impostos indiretos seja sempre transferido do vendedor para o comprador, desde logo porque podem ocorrer prejuízos pela própria circunstância de se ter repercutido o imposto, nomeadamente por o acréscimo de preço ter implicado uma diminuição do volume de vendas.

 

É a AT que tem o ónus de provar a repercussão e o enriquecimento sem causa do contribuinte, não podendo tal ónus virar-se contra este último.

 

A Requerente entende também decorrer da jurisprudência do Tribunal de Justiça que a invocação de uma exceção de enriquecimento sem causa com o fim de recusar o reembolso de imposto contrário ao direito da União exige norma de direito interno que a preveja.

 

Não tendo a AT demonstrado a repercussão e o enriquecimento sem causa da Requerente os atos de liquidação impugnados são parcialmente ilegais, como é ilegal o despacho que os manteve, por erro sobre os pressupostos de facto e de direito, sendo devido o reembolso da quantia impugnada acrescido de juros indemnizatórios (v. artigos 24.º, n.º 1, alíneas a) e b) do RJAT, 43.º e 100.º da LGT).

 

Posição da Requerida

 

A Requerida suscita a exceção de incompetência do tribunal arbitral em razão da matéria, por qualificar a CSR como uma contribuição financeira e não como um imposto, concluindo que o seu conhecimento está excluído da arbitragem tributária, pois a vinculação da AT à jurisdição arbitral, operada pela Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março, circunscreve-se à apreciação de pretensões relativas a impostos (artigo 2.º da Portaria), não abrangendo outros tributos, como se decidiu em diversos processos arbitrais.

 

A CSR representa, no entender da Requerida, uma contraprestação ou contrapartida pela utilização dos serviços prestados aos utentes ou utilizadores das vias rodoviárias, em nome do Estado, por força das bases da concessão, aprovadas pelo Decreto-Lei n.º 380/2007, de 13 de novembro.

 

A este respeito salienta que o Despacho do Tribunal de Justiça no processo C-460/21, Vapo Atlantic, não se debruça sobre a questão de saber se a CSR se enquadra na facti specie do imposto, mas apenas se esta contribuição é uma imposição que prossegue um “motivo específico”, na aceção do artigo 1.º, n.º 1 da Diretiva 2008/118/CE.

 

A Requerida suscita ainda a incompetência material deste Tribunal, por entender que a Requerente pretende a apreciação da legalidade de todo o regime da CSR, pela sua natureza e conformidade jurídico-constitucional, com o intuito de fazer suspender a eficácia desse ato legislativo, o que corresponde à fiscalização da legalidade de normas em abstrato, para a qual o Tribunal Arbitral não tem competência, por se inscrever num contencioso de mera anulação. Também considera não caber na competência deste Tribunal a pronúncia sobre a restituição de valores/montantes, que só pode ser determinada em sede de execução da decisão.

 

Adicionalmente, alega a Requerida a intempestividade do pedido arbitral com base na intempestividade do pedido de revisão oficiosa (parcial) das liquidações impugnadas, pois o prazo de 4 anos previsto no artigo 78.º, n.º 1, II parte da LGT, a contar das liquidações, somente é aplicável se ocorrer “erro imputável aos serviços”, circunstância que não se verifica na situação vertente.

 

Acresce que o pedido de revisão tem por fundamento a desconformidade da lei nacional face ao direito da União Europeia. Contudo, a AT não pode desaplicar uma lei da República com base num “julgamento” de pretensa desconformidade com o direito comunitário, pois encontra-se vinculada ao princípio da legalidade (v. artigo 266.º, n.º 2 da Constituição e artigo 55.º da LGT), não lhe sendo imputável qualquer “erro”.

 

Deste modo, na ausência de “erro imputável aos serviços” o pedido de revisão oficiosa devia ter sido apresentado dentro do prazo de reclamação graciosa, que é de 120 dias a contar do termo do prazo de pagamento do ISP/CSR, não o tendo sido, pois os atos de liquidação remontam ao primeiro semestre de 2021[1] e a revisão oficiosa deu entrada na Alfândega de Braga em 27 de junho de 2022.

 

Não sendo tempestivo o pedido de revisão oficiosa, também não o é o pedido de pronúncia arbitral que foi deduzido na sequência do indeferimento/rejeição daquele, concluindo a Requerida pela exceção de caducidade do direito de ação (v. artigo 576.º, n.º 3 do Código de Processo Civil (“CPC”), aplicável subsidiariamente pelo artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT). 

 

Por impugnação, a Requerida, além de assinalar que as todas as decisões arbitrais favoráveis à Requerente, em relação a outros períodos de tributação, não transitaram em julgado, começa por referir que a nova redação do artigo 2.º do Código dos IEC, introduzida pela Lei n.º 24-E/2022, de 30 de dezembro, à qual foi atribuída natureza interpretativa pelo artigo 6.º da mesma Lei, e, portanto, “de aplicação retroativa”, determina que os impostos especiais de consumo são sempre repercutidos nos consumidores, procurando “onerar os contribuintes na medida dos custos que estes provocam, designadamente nos domínios do ambiente e da saúde pública, sendo repercutidos nos mesmos, em concretização de uma regra geral de igualdade tributária”. 

 

Acrescenta que os comercializadores de combustíveis em postos de abastecimento estão adstritos ao dever de informação ao consumidor, através da emissão de fatura detalhada, das taxas e impostos repercutidos, nos termos da Lei n.º 5/2019, de 11 de janeiro, nomeadamente o Imposto sobre os Produtos Petrolíferos que inclui o adicional ao ISP, o adicionamento sobre as emissões de CO2 e a CSR.

 

Sobre as finalidades da CSR, ao contrário do que defende a Requerente, sustenta que existe um vínculo entre o destino dado às receitas da CSR e o motivo específico que levou à sua criação: a prossecução de objetivos de redução de sinistralidade e de sustentabilidade ambiental. Pelo que preconiza ser a CSR conforme ao direito da União Europeia. 

Sem conceder, a Requerida argui que, mesmo que assim não se entendesse, é jurisprudência pacífica do TJUE que o Estado tem o direito de recusar o reembolso de impostos cobrados em violação do direito da União Europeia, na condição de provar que o encargo fiscal foi efetivamente suportado por uma pessoa diferente do sujeito passivo do imposto e que o reembolso do imposto a este último determinaria uma situação de enriquecimento sem causa.

 

Consubstanciaria uma injustiça, com consequências financeiras muito gravosas, se a AT se visse obrigada a restituir à Requerente um montante de imposto/contribuição que entregou às Infraestruturas de Portugal, IP, S.A., nos termos da lei, e que aquela não suportou porque repercutiu o encargo nos consumidores finais dos combustíveis, conduzindo a um inadmissível enriquecimento sem causa de uma empresa em desfavor do interesse público.

 

Na esteira da jurisprudência assente do Tribunal de Justiça, desde que seja provado que os impostos indevidamente arrecadados foram efetivamente incluídos no preço das mercadorias vendidas, e assim repercutidos nos adquirentes, o Estado não está obrigado à devolução dos ditos impostos.

 

E, ainda de acordo com a jurisprudência do Tribunal de Justiça, são incompatíveis com o direito da União Europeia as modalidades de prova cujo efeito seja fazer com que seja praticamente impossível ou excessivamente difícil a devolução dos impostos arrecadados, pelo que não se pode exigir ao Estado que faça uma prova impossível.

 

A repercussão da CSR não é uma repercussão que tenha um mecanismo de requisitos formais como acontece, por exemplo, com o IVA, nem, do ponto de vista contabilístico, a CSR está individualizada numa conta específica, pois o seu valor não está segregado do valor do ISP. A ausência de um mecanismo formal de repercussão da CSR constitui, aliás, a regra nos IEC, porquanto a sua aplicação decorre da transferência da carga fiscal para o consumidor, através do preço.

 

 

 

Com vista a fazer prova da repercussão efetiva da CSR pela Requerente, foi efetuada pela AT uma ação com o objetivo de analisar o tratamento contabilístico e o enquadramento fiscal da CSR. Os resultados da análise comprovam, através da contabilização de operação de compra, tendo em conta o custo das mercadorias vendidas, que a CSR liquidada, relativamente às introduções no consumo efetuadas no ano de 2021 (período de janeiro a junho), foi incluída no preço de venda dos combustíveis e, consequentemente, constituiu encargo, não da Requerente, mas de quem adquiriu os combustíveis, porquanto:

  • A CSR não é faturada separadamente nem reconhecida numa conta de rendimentos específica;
  • A Requerente contabiliza os impostos a que os produtos petrolíferos estão sujeitos (incluindo o ISP/CSR) na conta SNC # 311x, uma subconta da conta #31 – Inventários. Assim, esses impostos fazem parte do custo das mercadorias vendidas ("CMV") (v. NCRF[2] 18), no período em que são alienadas. É sobre este custo que a Requerente terá de aplicar uma percentagem para chegar a uma margem bruta que lhe permita aferir a viabilidade do negócio;
  • A CSR não diminui o resultado do período apurado pela Requerente, pelo contrário, ao estar incluída na base à qual esta irá aplicar a sua margem de lucro, pode contribuir para um acréscimo dos resultados apurados por esta entidade;
  • O elevado peso da CSR no total do CMV, associado à diminuta margem bruta apurada (2,76%) pela Requerente, inviabiliza qualquer argumentação no sentido da não inclusão da CSR no preço de venda dos combustíveis;
  • A CSR está a ser incluída no preço de venda dos combustíveis, pois a referida margem não permitiria absorver o impacto do peso da CSR, fazendo a Requerente incorrer em prejuízos por cada venda efetuada, o que tornaria o negócio inviável;
  • O artigo 5.º da Lei n.º 166/2013, de 27 de dezembro, afirma que é ilegal vender um bem a um preço inferior ao seu custo de aquisição efetivo, acrescido de impostos e encargos;
  • Em síntese, se no custo dos inventários está incluído o valor da CSR, significa que o encargo com a CSR está a ser transferido para o cliente;
  • Pelo que a CSR não constitui encargo da Requerente, mas de quem adquire os combustíveis.

 

Por outro lado, quando a procura de um determinado produto apresenta características de inelasticidade, como sucede com os combustíveis, a procura não resulta alterada pela variação de preços, pelo que o vendedor [aqui Requerente] não tem qualquer razão para absorver o custo do imposto e não aumentar o preço quando confrontado com um aumento da taxa de imposto.

 

A Requerida salienta que se têm sucedido ações de pedido de restituição de valores pagos a título de CSR pelos consumidores que consideram que aquela contribuição lhes foi repercutida. A procedência desta ação podia conduzir ao reembolso de CSR à Requerente e, em simultâneo, ao reembolso da mesma CSR a intermediários e consumidores finais.

 

No caso sub judice, não existe uma causa concreta que justifique o reembolso da CSR à Requerente, pois este encargo fiscal é suportado por uma pessoa diferente, o consumidor final, o que consubstancia enriquecimento sem causa legítima.

 

Acresce que tal situação configuraria uma violação do princípio da justiça tributária, por via do consagrado no artigo 103.º, n.º 1 da Constituição.

 

Sobre o pedido de reembolso de quantia certa, reitera a Requerida que os tribunais não se podem pronunciar, pois este só pode ser determinado em sede de execução do julgado anulatório, por implicar operações de cálculo que cabem à AT.

 

 

 

Por fim, em relação ao pedido dos juros indemnizatórios, tendo sido apresentado pedido de revisão da liquidação, caso a ação seja procedente, estes só serão devidos depois de decorrido um ano após a apresentação do pedido de revisão oficiosa, e não desde a data do pagamento do imposto, como se extrai do artigo 43.º, n.ºs 1 e 3, alínea c), da LGT.

 

Conclui pela absolvição da instância ou, caso assim não se entenda, pela improcedência total do pedido.

 

 

  1. Saneamento

 

O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído.

 

Em sede de resposta, a Requerida invocou diversas exceções que importa conhecer, pois a sua procedência impede o conhecimento do pedido.

 

  1. Sobre a Incompetência do Tribunal Arbitral

 

A Requerida qualifica a CSR como contribuição financeira e não como imposto, daí retirando a consequente exclusão do âmbito da jurisdição arbitral por falta de vinculação da AT, que o artigo 4.º, n.º 1 do RJAT impõe[3]. Isto porque a Portaria de Vinculação[4], no corpo do seu artigo 2.º, delimita o respetivo âmbito à “apreciação das pretensões relativas a impostos cuja administração lhes esteja cometida [à AT]”, sem prever outros tributos. (sublinhado nosso)

 

A questão releva do ponto de vista da competência “relativa” do Tribunal Arbitral e não “absoluta”, em razão da matéria, já que a norma que rege a competência, o artigo 2.º, n.º 1 do RJAT, faz referência a “atos de liquidação de tributos”, categoria ampla que compreende a tripartição clássica refletida no artigo 165.º, n.º 1, alínea i) da Constituição e no artigo 3.º, n.º 2 da LGT – impostos, taxas e contribuições financeiras –, pelo que aí tem claro enquadramento a CSR.

 

Porém, mesmo na perspetiva da competência relativa não assiste razão à Requerida, porquanto, apesar de o artigo 2.º da citada Portaria parecer limitar o âmbito da vinculação da AT à jurisdição arbitral aos “impostos” e de o nomen juris da CSR sugerir que estamos perante uma contribuição financeira, a sua natureza é, na realidade, a de um imposto administrado pela AT, ainda que de receita consignada, não sendo a denominação determinante.

 

A Requerida cita diversas decisões arbitrais para reforçar o seu argumento, mas omite a existência de múltiplas outras decisões em sentido distinto, nomeadamente a do processo arbitral 304/2022-T, de 5 de janeiro de 2023, que se acompanha nesta matéria, e que, com suporte na jurisprudência dos Tribunais superiores, incluindo o Tribunal Constitucional, conclui (bem) que a CSR é um imposto.

 

Desde logo, a designação de contribuição não vincula o aplicador do direito e não é o facto de o tributo ter a receita consignada que o qualifica como contribuição financeira (v. Acórdãos do Tribunal Constitucional n.ºs 539/2015; 369/99 e 232/2022, respetivamente), existindo vários impostos que têm a sua receita consignada (ainda que ao arrepio do princípio da não consignação da receita dos impostos).

 

O elemento decisivo para a qualificação da CSR como contribuição financeira é a existência de uma estrutura paracomutativa[5], ou dito de outra forma, de um nexo de bilateralidade/causalidade que se estabelece entre o ente beneficiário da receita [Estado] e os sujeitos passivos do tributo. A prestação deve destinar-se a compensar prestações administrativas aproveitadas (bilateralidade) ou provocadas (causalidade) pelos respetivos sujeitos passivos, “(...) acabando por se reconduzir à categoria de impostos de receita consignada as prestações pecuniárias coativas cobradas com o intuito de financiar despesa pública – mesmo que se trate de despesa pública concretamente identificada no âmbito da consignação das receitas – sempre que essa despesa se não possa reconduzir ao suporte financeiro de medidas ou atividades administrativas provocadas pelos sujeitos passivos ou de que estes sejam beneficiários (v. Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 232/2022, citado na decisão arbitral 304/2022-T).

 

No caso da CSR, constata-se que a mesma não tem por finalidade compensar prestações administrativas realizadas de que o sujeito passivo seja presumidamente beneficiário e não se identificam prestações administrativas a que o sujeito passivo tenha dado causa.

 

Conforme explicita a decisão arbitral 304/2022-T:

Desde logo, a CSR não tem como pressuposto uma prestação, a favor de um grupo de sujeitos passivos, por parte de uma pessoa coletiva. A contribuição é estabelecida a favor da EP — Estradas de Portugal, E. P. E. (art. 3º, nº 2 da Lei n.º 55/2007), sendo essa mesma entidade a titular da receita correspondente (art.º 6º). No entanto, os sujeitos passivos da contribuição (as empresas comercializadoras de produtos combustíveis rodoviários) não são os destinatários da atividade da EP — Estradas de Portugal, E. P. E., a qual consiste na “conceção, projeto, construção, conservação, exploração, requalificação e alargamento” da rede de estradas (art. 3º, nº 2 da Lei n.º 55/2007).

Em segundo lugar, também não se encontra base legal alguma para afirmar que a responsabilidade pelo financiamento da tarefa administrativa em causa – que no caso será a “conceção, projeto, construção, conservação, exploração, requalificação e alargamento da rede de estradas” – é imputável aos sujeitos passivos da contribuição, que são as empresas comercializadoras de combustíveis rodoviários. Pelo contrário, o art.º 2.º da Lei n.º 55/2007 diz expressamente que o “financiamento da rede rodoviária nacional a cargo da EP - Estradas de Portugal, E.P. E., (...), é assegurado pelos respetivos utilizadores e, subsidiariamente, pelo Estado, nos termos da lei e do contrato de concessão aplicável.”

Portanto, apesar de ser visível, de forma clara, o elemento de afetação da contribuição para financiar a atividade de uma entidade pública não territorial – a EP - Estradas de Portugal, E. P. E. – não é de modo algum evidente a existência, pelo contrário, afigura-se  inexistir um “nexo de comutatividade coletiva” entre os sujeitos passivos e a responsabilidade pelo financiamento da respetiva atividade, ou entre os sujeitos passivos e os benefícios retirados dessa atividade.

A Contribuição de Serviço Rodoviário visa financiar a rede rodoviária nacional a cargo da EP — Estradas de Portugal, E. P. E. (art.º 1º da Lei 55/2007). O financiamento da rede rodoviária nacional a cargo da EP — Estradas de Portugal, E. P. E., é assegurado pelos respetivos utilizadores (art.º 2º). São, estes, como se conclui, os sujeitos que têm um vínculo com a atividade da entidade titular da contribuição e com a atividade pública financiada pelo tributo; são eles os beneficiários, e são eles os responsáveis pelo seu financiamento.

No entanto, a contribuição de serviço rodoviário é devida pelos sujeitos passivos do imposto sobre os produtos petrolíferos e energéticos, que, nos termos do art.º 4º n.º 1, al. a) do CIEC, são os “depositários autorizados” e os “destinatários registados”, não existindo qualquer nexo específico entre o benefício emanado da atividade da entidade pública titular da contribuição e o  grupo dos respetivos sujeitos passivos.

Embora a Autoridade Tributária afirme que a posição dos revendedores de produtos petrolíferos é a de uma “espécie de substituição tributária”, não entendemos assim, pois tal entendimento não tem apoio na lei.

[…]

Ainda poderia acrescentar-se que o universo de entidades que beneficiam ou dão causa à atividade financiada pela CSR não é um grupo delimitado de pessoas, mas é toda a população de um modo geral. E que o efetivo sacrifício fiscal, suportado através de uma repercussão meramente económica, não é suportado apenas pelos que efetivamente utilizam a rede de estradas a cargo da Infraestruturas de Portugal S.A., mas também pelos que utilizam vias rodoviárias que não se incluem nessa rede.

Por conseguinte, conclui também este tribunal que a Contribuição de Serviço Rodoviário, apesar do seu nomen juris e de a sua receita se destinar a financiar uma atividade pública específica, não tem o caráter de comutatividade, bilateralidade ou sinalagmaticidade grupal ou coletiva que é necessária à contribuição financeira.

 

No mesmo sentido, salienta a decisão arbitral 629/2021-T, de 3 de agosto de 2022, que “o nexo grupal – que faria das contribuições financeiras uma espécie de taxas coletivas – não se estabelece com os sujeitos passivos da CSR, mas sim com terceiros não participantes na relação tributária.”.

 

A qualificação da CSR como um imposto foi também a seguida pelo Tribunal de Contas, na Conta Geral do Estado de 2008, e resulta da análise da sua génese. Interessa a este respeito notar que a Lei nº 55/2007, de 31 de agosto, criou a CSR por desdobramento do ISP, em relação ao qual é indiscutível a sua qualificação como imposto. Esta relação umbilical merece destaque na decisão arbitral 332/2023-T: “A CSR, durante algum tempo legalmente autonomizada do ISP, a partir do qual nasceu e ao qual voltou, constituiu sempre um pseudónimo deste – e, portanto, sempre foi um imposto”. 

 

Pelas razões expostas, conclui-se que a CSR é enquadrável como imposto, estando abrangida pela autovinculação da AT à jurisdição arbitral. 

 

A Requerida suscita ainda a incompetência material deste Tribunal, por entender que a Requerente visa a apreciação da legalidade de todo o regime da CSR, pretendendo a suspensão da eficácia de atos legislativos, o que extravasa o âmbito da ação arbitral prevista no RJAT. Contudo, não é assim.

 

O pedido formulado pela Requerente é, sem margem para dúvidas, dirigido à ilegalidade (parcial) dos atos tributários e à ilegalidade da decisão do procedimento de segundo grau (revisão oficiosa) que os manteve. E a pronúncia jurisdicional será, se a ação for procedente, meramente anulatória (constitutiva) dos atos impugnados, não consubstanciando uma declaração de ilegalidade do (ou dirigida ao) regime da CSR em bloco.

 

Quer do ponto de vista formal, quer numa perspetiva material, a Requerente não pretende, nem do seu articulado tal se infere, a “fiscalização da legalidade de normas em abstrato”. O que está em causa nos atos é a apreciação de atos individuais e concretos – de liquidação de CSR e o despacho de rejeição do pedido de revisão oficiosa –, cuja ilegalidade provém da inaplicabilidade das normas que preveem a CSR, por violarem o direito da União Europeia. Essa ilegalidade é causa de invalidade dos atos, mas não o objeto da pronúncia jurisdicional.

 

É aliás a própria Constituição que dispõe que os Tribunais não podem aplicar normas que infrinjam o disposto na Lei Fundamental ou os princípios nela consignados (artigo 204.º) e que é devida observância ao direito da União Europeia (artigo 8.º, n.º 4). Neste âmbito, a decisão anulatória de atos individuais e concretos com fundamento da desconformidade do regime da CSR com o direito europeu mais não é do que a expressão do princípio do primado do direito da União Europeia, sem paralelo com uma alegada declaração de ilegalidade do próprio regime.

 

Por fim, o alegado pela Requerida de que não cabe na competência deste Tribunal a pronúncia sobre a restituição de valores/montantes, cuja determinação se inscreve nas atribuições da atividade administrativa, só podendo ser realizada em sede de execução da decisão, dir-se-á que, mesmo que assim seja nos casos em que ainda não ocorreu uma primeira apreciação no procedimento administrativo, a quantificação do imposto não esteja determinada e o tribunal não disponha de elementos para calcular e/ou validar os valores a serem anulados, isso não impede que o Tribunal se pronuncie sobre o pedido de declaração de ilegalidade dos atos deduzido a título principal, sem prejuízo de se restringir quanto à sua quantificação.  Deste modo, o Tribunal Arbitral não é incompetente para conhecer e apreciar aquele pedido de declaração de ilegalidade.

 

À face do exposto, não procede a exceção de incompetência material, sendo o Tribunal Arbitral competente em razão da matéria e encontrando-se a AT ao mesmo vinculada, por estar em causa um pedido de declaração de ilegalidade de atos de liquidação de imposto, a CSR (v. artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 5.º do RJAT).

 

  1. Caducidade do Direito de Ação por Extemporaneidade do Pedido de Revisão Oficiosa. “Erro Imputável aos Serviços” – Violação do Direito da União Europeia

 

Por último, invoca a Requerida a exceção de caducidade do direito de ação. Para tanto, sustenta que o pedido de revisão oficiosa apresentado, e cuja declaração de ilegalidade da decisão peticiona, é intempestivo.

 

Isto porque, segundo defende, o pedido de revisão oficiosa por iniciativa do sujeito passivo só beneficia do prazo alargado de quatro anos previsto no artigo 78.º, n.º 1, II parte da LGT se o fundamento da revisão consistir em imputável aos serviços. Como os atos tributários são postos em crise por desconformidade das normas nacionais ao direito da União Europeia, e a Requerida aplicou corretamente as normas nacionais que integram o regime da CSR (v. artigos 4.º e 5.º da Lei n.º 55/2007), considera que não lhe pode ser imputado qualquer “erro”. Neste contexto, aduz a Requerida que, por se encontrar sujeita ao princípio da legalidade, não pode desaplicar quaisquer normas [de direito interno] com base num julgamento de não conformidade com o direito da União Europeia.

 

Porém, ao contrário do preconizado pela Requerida, nada obsta a que a ilegalidade por violação do direito da União Europeia seja conhecida e decidida no procedimento de revisão oficiosa (v. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 12 de dezembro de 2001, processo n.º 026233).

 

A noção de “erro imputável aos serviços” constante do n.º 1 do artigo 78.º da LGT concretiza qualquer ilegalidade, não imputável ao contribuinte mas à Administração, e compreende “não só o lapso, o erro material ou o erro de facto, como também o erro de direito, e essa imputabilidade é independente da demonstração da culpa dos funcionários envolvidos na liquidação afectada pelo erro” (v. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 8 de março de 2017, processo n.º 01019/14 e Acórdão do Tribunal Central Administrativo, de 7 de maio de 2020, processo n.º 19/10.3BELRS). O erro de direito pode, assim, resultar, quer da má interpretação das normas legais em vigor, quer da aplicação de normas desconformes com o bloco de legalidade que lhes serve de parâmetro, designadamente o direito europeu

 

Nestes termos, o pedido de revisão é o meio processual adequado para suscitar a apreciação do vício de violação do direito europeu por parte de norma da legislação nacional, por ser imputável aos serviços, tem cabimento no disposto no artigo 78.º, n.º 1, II parte da LGT, aplicando-se o prazo de quatro anos aí previsto e não o prazo de reclamação graciosa, de 120 dias[6] (Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 8 de fevereiro de 2017, processo n.º 0678/16).

 

Tendo o pedido de revisão oficiosa sido apresentado em 27 de junho de 2023, com referência à ilegalidade concreta (parcial) dos atos de liquidação de ISP/CSR de janeiro a junho de 2021, está longe de estar esgotado o prazo de quatro anos, pelo que o mesmos deve ser julgado tempestivo.

 

Consequentemente, verifica-se também a tempestividade da ação arbitral, porque apresentada dentro do prazo de 90 dias previsto no artigo 10.º do RJAT, em conjugação com o disposto no artigo 102.º, n.º 1, alínea e) do CPPT, a contar da notificação do despacho de rejeição do pedido de revisão oficiosa, datado de 15 de setembro de 2023. Conclui-se, desta forma, pela improcedência da exceção invocada.

 

  1. Demais Pressupostos Processuais

 

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e encontram-se regularmente representadas (v. artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).

 

Não existem outras exceções a apreciar. O processo não enferma de nulidades.

 

III.      Questões a Apreciar

 

São essencialmente duas as questões a decidir na presente ação.

 

A primeira é de direito e consiste em saber se a CSR, caracterizada como imposto indireto não harmonizado incidente sobre produtos sujeitos a impostos especiais de consumo, é conforme ao direito da União Europeia, em concreto, à Diretiva 2008/118/CE, por se fundar em “motivos específicos”, conforme previsto no regime de exceção do seu artigo 1.º, n.º 2.

 

Se a resposta for negativa, concluindo-se pela incompatibilidade com a Diretiva, a segunda questão que se suscita é de facto e prende-se com o direito ao reembolso da CSR liquidada em violação do direito da União. Importa, neste âmbito, aferir se o imposto foi repercutido sobre terceiros de tal sorte que a sua restituição teria como consequência o enriquecimento sem causa da Requerente, circunstância em que esse reembolso não é devido.

 

 

  1. Fundamentação de Facto

 

  1. Factos Provados

 

Com relevo para a decisão, importa atender aos seguintes factos:

 

  1. A..., S.A., aqui Requerente, é uma sociedade cujo objeto social consiste, entre outras atividades, na exploração de postos de abastecimento e comércio por grosso de produtos petrolíferos e detém o estatuto de destinatário registado para efeitos do regime previsto no Código dos Impostos Especiais de Consumo – cf. PA .
  2. No contexto da atividade exercida a Requerente apresentou, junto da Alfândega de Braga, Declarações de Introdução no Consumo de produtos petrolíferos (“e-DIC”), com referência aos períodos/meses de janeiro a junho de 2021, das quais constam os produtos introduzidos no consumo e as respetivas quantidades – cf. PA e Documentos 18 a 23.
  3. As referidas Declarações de Introdução no Consumo foram processadas, tendo a Alfândega de Braga emitido os correspondentes Documentos Únicos de Cobrança, com referência aos períodos de janeiro a junho de 2021, nos quais procedeu à liquidação conjunta de ISP, CSR e outros tributos – cf. PA e Documentos 12 a 17.
  4. A CSR foi liquidada tendo em conta as quantidades introduzidas e a taxa aplicável à data – € 87,00/1000l para a gasolina e € 111,00/1000l para o gasóleo rodoviário, nos termos do artigo 4.º, n.º 2 da Lei n.º 55/2007, de 31 de agosto, na redação dada pela Lei n.º 82-B/2014, de 31 de dezembro (Orçamento do Estado para 2015) – cf. Documentos 24 a 29.
  5. De acordo com o apuramento efetuado pela Requerente, as Liquidações dos períodos em questão – de janeiro a junho de 2021 – correspondem aos seguintes valores:

Período

2021

Registo

Liquidação

Data do

Registo

ISP e

Outros (€)

CSR

(€)

Total Liquidado (1)

Documentos

 

 

 

 

 

 

 

Jan

...

12.02.2021

3.161.647,01

795.097,55

3.956.744,55

12, 18, 24

Fev

...

12.03.2012

2.579.221,38

654.071,33

3.232.292,72

13, 19, 25

Mar

...

12.04.2021

4.722.437,82

1.200.342,29

5.922.780,11

14, 20, 26

Abr

...

12.05.2021

5.304.416,18

1.333.366,35

6.637.782,53

15, 21, 27

Mai

...

14.06.2021

4.897.267,61

1.212.915,47

6.110.183,08

16, 22, 28

Jun

...

14.07.2021

4.714.952,56

1.152.389,67

5.867.342,23

17, 23, 29

Total

 

 

25.379.942,56

6.348.182,66

31.727.125,22

 

 
  1. Valores correspondentes aos documentos de cobrança emitidos pela AT (Documentos 12 a 17)

 

  1. Em 27 de junho de 2023, a Requerente apresentou junto da Alfândega de Braga, ao abrigo do disposto no artigo 78.º, n.º 1, II parte da LGT, um pedido de revisão oficiosa dos atos de liquidação de ISP/CSR efetuados com referência aos períodos de janeiro a junho de 2021, em relação à parte da CSR – cf.  Documento 1 e PA.
  2. O pedido de revisão oficiosa foi rejeitado por despacho de 14 de setembro de 2023 do Diretor de Alfândega de Braga, notificado à Requerente por ofício datado de 15 de setembro de 2023, com os seguintes fundamentos – cf. Documento 1 e PA:

“[…] No que concerne à admissibilidade do pedido de revisão

3.1) O n.º 1 do art. 78º da Lei Geral Tributária (LCT) estabelece que “A revisão dos atos tributários pela entidade que os praticou pode ser efetuada por iniciativa do sujeito passivo, no prazo de reclamação administrativa e com fundamento em qualquer ilegalidade, ou, por iniciativa da administração tributária, no prazo de quatro anos após a liquidação ou a todo o tempo se o tributo ainda não tiver sido pago, com fundamento em erro imputável aos serviços”.

3.2) O artigo em referência comporta quatro situações distintas de revisão, sujeitas a prazos diferentes (no mesmo sentido José Casalta Nabais, in Direito Fiscal, 7ª Edição-2014, Almedina, pg. 306 e reiterado na pg. 359, a propósito da revisão do ato tributário):

1)Revisão do ato tributário por iniciativa do sujeito passivo a efetuar dentro do prazo da reclamação, com fundamento em qualquer ilegalidade -1ª parte do n.º 1 do art. 78º da LGT;

2)Revisão do ato tributário por iniciativa da AT, a ser realizada no prazo de quatro anos após a liquidação ou a todo o tempo se o tributo ainda não estiver pago, com fundamento em erro imputável aos serviços- 2ª parte do n.º 1 do art. 78º da LGT;

3)Revisão do ato tributário por motivo de duplicação de coleta, a efetuar no prazo de quatro anos, seja qual for o fundamento - n.º 6 do art. 78º da LGT;

4) Revisão excecional da matéria tributável, mediante autorização do dirigente máximo do serviço, a efetuar nos três anos posteriores ao do ato tributário, com fundamento em injustiça grave ou notória -n.º 4 e 5 do art. 78º da LGT.

3.3) A requerente enquadra o mesmo, no âmbito da existência de erro (de direito) imputável aos serviços, para o qual são necessários os seguintes pressupostos procedimentais:

1) Objeto da revisão: ato tributário

2) Prazo: 4 anos após a liquidação ou a todo o tempo se o tributo ainda não tiver sido pago

3) Existência de erro

4) Imputabilidade do erro aos serviços

3.4) Não existem dúvidas que se trata de um ato tributário. Não obstante, o prazo previsto na 2.ª parte do n.º 1 do art. 78.º da LGT só será aplicável, se o fundamento da revisão do ato tributário consistir em erro e esse erro for imputável aos serviços.

3.5) No que respeita à existência de erro, tendo as liquidações de CSR sido efetuadas de acordo com a disciplina legal aplicável, é posição da AT de que as mesmas não enfermam de qualquer vício, pois, encontrando-se estas em total consonância com as normas aplicáveis à factualidade que lhe está subjacente, são as mesmas legais (logo, isentas de erro).

3.6) O acórdão do TJUE de 05 de março, proferido no Proc. C – 553/13, no qual a requerente sustenta o seu pedido de revisão oficiosa, diz respeito a uma taxa criada por regulamento, cuja forma de tributação e objetivo subjacente à sua criação, em nada se assemelha à CSR. Na sua exposição, a requerente faz tábua rasa do disposto no DL 380/07, de 13 de novembro, que atribui às EP - Estradas de Portugal, S. A., a concessão do financiamento, conceção, projeto, construção, conservação, exploração, requalificação e alargamento da rede rodoviária nacional e aprova as bases da concessão, em que se encontram estabelecidos os objetivos subjacentes a tal concessão, bem como as diferentes formas de financiamento, em que se incluiu a CSR.

3.7) Atendendo a que a Administração Tributária se limitou a fazer a interpretação das normas aplicáveis aos factos, sempre sobre o espectro do princípio da legalidade e, não tendo, como referido, a prerrogativa de poder desaplicar normas com base num “julgamento” de pretensa desconformidade com o direito comunitário (atribuição reservada aos Tribunais), será forçoso concluir pela inexistência de imputabilidade aos serviços de “erro”, que fundamente um procedimento de revisão do ato tributário, nos termos da 2.ª parte do n.º 1 do artigo 78.º da LGT.

3.8) Não pode ser imputado aos serviços da AT qualquer erro que, por si, tenha determinado o pagamento de dívida tributária em montante superior ao legalmente devido, se não estava na disponibilidade da AT decidir de modo diferente daquele que decidiu por estar sujeita ao princípio da legalidade (cfr. n.º 2 do art. 266º, da CRP e art. 55º da LGT). Nessa conformidade, inexistindo erro imputável aos serviços, inexiste fundamento que legitime o procedimento de revisão do ato tributário, nos termos da 2.ª parte do n.º 1 do artigo 78.º da LGT, a que acresce o facto de a própria requerente, referir no pt. 17º da sua exposição que devem ser considerados “ilegais”, os atos de liquidação praticados pela Administração Tributária (1ª parte do n.º 1 do art. 78º da LGT — prazo de 120 dias, há muito precludido). Neste mesmo sentido vão as decisões arbitrais proferidas nos processos n.os 362/2020-T, 19/2021 -T, 189/2021 -T e 250/2021 -T.

3.9) Por seu turno o Acórdão do STA de 13 de Março de 2002, proferido no âmbito do processo n.º 026765 refere “...A obediência que a Administração deve à lei (vejam-se os artigos 266.º n.º 1 da Constituição e 55.º da LGT) abrange a de todos os graus hierárquicos, e a de todas as origens, não excluindo, nem a lei constitucional, nem a comunitária, não podendo considerar-se legal o acto que aplica lei ordinária que afronte princípios constitucionais ou normas de direito comunitário cuja observância se imponha ao Estado Português.”) em nada contende com a diferença entre o juízo do Tribunal — que poderá assim censurá-lo à Administração — e o juízo da Administração (que terá de ser necessariamente conforme à lei, até para permitir o funcionamento dos respectivos mecanismos de controlo judicial que os tribunais podem fazer actuar — justamente porque podem formular esses juízos — mas a Administração não).”

No que concerne à legitimidade da requerente

3.10) A requerente é sujeito passivo de ISP, na qualidade de destinatário registado que introduz produtos petrolíferos no consumo, e é nessa qualidade que vem solicitar o reembolso dos montantes pagos a título de CSR, através do procedimento de revisão oficiosa das liquidações. Contudo, é um operador económico que, em princípio, recebeu, introduziu no consumo e vendeu os produtos em causa aos seus clientes, como é normal no seu ramo de atividade. Nessas transações, repercutiu certamente no preço de venda dos produtos o valor do imposto que pagou à AT, o que significa que estamos perante um “contribuinte de direito”, que paga o imposto ao Estado, mas não o suporta, porque ao vender os produtos recupera o valor do imposto pago. Quem suporta a carga do imposto, efetivamente, são os seus clientes, que a doutrina designa por “contribuintes de facto”.

3.11) Tal como referido na decisão arbitral proferida no processo 629/2021-T “A distinção entre sujeito passivo – enquanto interveniente na relação jurídica tributária, seja como devedor do pagamento ou de outra obrigação acessória ou complementar – e contribuinte – enquanto quem suporta a exacção fiscal – é uma distinção básica no Direito Tributário (aliás, tem vindo a ser desdobrada pela doutrina). O facto de o legislador ter utilizado esses dois diferentes termos no mesmo artigo (e a jurisprudência do STA o continuar a fazer a propósito dele) não pode ser desconsiderado, mesmo que haja flutuação terminológica na utilização de ambos os conceitos em diferente legislação. Levando a sério essa distinção, como parece a este colectivo que tem de se levar, a Requerente não teria tido legitimidade para pedir a “revisão oficiosa” (por não ser “contribuinte”) e o fundamento legal que a jurisprudência divisa para a admitir estar na prerrogativa que o n.º 7 do artigo 78.º da LGT atribui ao contribuinte.

3.12) No âmbito da referida decisão é também mencionada doutrina que se tem pronunciado sobre a temática em apreço, nomeadamente Sérgio Vasques, Manual de Direito Fiscal, cit., p. 387, que critica a formulação do artigo 18.º da LGT sobretudo porque “deixa de fora do conceito de sujeito passivo mais do que nele fica dentro. Referimo-nos muito concretamente ao repercutido tributário, categoria da maior importância na gestão dos tributos indirectos e ao qual o artigo 18.º , n.º 4, da LGT recusa a qualidade de sujeito passivo (...)”. E adiante (pp. 399 e ss.) trata desse instituto, definindo a repercussão tributária como o “fenómeno que consiste na transferência do peso económico de um tributo para pessoa diferente do sujeito passivo e com quem este está em relação, através da sua integração no preço de um qualquer bem.

3.13) O ISP e, por inerência, a CSR, que é liquidada em simultâneo (incidência subjetiva igual à do ISP), caracteriza-se por ser um imposto monofásico, ou seja que apenas incide na fase de declaração/introdução para consumo.

3.14) A CSR, em particular, incide sobre “a gasolina, o gasóleo rodoviário e o GPL auto, sujeitos ao imposto sobre os produtos petrolíferos e energéticos (ISP) e dele não isentos” (incidência objetiva mais restrita que a do ISP), de acordo com o disposto no art. 4º da Lei 55/2007, de 31 de agosto.

3.15) No caso do gasóleo e da gasolina, a procura é altamente é inelástica (produtos sem bens substitutos e de primeira necessidade, percentagem do rendimento das famílias ou empresas afeta a tal necessidade), pelo que a carga fiscal é repercutida nos consumidores finais, sob a forma de preços mais altos, uma vez que não haverá grandes flutuações na procura. Efetivamente, é o efeito da reduzida elasticidade do consumo face às variações do preço dos bens, que justifica a tributação sobre o consumo. “Sendo rígida a procura de um bem, o vendedor pode efectuar a repercussão tributária mais facilmente, sabendo que o comprador é pouco sensível ao aumento do preço que daí resulta. Como sucede quando se agrava o imposto sobre os combustíveis.” (cfr. Sérgio Vasques, Manual de Direito Fiscal, cit., p. 399)

3.16) Seguindo de perto, as noções básicas de microeconomia, quando a procura de um determinado produto apresenta características de inelasticidade, então não haverá qualquer tipo de reação diferenciada por parte dos consumidores e a procura não irá ser alterada pela variação de preços. Nestes casos a doutrina considera que o imposto irá recair sobre o consumidor, porque o vendedor não terá qualquer razão para absorver o custo do imposto e não aumentar o preço quando confrontado com um aumento da taxa de imposto. Segundo a doutrina da racionalidade económica, se o vendedor sabe que não haverá qualquer redução na procura se aumentar o preço, podendo incluir o imposto no preço mais alto sem alterar a sua margem de lucro, então é racional que o faça e que o imposto seja suportado pelos consumidores finais.

3.17) Combinando a procura inelástica dos produtos em causa, com o facto de estar em causa um imposto monofásico e específico, as condições de repercussão total do imposto encontram-se preenchidas, pelo que de acordo com a regras da racionalidade económica, bem como a doutrina existente sobre o assunto e já mencionado no pt. 3.12, a CSR será efetivamente paga pelo consumidor final (contribuinte), sendo inclusive de referir, que na sequência da entrada em vigor do Regulamento n.º 141/2020, de 20 de fevereiro e de acordo com o disposto no n.º 1 do art. 8º “os comercializadores de combustíveis derivados de petróleo e de GPL em postos de abastecimento estão obrigados à apresentação de uma fatura detalhada que contenha os elementos necessários a uma completa e acessível compreensão dos valores faturados, conforme estabelecido no Artigo 16.º da Lei n.º 5/2019, de 11 de janeiro”, sendo que entre esses elementos se incluiu “as taxas e os impostos devidos, expressos em EUR/litro no caso das gasolinas, dos gasóleos e do GPL Auto, e em EUR/garrafa no caso do GPL engarrafado” (al. d) do n.º 1 o art. 9º). Por seu turno o n.º 2 do art. 9º do diploma legal em referência, refere que “para efeitos da alínea d) do número anterior, devem ser identificados, relativamente ao total da fatura: a) O Imposto sobre os Produtos Petrolíferos (ISP), que inclui, designadamente, o adicional ao ISP, o adicionamento sobre as emissões de C02 (Taxa de Carbono) e a contribuição de serviço rodoviário (CSR),…”.

3.18) Por forma a fundamentar quer de direito, quer de facto, o argumento de que a requerente ao incluir a CSR no preço de venda dos combustíveis, repercute a mesma no consumidor final, foi efetuada pela Unidade dos Grandes Contribuintes ( processo ...2023...), uma análise ao tratamento contabilístico e o enquadramento fiscal que a empresa A..., SA conferiu à Contribuição do Serviço Rodoviário, no âmbito das liquidações efetuadas no período em análise (julho 2021 a maio de 2022), cujas conclusões se transcrevem:

… Em primeiro lugar é de salientar que a CSR não é faturada separadamente nem reconhecida numa conta de rendimentos específica.

Em conformidade com o tratamento plasmado na NCRF 18 – Inventários, o procedimento contabilístico adotado pela A... vai no sentido do seu reconhecimento numa conta de compras (e não como gasto do período) fazendo parte do CMV. Assim, a inclusão da CSR no CMV constitui o reconhecimento por parte da  A... que esta (tal como os restantes impostos: ISP e taxa de carbono) incorpora o preço de custo dos combustíveis e consequentemente é incluída no preço de venda dos mesmos.

Adicionalmente, atendendo a que o peso da CSR no preço de venda dos combustíveis é superior à margem bruta apurada pelo contribuinte, não pode invocar-se que a mesma não foi incluída no preço de venda dos combustíveis pois tal significaria admitir-se que se estaria a praticar preços de venda inferiores aos respetivos preços de custo, prática proibida pela legislação nacional.

A A... trata contabilisticamente os impostos (ISP, CSR e taxa de carbono) como um todo, não lançando de forma individualizada cada uma dessas grandezas. Considerando que a carga fiscal representa cerca de 50% do preço de venda do combustível, fica totalmente inviabilizada a argumentação no sentido de que a CSR não é incluída no preço do produto.

Em suma, a CSR está a ser incluída no preço de venda dos combustíveis e consequentemente constitui encargo não da A... mas de quem adquire os combustíveis, tal como resulta do procedimento contabilístico adotado por este sujeito passivo, o qual se encontra em conformidade com o tratamento consagrado no normativo contabilístico aplicável. Acresce que, atendendo à margem bruta apurada pela A... e ao respetivo peso da CSR no preço de venda dos combustíveis não é admissível argumentar-se que esta contribuição não foi incluída no preço de venda dos combustíveis pois tal conduziria à prática de preços de venda inferiores ao respetivo custo.

Adicionalmente, refira-se que a C..., que é uma das empresas, dentro do grupo empresarial A..., que explora postos de combustíveis e, adquire à A... o combustível que comercializa (é um cliente desta).

De acordo com o art.º 16.º da Lei n.º 5/2019, discrimina a CSR na faturação que emite aos seus clientes, pelo que se trata de uma “repassagem” do imposto que havia suportado na aquisição de combustível à A..., facto que demonstra também que a CSR constitui encargo não da A..., mas dos consumidores finais do combustível.

3.19 Os elementos de facto e de direito acima elencados, bem como a pertinência da análise efetuada na referida informação da UGC, contribuem de forma decisiva para sustentar a argumentação da ilegitimidade da requerente e do eventual enriquecimento sem causa, no âmbito do presente pedido de revisão oficiosa, uma vez que ao incluir a CSR no preço de venda dos combustíveis, repercute a mesma no consumidor final, não podendo por conseguinte ser considerado contribuinte, nos termos estabelecidos no n.º 7 do artigo 78.º da LGT.

3.20 0 requerente foi devidamente notificado em 2023/08/23 (aderente via CTT), para exercer o direito de audição prévia, no prazo de 15 dias e de acordo com o estipulado na alínea b) do n.º 1 do art. 60º da Lei Geral Tributária, aprovada pelo DL 398/98, de 17 de dezembro, tendo optado por não se pronunciar no prazo concedido para tal, que culminou em 2023/09/07.

Proponho

Que o presente pedido de revisão, seja rejeitado por intempestividade e ilegitimidade do requerente, notificando-se o requerente em conformidade.”

  1. Subjacente à decisão de rejeição do pedido de revisão oficiosa encontra-se a informação da Unidade dos Grandes Contribuintes citada no ponto anterior, de que se transcrevem os seguintes excertos, com relevância para o caso em análise – cf. Documento 1 e PA:

[…]

2 – Dos procedimentos adotados pela A...

A A... enquanto revendedor de combustíveis é sujeito passivo de ISP e CSR, sendo que regista os impostos/contribuições a que os produtos petrolíferos estão sujeitos na conta SNC 311x – Imposto sobre Produtos Petrolíferos, ou seja, uma subconta da conta 31 – Inventários.

Assim sendo, o ISP/CSR é parte integrante do custo das mercadorias vendidas como, aliás, não podia deixar de ser tendo em conta quer a sua definição teórica, quer o seu enquadramento normativo (NCRF 18).

É sobre o do custo das mercadorias vendidas (CMV), o qual integra o ISP e a CSR que a A... terá que aplicar uma percentagem de forma a chegar a uma margem bruta que lhe permita aferir da viabilidade e continuidade do negócio. Ou seja, mesmo que, por absurdo, todos os restantes gastos não existissem, a totalidade do CMV terá sempre que ser refletida no preço praticado ao cliente sob pena de, não só o negócio não ser viável como até incorrer em ilegalidade (venda abaixo do seu preço de custo).

3 – Do conceito de Custo das Mercadorias Vendidas e respetivo tratamento contabilístico

Conceptualmente, o sistema de inventário permanente pressupõe o conhecimento a qualquer momento do valor das mercadorias em stock pelo abatimento ao mesmo em cada operação de venda ou acréscimo em cada operação de compra. Ou seja, a cada operação, é possível saber o valor das compras, stock e custo das mercadorias vendidas.

No sistema de inventário permanente, é necessário que a empresa contabilize, de forma imediata, todas as compras, e abata ao stock de mercadorias todas as vendas, pelo seu custo, ou seja, há o registo das aquisições e das saídas de forma imediata ou concomitante, com a ocorrência física desses factos.

Assim, tem-se a qualquer momento o valor de todas as compras do período, o valor de todas as saídas do período (o custo das mercadorias vendidas), bem como o valor do stock inicial e do stock final.

No que respeita ao custo das mercadorias vendidas, este deverá compreender todos os gastos incorridos com a compra (armazenamento, transporte, impostos, seguros e outros) das mercadorias até que estejam no ponto de venda, prontas a serem comercializadas.

Analisemos o tratamento contabilístico previsto na NCRF 18 – Inventários, evidenciando alguns aspetos importantes da norma para o caso em análise:

  • parágrafo 9: os inventários devem ser mensurados pelo custo ou valor realizável líquido, dos dois o mais baixo;
  • parágrafo 10: o custo dos inventários deve incluir todos os custos de compra, custos de conversão e outros custos incorridos para colocar os inventários no seu local e na sua condição atuais;
  • parágrafo 11 : os custos de compra de inventários incluem o preço de compra, direitos de importação e outros impostos (que não sejam os subsequentemente recuperáveis das entidades fiscais pela entidade) e custos de transporte, manuseamento e outros custos diretamente atribuíveis à aquisição de bens, de materiais e de serviços. Os descontos comerciais, abatimentos e outros itens semelhantes devem ser deduzidos na determinação dos custos de compra;
  • parágrafo 34: “Quando os inventários forem vendidos, a quantia escriturada desses inventários deve ser reconhecida como um gasto do período em que o respetivo rédito seja reconhecido”;
  • parágrafo 35: “A quantia de inventários reconhecida como um gasto durante o período, que é muitas vezes referida como o custo de venda, consiste nos custos previamente incluídos na mensuração do inventário agora vendido, nos gastos gerais de produção não imputados e nas quantias anormais de custos de produção de inventários.”

                   Face ao tratamento contabilístico plasmado na NCRF 18, podemos concluir que:

  • A CSR consubstancia uma verba que não é subsequentemente recuperável do Estado pela entidade que procede à sua liquidação (como é o caso por exemplo do IVA, quando o mesmo nos termos do respetivo código é dedutível), constituindo consequentemente uma componente do custo de compra dos inventários. Neste sentido, tal como corretamente procedeu o sujeito passivo, a CSR deve ser contabilizada na conta 31 – compras, pois o custo de compra dos inventários deve incluir esta componente.
  • Os custos previamente incluídos na mensuração do inventário, ou seja, o valor reconhecido na conta 31 – compras é reconhecido como gasto do período (conta 61 – CMV) no momento (no período de relato) em que aqueles inventários são vendidos. Daqui resulta, que o procedimento adotado pelo sujeito passivo encontra-se em conformidade com o tratamento contabilístico consagrado na NCRF 18.
  • Assim, como a CSR é um gasto do período em que os inventários (combustíveis) são alienados, esta contribuição é repercutida no custo dos inventários, pelo que será a entidade que adquire à A... os combustíveis que suportará (ou o repassará, se os revender) o encargo com aquela contribuição. Consequentemente, a CSR não diminui o resultado do período apurado pela A... (na medida em que faz parte do custo das mercadorias vendidas), antes pelo contrário, pois ao estar incluída na base à qual a A... irá aplicar a sua margem de lucro, poderá contribuir para um acréscimo dos resultados apurados por esta entidade.

Em suma, o tratamento contabilístico adotado pelo sujeito passivo, o qual tem acolhimento na NCRF 18, traduz a realidade dos factos: o resultado apurado pela A... não é diminuído pela existência da CSR (pois a CSR é incorporada no custo dos combustíveis) refletindo que esta contribuição consubstancia a contrapartida pela utilização da rede rodoviária nacional, e, consequentemente, constitui encargo do consumidor do combustível (que, relativamente aos combustíveis vendidos não é a A... mas os utilizadores dessas rodovias).

4 – Apresentação de contabilização a título exemplificativo

De seguida exemplifica-se o processo genérico de contabilização da CSR aquando da venda de combustível ao cliente final:

Dados:

1)  Compra de € 60 de combustível;

2)  Pagamento de € 50 de ISP + CSR relativo a estes combustíveis;

3)  Entrada do combustível adquirido em inventário (€ 60 + € 50);

4)  Venda por € 120, de 80% do combustível adquirido;

5)  Saída de inventário com o consequente reconhecimento do Custo das Mercadorias Vendidas. De salientar que o custo do combustível vendido é de € 88 (80% x 60 + 80% x 50);

6) Apuramento do Resultado Líquido do período.

Ver diagrama 1 em anexo (anexo I)

 

Em suporte ao que acima foi dito junta-se, em anexo, documentação de transações reais acompanhada da respetiva contabilização e que se pode sistematizar da seguinte forma:

a)  Aquisição de combustível (Gasóleo Simples, Gasóleo Rodoviário, Gasolina 95, Gasolina 98) a um fornecedor intracomunitário (anexo II):

Contabilização da fatura 2021/FF/000419 de 26-06-2021 do fornecedor B..., SA relativa à venda de Gasóleo Simples (€ 70.500,85), Gasóleo Rodoviário (€ 15.239,43), Gasolina 95 (€ 14.089,06) e Gasolina 98 (€ 973,07). Sendo um fornecedor intracomunitário compete à A..., além do exercício do direito à dedução, proceder à liquidação do IVA correspondente:

Ver diagrama 2 em anexo (anexo I)

 

b)  Venda de combustível (gasóleo rodoviário simples, gasóleo rodoviário e gasolina 95) a um cliente nacional (anexo III):

Venda de gasóleo rodoviário simples (€ 19.887,17), gasóleo rodoviário (€ 6.969,83) e gasolina 95 (€ 5.860,62), no valor total de € 40.242,67 (IVA incluído), ao cliente C..., SA:

Ver diagrama 3 em anexo (anexo I)

 

c)  Entrega do ISP nos cofres do Estado:

Contabilização do pagamento do ISP respeitante ao mês de junho de 2021:

Ver diagrama 4 em anexo (anexo I)

 

5 – Peso da CSR no Custo das Mercadorias Vendidas (CMV)

Com base em informação recolhida nas demonstrações financeiras da A... (nomeadamente no balanço), e no sistema informático de cobrança da Autoridade Tributária determinou-se o peso da CSR no total do Custo das Mercadorias Vendidas:

Ver quadro 1 em anexo (anexo I), o qual reflete o elevado peso da CSR no total do CMV, facto que associado à diminuta margem bruta apurada pela A... inviabiliza qualquer argumentação no sentido da não inclusão da CSR no preço de venda dos combustíveis. A análise deste indicador deve ter em atenção que a CSR varia em função dos combustíveis que estejam em causa (por exemplo, a CSR no caso do gasóleo é de 111€/KLT (0,111/Litro) e no caso da gasolina é de 87€/KLT (0,087/Litro) e que os diferentes combustíveis têm preços distintos (a gasolina é mais cara que o gasóleo), pelo que o mesmo pode oscilar consoante o peso de cada um dos combustíveis no total de combustíveis vendidos. Assim, se por exemplo, no ano n, a A... vendeu 40% de gasóleo, 50% de gasolina e 10% de GPL e no ano n+1 vendeu 30% de gasóleo, 60% de gasolina e 10% de GPL, tal significa que o peso da CSR no total do CMV será naturalmente distinto em n e em n+1. Resta realçar o elevado peso da CSR no total do CMV.

6 – Do peso dos impostos no preço de venda dos combustíveis

Considerando o total de impostos (ISP + CSR + Taxa de carbono) pago através das guias mensais e atendendo ao CMV determinou-se o peso dos impostos (excluindo o IVA) no total do Custo das Mercadorias Vendidas:

Ver quadro 2 em anexo (anexo I), o qual reflete o elevado peso dos impostos no total do CMV, facto que associado à diminuta margem bruta apurada pela A... inviabiliza qualquer argumentação no sentido da não inclusão dos impostos no preço de venda dos combustíveis. Esta análise assume relevância na medida em que o procedimento contabilístico adotado pela A... aquando da contabilização das guias de pagamento mensais é feito pelo total da guia não discriminando cada uma das verbas em causa (CSR, ISP, taxa de carbono). Do ponto de vista contabilístico o tratamento dado à CSR é exatamente o mesmo que é dado ao ISP. Assim sendo, se os impostos são tratados como um todo e têm um peso superior a 50% do total do CMV, não faz qualquer sentido considerar que os impostos (nos quais se inclui a CSR) não são incluídos no preço de venda dos combustíveis, pois tal conduziria a um preço de venda muito inferior ao Custo das Mercadorias Vendidas.

7 – Margem bruta da A...

Considerando os valores constantes do Relatório e Contas da empresa, apurou-se a margem bruta que consta do quadro 3 do anexo I.

Da análise às margens de comercialização da A... resulta claro que o ISP e a CSR estão incluídos no CMV porquanto a margem apurada (2,76%) não permitiria absorver o impacto do peso da CSR (em análise no caso concreto). Caso assim fosse, a sociedade estaria recorrentemente a incorrer em prejuízos por cada venda efetuada, e a vender abaixo do preço de custo total do produto que nos termos da normalização contabilística (e no caso em análise) inclui o valor dos impostos suportados.

Esta margem de comercialização é confirmada pelo exemplo de uma transação real de gasolina cuja documentação se junta em anexo (anexo IV) e que pode ser sintetizada conforme diagrama 5 do anexo I.

A margem apurada difere ligeiramente da média encontrada nas faturas analisadas porquanto para esta contribuíram, para além da venda de gasóleo acima exemplificada, vendas de gasolina e gasóleo em períodos diferentes. A margem apurada não varia em função do ISP + CSR porque estes mantêm-se constantes uma vez que são calculados por quantidade (litro) de produto vendido e não pelo preço do mesmo.

Desta margem de comercialização (2,76%) resulta claro que o ISP e a CSR estão incluídos no CMV porquanto a margem apurada não permitiria absorver o impacto do peso da CSR (em análise no caso concreto). Caso assim fosse, a sociedade estaria recorrentemente a incorrer em prejuízos por cada venda efetuada, e a vender abaixo do preço de custo total do produto que nos termos da normalização contabilística (e no caso em análise) inclui o valor dos impostos suportados.

Mais uma vez se verifica que a CSR é incluída no custo da mercadoria vendida, e assim repercutida no consumidor, porquanto as margens de comercialização apuradas não permitem a acomodação da CSR.

8 – Da Lei n.º 5/2019

Em 5 de janeiro de 2019 foi publicada a Lei n.º 5/2019 com o objetivo de estabelecer um “Regime de cumprimento do dever de informação do comercializador de energia ao consumidor”.

Dispõe o n.º 1 do art.º 16.º desta lei que:

1 – As faturas do GPL e dos combustíveis derivados do petróleo a apresentar pelos comercializadores dos postos de abastecimento aos consumidores devem conter os elementos necessários a uma completa e acessível compreensão dos valores totais e desagregados faturados, designadamente os seguintes:

a)  Taxas discriminadas;

b)  Impostos discriminados;

c)  Quantidade e preço da incorporação de biocombustíveis.

(…)”

 Da leitura deste artigo resulta que o alvo dos deveres de informação nele preconizados são os consumidores de combustíveis e a obrigação de prestar essa mesma informação recai sobre os “comercializadores dos postos de combustíveis”.

No caso da A..., esta não explora postos de combustíveis com venda direta aos consumidores. Essa operação de venda a retalho está a cargo de outras empresas do grupo empresarial em que a A... se insere como seja a C... SA.

Assim, ao não fazer parte dos “comercializadores dos postos de combustíveis”, a A... não se encontra abrangida pelas obrigações de informação a constar das faturas emitidas estabelecidas pela Lei n.º 5/2019.

9 Conclusões

Ao longo da presente informação foram apresentados os factos, bem como os respetivos argumentos que nos permitem concluir que a CSR foi incluída no preço de venda dos combustíveis alienados pela A... .

Em primeiro lugar é de salientar que a CSR não é faturada separadamente nem reconhecida numa conta de rendimentos específica.

Em conformidade com o tratamento plasmado na NCRF 18 Inventários, o procedimento contabilístico adotado pela A... vai no sentido do seu reconhecimento numa conta de compras (e não como gasto do período) fazendo parte do CMV. Assim, a inclusão da CSR no CMV constitui o reconhecimento por parte da A... que esta (tal como os restantes impostos: ISP e taxa de carbono) incorpora o preço de custo dos combustíveis e consequentemente é incluída no preço de venda dos mesmos.

Adicionalmente, atendendo a que o peso da CSR no preço de venda dos combustíveis é superior à margem bruta apurada pelo contribuinte, não pode invocar-se que a mesma não foi incluída no preço de venda dos combustíveis pois tal significaria admitir-se que se estaria a praticar preços de venda inferiores aos respetivos preços de custo, prática proibida pela legislação nacional.

A A... trata contabilisticamente os impostos (ISP, CSR e taxa de carbono) como um todo, não lançando de forma individualizada cada uma dessas grandezas. Considerando que a carga fiscal representa cerca de 50% do preço de venda do combustível, fica totalmente inviabilizada a argumentação no sentido de que a CSR não é incluída no preço do produto.

Em suma, a CSR está a ser incluída no preço de venda dos combustíveis e consequentemente constitui encargo não da A..., mas de quem adquire os combustíveis, tal como resulta do procedimento contabilístico adotado por este sujeito passivo, o qual se encontra em conformidade com o tratamento consagrado no normativo contabilístico aplicável. Acresce que, atendendo à margem bruta apurada pela A... e ao respetivo peso da CSR no preço de venda dos combustíveis não é admissível argumentar-se que esta contribuição não foi incluída no preço de venda dos combustíveis pois tal conduziria à prática de preços de venda inferiores ao respetivo custo.

Adicionalmente, refira-se que C..., que é uma das empresas, dentro do grupo empresarial A..., que explora postos de combustíveis e, adquire à A... o combustível que comercializa (é um cliente desta).

De acordo com o art.º 16.º da Lei n.º 5/2019, discrimina a CSR na faturação que emite aos seus clientes, pelo que se trata de uma "repassagem" do imposto que havia suportado na aquisição de combustível à A..., facto que demonstra também que a CSR constitui encargo não da A..., mas dos consumidores finais do combustível.”

  1. Do anexo I da mencionada informação da Unidade dos Grandes Contribuintes, e com relevo para a matéria em apreço, consta ainda a seguinte informação – cf. Documento 1 e PA:

Quadro 1:

 

CSR

CMV

CSR/CMV

2021

11.715.918,42 €

112.824.381,00 €

10,38%

 

 

Quadro 2:

 

Impostos

CMV

Impostos/CMV

2021

59.345.825,27 €

112.824.381,00 €

52,60%

 

 

Quadro 3:

 

Vendas

CMV

Cálc.

Margem

2021

115.933.905,00 €

112.824.381,00 €

2,76%

 

  1. Em discordância da decisão de rejeição do pedido de revisão oficiosa e com as liquidações supra identificadas, na parte em que respeitam à CSR, na importância de € 6.348.182,66, a Requerente apresentou junto do CAAD, em 21 de setembro de 2023, o pedido de constituição do Tribunal Arbitral e de pronúncia arbitral que deu origem ao presente processo – cf. registo de entrada do pedido de pronúncia arbitral (“ppa”) no SGP do CAAD.

 

            2.         Motivação da Decisão da Matéria de Facto e Factos não Provados

 

Os factos pertinentes para o julgamento da causa foram escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, em face das soluções plausíveis das questões de direito, nos termos da aplicação conjugada dos artigos 123.º, n.º 2 do CPPT, 596.º, n.º 1 e 607.º, n.º 3 do Código de Processo Civil (“CPC”), aplicáveis por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e) do RJAT, não tendo o Tribunal que se pronunciar sobre todas as alegações das Partes, mas apenas sobre as questões de facto necessárias para a decisão.

 

No que se refere aos factos provados, a convicção dos árbitros fundou-se na análise crítica da prova documental junta aos autos pelas Partes.

 

Não se provou a alegação da Requerida de que o encargo fiscal da CSR foi efetivamente suportado por uma pessoa diferente do sujeito passivo e a medida em que o teria sido.

 

            Com relevo para a decisão não existem outros factos alegados que devam considerar-se não provados.

 

Não se deram como provadas nem não provadas alegações feitas pelas Partes e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insuscetíveis de prova e cuja validade terá de ser aferida em relação à concreta matéria de facto consolidada.

 

 

  1. Do Direito

 

  1. Motivo Específico

 

A CSR foi criada em 2007 para “financiar a rede rodoviária nacional a cargo da EP – Estradas de Portugal, E.P.E.[7]” e configura um imposto incidente sobre os grandes combustíveis rodoviários – gasolina, gasóleo rodoviário e GPL auto –, sujeitos a ISP. Serve-se, em parte, das regras que disciplinam o ISP, nomeadamente no que se refere a isenções, liquidação, cobrança e pagamento, embora seja um imposto distinto deste, com enquadramento legal, estrutura e finalidade próprias – v. artigos 4.º e 5.º da Lei n.º 55/2007, de 31 de agosto.

 

A questão da compatibilidade da CSR com o sistema harmonizado de tributação dos produtos sujeitos a IEC regido pela Diretiva 2008/118/CE[8] foi objeto de pronúncia do Tribunal de Justiça no processo de reenvio prejudicial C-460/21[9], com despacho de 7 de fevereiro de 2022, relativo a um processo arbitral idêntico ao que nos ocupa, quer quanto aos sujeitos, quer quanto ao pedido e à causa de pedir, apenas diferindo o período de tributação.

 

O Tribunal de Justiça concluiu aí pela incompatibilidade da CSR com o direito da União Europeia, por aquela não se fundar num “motivo específico”, condição exigida para a sua aceitação no quadro do sistema harmonizado de tributação dos produtos petrolíferos (v. artigo 1.º, n.º 2 da citada Diretiva).

 

Com efeito, o Tribunal de Justiça assinala que, para prevenir que seja posto em causa o sistema harmonizado dos IEC, a Diretiva n.º 2008/118/CE subordina a criação de impostos não harmonizados sobre excisable goods à dupla condição de respeitarem a estrutura essencial dos IEC e do IVA e de terem como fundamento um “motivo específico”, sendo apenas este último que está em discussão (p. 21 e 22).

 

De acordo com a jurisprudência daquele Tribunal, uma finalidade meramente orçamental não constitui um “motivo específico”, sendo necessária uma relação direta entre a utilização das receitas e a finalidade (específica) da imposição em causa, por exemplo, através da tributação significativa dos produtos considerados para desencorajar o respetivo consumo (p. 23 a 27. V. ainda Acórdãos do Tribunal de Justiça, de 5 de março de 2015, processo Statoil Fuel, C-553/13, e de 25 de julho de 2018, processo Messer France, C-103/17).

 

No caso da CSR, a afetação da receita ao financiamento da concessionária da rede rodoviária nacional para a prossecução das competências gerais que lhe são atribuídas não pode ser considerada requisito suficiente (p. 29).

 

Acresce que, para se concluir que a CSR tinha por objetivo específico a redução da sinistralidade e de sustentabilidade ambiental que foram atribuídos à concessionária da rede rodoviária nacional, conforme invocado pela Requerida, deveria destinar-se, por si só, a assegurar esse objetivo. “Seria esse o caso, nomeadamente, se o produto deste imposto devesse ser obrigatoriamente utilizado para reduzir os custos sociais e ambientais especificamente associados à utilização dessa rede que é onerada pelo referido imposto. Seria então estabelecida uma relação direta entre a utilização das receitas e a finalidade da imposição em causa” (p. 30. V. ainda Acórdãos do Tribunal de Justiça, de 27 de fevereiro de 2014, processo Jordi Besora, C-82/12, e de 25 de julho de 2018, processo Messer France, C-103/17). Porém, tal circunstancialismo não se verifica.

 

Em relação à alegação da AT de que existe uma relação entre a afetação das receitas geradas pela CSR e o motivo específico que levou à instituição deste imposto (redução da sinistralidade da rede rodoviária nacional e sustentabilidade ambiental), o Tribunal de Justiça rejeita-a, uma vez que as receitas do imposto não estão afetas em exclusivo ao financiamento de operações que concorrem para a realização desses objetivos, destinando-se, antes, a toda a atividade da concessionária, abrangendo a “conceção, projeto, construção, conservação, exploração, requalificação e alargamento da rede rodoviária” (p. 31 e 32).

 

Adicionalmente, os objetivos de redução da sinistralidade da rede rodoviária nacional e de sustentabilidade ambiental “estão enunciados em termos muito gerais e não deixam transparecer, à primeira vista, uma real vontade de desencorajar a utilização quer dessa rede quer dos principais combustíveis rodoviários, como a gasolina, o gasóleo rodoviário ou o gás de petróleo liquefeito (GPL) automóvel. A este respeito, é significativo que o órgão jurisdicional de reenvio destaque, na redação da sua primeira questão prejudicial, que as receitas geradas pelo imposto são genericamente afetadas à concessionária da rede rodoviária nacional e que a estrutura deste imposto não atesta a intenção de desmotivar um qualquer consumo desses combustíveis.” (p. 33). Pressupostos que se mantêm nestes autos.

 

Por outro lado, o Tribunal de Justiça não identificou nenhum elemento que permita considerar que a CSR foi concebida de modo a dissuadir os sujeitos passivos de utilizarem a rede rodoviária nacional ou que os incentive a adotar comportamentos menos nocivos para o ambiente e que seria suscetível de reduzir os acidentes (p.34), concluindo que “não prossegue «motivos específicos» […] um imposto cujas receitas ficam genericamente afetadas a uma empresa pública concessionária da rede rodoviária nacional e cuja estrutura não atesta a intenção de desmotivar o consumo dos principais combustíveis rodoviários.”

 

Em síntese, a CSR é incompatível com o direito da União Europeia, não tendo por motivo específico a redução da sinistralidade e de sustentabilidade ambiental. Assim, deve ser desaplicado o regime nacional (Lei n.º 55/2007) em vigor à data dos factos, concluindo-se pela invalidade parcial das liquidações impugnadas de ISP/CSR no segmento que respeita à CSR.

 

  1. Repercussão e Enriquecimento sem Causa


            Constitui princípio assente na jurisprudência consolidada do Tribunal de Justiça que os sujeitos passivos têm o direito de obter o reembolso dos impostos cobrados pelos Estados-Membros em violação das disposições do direito da União. 

 

            Também sobre esta matéria se pronunciou o Tribunal de Justiça no processo C-460/21, declarando que: “o direito de obter o reembolso dos impostos cobrados num Estado‑Membro em violação das disposições do direito da União é a consequência e o complemento dos direitos conferidos aos particulares por estas disposições, conforme foram interpretadas pelo Tribunal de Justiça. Assim, um Estado‑Membro está, em princípio, obrigado a reembolsar os impostos cobrados em violação do direito da União, ao abrigo das regras processuais nacionais aplicáveis e no respeito pelos princípios da equivalência e da efetividade (v., neste sentido, designadamente, Acórdãos de 9 de novembro de 1983, San Giorgio, 199/82, EU:C:1983:318, n.º 12, e de 1 de março de 2018, Petrotel‑Lukoil e Georgescu, C‑76/17, EU:C:2018:139, n.º 32).” (p. 38).

           

            O mencionado princípio comporta apenas uma exceção: a da repercussão do imposto.

 

            A este respeito diz o Despacho Vapo Atlantic: “sob pena de conduzir a um enriquecimento sem causa dos titulares do direito, a proteção dos direitos garantidos na matéria pela ordem jurídica da União exclui, em princípio, o reembolso dos impostos, direitos e taxas cobrados em violação do direito da União quando seja provado que o sujeito passivo responsável pelo pagamento desses direitos os repercutiu efetivamente noutras pessoas (v., neste sentido, Acórdãos de 14 de janeiro de 1997, Comateb e o., C‑192/95 a C‑218/95, EU:C:1997:12, n.º 21, e de 1 de março de 2018, Petrotel‑Lukoil e Georgescu, C‑76/17, EU:C:2018:139, n.º 33).

 

            O Tribunal de Justiça salienta que os órgãos jurisdicionais nacionais devem assegurar o respeito pelo princípio da proibição do enriquecimento sem causa, mesmo quando nada conste a este respeito no direito nacional (p. 40).

 

            A recusa de reembolso de um imposto indireto contrário ao direito da União, como a CSR, não pode, no entanto, fundar-se na presunção de que foi repercutido sobre terceiros. Neste âmbito, assinala o Tribunal de Justiça, de forma ilustrativa:

 

            “42  Por conseguinte, um Estado‑Membro só se pode opor ao reembolso de um imposto indevidamente cobrado à luz do direito da União quando as autoridades nacionais provarem que o imposto foi suportado na íntegra por uma pessoa diferente do sujeito passivo e quando o reembolso do imposto conduzisse, para este sujeito passivo, a um enriquecimento sem causa. Daqui resulta que, se só tiver sido repercutida uma parte do imposto, as autoridades nacionais só estão obrigadas a reembolsar o montante não repercutido (v., neste sentido, designadamente, Acórdãos de 9 de novembro de 1983, San Giorgio, 199/82, EU:C:1983:318, n.º 13; de 14 de janeiro de 1997, Comateb e o., C‑192/95 a C‑218/95, EU:C:1997:12, n.ºs 27 e 28; e de 2 de outubro de 2003, Weber’s Wine World e o., C‑147/01, EU:C:2003:533, n.º 94).

            43  Constituindo esta exceção ao princípio do reembolso dos impostos incompatíveis com o direito da União uma restrição a um direito subjetivo resultante da ordem jurídica da União, há que interpretá‑la de forma restritiva, atendendo nomeadamente ao facto de que a repercussão de um imposto no consumidor não neutraliza necessariamente os efeitos económicos da tributação no sujeito passivo (v., neste sentido, Acórdãos de 2 de outubro de 2003, Weber’s Wine World e o., C‑147/01, EU:C:2003:533, n.º 95, e de 1 de março de 2018, Petrotel‑Lukoil e Georgescu, C‑76/17, EU:C:2018:139, n.º 35).

            44  Com efeito, ainda que, na legislação nacional, os impostos indiretos tenham sido concebidos de modo a serem repercutidos no consumidor final e que, habitualmente, no comércio, esses impostos indiretos sejam parcial ou totalmente repercutidos, não se pode afirmar de uma maneira geral que, em todos os casos, o imposto é efetivamente repercutido. A repercussão efetiva, parcial ou total, depende de vários fatores próprios de cada transação comercial e que a diferenciam de outras situações, noutros contextos. Consequentemente, a questão da repercussão ou da não repercussão em cada caso de um imposto indireto constitui uma questão de facto que é da competência do órgão jurisdicional nacional, cabendo a este último apreciar livremente os elementos de prova que lhe tenham sido submetidos (v., neste sentido, Acórdãos de 25 de fevereiro de 1988, Les Fils de Jules Bianco e Girard, 331/85, 376/85 e 378/85, EU:C:1988:97, n.º 17, e de 2 de outubro de 2003, Weber’s Wine World e o., C‑147/01, EU:C:2003:533, n.º 96).

            45  Não se pode no entanto admitir que, no caso dos impostos indiretos, exista uma presunção segundo a qual a repercussão teve lugar e que cabe ao contribuinte provar negativamente o contrário. Sucede o mesmo quando o contribuinte tenha sido obrigado, pela legislação nacional aplicável, a incorporar o imposto no preço de custo do produto em causa. Com efeito, essa obrigação legal não permite presumir que a totalidade do imposto tenha sido repercutida, mesmo no caso de a violação de essa obrigação conduzir a uma sanção (Acórdão de 14 de janeiro de 1997, Comateb e o., C‑192/95 a C‑218/95, EU:C:1997:12, n.ºs 25 e 26).

            46  O direito da União exclui assim que se aplique toda e qualquer presunção ou regra em matéria de prova destinada a fazer recair sobre o operador em causa o ónus de provar que os impostos indevidamente pagos não foram repercutidos noutras pessoas e que visem impedir a apresentação de elementos de prova destinados a contestar uma pretensa repercussão (Acórdão de 21 de setembro de 2000, Michaïlidis, C‑441/98 e C‑442/98, EU:C:2000:479, n.º 42).

            47  Além disso, mesmo na hipótese de vir a ser provado que o imposto indevido foi repercutido sobre terceiros, o respetivo reembolso ao operador não implica necessariamente um enriquecimento sem causa por parte deste, visto que a integração do montante do referido imposto nos preços praticados pode dar origem a prejuízos associados à diminuição do volume das suas vendas (v., neste sentido, Acórdãos de 14 de janeiro de 1997, Comateb e o., C‑192/95 a C‑218/95, EU:C:1997:12, n.ºs 29 a 32, e de 6 de setembro de 2011, Lady & Kid e o., C‑398/09, EU:C:2011:540, n.º 21).”

 

            De acordo com o entendimento supra exposto, em princípio, a ilegalidade da liquidação de CSR realizada pela Requerida envolve a restituição das quantias pagas a este título pela Requerente a menos que aquela demonstre dois pressupostos, de verificação cumulativa:

  1. Que esta última procedeu à repercussão, total ou parcial, do imposto; e, bem assim
  2. Que tal repercussão neutralizou os efeitos económicos da tributação na Requerente, pelo que o reembolso do imposto conduziria a um enriquecimento sem causa desta.

 

            Importa, pois, aferir se estão preenchidas as condições assinaladas, na sequência da prova produzida nos autos.

 

            A Requerida começa por salientar, neste ponto, que a prova da repercussão da CSR nos preços praticados ao consumidor, só pode partir da análise de factos conhecidos e demonstráveis, que possuam alguma consistência prática, não se podendo exigir uma prova impossível. E entende ter feito esta prova com a demonstração de que a CSR foi contabilizada pela Requerente, à semelhança do ISP, numa subconta da conta #31 – Inventários, passando, portanto, a fazer parte integrante do custo das mercadorias vendidas (“CMV”) quando estas são alienadas.

 

            Porém, da referida contabilização, que se afigura correta atento o disposto na Norma Contabilística e de Relato Financeiro (“NCRF”) 8 – Inventários, entende este Tribunal que não se pode extrair, sem mais, a conclusão visada pela Requerida, ou seja, a repercussão.

 

            Com efeito, não existe nem pode ser estabelecida uma relação de causa-efeito (e muito menos uma relação necessária) entre a contabilização de um “gasto”[10] e a efetiva repercussão deste no preço dos produtos vendidos aos clientes. Basta pensar que os sujeitos passivos podem incorrer em diversos gastos que nem sequer tinham previsto, que têm de reconhecer contabilisticamente nas contas apropriadas, sem que isso represente que tivessem equacionado incorrer em tais gastos e que tivessem pensado e decidido a respetiva repercussão via preço, que, no caso dos gastos não antecipados/ desconhecidos, pode revelar-se (e na maioria dos casos, revela-se) impossível.

 

            Mesmo em relação a gastos previsíveis e estimáveis, a sua contabilização no momento em que são suportados não evidencia se o sujeito passivo decidiu repercuti-los nos preços praticados, ou se optou por, no todo ou em parte, não os repercutir e diminuir a sua margem de lucro. Este raciocínio não está espelhado na contabilidade[11].

 

            Assim, a AT parte do pressuposto erróneo de que o reconhecimento/contabilização dos gastos pelo sujeito passivo implica que tais gastos tenham de estar a ser repercutidos.

             

            A questão da repercussão coloca-se noutro plano, distinto, o da formação do preço, pois respeita à transferência efetiva do encargo do imposto [CSR] ao elo subsequente do circuito económico, os clientes, por via da sua inclusão no preço de venda praticado. Quer o imposto seja repercutido, quer não o seja, deve ser sempre reconhecido na contabilidade do sujeito passivo como “gasto”. Pelo que o reconhecimento do imposto na contabilidade não pode constituir critério de diferenciação do imposto repercutido e não repercutido, pois é uma “propriedade” que se verifica em ambos os casos.

 

            Por outro lado, a afirmação pela Requerida de que o elevado peso da CSR no total do CMV (10,38%) e a diminuta margem bruta apurada pela Requerente (2,76%) inviabiliza qualquer argumentação no sentido da não inclusão da CSR no preço de venda dos combustíveis também não pode ser acolhida por este Tribunal.

 

            Em rigor, o primeiro, por si só, nada acrescenta. Um gasto pode ser elevado e não ser repercutido, ou não o ser totalmente.

 

            O segundo é contraditório, podendo deduzir-se conclusão inversa daquela a que chegou Requerida. Na verdade, uma margem muito reduzida, por si só, a ser tomada como indício, é mais próxima da não repercussão do que da repercussão. Pois se os gastos são componentes negativas no apuramento da margem de lucro e dos resultados, a não repercussão implica necessariamente a redução das margens de lucro, apresentando-se estas menores em comparação com o que ocorreria se se tivesse verificado repercussão. Assim, tendencialmente é a não repercussão que gera uma margem mais reduzida e não o contrário.

 

            De igual modo, falece a alegação da Requerida de que a repercussão se concretizou, porque se não fosse assim o negócio da Requerente seria inviável e estaria a violar o disposto no artigo 5.º da Lei n.º 166/2013, de 27 de dezembro, que rege as práticas restritivas do comércio, segundo o qual é ilegal vender um bem a um preço inferior ao seu custo de aquisição efetivo, acrescido de impostos e encargos. Dito de outro modo, no entender da Requerida, se a Requerente não tivesse repercutido a CSR estaria a vender um bem abaixo do preço de custo e a praticar uma ilegalidade.

 

            Contudo, não é o facto de uma determinada conduta representar uma ilegalidade que impede que a mesma ocorra. Além de que, o facto de a Requerente não estar a repercutir, no todo ou em parte, a CSR, sendo o caso, não implica que esteja a praticar um preço de venda inferior ao custo de aquisição efetivo, acrescido de impostos e encargos.

 

            O que se verifica, e foi constatado pela AT, é que a Requerente tem uma margem bruta positiva, ainda que pequena, ou seja, que valor das receitas provenientes das respetivas vendas é superior ao dos custos dos combustíveis vendidos, pelo que está a ser cumprido o regime legal invocado. Quais as rubricas que estão a ser, ou que devam ser repercutidas, pelo operador económico não constitui aspeto de que cuide ou regule o referido regime, cuja preocupação é a de que não sejam feitas vendas com prejuízo, por razões que se prendem com práticas concorrenciais nocivas, e não quais as rubricas que são ou não repercutidas.

 

            Nem se afigura pertinente o argumento de que a repercussão se comprova com o facto de os clientes da Requerente virem suscitar igualmente, em sede administrativa e de contencioso, a questão da ilegalidade e o consequente reembolso da CSR suportada. Esta circunstância pode derivar de diversos fatores, incluindo o próprio erro sobre os respetivos pressupostos. A aferição da efetiva repercussão e da sua medida pela Requerente não resulta da mera propositura de ações por parte dos seus clientes.

 

            Em relação às menções obrigatórias que devem constar das faturas detalhadas dos comercializadores em postos de abastecimento, não se trata de regime aplicável à Requerente, por não estar abrangida no seu âmbito subjetivo. 

 

            Flui do exposto que a Requerida não logrou demonstrar a medida da repercussão da CSR nos preços praticados pela Requerente com os seus clientes. Acresce que, ainda que seja possível e expectável que no preço dos combustíveis se repercuta, ao menos parcialmente, a CSR, isto não significa que o reembolso deste imposto à Requerente configure um caso de enriquecimento sem causa, o que competiria à Requerida demonstrar.

 

            Como declarado pelo Tribunal de Justiça no Despacho Vapo Atlantic, louvando-se em diversa jurisprudência anterior, mesmo que ocorra a repercussão do imposto, esta não neutraliza necessariamente os efeitos económicos da tributação no sujeito passivo, pois a inclusão do imposto nos preços praticados pode dar origem a prejuízos associados à diminuição do volume das suas vendas (pontos 43 e 47), e, acrescentamos nós, à redução da margem de lucro do sujeito passivo.

 

            O enriquecimento sem causa alegado pela Requerida teria, assim, de ser por esta demonstrado, através de uma análise económica que tivesse “em conta todas as circunstâncias pertinentes” (v. Acórdão do Tribunal de Justiça, de 2 de outubro de 2003, C-147/01, Weber’s Wine World). Não é suficiente, para este efeito, esgrimir que a procura por este tipo de produtos (combustíveis) “apresenta características de inelasticidade”, não sendo alterada pela variação de preços. Desde logo porque, ainda que tenha pouca elasticidade, isso não impede de, em maior ou menor medida, poder existir um impacto. Esta análise económica pode ser complexa e trabalhosa, porém, não é impossível.

 

            Não tendo a Requerida demonstrado, como lhe competia, o enriquecimento sem causa da Requerente, não pode ficar impedido o reembolso da CSR indevidamente liquidada àquela. Assim, não só a respetiva liquidação enferma de ilegalidade (em relação à CSR), como tem por consequência a obrigação de restituição do imposto pago pela Requerente.

 

            Por fim, a Requerida invoca o princípio da justiça tributária “por via do consagrado no artigo 103.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa”, não se alcançando, contudo, que este princípio seja comprometido pela solução preconizada. Efetivamente, esta resulta da aplicação das regras do ónus da prova, afigurando-se desequilibrada a solução oposta, que seria a de conceder, sem cabal comprovação do enriquecimento sem causa, o produto do imposto ilegalmente cobrado, ao credor tributário, responsável pela liquidação ilegal. 

 

            Acresce salientar que a Requerida, não cumpriu o ónus da suscitação adequada do princípio constitucional da justiça, nomeadamente no que se refere à “precisa delimitação do seu objeto, mediante a especificação da norma, segmento normativo ou a dimensão normativa que se entende ser inconstitucional (acórdãos n.ºs 450/06, 21/06, 578/07, 131/08) e a indicação das razões pelas quais se considera verificada a violação de normas ou princípios constitucionais (acórdãos n.ºs 645/06, 708/06, 630/08), não bastando uma referência genérica a essas normas ou princípios ou a imputação da inconstitucionalidade aos próprios actos jurídicos que são objeto de impugnação judicial” – v. decisão arbitral no processo n.º 14/2021-T. 

 

            Em face do que antecede, conclui este Tribunal Arbitral que assiste razão à Requerente, pelo que devem ser parcialmente anuladas as liquidações de ISP/CSR, na parte que respeitam à CSR, como peticionado. De referir que em idêntico sentido se decidiu, entre outros, nos processos arbitrais 54/2020-T, 304/2022-T, 305/2022-T, 665/2022-T, 702/2022-T e 113/2023-T.

 

            No que se refere à determinação do valor de CSR, este não oferece dúvidas, pois resulta das liquidações de janeiro a junho de 2021 juntas aos autos, e da aplicação de cálculos aritméticos simples (valor por litro), pelo que, como consequência da anulação parcial das liquidações impugnadas, na parte da CSR, deve a Requerida restituir a importância € 6.348.182,66, que se fixa na presente decisão, não havendo necessidade de remeter tal fixação para a fase de execução de sentença, uma vez que a mesma não oferece dúvidas e não está dependente de outras operações que envolvam o exercício da atividade administrativa (v. artigo 609.º, n.º 2 do CPC (a contrario), por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT).

 

* * *

 

Por fim, importa referir que foram conhecidas e apreciadas as questões relevantes submetidas à apreciação deste Tribunal, não o tendo sido aquelas cuja decisão ficou prejudicada pela solução dada a outras, ou cuja apreciação seria inútil, nos termos do disposto nos artigos 608.º e 130.º do CPC, ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.

 

  1. Juros Indemnizatórios

 

A Requerente, peticiona, como decorrência da anulabilidade parcial dos atos de liquidação de ISP/CSR, a restituição da quantia paga a título de CSR, na importância de € 6.348.182,66, acrescida de juros indemnizatórios.

 

A jurisprudência arbitral tem reiteradamente afirmado a competência destes Tribunais para proferir pronúncias condenatórias derivadas do reconhecimento do direito a juros indemnizatórios originados em atos tributários ilegais que aí sejam impugnados, ao abrigo do disposto nos artigos 24.º, n.º 1, alínea b) e n.º 5 do RJAT e 43.º e 100.º da LGT.

 

Esta disciplina deriva do dever, que recai sobre a AT, de reconstituição imediata e plena da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, como resulta do disposto nos artigos 24.º, n.º 1, alínea b) do RJAT e 100.º da LGT, fazendo este último preceito referência expressa ao pagamento de juros indemnizatórios, compreendido nesse efeito repristinatório do statu quo ante.

O que significa que na execução do julgado anulatório a AT deve reintegrar totalmente a ordem jurídica violada, restituindo as importâncias de imposto pagas em excesso e, neste âmbito, a privação ilegal dessas importâncias deve ser objeto de ressarcimento por via do cálculo de juros indemnizatórios, por forma a reconstituir a situação atual hipotética que “existiria se o ato anulado não tivesse sido praticado”.

 

O direito a juros indemnizatórios depende da ocorrência de “erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido” (v. artigo 43.º, n.º 1 da LGT).

 

Na situação vertente, em relação aos atos de liquidação controvertidos, verificou-se erro de direito imputável à Requerida (violação do direito da União Europeia), para o qual a Requerente nada contribuiu, pelo que é devida a restituição do montante pago a título de CSR, acrescido de juros indemnizatórios, nos termos dos artigos 43.º da LGT e 61.º do CPPT, para restabelecimento da situação que existiria se o ato tributário não tivesse sido praticado.

 

Contudo, o artigo 43.º, n.º 3, alínea c) da LGT institui uma disciplina específica para os casos de revisão do ato tributário por iniciativa do contribuinte, como sucede nos presentes autos, constituindo-se a obrigação de indemnizar na esfera da Requerida somente depois de decorrido um ano a contar do pedido de revisão (v., a título ilustrativo, o Acórdão do Pleno do Supremo Tribunal Administrativo, processo n.º 038/19, de 4 de novembro de 2020[12]).

 

Tendo o pedido de revisão oficiosa sido apresentado em 27 de junho de 2023, a contagem dos correspondentes juros indemnizatórios, calculados com base no valor de CSR pago com referência aos períodos de janeiro a junho de 2021, só se inicia em 28 junho de 2024, pelo que, à data da decisão, não estão reunidas as condições para a exigibilidade de juros indemnizatórios. 

                        

  1. Decisão

 

            Atento o exposto, acordam os árbitros deste Tribunal Arbitral em julgar a ação arbitral procedente e, em consequência:

 

  1. Anular parcialmente as liquidações de ISP/CSR efetuadas à Requerente, nos períodos de janeiro a junho de 2021, na parte referente à CSR, na importância de € 6.348.182,66;
  2. Anular a decisão de rejeição do pedido de revisão oficiosa deduzido contra as referidas liquidações de ISP/CSR, na medida em que as manteve integralmente;
  3. Improcede o pedido de condenação da Requerida ao pagamento de juros indemnizatórios. 

 

Tudo com as legais consequências.

 

  1. Valor do Processo

 

            Fixa-se ao processo o valor de € 6.348.182,66, que corresponde ao valor do montante de CSR cuja anulação a Requerente pretende e não contestado pela Requerida, de harmonia com o disposto nos artigos 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (“RCPAT”), 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT e 306.º, n.ºs 1 e 2 do CPC, este último ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.

 

 

  1. Custas

 

            Custas no montante de € 79.254,00 (setenta e nove mil duzentos e cinquenta e quatro euros), a suportar integralmente pela Requerida, por decaimento, em conformidade com a Tabela I anexa ao RCPAT e com o disposto nos artigos 12.º, n.º 2 e 22.º, n.º 4 do RJAT e 4.º do RCPAT.

 

                        Notifique-se.

 

                        Lisboa, 2 de maio de 2024

 

Os árbitros,

 

Alexandra Coelho Martins, relatora

 

 

Cristina Aragão Seia

 

José Luís Ferreira

(vencido conforme declaração anexa)

 

 

Declaração de voto de vencido

 

Que a CSR é incompatível com a Directiva de Tributação da Energia nunca esteve em causa, na medida em que questão já fora apreciada, em Fevereiro de 2022, pelo TJUE (processo C-460/21). Pelo que, neste ponto, naturalmente, acompanho a decisão arbitral.

 

Mas votei vencido na segunda questão apreciada pelo colectivo: saber se a devolução do valor da CSR liquidada e paga pela Requerente constituiria um enriquecimento sem causa.

 

Entendo que a Requerida (AT) apresentou prova idónea, objectiva e documentada, demonstrando o nexo de causalidade entre as transacções de compra e venda de refinados (gasolinas e gasóleos) da Requerente.

 

O que foi apto a demonstrar que a CSR foi repercutida nos valores de venda desses refinados no período económico a que se reporta o pedido de pronúncia arbitral.

 

Não tendo a Requerente apresentado quaisquer elementos ou fundamentos que permitissem uma conclusão contrária.

 

Vejamos.

 

A jurisprudência do TJUE há muito que se encontra estabelecida quanto à devolução de impostos especiais sobre o consumo, que nos diversos Estados-membros da UE, apresentam algumas particularidades comuns: (i) o sujeito passivo, titular do estatuto de depositário autorizado ou destinatário registado, pode não ser um comercializador e (ii) a coexistência de diversos comercializadores em cadeia, em que apenas um é sujeito passivo.

 

A CSR, o Factor de Adicionamento de CO2 e o ISP (que são liquidados conjuntamente e pagos mediante um documento único de cobrança) constituem um imposto monofásico. Cujo facto gerador nasce quando os refinados perdem o regime suspensivo. O que ocorre no momento em que esses refinados saem (fisicamente) de um entreposto fiscal (naturalmente, sem se dirigir a um outro entreposto fiscal) ou, como sucede no caso em apreciação, quando são admitidos no território nacional provenientes de Espanha (sem admissão em entreposto fiscal).

 

O facto gerador é compatível com a não transmissibilidade dos refinados, i. e. o imposto é devido independentemente da transmissão onerosa dos produtos.

 

A transmissão (subsequente à declaração de introdução no consumo) a outros revendedores não apresenta qualquer relevância no plano da incidência da CSR, Factor de Adicionamento de CO2 e ISP.

 

Assim, o revendedor de carburantes - e sujeito passivo de imposto - começa por registar o valor da CSR não como existência (que, manifestamente, não o é), mas como maior valor de aquisição de existências (adicionalmente ao valor de aquisição e outros serviços necessários à colocação do produto em condição de venda). Que regista como custo das mercadorias vendidas, em função do critério de valorimetria acolhido (tipicamente custo médio ou FIFO), no momento em que ocorre a transmissão de propriedade a um outro revendedor, operador económico (que utilize o produto não para revenda, mas no seu processo produtivo) ou consumidor final.

 

Do confronto entre o valor de venda e o custo das mercadorias vendidas é apurada uma margem unitária. O somatório das quais é relevado nas demonstrações financeiras.

 

Chegados aqui é importante realçar o óbvio: a Requerida não beneficia de uma presunção de repercussão económica do valor da CSR (que é o mesmo que dizer das três supra referidas componentes do imposto especial sobre o consumo, na medida em que a liquidação é global, sendo o respectivo valor registado indiferenciadamente como maior valor de existências).

 

Cabe à Requerida a demonstração dessa repercussão.

 

Todavia, o mesmo é válido para a Requerente, que não dispõe de uma presunção de não repercussão.

 

É assim aplicável o princípio geral do ónus da prova: tendo a Requerida alegado, como fundamento à improcedência da devolução do imposto, a sua repercussão económica nos preços de venda, cabe-lhe o ónus probatório.

 

O qual deve ser satisfeito na base de um nexo de causalidade entre os valores de compra e de venda, suportado em documentos idóneos e adequados à demonstração dessa causalidade.

 

A prova tem por função a demonstração da realidade dos factos (artigo 341.º do Código Civil). A dúvida sobre a realidade de um facto e sobre a repartição do ónus da prova resolve-se contra a parte a quem o facto aproveita (artigo 414.º do Código de Processo Civil).

 

A valoração da prova pelo julgador obedecerá à idoneidade dos elementos probatórios à demonstração da verdade material, suportado em regras de experiência comum.

 

Retomando o caso em apreço, entendo que a Requerida alicerçou a prova da repercussão económica com base numa análise transaccional, i. e. recolheu facturas de compra e de venda. E estabeleceu um nexo - traçável - entre as quantidades adquiridas (e constantes de uma factura de compra) e essas quantidades subsequentemente alienadas (e constantes de uma factura de venda).

 

Concretamente, foi documentado um circuito de compra e venda de gasolina, conforme consta da matéria provada que, por sua vez, assenta nos documentos anexos à análise realizada pela Unidade dos Grandes Contribuintes (UGC) aos elementos contabilísticos da Requerente.

 

A partir desta análise especialmente concreta - que parte de factos e não de generalizações - foi apurada uma margem unitária positiva. Ou seja, a Requerente, numa concreta transacção de gasolina apurou uma diferença positiva entre os valores de venda e de compra.

 

Ora, sabendo-se, como consta igualmente da matéria provada, que a CSR e os demais IECs foram registados como valor de existências e, logo, como custo da mercadoria vendida, é irrefutável que a CSR e demais IECs foram repercutidos no preço de venda, porquanto este supera o somatório dos gastos a montante.

 

Assim se concluindo que a Requerida provou que - nessa transacção - a Requerente repercutiu economicamente o valor da CSR.

 

Tenho por claro que à Requerida não cabe a análise de todas e cada uma das - seguramente - milhares de transacções económicas efectuadas pela Requerente. Cabe-lhe, outrossim, partir de uma realidade concreta, documentada e traçada para alcançar a análise do todo, i. e. começar numa transacção concreta e terminar na análise das demonstrações financeiras da Requerente.

 

Foi esse o caminho, conforme consta da matéria provada, adoptado pela Requerida.

 

Que cumpriu com o ónus probatório que lhe impunha: demonstrou o apuramento de uma margem unitária positiva e que a globalidade das margens apuradas no universo de transacções económicas realizadas no exercício económico é positiva.

 

Note-se que não é apenas a margem bruta ou operacional que é positiva. Mas também a margem líquida, na medida em que o resultado líquido do exercício é positivo.

 

Recorrendo a técnicas de auditoria, a AT assentou o seu juízo na análise da globalidade das demonstrações financeiras da Requerente, partindo de uma análise causal concreta de operações económicas reais.

 

 

Claro está, que a Requerente poderia apurar margens brutas positivas e, ainda assim, registar um resultado negativo. Ou seja, poderia apurar um resultado positivo no confronto entre os valores de venda e de compra, o qual poderia, no entanto, ser insuficiente para absorver os demais custos fixos ou incrementais. Caso em que a margem líquida - depois de considerados todos os demais custos registados na demonstração de resultados - seria negativa.

 

Caso em que valeria a apreciação realizada pelo TJUE no processo C-460/21: “além disso, mesmo na hipótese de vir a ser provado que o imposto indevido foi repercutido sobre terceiro, o respectivo reembolso ao operador não implica necessariamente um enriquecimento sem causa por parte deste, visto que a integração do momento do referido imposto nos preços praticados pode dar origem a prejuízos associados à diminuição do volume das suas vendas”.

 

Esta interpretação não pode ser mantida num patamar abstracto, sob pena de a prova da repercussão ser manifestamente onerosa, senão mesmo impraticável. Sendo importante recordar que não há presunção nem de repercussão, nem de não repercussão.

 

Uma vez estabelecida uma causalidade factual e documentada de repercussão económica, fica patente a consistência do juízo desenvolvimento pela Requerida. Passando para a Requerente o ónus probatório de sentido contrário.

 

Identificando - concretamente - os motivos de ordem económica que naquela ou em outras transacções não permitem a recuperabilidade dos custos da venda. Ou que, ainda que os recuperando, são insuficientes para cobrir os demais custos fixos e incrementais de estrutura (depreciações, encargos salariais, funcionamento da sede, armazenagem, etc).

 

Note-se que, conforme refere a Requerida, os impostos especiais sobre o consumo representam aproximadamente 50% do custo de compra dos refinados. Naturalmente que esta percentagem varia em função do próprio preço de compra (baixando quando este sobe e vice-versa).

 

Certo é que qualquer operador económico carece de estruturar e aplicar uma política relativamente ao impacto fiscal no mercado dos refinados.

 

Exemplificativamente, no primeiro semestre de 2022 as taxas de IECs variaram  semanalmente.

 

Qual foi a prática adoptada pela Requerente? Semanalmente, reflectiu o valor dos IECs, para mais ou para menos?

 

Não reflectiu a totalidade desse valor na expectativa de manter maiores volumes de venda? Se sim, em que semanas? Todas ou só algumas?

 

Outro fenómeno comum no mercado de refinados consiste na (des)valorização das existências, na medida em que as cotações de compra e venda oscilam diariamente, sem que exista um preço único, dado que os produtos são livremente transaccionados em diversas bolsas de valores.

 

O padrão seguido no mercado nacional consiste na escolha de um indexante (que é, na verdade, uma média das cotações em determinados mercados), denominado em dólares, e na actualização dos preços na segunda-feira da semana seguinte (tendo por referência a cotação média da semana anterior, ajustada pelo câmbio Euro / dólar).

 

Tal é, perfeitamente, susceptível de conduzir ao apuramento de margens negativas. E aqui sim, poderia valer a decisão do TJUE e não as considerações da Requerida sobre a eventual criminalidade inerente à prática de valores negativos.

 

Com efeito, a partir do momento em que os operadores de mercados adoptam uma tal prática de ajuste de preços, um qualquer operador (a Requerente ou outro) teria sempre de decidir entre vender (ainda que com margem negativa) ou não vender. Precisamente a consideração para que nos remete o TJUE.

E vendendo com margem negativa, poderia ser desenvolvido o fundamento da não inclusão da CSR (e demais IECs) no preço.

 

Na verdade, uma parte da CSR estaria incluída no preço, mas em condições de fungibilidade (i. e. de confundibilidade) com os demais custos das mercadorias vendidas.

 

Na certeza de que estas (ou outras) circunstâncias que afectem o ciclo de exploração do negócio da Requerente, devem ser concretamente documentadas. Não se podem ficar por alegações genéricas e não suportadas na factualidade que só a Requerente conhece.

 

Com efeito, não se pode exigir à AT a análise da política de preços da Requerente. Ou ainda a análise à variação nos preços praticados pela Requerente ao longo do exercício económico, designadamente, em 2022 (ano em que a variação das taxas de IECs foi semanal e mensal, algumas das vezes não coincidindo com a segunda-feira, pelo que a variação do preço de venda seria facilmente comparável com a alteração das referidas taxas).

 

A partir do momento em que a AT demonstra, insiste-se, numa operação concreta e traçável às quantidades constantes de facturas de compra e venda, o apuramento de margem unitária positiva, é sobre a Requerente que passa a impender um impulso probatório de sentido contrário.

 

Susceptível de abalar a prova documental apresentada pela AT. Ou apresentando outros elementos de prova de outras transacções em que a margem unitária foi negativa.

 

Ou explicitando os preços praticados em determinadas semanas, em que ocorreram alterações nas taxas dos IECs, demonstrando a inexistência, total ou parcial, de correlação entre os preços e os IECs.

 

Ou qualquer outra explicação económica ou de negócio que identifiquem o racional de maximização das quantidades vendidas em detrimento de um maior preço.

 

Acresce que os dados e apuramentos inscritos na contabilidade do sujeito passivo gozam de uma presunção de verdade e boa fé (n.º 1 do artigo 75.º da LGT). E tendo a AT logrado determinar o itinerário da compra e venda de determinadas quantidades de gasolina, a par do registo contabilístico das respectivas facturas de compra e venda, é à Requerente que cumpre abalar essa demonstração.

 

A Requerente - conhecedora única que é da sua política de preços e das margens unitárias das suas diversas transacções - não teria especial dificuldade em identificar a factualidade que permitisse lançar dúvida sobre a prova realizada pela AT.

 

O probatório permite concluir o contrário, tendo a Requerente optado por manter, do lado da AT, o ónus probatório quanto à demonstração da “repercussão efectiva e integral”, que “demonstre que o reembolso conduz ao enriquecimento sem causa”.

 

Ao ponto de alegar que “em ponto algum a AT identifica os concretos factos que lhe permitem concluir que o valor da CSR tenha sido efectivamente repassado pela Requerente aos seus clientes”.

 

E imputando à AT o recurso a “noções básicas de microeconomia”.

 

Sucede que, como resulta da matéria provada, a AT estabeleceu um nexo de causalidade entre quantidades de gasolina comprada e vendida, o respectivo reflexo na facturação de compra e venda e o registo contabilístico das mesmas.

 

Não se entende que prova adicional teria a AT de produzir, na medida em que não lhe compete conhecer a política de preços da Requerente e/ou a forma como esta reage às múltiplas alterações de taxas dos IECs.

 

Contrariamente ao que refere a Requerente nas alegações finais, não se trata de “ónus da prova que não pode ser voltado contra o contribuinte”.

Refere a Requerente que “no mundo real, o preço a que uma mercadoria pode ser vendida resulta do jogo da oferta e da procura e a margem de comercialização que um operador pode obter em mercado resulta da sua capacidade em comprimir custos, fiscais e não fiscais”.

 

Ou que “só fechando os olhos à experiência quotidiana de empresas e à nossa experiência enquanto consumidores podemos imaginar que as margens de comercialização praticadas pelos operadores em mercado sejam indiferentes ao custo das mercadorias vendidas e aos encargos fiscais que lhe estejam associados”.

 

E, por fim, que “no mundo real, as margens praticadas pelos operadores são maiores ou menores conforme os encargos fiscais que se lancem sobre as mercadorias”.

 

Estas alegações nada provam e não afastam a prova estabelecida pela AT.

 

O “mundo real”, a “experiência quotidiana” ou o “jogo da oferta e da procura” é algo que à Requerente caberia densificar, de modo a abalar a matéria provada.

 

Em suma, entendo que a matéria provada demonstra que a AT logrou evidenciar que a CSR (e demais IECs) foram repercutidos nos preços de venda unitários, analisados transaccionalmente e suportados documentalmente.

 

E tendo a CSR sido repercutida nos preços de venda e incluída na conta de resultados na Requerente, a devolução do imposto aportar-lhe-á um incremento patrimonial directo (um enriquecimento sem causa), dado que receberá uma devolução de imposto idêntica ao valor previamente facturado e cobrado nas transacções económicas realizadas com os seus clientes.

 

Lisboa, 2 de maio de 2024

 

O árbitro,

 

 

José Luís Ferreira



[1] Certamente por lapso, a Requerida refere que os atos de liquidação são de “22/06/2022”.

[2] Acrónimo de Norma Contabilística e de Relato Financeiro.

[3] Dispõe o n.º 1 do artigo 4.º do RJAT o seguinte: “A vinculação da administração tributária à jurisdição dos tribunais constituídos nos termos da presente lei depende de portaria […]”.

[4] V. Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.

[5] V. Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 7/2019.

[6] Contado do termo do prazo de pagamento voluntário do tributo.

[7] Entretanto transformada na Infraestruturas de Portugal, IP, S.A..

[8]  A Diretiva n.º 2008/118/CE, de 16 de dezembro de 2008, fixa a estrutura comum dos Impostos Especiais de Consumo (“IEC”) harmonizados nos quais se inserem os impostos sobre os produtos energéticos [v.g. produtos petrolíferos] e da eletricidade regulados pela Diretiva n.º 2003/96/CE, de 27 de outubro de 2003.

[10] Neste caso relativo a inventários, a contabilização é feita em duas etapas, primeiro, na rubrica de inventários, e mais tarde, à medida que os produtos são vendidos, ocorre a passagem para uma conta de gastos (conta # 61 Custo das mercadorias vendidas e das matérias consumidas).

[11] O que se poderia retirar da contabilidade da Requerente, como indício idóneo para inferir a repercussão (ou alguma repercussão), seria, a título de exemplo, a análise comparativa das margens brutas dos sujeitos passivos, em períodos em que não ocorreu a incidência de CSR e em períodos em que a CSR estava em vigor, sem prejuízo de, mesmo aí, terem de ponderar-se outros fatores e variáveis que influenciem a subida ou diminuição da margem, para alcançar uma conclusão válida.

[12] Sobre a mesma questão podem ver-se também os Acórdãos de 28/01/2015, no processo n.º 0722/14, de 11/12/2019, no processo n.º 058/19.9BALSB, de 20/05/2020, no processo n.º 05/19.8BALSB, e de 26/05/2022, no processo n.º 159/21.3BALSB, todos do Supremo Tribunal Administrativo.