Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 615/2023-T
Data da decisão: 2024-05-08  IRS  
Valor do pedido: € 22.125,66
Tema: Imposto sobre Rendimento das Pessoas Singulares. Mais-valias. Regime transitório previsto no artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 442-A/88, de 30 de novembro.
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SUMÁRIO

 

  1. Nem a operação de destaque por intermédio da qual um prédio passa a ter uma parcela urbana e uma parcela rústica, nem o ato de inscrição na matriz do prédio assim destacado, constituem aquisição, originária ou derivada, de bens ou direitos para efeitos do disposto no artigo 5.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 442-A/88, de 30 de novembro;
  2. Para a aplicação do regime transitório a que alude o número anterior releva a qualidade que o bem detinha no momento da entrada em vigor do Código do IRS

 

DECISÃO ARBITRAL

 

O árbitro David Oliveira Silva Nunes Fernandes (árbitro-singular), designado pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formar o Tribunal Arbitral Singular, constituído em 08-11-2023, decidiu o seguinte:

 

 

  1. RELATÓRIO

 

  1. A..., titular do número de contribuinte..., e B..., titular do NIF..., residentes na Rua do..., n.º..., ..., ...-... Lisboa, (em conjunto “os Requerentes”), apresentaram pedido de pronúncia arbitral sobre (i) o ato de liquidação de IRS n.º 2023..., referente ao ano de 2020, do qual resultou imposto a pagar no valor de 22.125,66 € (vinte e dois mil cento e vinte e cinco euros e sessenta e seis cêntimos) e (ii) o correspondente ato de liquidação de juros compensatórios, no valor de 1.388,53 € (mil trezentos e oitenta e oito euros e cinquenta e três cêntimos).

 

  1. É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (doravante também identificada por «AT» ou simplesmente «Requerida»).

 

  1. O presente tribunal arbitral foi constituído no dia 8 de novembro de 2023.

 

  1. Nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 17.º, nºs 1 e 2, do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (“RJAT”), a Requerida foi notificada, em 10 de novembro de 2023, para, no prazo de 30 (trinta) dias, (i) apresentar resposta e solicitar prova adicional, bem como para (ii) remeter ao Tribunal Arbitral cópia do processo administrativo.

 

  1. No dia 12 de dezembro de 2023, a Requerida apresentou a sua resposta, pugnando, a final, pela improcedência do pedido de pronúncia arbitral apresentado pelos Requerentes.

 

  1. No dia 3 de abril de 2024, as partes foram notificadas do despacho prolatado pelo Tribunal Arbitral, datado de 2 de abril de 2024, no sentido de (i) dispensar a realização da reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT, considerando que as questões subsistentes são essencialmente de direito, não tendo ademais sido requerida a produção de prova testemunhal, (ii) notificar as partes para, querendo, apresentarem alegações finais no prazo de 15 (quinze) dias, (iii) informar as partes que a decisão final seria proferida e comunicada até 8 de maio de 2024, devendo os Requerentes pagar o remanescente da taxa de arbitragem até essa data e (iv) solicitar às partes o envio dos articulados em versão word, com vista a facilitar e abreviar a elaboração da decisão final.

 

  1. As partes não apresentaram alegações finais.

 

  1. POSIÇÃO DAS PARTES

 

  1. A posição dos Requerentes é, no essencial, a seguinte:

 

  1. A liquidação de IRS controvertida é ilegal, na medida em que não foram notificados aos Requerentes os fundamentos que determinaram a sua emissão, sendo apenas indicado um conjunto de valores, impercetíveis para um destinatário normal e, também, para os Requerentes;

 

  1.  A falta de fundamentação constitui violação do disposto no artigo 77.º, n.º 2, da Lei Geral Tributária (“LGT”), impendendo sobre a Requerida, à luz do mesmo, o dever legal de fazer referência expressa às disposições legai aplicáveis;

 

  1. A insuficiência da fundamentação do ato tributário tem por consequência a respetiva anulabilidade;

 

  1. O dever de motivação ou de fundamentação de qualquer ato administrativo ou tributário tem associadas duas finalidades: (i) por um lado, inteirar o respetivo destinatário das razões ou dos motivos que conduziram à tomada de decisão em determinado sentido e (ii) permitir que se faça um controlo sobre a legalidade da decisão e sobre a validade dos motivos que subjazem a determinada decisão concreta;

 

  1. Os atos de liquidação contestados não permitem, por si só, conhecer o itinerário cognoscitivo que lhe subjaz, estando, por isso, inquinados de vício de forma, nos termos do disposto no artigo 268.º, n.º 3, da Constituição da República Portuguesa (“CRP”) e no artigo 77.º da LGT, devendo nessa medida ser anulados em conformidade, de acordo com o disposto no artigo 163.º do Código de Procedimento Administrativo (“CPA”);

 

  1. Contra o exposto não pode ser invocada, sequer, a fundamentação operada por via da remissão, pois não existe qualquer referência a uma eventual remissão, explícita, para um concreto documento externo;

 

  1. Mesmo que se admitisse que os atos de liquidação se podem fundamentar em algum documento, sem necessidade de cumprimento dos requisitos mínimos de fundamentação exigidos pelo disposto no artigo 77.º, n.º 2, da LGT, sempre se teria de exigir a expressa remissão nos atos de liquidação para esse documento, o que não ocorreu;

 

  1. O respeito pelos mais elementares direitos dos contribuintes obriga a que a fundamentação não se presuma, devendo resultar de forma clara, expressa e inequívoca do próprio ato;

 

  1. Mesmo quando se admite a fundamentação por adesão ou concordância, exige-se que o autor expressamente se refira e identifique o relatório, parecer, informação ou proposta como que manifesta essa mesma concordância, conforme decorre do exposto no artigo 63.º do Regime Complementar do Procedimento de Inspeção Tributária (“RCPIT”), no artigo 77.º, n.º 1, da LGT e no artigo 152.º, n.º 1, do CPA;

 

  1. A obrigatoriedade de fundamentação traduz-se na exteriorização dos fundamentos que devem, também, ser contemporâneos da constituição do ato, através da sua inserção na forma do ato, transformando-se a existência e exteriorização desses fundamentos numa condição de validade do ato;

 

  1. A fundamentação deve, também, ser contemporânea do ato e não sucessiva, não podendo a fundamentação constituir uma justificação ex post do ato;

 

  • A fundamentação do ato deve ser coeva deste e integrada pelas razões que, historicamente, determinaram o ato, nela nunca podendo integrar-se razões posteriores, que surgiriam como mera justificação externa de um ato de sem fundamentação ou com fundamentação insuficiente;

 

  1. Nos atos tributários controvertidos não há qualquer referência, expressa ou implícita, ao Relatório de Conclusões da Inspeção Tributária ou outro qualquer documento, sequer por remissão;

 

  •  

 

 

  • Os Requerentes entendem que os ganhos derivados da alienação onerosa subjacente ao ato tributário controvertido – venda do direito real de usufruto – não estão sujeitos a tributação, ao abrigo do regime vertido no artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 442-A/88, de 30 de novembro;

 

  1. O Imposto de Mais Valias, que entrou em vigor em 1965, apenas se aplicava sobre as transmissões onerosas de terrenos para construção, tidos como aqueles que se situassem em zonas urbanizadas ou compreendidas em planos de urbanização já aprovados e, bem assim, aqueles terrenos que assim eram descritor no título aquisitivo;

 

  1. Com o Decreto-Lei n.º 442-A/88, de 30 de novembro, que aprovou o Código do IRS, foi abolido o Imposto de Mais Valias, passando as mais valias a ser tributadas em sede de IRS, na categoria G;

 

  1. Em virtude da norma transitória plasmada naquele diploma, apenas se sujeitam a tributação em sede de categoria G de IRS as mais-valias resultantes da transmissão de imóveis adquiridos e alienados dentro da vigência da nova lei, com exceção daqueles que já antes seriam tributados por força do Código do Imposto de Mais Valias;

 

  1. Os tribunais vêm entendendo que para efeitos de aplicação do regime transitório constante do artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 442.º-A/88, de 30 de novembro, e consequente isenção de tributação em sede de categoria G do IRS da mais-valias obtida com a transmissão do imóvel é que esse imóvel tivesse transmitido para o alienante como prédio rústico e que, à data da entrada em vigor do Código do IRS, manteve essa mesma natureza, irrelevando para a causa que, em momento posterior, viesse o imóvel a sofre uma alteração de qualificação, total ou parcial;

 

  1. O prédio alienado pela Requerente foi adquirido, por via sucessória, em 1975, à data um prédio rústico, tendo sido, posteriormente a 1989, alterado na sua natureza, passando a ser prédio misto composto por parte urbana e por parte rústica, tendo ademais sido transmitido, em 2020, o usufruto sobre o mesmo;

 

  1. É irrelevante o facto de o prédio que foi adquirido em 1975 ter sido requalificado, em momento posterior (2019), como prédio misto;

 

  1. A ilegalidade assacada ao ato de liquidação de IRS controvertido gera, também, a ilegalidade da correspondente liquidação de juros compensatórios, uma vez que não estão reunidos os pressupostos de que a lei faz depender o respetivo apuramento;

 

  1. Entendem ainda os Requerentes que a AT não demonstrou a verificação daqueles pressupostos, nomeadamente quanto ao retardamento da liquidação de imposto resultar de facto que lhes seja imputável;

 

  1. Mais entendem os Requerentes que, encontrando-se o imposto pago e reunidos que se encontram os respetivos pressupostos, são devidos juros indemnizatórios calculados sobre o montante de imposto liquidado em excesso.

 

  1. Por seu turno, o entendimento da Requerida é o seguinte:

 

  1. Os atos tributários controvertidos foram praticados na sequência de um procedimento de gestão de divergências;

 

  1. No âmbito desse procedimento, os Requerentes exerceram o direito de audição prévia, tendo, após o termo do dito procedimento, sido notificados das respetivas conclusões através de ofício;

 

  1. O referido ofício foi recebido pelos respetivos destinatários que em parte alguma da petição inicial alegam não ter tido conhecimento das conclusões do procedimento de gestão de divergências;

 

  1. Do ofício de notificação constava, expressamente, que a mesma era efetuada nos termos do disposto no artigo 66.º do CIRS, e que seria elaborada declaração oficiosa e apurado o imposto que se mostrasse em falta;

 

  1. O procedimento de gestão de divergências foi instaurado com base no disposto na parte final do nº 4 do artigo 65.º do CIRS;

 

  1. Existe uma divergência na qualificação de um facto com relevância para a liquidação do imposto, concretamente, a data que se deve considerar como a de aquisição do mesmo;

 

  1. A razão de ser da liquidação de IRS contestada surge, assim, claramente indicada, bem como os factos que a determinaram;

 

  1. A fundamentação foi, assim, prévia à liquidação colocada em crise, pelo que não existe, sequer, razão para se poder equacionar a questão de “fundamentação sucessiva” ou reportada a “razões posteriores”, estando, pois, satisfeita a exigência de fundamentação plasmada no nº 1 do artigo 66º do CIRS;

 

  1. As liquidações de IRS são notificadas aos contribuintes de forma mecanizada pela AT, o que nem os tribunais administrativos e fiscais, nem o próprio CAAD, têm colocado em causa – são os designados “atos-massa”;

 

  1. O ato encontra-se devidamente fundamentado sempre que o seu destinatário revele ter apreendido os seus fundamentos, podendo a fundamentação ser efetuada de forma sumária, à luz do disposto no n.º 2 do artigo 77.º da LGT;

 

  1. No caso em apreço, os Requerentes revelam na petição inicial conhecer a fundamentação das correções efetuadas, as quais enunciam pormenorizadamente e atacam especificadamente;

 

  • Resulta do teor da petição inicial que os Requerentes apreenderam todo o processo cognoscitivo-valorativo que levou às liquidações, tanto assim que a impugnam de facto e de direito;

 

  1. No caso em apreço não foi realizada ação inspetiva interna, mas sim instaurado procedimento administrativo de gestão de divergências, no qual os Requerentes exerceram direito de audição e cujas conclusões lhes foram notificadas;

 

  • No caso presente, os sujeitos passivos bem compreenderam as razões que permitiram à administração praticar o ato, contra o mesmo apresentando pedido de pronúncia arbitral no qual, ao longo de mais de onze dezenas de artigos, comentavam e contestavam a liquidação de IRS nº 2023..., efetuada em 10-03-2023;

 

  • Na situação presentemente em apreço, os ora requerentes compreenderam bem os motivos que ditaram a realização da liquidação adicional que lhe foi efetuada, como facilmente se pode comprovar pela simples leitura do requerimento em que peticionam a constituição de tribunal arbitral;

 

  1. Sempre poderiam os Requerentes ter recorrido à faculdade a que alude o artigo 37.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, o que não fizeram;

 

  1. A AT deu conhecimento aos Requerentes dos motivos que estão na génese e das razões que sustentam o conteúdo dos atos, ou seja, deu a conhecer as razões que determinaram a AT a atuar como atuou, de molde a permitir aos sujeitos passivos optar conscientemente entre a aceitação da legalidade do ato ou a sua impugnação;

 

  1. No que se refere à aplicação do regime transitório previsto no Decreto-Lei n.º 422-A/88, de 30 de novembro, entende a Requerida que na presente situação não está em causa a transmissão de nenhum terreno para construção, mas sim de um prédio urbano inscrito na matriz bem depois da entrada em vigor do Código do IRS (“CIRS”);

 

  1. O bem cujo usufruto foi objeto de alienação corresponde a uma parecela desanexada do imóvel adquirido pelos Requerentes em 1975, tendo dado origem a um novo prédio urbano, não tendo o artigo rústico sido alvo de qualquer negócio jurídico com relevância sobre a respetiva propriedade;

 

  1. A data considerada como sendo a do facto tributário relevante para a Requerida consiste na data de conclusão das obras indicada pelos Requerente na declaração Modelo 1 do IMI;

 

  1. Considerando que o bem sobre o qual foi constituído o usufruto apenas foi adquirido em momento posterior ao da entrada em vigor do CIRS, não se aplica aos rendimentos decorrentes da alienação em causa o regime transitório vertido no n.º 1 do artigo 5.º do DL n.º 442-A/88, de 30 de novembro;

 

  1. A liquidação de juros compensatórios encontra-se devidamente fundamentada, mais se encontrando reunidos os respetivos pressupostos legais;

 

  1. Mais entende a Requerida que a improcedência dos pedidos aduzidos pelos Requerentes faz também claudicar a pretensão conexa com a condenação no pagamento de juros indemnizatórios.

 

 

  1. QUESTÕES A DECIDIR

 

As questões submetidas à apreciação deste Tribunal Arbitral são, sinteticamente, as seguintes:

 

  1. Da procedência ou improcedência do pedido de anulação do ato tributário com fundamento na aplicabilidade do regime transitório da categoria G a que alude o artigo 5.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 442-A/88, de 30 de novembro, aos ganhos provenientes da constituição onerosa do direito real de usufruto sobre o imóvel identificado nos autos e, em caso afirmativo, se ficam, ou não, sujeitos a IRS;

 

  1. Da procedência ou improcedência do pedido de anulação do ato tributário controvertido com fundamento na violação de lei, por insuficiente fundamentação;

 

  1. Da procedência ou improcedência o pedido de condenação da Requerida no pagamento de juros indemnizatórios.

 

  1. SANEAMENTO

O Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído e é materialmente competente, nos termos do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 4.º e 5.º, todos do RJAT. As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e estão regularmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º, n.º 2, ambos do RJAT, e dos artigos 1.º a 3.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março. O processo não enferma de nulidades.

 

  1. FUNDAMENTAÇÃO

 

  1. Factos provados com relevância para os autos e respetiva fundamentação

 

  1. Por óbito de C..., ocorrido a 21 de junho de 1974, na qualidade de sucessível (descendente de primeiro grau na linha reta) e no seguimento de escritura de partilhas outorgada no dia 25 de maio de 1979, a Requerente B... adquiriu um prédio designado ... até ao ... e do ..., no lugar de ..., com área de trinta e cinco mil metros quadrados, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o número ... e inscrito na matriz predial sob o artigo..., mais identificado sob a verba 126 da relação de bens anexa à antedita escritura de partilhas (cfr. documentos n.º 3 e 4 juntos com a petição inicial);

 

  1. Em data posterior a 1 de janeiro de 1989, o referido prédio foi objeto de uma operação de destaque, dando lugar a uma parcela urbana, correspondente ao artigo matricial ... (até então inexistente) e a uma parcela  rústica, correspondente ao artigo matricial ... (já existente), tendo esta ficado com a sua área reduzida face à área original (cfr. documento n.º 5 junto com a petição inicial – no qual se alude a ambas as parcelas, rústica e urbana, se indica a proveniência desta a partir daquela e se associa ambas à mesma descrição predial –, bem como a posição convergente das partes, nomeadamente em face das alegações vertidas no parágrafo 40.º da petição inicial e das alegações vertidas nos parágrafos 7.º, 97.º e 106.º da contestação);

 

  1. No dia 8 de maio de 2020 foi outorgada escritura pública de compra e venda, por intermédio da qual a Requerente B... constituiu usufruto oneroso, incidente sobre a parte urbana do prédio, correspondente ao artigo matricial ..., pelo valor de 120.000,00 € (cento e vinte mil euros), a favor da sociedade comercial com a firma D..., Lda.), (cfr. documento n.º 5 junto com a petição inicial);

 

  1. No seguimento da entrega da declaração Modelo 3 por parte dos Requerentes, referente a 2020, com a identificação .../..., foram aqueles notificados por intermédio do Ofício n.º GI-2020... para audição prévia relativamente às correções projetadas pela Requerida, correspondentes à inserção de valores no Quadro 4 do Anexo G, mais concretamente no campo destinado à indicação do valor de alienação – 120.000,00 € - e no campo destinado à indicação do valor de aquisição – 3.140,00 € (cfr. documento n.º 6 junto com a petição inicial);

 

  1. Os Requerentes exerceram o seu direito de audição prévia relativamente às correções propostas (cfr. documento n.º 7 junto com a petição inicial);

 

  1. Subsequentemente, os Requerentes foram notificados, por intermédio do Ofício n.º..., de 2 de março de 2023, de resposta relativamente ao direito de audição exercido, tendo a Requerida pugnado pela manutenção das correções propostas, fundamentando a sua posição na realização de obras na parcela urbana (cfr. documento n.º 8 junto com a petição inicial);

 

  1. Os Requerentes foram notificados da liquidação de IRS n.º 2023..., de 10 de março de 2023, referente ao ano de 2020, no valor de 22.125,66 € (vinte e dois mil cento e vinte e cinco euros e sessenta e seis cêntimos), tendo procedido ao respetivo pagamento no dia 21 de abril de 2023 (cfr. documentos n.º 1 e 9 juntos com a petição inicial).

A convicção deste Tribunal relativamente aos factos supra considerados como provados baseia-se nos elementos documentais referidos quanto a cada um deles, mais se salientando que a correspondência dos mesmos à realidade não é contestada pela Requerida.

 

  1. Factos não provados e fundamentação da decisão da matéria de facto

Não foi produzida prova nos presentes autos quanto à efetiva realização de obras de edificação na parcela urbana decorrente do destaque referido no parágrafo 1.2 supra.

Os factos elencados supra foram dados como provados, ou não-provados, com base nas posições assumidas pelas partes nos presentes autos, nos documentos juntos à petição inicial e ao processo administrativo.

Cabe ao Tribunal Arbitral selecionar os factos relevantes para a decisão, em função da sua relevância jurídica, considerando as várias soluções plausíveis das questões de Direito, bem como discriminar a matéria provada e não provada (cfr. artigo 123.º, n.º 2, do Código de Procedimento e de Processo Tributário – “CPPT” – e artigos 596.º, n.º 1 e 607.º, n.ºs 3 e 4, do Código de Processo Civil – “CPC” –, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e) do RJAT), abrangendo os seus poderes de cognição factos instrumentais e factos que sejam complemento ou concretização dos que as Partes alegaram (cfr. artigos 13.º do CPPT, 99.º da LGT, 90.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos e artigos 5.º, n.º 2 e 411.º do CPC).

Segundo o princípio da livre apreciação dos factos, o Tribunal baseia a sua decisão, em relação aos factos alegados pelas partes, na sua íntima e prudente convicção formada a partir do exame e avaliação dos meios de prova trazidos ao processo, e de acordo com as regras da experiência (cfr. artigo 16.º, alínea e) do RJAT, e artigo 607.º, n.º 4, do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT).

Somente relativamente a factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, a factos que só possam ser provados por documentos, a factos que estejam plenamente provados por documentos, acordo ou confissão, ou quando a força probatória de certos meios se encontrar pré-estabelecida na lei é que não domina, na apreciação das provas produzidas, o referido princípio da livre apreciação (cfr. artigo 607.º, n.º 5, do CPC, ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT).

 

  1. O DIREITO

 

  1. Ordem de conhecimento dos vícios

 

Resulta do disposto no artigo 124.º, n.ºs 1 e 2, alínea b), do CPPT aplicável ex vi artigo 19.º, n.º 1, alínea a), do RJAT que, nos casos de vícios que conduzam à mera anulabilidade e relativamente aos quais não foi estabelecida uma relação de subsidiariedade pela impugnante, deverá a ordem da respetiva apreciação ser determinada de acordo com o prudente critério do julgador, de forma a assegurar a mais estável ou eficaz tutela dos interesses ofendidos.

 

No presente processo os Requerentes contestaram a legalidade do ato tributário com fundamento (i) na aplicabilidade do disposto no artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 442-A/88, de 30 de novembro, aos ganhos subjacentes ao ato tributário controvertido e (ii) na insuficiente fundamentação do mesmo, sem estabelecer uma relação de subsidiariedade.

Destaca-se que, caso proceda o primeiro vício imputado ao ato tributário ficará prejudicado o conhecimento do segundo, observando-se, pois, aquela ordem.

 

  1. Da aplicabilidade do regime previsto no artigo 5.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 442-A/88, de 30 de novembro, aos ganhos subjacentes ao ato tributário controvertido

 

Quanto a este vício assacado pelos Requerentes à liquidação controvertida, está em causa saber se, atentos os pressupostos fácticos de que se parte – e que supra se discriminou –, será ou não aplicável aos ganhos auferidos pelos Requerentes em virtude da constituição onerosa do direito real de usufruto sobre a parte urbana do imóvel identificado nos autos o regime transitório plasmado no artigo 5.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 442-A/88, de 30 de novembro, diploma que aprovou o CIRS.

No essencial, o enunciado normativo vertido no artigo 5.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 442-A/88 determina que “[o]s ganhos que não eram sujeitos ao imposto de mais-valias, criado pelo Código aprovado pelo Decreto-Lei n.º 46 373, de 9 de junho de 1965, bem como os derivados da alienação, a título oneroso de prédios rústicos afetos ao exercício de uma atividade agrícola ou da afetação destes a uma atividade comercial ou industrial, exercida pelo respetivo proprietário, só ficam sujeitos ao IRS se a aquisição dos bens ou direitos a que respeitam tiver sido efetuada depois da entrada em vigor deste Código”. Importa ainda salientar, para estes efeitos, que o CIRS entrou em vigor no dia 1 de janeiro de 1989, como decorre do disposto no artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 442-A/88, de 30 de novembro.

Compulsando o elemento literal da disposição transitória contida no artigo 5.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 442-A/88, constata-se que

  1. os ganhos que não eram sujeitos ao Imposto de Mais-Valias (Decreto-Lei n.º 46 373, de 9 de junho de 1965),
  2. os ganhos os derivados da alienação, a título oneroso, de prédios rústicos afetos ao exercício de uma atividade agrícola e
  3. os ganhos decorrentes da afetação de prédios rústicos a uma atividade agrícola, comercial ou industrial, exercida pelo respetivo proprietário,

apenas estão sujeitos a tributação em sede IRS (categoria G) previsto no CIRS na eventualidade dos bens ou direitos a que respeitam tiver sido efetuada após 1 de janeiro de 1989.

 

O Decreto-Lei n.º 46 373, de 9 de junho de 1965, aprovou o Código do Imposto de Mais-Valias (doravante, “CIMV”), dispondo-se n.º 1 do artigo 1.º daquele diploma que “[o] imposto de mais-valias incide sobre os ganhos realizados através dos atos que a seguir se enumeram: 1.º Transmissão onerosa de terreno para construção, qualquer que seja o título por que se opere, quando dela resultem ganhos não sujeitos aos encargos de mais-valia previstos no artigo 17.º da Lei n.º 2030, de 22 de Junho de 1948, ou no artigo 4.º do Decreto-Lei n-º 41 616, de 10 de Maio de 1958, e que não tenham a natureza de rendimentos tributáveis em contribuição industrial”.

Complementarmente, dispunha o §2.º do artigo primeiro do CIMV que “[s]ão havidos como terrenos para construção os situados em zonas urbanizadas ou compreendidos em planos de urbanização já aprovados e os assim declarados no título aquisitivo”.

A delimitação da incidência objetiva encontra-se, alias, vertida no preâmbulo do CIMV, quando ali se afirma que “[a] ideia de que se partiu para traçar os limites do imposto foi a de considerar mais-valias os aumentos de valor dos bens que os contribuintes não produziram nem adquiriram para venda”, sendo que “[n]o entanto, resolveu-se aplicá-la, não a todos os bens naquelas condições, e sim apenas aos bens cujas mais-valias se verificam com maior frequência, são de maior vulto ou não oferecem dificuldades sérias de determinação. É o que acontece, sem dúvida, com os terrenos para construção (…)”.

 

Por seu turno, o artigo 10.º, n.º 1, alínea a) do CIRS, na redação em vigor à data dos factos, qualificava como mais valias os ganhos obtidos que, não sendo considerados rendimentos empresariais e profissionais, de capitais ou prediais, resultassem da alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis ou da afetação de quaisquer bens do património particular a atividade empresarial e profissional exercida em nome individual pelo seu proprietário (sendo que, entretanto, a redação da norma foi alterada pela Lei n.º 75-B/2020, de 31 de dezembro, com entrada em vigor a 1 de janeiro de 2021)

 

Delimitado que foi o perímetro normativo relevante, há que enunciar o cerne da questão controvertida nos presentes autos, o qual consiste em saber, se o imóvel objeto da constituição do direito real de usufruto foi adquirido pela Requerente B... antes ou depois do dia 1 de janeiro de 1989 – i.e., antes ou depois da data de entrada em vigor do CIRS. Entendem os Requerentes que a aquisição teve lugar antes daquela data, sem prejuízo da operação de destaque que teve lugar em momento posterior; diversamente, entende a Requerida que a aquisição teve lugar em data posterior a 1 de janeiro de 1989, mais concretamente na data de inscrição do imóvel destacado na matriz. Note-se que não está causa saber se o imóvel adquirido em 1974 era, ou não, um prédio rústico ou seja estava sujeito a Imposto de Mais-Valias; tal surge aqui como incontroverso, concluindo-se que era um prédio rústico e que os ganhos decorrentes da sua alienação onerosa não estavam sujeitos a Imposto de Mais-Valias.

O dissenso assenta, outrossim, na circunstância de entenderem os Requerentes que foi ainda sobre esse imóvel, adquirido em 1974 (ou seja, antes da entrada em vigor do CIRS), que foi constituído o usufruto do qual dimana o rendimento subjacente à liquidação controvertida, ao passo que a Requerida considera que tal direito real foi constituído sobre um novo prédio – urbano – adquirido aquando da inscrição na matriz da parcela urbana destacada do prédio rústico (ou seja, após a entrada em vigor do CIRS).

A respeito desta questão, segue-se de perto o entendimento jurisprudencial vertido no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, datado de 11 de outubro de 2023, proferido no âmbito dos autos n.º 0834/09.0BELRS, cujo excerto relevante se transcreve:

 

«Não há dúvida de que o “regime transitório da categoria G” pressupõe, de um lado, que o prédio que deu origem aos ganhos tenha sido adquirido na vigência do Código de Imposto de Mais-Valias e, de outro lado, que tenha sido alienado na vigência do Código do IRS.

Também não é controverso que os ganhos em causa nos autos respeitam a um prédio alienado já na vigência do Código do IRS.

O litígio centra-se em saber se esse prédio se considera adquirido ainda na vigência do Código de Imposto de Mais-Valias.

Na sentença recorrida foi entendido que não. Aparentemente, por se entender que o destaque da parcela do logradouro dá origem a um «prédio novo» que, sendo constituído já na vigência do novo Código, não pode considerar-se adquirido na vigência do Código antigo.

E a Recorrente não concorda, por entender que da operação de destaque não deriva nenhum facto aquisitivo, se não houve modificação na titularidade do direito de propriedade respetivo.

A razão está do lado da Recorrente. Vejamos porquê.

A expressão «aquisição e bens ou direitos» revela, no caso, a utilização para efeitos tributários de conceitos próprios do ordenamento jurídico-civil.

E a lei manda que os termos próprios de outros ramos de direito sejam interpretados com o sentido que aí têm, salvo se outro decorrer diretamente da lei – artigo 11.º, n.º 2, da Lei Geral Tributária.

Estando em causa mais-valias decorrentes da alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis, a expressão remete-nos, por isso, para as formas típicas de constituição ou aquisição desses direitos, maxime a aquisição do direito de propriedade.

Ora, a inscrição de um prédio na matriz não é um facto jurídico que tenha como efeito a aquisição da propriedade ou de um direito real limitado sobre um imóvel. E não é assim sequer para efeitos tributários, até porque as matrizes não constituem direitos: registam-nos (e fazem presumir a existência do direito registado, face ao que dispõe o n.º 5 do artigo 12.º do Código do IMI).

Pelo que, ao relevar para efeitos de tributação a data da inscrição na matriz do que designa de «novo prédio», o tribunal de primeira instância não poderia estar a relevar como facto aquisitivo o ato de inscrição na matriz em si mesmo mas o facto que deu origem à nova inscrição.

Mas o facto que deu origem à nova inscrição foi a operação de destaque do logradouro que, reconhecidamente, tinha sido adquirido em 1983.

E as operações de destaque também não são formas de aquisição e direitos sobre bens, como tal reconhecidos pelo direito civil: são operações urbanísticas, ou seja, operações materiais de utilização de edifícios ou do solo – cfr. alínea j) do artigo 2.º do Regime Jurídico da Urbanização e da Edificação então em vigor.

Dizendo de outro modo: não são formas de adquirir direitos sobre bens, mas formas de utilizar bens pelo titular do direito respetivo.

É bem verdade que da operação de destaque de um terreno resultam duas parcelas, o que implica a alteração das propriedades intrínsecas do património.

Mas não implica nenhuma alteração quanto ao seu titular (sendo que o próprio conceito de aquisição de bens pressupõe que tenha havido uma alteração quanto aos sujeitos).

Não há um ato de aquisição de um bem na esfera jurídica de quem destaca, mas um ato de modificação do património já preexistente na esfera do seu titular (a divisão de um prédio em dois).

De salientar também que o fenómeno que acabamos de descrever não tem nada a ver com o fenómeno de acessão industrial e que ocorre quando alguém constrói ou faz construir obra num terreno. Nestes casos não há divisão de um prédio, mas aplicação num prédio de trabalho próprio ou alheio e incorporação de matéria que não lhe pertencia.

É evidente que o legislador tributário poderia ter determinado que as operações de destaque de prédios constituem formas de aquisição do prédio destacado para efeitos fiscais e do Código do IRS em particular. Mas isso teria que resultar especialmente da lei fiscal, o que nunca foi invocado e não se concede que suceda.»

 

No caso dos autos, verifica-se o destaque do prédio em duas parcelas distintas, uma urbana e uma rústica, sem que tenha sido demonstrada qualquer acessão industrial ou edificação tendente à alteração do prédio e à sua valorização intrínseca, devendo por conseguinte entender-se que não houve, rigorosamente, qualquer facto aquisitivo que decorra da inscrição na matriz da parcela urbana do imóvel. Logo, subsiste apenas como facto aquisitivo do imóvel – na modalidade de aquisição derivada translativa – a escritura de partilhas, nos exatos termos exarados, datada de 1979, reportada a óbito ocorrido em 1974.

Idêntico entendimento foi, de resto, adotado na decisão proferida no âmbito dos autos n.º 292/2023-T, no quadro dos quais é também feita referência ao Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, datado de 2 de julho de 2014, proferido no âmbito do processo n.º 01396/13, cujo excerto relevante se transcreve infra:

«Importa agora analisar se este regime transitório da categoria G, previsto no citado n.° 1 do art.° 5°, do Decreto-Lei n.° 442-A/88, de 30 de Novembro, tem ou não aplicação na situação em apreço.

Sem dúvidas, deve afirmar-se que quando entrou em vigor o CIRS, (01/01/1989) inequivocamente, o prédio em questão não estava, em caso de transmissão, sujeito a imposto, no tocante a mais-valias, pois detinha a qualidade de rústico.

É um facto indiscutível e incontestável.

No caso do tributo ora sindicado, estamos perante um facto tributário de formação sucessiva, integrado por dois momentos: o da aquisição e o da transmissão. No momento da aquisição por via sucessória o prédio tinha a qualidade de rústico a qual se mantinha na data da transmissão que ocorreu após a entrada em vigor do CIRS. Não ocorre sujeição a imposto de mais valias pois que há que considerar a referida norma transitória do artº 5º do CIRS, não podendo aplicar-se retroactivamente a lei».

 

Compulsando a matéria factual dada por assente, impõe-se concluir que o direito real de usufruto foi constituído sobre uma situação jurídica ativa (titularidade do direito de propriedade) adquirida pela Requerente B... antes de 1 de janeiro de 1989. Dito de outra forma, não se identifica nos presentes autos qualquer vicissitude objetiva ou subjetiva de situações jurídicas, ocorrida a partir daquela data, suscetível de constituir, da perspetiva dos Requerentes, uma aquisição originária ou derivada de um direito de propriedade sobre um bem imóvel – ou até uma alteração objetiva ao direito de propriedade –, ocorrida após 1 de janeiro de 1989, a partir do qual haja sido subsequentemente constituído o usufruto subjacente aos ganhos realizados.

Acresce que dos elementos instrutórios compulsados não decorre que tenha sido realizada qualquer obra de edificação que haja transfigurado o imóvel num prédio totalmente novo, quer em termos de constituição física, quer em termos de valorização intrínseca. Como tal, não tem aplicação nos presentes autos a jurisprudência a que a Requerida alude na sua resposta, em especial a que decorre do Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, datado de 21 de outubro de 2015, proferido no âmbito dos autos 01339/14.

Conclui-se, assim, que o prédio sobre o qual foi constituído usufruto foi adquirido pela Requerente B... antes de 1 de janeiro de 1989, o qual se encontra excluído do âmbito objetivo de sujeição do Imposto de Mais-Valias, por não se tratar de um terreno para construção.

Neste sentido, não havendo dissenso entre as partes quanto à verificação dos demais pressupostos que presidem à aplicabilidade do regime previsto no artigo 5.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 442-A/88, de 30 de novembro, e sendo certo que os mesmos se verificam in casu, deverá entender-se que a liquidação controvertida é ilegal, devendo nessa medida ser anulada.

Em face do exposto, fica prejudicado o conhecimento das questões conexas com a alegada falta de fundamentação do ato tributário controvertido (incluindo a do ato de liquidação de juros compensatórios), pois que ficam de modo estável e eficaz tutelados os interesses em causa.

 

  1. Dos juros compensatórios

Na exata medida em que, nos termos do disposto no n.º 8 do artigo 35.º da LGT, a liquidação de juros compensatórios integra a liquidação do imposto, a anulação desta ao abrigo dos fundamentos supra enunciados implica, necessariamente, a anulação daquela. De facto, anulada a liquidação de imposto, não mais pode falar-se em retardamento, total ou parcial da liquidação. Deste modo, não mais se encontram verificados os pressupostos legais que os determinam, devendo a respetiva liquidação ser igualmente anulada.

 

  1. Dos juros indemnizatórios

 

No que concerne ao pedido de condenação no pagamento de juros indemnizatórios, aduzido pelos Requerentes no âmbito do pedido de pronúncia arbitral, importa atender ao enunciado normativo do artigo 43.º da LGT, o qual se transcreve, nos segmentos relevantes:

 

“Artigo 43.º

Pagamento indevido da prestação tributária

1 - São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

2 – (…).

           

          Na sequência da anulação do ato tributário controvertido, os Requerentes são, de facto, titulares do direito ao reembolso, enquanto consequência da anulação.

          No que concerne a juros indemnizatórios, de acordo com o disposto na alínea b) do artigo 24.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a Requerida a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exatos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, «restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito».

            Quanto à competência dos tribunais arbitrais em matéria tributária para prolação de decisões condenatórias no pagamento de juros indemnizatórios, segue-se a linha argumentativa expendida no processo 364/2022-T:

          «Embora o art. 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT utilize a expressão “declaração de ilegalidade” para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, não fazendo referência a decisões condenatórias, deverá entender-se que se compreendem nas suas competências os poderes que, em processo de impugnação judicial, são atribuídos aos tribunais tributários, sendo essa a interpretação que se sintoniza com o sentido da autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, em que se proclama, como primeira directriz, que “o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária”.

          O processo de impugnação judicial, apesar de ser essencialmente um processo de anulação de actos tributários, admite a condenação da Administração Tributária no pagamento de juros indemnizatórios, como se depreende do art. 43.º, n.º 1, da LGT, em que se estabelece que “são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido” e do art. 61.º, n.º 4 do CPPT (na redacção dada pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, a que corresponde o n.º 2 na redacção inicial), que “se a decisão que reconheceu o direito a juros indemnizatórios for judicial, o prazo de pagamento conta-se a partir do início do prazo da sua execução espontânea”.

Assim, o n.º 5 do art. 24.º do RJAT, ao dizer que “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário”, deve ser entendido como permitindo o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral.

            No caso concreto, constata-se que o ato tributário controvertido – e ora anulado – não decorreu de qualquer ato imputável aos Requerentes, mas outrossim a erro imputável aos serviços, tendo resultado desse erro o pagamento de dívida tributária em montante superior ao legalmente devido. Por conseguinte, são devidos juros indemnizatórios, à taxa legal aplicável, calculados sobre o montante de imposto pago em excesso, os quais começam a ser contabilizados a partir do dia 21 de abril de 2023, correspondente à data de pagamento voluntário da dívida tributária notificada aos Requerentes.

 

 

  1. DECISÃO

 

De harmonia com o exposto decidiu este Tribunal Arbitral Singular em:

 

  1. Julgar integralmente procedente o pedido de pronúncia arbitral apresentado pelos Requerentes e, em consequência, para todos os efeitos:

 

  1. Declarar ilegal e anular o ato de liquidação de IRS n.º 2023..., referente ao ano de 2020, incluindo o correspetivo ato de liquidação de juros compensatórios;

 

  1. Condenar a Requerida no pagamento aos Requerentes de juros indemnizatórios computados a partir da data do pagamento voluntário da prestação tributária correspondente ao supra identificado ato de liquidação;

 

  1. Condenar a Requerida no pagamento das custas do processo.

 

 

  1. VALOR DO PROCESSO

 

De harmonia com o disposto nos artigos 306.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de 22.125,66 € (vinte e dois mil cento e vinte e cinco euros e sessenta e seis cêntimos), valor indicado pelos Requerentes e sem oposição da Requerida.

 

 

 

  1. CUSTAS

 

Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em 1.224,00 € (mil duzentos e vinte e quatro euros), nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerida.

 

 

Lisboa, 08-05-2024

O Árbitro

 

(David Oliveira Silva Nunes Fernandes)