Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 308/2023-T
Data da decisão: 2024-05-07  IRC  
Valor do pedido: € 607.519,32
Tema: IRC – Liquidações adicionais – Matéria coletável – Especialização de exercícios – Ónus da prova.
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SUMÁRIO: I – Ficando o Tribunal com dúvidas sobre a quantificação da matéria tributável e os exercícios a que corresponde, tais dúvidas terão de ser consideradas no sentido de que os factos que sustentam a liquidação adicional da AT se devem considerar como não provados e/ou não provada a existência e quantificação do respetivo facto tributário (cf. artigos 414º, CPC e 100º-1, do CPPT  II – Assim é que, a conclusão da AT, em sede inspetiva, de que o contribuinte inspecionado excluíra da matéria tributável em IRC determinado valor, não pode ser validada porquanto competia à AT demonstrar a existência dos rendimentos tributáveis em sede de IRC em 31-12-2018 e não tributados.

 

 

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL ARBITRAL

 

Acordam os árbitros que integram este Tribunal Arbitral Coletivo, José Poças Falcão (presidente), Henrique Fiúza e  José Alberto Pinheiro Pinto (adjuntos):

 

I – RELATÓRIO

  1. A..., associação sem fins lucrativos, com sede na Av. ..., n.º..., ...-... ..., com o número de identificação de pessoa coletiva ... (abreviadamente “Requerente”), alegando erro na quantificação do facto tributário e violação de lei, por erro nos pressupostos de facto, vem impugnar parcialmente  por esta via arbitral, os atos de “Liquidação adicional de IRC nº 2022 ... do ano de 2018, referente ao acréscimo de € 4.350.924,93 à matéria coletável e as liquidações de juros compensatórios respetivas (n.ºs 2022 ... e 2022 ...) na parte referente às quantias aqui reclamadas”.
  2. Alega, no essencial:
  1. Foi objeto de um procedimento inspetivo externo incidente sobre o exercício de 2018 realizado ao abrigo da Ordem de Serviço OI2022... .
  2. No âmbito dessa ação inspetiva foi-lhe notificado o Relatório de Inspeção Tributária (doravante RIT).
  3. As liquidações impugnadas foram notificadas à Contribuinte, juntamente com uma Demonstração de Acerto de contas com prazo de pagamento voluntário até 23/01/2023 (vide liquidações e demonstração de acerto de contas que se juntam).
  4. Entre outras correções, mas apenas para o que aqui interessa, o RIT considerou de determinar um acréscimo à matéria coletável, sujeita e não isenta de IRC, no montante de € 4.350.924,93.
  5. Esse acréscimo à matéria coletável teria como fundamento a margem comercial do programa ... não considerada como rendimento.
  6. E, o que está em causa nestes autos é a determinação do montante que deve ser acrescido à matéria coletável em IRC de 2018.
  7. No projeto de RIT (relatório da Inspeção Tributária) entendeu-se que deveria ser efetuado um acréscimo à matéria coletável em IRC de € 6.335.102,76 (vide ponto V.1.1.1. do RIT).
  8. A Contribuinte exerceu o seu direito de audição defendendo que a metodologia utilizada pela IT para cálculo de eventuais correções à matéria coletável não estava correta, e que deveria ser seguida a metodologia de comparação entre o “Valor Total dos Rendimentos Recebidos pelo Programa ...”, deduzido do valor que estaria afetado pela caducidade do direito à tributação, e os “Rendimentos Totais Tributados em sede de IRC por virtude do Programa...”.
  9. Essa diferença consistiria no volume de rendimentos ainda não tributados em sede de IRC à data de 31/12/20218 e determinaria o valor da correção ao rendimento coletável desse exercício.
  10. Assim, na sua audição prévia, a Requerente defendeu que o acréscimo à matéria coletável deveria ser de apenas € 271.442,76.
  11. Na versão final do RIT, a Autoridade Tributária aceitou como válida a metodologia apresentada pela Requerente em sede de audição prévia, mas não chegou à mesma conclusão quanto aos valores a corrigir porque, no seu entender, detetara situações que se consideram indevidamente interpretadas.
  12. Assim, no RIT Final, a AT considera que o acréscimo à matéria coletável deve ser de € 4.367.581,14, fazendo correções ao raciocínio da Requerente, e chegando a este valor com base nos seguintes pontos (Vide Quadro 50 do RIT):

 

 

 

 

Descrição

Valor (€)

1. Inicia com o valor indicado pela Requerente:

271.442,76

2. Soma um valor de rendimento excluído pela Requerente

1.285.246,71

3. Soma um valor de anulação de “Acréscimos Rend. Medidas Alternativas” efetuado em 2016, não relevado pela Requerente

 

297.307,07

4. Soma o valor recebido referente às faturas emitidas em 2018

2.666.916,26

5. Exclui (a favor da Requerente) um acréscimo de rendimento efetuado indevidamente

 

- 153.331,66

Total

4.367.581,14

 

  1. A Requerente entende que a Inspeção Tributária incorreu em erro de quantificação...
  2. ...e  entende que apenas estão corretas as correções mencionadas nos pontos 1., 2. e 3. do quadro precedente, sendo:

 

a) 271.442,76 EUR pela Requerente originalmente apurados (em sede de direito de audição);

b) 1.285.246,71 EUR acréscimo de rendimentos dos anos 2011 a 2013, conforme proposto pela IT;

  1. 297.307,07 EUR anulação de acréscimo de rendimentos efetuada em 2016, conforme proposto pela IT).

 

  • Em suma: após análise do Projeto de RIT, do exercício do direito de audição, e da Versão Final do RIT, a Contribuinte entende que o acréscimo à matéria coletável em IRC do exercício de 2018 deve ser de apenas € 1.853.996,54[1]
  • A disputa nestes autos e nesta complexa matéria está em saber se deve acrescer à matéria coletável o valor de € 2.666.916,26 referente a alegada “omissão do valor recebido referente às faturas emitidas em 2018”, excluído de - €153.331,66 referente a acréscimo de rendimento efetuado indevidamente.
  • Pretende-se, assim, que o Tribunal Arbitral determine o valor correto deste acréscimo:

 

  1. Se será o valor de € 4.350.924,93 determinado pela AT no RIT;
  2. Se será o valor de € 1.853.996,54, como defende a Requerente nesta petição;
  3. Se será outro valor apurado pelo Tribunal.

 

  1. A matéria em análise é bastante complexa e tem a ver com o desenvolvimento pelo A... do designado “Projeto ...”.
  2. Trata-se do projeto de desenvolvimento de uma nova aeronave a construir pela empresa brasileira C..., no qual a Requerente A... participou por incumbência do Estado Português no âmbito de um acordo de desenvolvimento conjunto de tal aeronave.
  3. O Estado designou, como coordenadora do projeto, uma empresa maioritariamente pública designada B..., S.A., a quem o A... entregaria os seus trabalhos de engenharia e de desenvolvimento de importantes peças da aeronave.
  4. Tais serviços seriam prestados pelo A...e pagos com verbas que o IAPMEI disponibilizaria à B... .
  5. A Requerente iniciou o programa em 2011 e começou a faturar à B... os serviços prestados em função da disponibilização de verbas pelo IAPMAEI e da validação da medição dos trabalhos que era efetuada e validada pela própria B... .
  6. A B... recebia instruções vinculativas do IAPMEI que lhe entregava os meios financeiros decididos a nível ministerial (por Resolução do Conselho de Ministros e subsequentes Despachos ministeriais) e controlava a aplicação de tais fundos, definindo quais são as despesas e custos elegíveis.
  7. O A... foi apresentando à B... ao longo dos anos de execução do Programa, pedidos de pagamento de despesas para validação das mesmas e pagamento.
  8. Havia trabalhos faturados e trabalhos registados como proveitos a título de especialização de exercícios, aguardando instruções para facturação e recebimento.
  9. Já em 2012 o Governo determinou que a entrega de fundos pelo IAPMEI à B... fosse feita sob a forma de prestações suplementares de capital:
  10. O Despacho n.º 15071-A/2012 de 22 de Novembro, determinou, designadamente, que “as necessidades financeiras associadas ao cumprimento dos compromissos contratuais assumidos no âmbito da parceria estabelecida com a C..., S. A., e à capacitação das entidades participantes no programa ...,… são assegurados pelo Instituto de Apoio às Pequenas e Médias Empresas e Inovação, I. P. (IAPMEI, I. P.), até ao montante máximo de € 30 000 000 (trinta milhões de euros)”, e do mesmo passo autorizou o IAPMEI, I. P. a, “no exercício da sua função de acionista público da B..., S. A., entregar os referidos fundos àquela empresa, a título de prestações suplementares de capital, para reforço dos respetivos capitais próprios, na medida das necessidades específicas de investimento no projeto, devidamente fundamentadas”, ordenando que “O IAPMEI, I. P. […], realiza as prestações suplementares, na sequência de solicitação prévia da B..., S. A., a instruir com os elementos justificativos do investimento, nomeadamente os mapas financeiros previsionais, o relatório técnico e comprovativos do investimento realizado”;
  11. Esta metodologia foi reafirmada pelo Despacho n.º 9760/2016 de 1 de Agosto determinou, inter alia, que “Com vista à conclusão da participação portuguesa no programa de desenvolvimento e produção da aeronave militar de transporte multiusos..., as necessidades financeiras associadas (…) são asseguradas pelo IAPMEI — Agência para a Competitividade e Inovação, I. P. (IAPMEI, I. P.), até ao montante máximo de € 20 840 000”, fixando que “O IAPMEI, I. P., no exercício da sua função de acionista público da B..., S. A. (B..., S. A.), fica autorizado a entregar os referidos fundos àquela Empresa, a título de prestações suplementares de capital, para reforço dos respetivos capitais próprios, na medida das necessidades específicas de investimento no projeto, devidamente fundamentadas” e ordenando que “O IAPMEI, I. P. […], realiza as prestações suplementares, na sequência de solicitação prévia da B..., S.A., a instruir com os elementos justificativos da capacitação gerada e sustentável, e com o relatório técnico das atividades desenvolvidas”
  12. As determinações exaradas nos Despachos governamentais citados determinaram ao IAPMEI, no exercício da sua função de acionista público da B..., a entrega a esta sociedade dos fundos superiormente decididos a título de prestações suplementares de capital, para reforço dos capitais próprios na medida das necessidades específicas de investimento no projeto;
  13. O IAPMEI, em execução dessas determinações governamentais, transferiu as verbas pertinentes para a B... a título de prestações suplementares de capital ou por contrato de suprimento, mediante deliberações da Assembleia Geral exaradas nas respetivas atas, com específica determinação, a partir de setembro de 2015, de que tais verbas, na parte competente, sejam destinadas ao A... através da realização de prestações acessórias de capital nesta entidade.
  14. Nessa sequência, após maio de 2015 e em 2016 e 2017 não houve qualquer facturação do A... à B..., pois todas as tranches financeiras disponibilizadas pelo IAPMEI à B..., e por esta ao A..., seguiram a forma de prestações suplementares de capital na B..., com determinação da realização de prestações acessórias de capital no A... .
  15. Em virtude do acabado de expor, o A... recebeu da B... desde 16/09/2015 até ao início de 2018 um total de € 22.206.271,88 de “prestações acessórias de capital”.
  16. As quais se destinavam sempre a cobrir os custos do investimento no Programa... .
  17. Atendendo à forma como foram tituladas as transferências financeiras recebidas (prestações acessórias de capital) o A... não pôde emitir facturação à B... referente a tais recebimentos, sobre a qual incidiria IVA à taxa legal e que acresceria à matéria coletável.
  18. O procedimento financeiro que foi executado nunca foi do acordo da Administração do A..., que apenas se submeteu ao mesmo em virtude da necessidade imperiosa de financiar a execução e cumprimento dos prazos do Programa ... atentas as responsabilidades assumidas pelo Estado Português.
  19. Aliás, a situação criada com este procedimento também resultava num prejuízo efetivo do A... do ponto de vista patrimonial e reditício, atendendo a que o facto de receber os valores em causa sob a forma de prestações acessórias e não através de facturação, via assim os seus resultados líquidos anuais significativamente afetados.
  20. Pelo acabado de expor, as verbas recebidas pelo A... da parte da B... a partir de setembro de 2015, embora destinadas a financiar o preço dos serviços prestados pelo A..., foram classificadas como instrumentos de capital próprio (prestações acessórias de capital), ou capitais emprestados, não tendo, por esse motivo, dado origem a faturação de serviços por parte do A... .
  21. Em 2018 foi realizado um procedimento de Inspeção Tributária desencadeado pela AT, que detetou uma evidente irregularidade, quer em sede de IVA, quer em sede de IRC, e despoletou a necessidade de resolução e de regularização da situação por parte do Governo e do IAPMEI, com a regularização imediata da facturação, pagamento do IVA correspondente, e facturação dos serviços que tinham de ser faturados.
  22. Na sequência da publicação da RCM n.º 73/2018 de 7 de junho foi proferido o Despacho n.º 5976/2018 dos Ministros da Defesa Nacional e da Economia e do Secretário de Estado do Orçamento, datado de 7 de junho de 2018 e publicado no Diário da república, 2.ª Série, n.º 116 de 19 de junho de 2018 que determinou  que “As necessidades financeiras associadas ao cumprimento dos compromissos contratuais assumidos no programa ... no âmbito da parceria estabelecida com a C..., S. A., são asseguradas pelo IAPMEI — Agência para a Competitividade e Inovação, I. P., (IAPMEI, I. P.) até ao montante máximo de € 10.193.954,53 (dez milhões, cento e noventa e três mil, novecentos e cinquenta e quatro euros e cinquenta e três cêntimos”, ordenando que tais fundos sejam entregues à B... “a título de prestações suplementares de capital, para reforço dos respetivos capitais próprios, na medida das necessidades decorrentes da conclusão da certificação operacional final (FOC) do Programa”;
  23. No mesmo  Despacho n.º 5976/2018 se determina, adicionalmente, que o montante máximo de despesa autorizado seja exclusivamente afeto “às atividades promovidas pela B..., S. A., individualmente ou com outras entidades, relacionadas com a participação no Programa ..., visando prosseguir qualquer dos seguintes objetivos: a) Capacitação técnica e humana da B..., S. A., … associadas à conclusão da Certificação Operacional Final (FOC) até ao valor máximo de € 5 911 712,13 (…); b) Reversão integral das importâncias pagas a título de prestações acessórias de capital para rendimento, verificadas desde final do 2.º trimestre de 2015 até 2017, até um valor máximo de € 4 282 242,40 (…).[Sublinhado e ênfase da Requerente]
  24. Na sequência desta determinação governamental e para regularizar a situação existente, o A... e a B... estabeleceram a metodologia que permitiu regular a emissão de facturação em 2018 para reversão das prestações acessórias, com a regularização integral do IVA e inclusão de tais proveitos nos resultados do A... .
  25. Em 23/08/2018 foi estabelecido entre a B... e o A... um “Acordo de Remuneração de Prestação de Serviços” que teve por objetivo rever a totalidade dos acordos anteriormente estabelecidos no que respeita à forma de remuneração do A... e clarificar os critérios de cálculo de tal remuneração, de modo a ficarem bem estabelecidas e claras as obrigações das partes a este propósito até conclusão do Programa ... .
  26. Nessa sequência, e mediante o recebimento (via IAPMEI e B...) das verbas a tal consignadas pelo supra referido Despacho governamental, os impostos devidos foram pagos, incluindo os respetivos juros compensatórios e moratórios.
  27. E o A... procedeu, finalmente ao fecho e apresentação das Contas referentes aos exercícios de 2016 e 2017.
  28. Todavia, na ação inspetiva da AT realizada em 2022, incidente sobre o exercício de 2018, foram assinaladas desconformidades na consideração integral, como lucro tributável do exercício em 2018, da totalidade dos proveitos oriundos do Programa ... .
  29. E é neste plano que surge o litígio sub judice:  o plano da contabilização da totalidade dos proveitos que devem ser considerados no lucro tributável para IRC de 2018.
  30. Argumenta a IT que do lado dos recebimentos o contribuinte considerou que o valor recebido ascendeu a apenas 2.530.600 EUR, incluindo o correspondente à fatura n.º 2019/146, que, atendendo à aproximação de valores consideramos tratar-se do acréscimo de rendimentos reconhecido na contabilidade e tributado em sede de IRC em 2018 (cf. Quadro 46 do RIT).
  31. Mais refere que se desconhecem os motivos que subjazem à não inclusão naquele montante do rendimento subjacente às faturas emitidas em 2018, a seguir identificadas: 271/2018; 297/2018 e 309/2018 (vide Quadro 49 do RIT). [Cumpre aqui proceder a uma primeira e pequena correção pois o valor que o contribuinte considerou do lado dos rendimentos não é de 2.530.600 EUR, mas sim 2.531.600 EUR]
  32. Os quadros apresentados em sede de direito de audição pela Requerente refletem:
  1. O primeiro, o total dos rendimentos declarados em sede de IRC e relativos ao Programa ..., cuja construção se baseia nas declarações fiscais apresentadas e/ ou correções efetuadas às mesmas pela AT em anteriores inspeções, para efeitos de tributação até 2018 e,
  2. O segundo, refere-se ao montante efetivamente recebido do Programa ..., e que corresponde a prestação de serviços realizados até 31 de dezembro de 2018, que é construído numa ótica de alocação de montantes recebidos aos anos a que respeitam os serviços subjacentes que os justificam.
  1. Desta forma, a afirmação da IT de que “…seguramente que, para que os dois totais – Rendimento ... total versus Rendimento ... tributado em sede de IRC – possam ser comparáveis, estas faturas têm que ser incluídas no Total de Rendimentos ...” não faz qualquer sentido dado não estarmos, ao contrário do referido, a comparar rendimento versus rendimento, mas sim valor recebido versus rendimento declarado.
  2. Neste contexto, acrescenta a IT que desconhece os motivos que subjazem à não consideração naquele montante (de 2.531.600 EUR), do rendimento subjacente às faturas emitidas e recebidas em 2018, todas elas referentes a serviços prestados no âmbito do programa ..., no total 2.666.916,26 EUR.
  3. Estão aqui postas em crise as seguintes faturas:
  1. FA n.º 271/ 2018 no valor de 1.626.016,26 EUR (Doc. 4)
  2. FA n.º 297/ 2018 no valor de 797.300 EUR
  3. FA n.º 309/ 2018 no valor de 243.600 EUR

                                            TOTAL:                                2.666.916,26 EUR

 

  1. Se relativamente às faturas 297 e 309 ambas de 2018 a análise não é tão evidente, relativamente à fatura 271/2018, a leitura linear do conteúdo da mesma, permitiria perceber a razão pela qual a conclusão da IT quanto à pressuposta necessidade de inclusão do rendimento no ano de 2018 para efeitos de IRC, não está correta.
  2. Efetivamente, as faturas referidas não constam, nem devem constar, como rendimento de 2018, na medida em que foram todas elas, sem exceção, objeto de anulação em 2019, com emissão de nova faturação, esta sim relacionada com prestação de serviços que, quando respeitante a 2018, foi incluída nos recebimentos considerados (grifado da Requerente).

Assim:

 

  1. A FA n.º 271/ 2018 no valor de 1.626.016,26 EUR (acrescido de IVA)
  2. Corresponde ao valor de quota suplementar no âmbito do desenvolvimento do programa disponibilizada nos termos do Despacho n.º 954/2018 de 8 de junho, em conformidade com o qual o montante deveria ser canalizado para redução da dívida financeira do A... .
  3. O montante disponibilizado com aquela finalidade e a título de quota suplementar, foi faturado pela Requerente constituindo e considerado como adiantamento sobre trabalho a realizar.
  4. De facto, não cabia à B... disponibilizar verbas ao A... no âmbito do Programa ... para reduzir passivos bancários, devendo sim a respetiva disponibilização de verbas ser justificada com a prestação de serviços que a Requerente teria, naturalmente, de justificar.
  5. Assim ocorreu através da emissão das seguintes notas de crédito à fatura n.º 271/2018 e correspondente emissão de faturas de prestação de serviços efetivos no âmbito do Programa, conforme se segue:
  1. - Nota de Crédito n.º 2019/3 no valor de 907.600 EUR (acrescidos de IVA), de 22/04/2019, por regularização de adiantamento por serviços prestados no âmbito do Programa ... de agosto de 2018 a dezembro de 2018 (Doc. 5);
  2. -  Fatura FA 2019/146 de 22/4/2019 no valor de 907.600 EUR (acrescidos de IVA), referentes a Prestação de serviços no âmbito do Programa ... de agosto de 2018 a dezembro de 2018 (Doc. 6);
  3. - Nota de Crédito n.º 2019/4 no valor de 410.400 EUR (acrescidos de IVA), de 22/04/2019, por regularização de adiantamento por serviços prestados no âmbito do Programa ... de janeiro de 2019 a março de 2019 (Doc. 7);
  4. - Fatura FA 2019/148 de 22/4/2019 no valor de 410.400 EUR (acrescidos de IVA), referentes a Prestação de serviços no âmbito do Programa ... de janeiro de 2019 a março de 2019 (Doc. 8)
  5. - Nota de Crédito n.º 2019/23 no valor de 308.000 EUR (acrescidos de IVA), de 31/12/2019, por regularização de adiantamento por serviços prestados no âmbito do Programa ... de abril de 2019 a maio de 2019; (Doc. 9)
  6. - Fatura FA 2019/508 de 31/12/2019 no valor de 308.000 EUR (acrescidos de IVA), referentes a Prestação de serviços no âmbito do Programa ... de abril de 2019 a maio de 2019 (Doc. 10).
  7. Assim é que, no que respeita à fatura da quota suplementar titulada pela FA n.º 271/ 2018 no valor de 1.626.016,26 EUR (acrescido de IVA), apenas o valor de 907.600 EUR, referente à fatura FA 2019/146 de 22/4/2019, respeita a serviços prestados em 2018, sendo o restante valor do adiantamento regularizado com serviços prestados em 2019.

 

b) A FA n.º 297/ 2018 no valor de 797.300 EUR de 17/07/2018 e a FA n.º 309/ 2018 no valor de 243.600 EUR de 01/8/2018

  1. Quanto às faturas: FA n.º 297/ 2018 (Doc. 11) e FA n.º 309/ 2018 (Doc. 12), as mesmas foram emitidas nos meses de julho e agosto de 2018, numa altura em que o valor da Margem Comercial estava ainda a ser negociado;
  2. Sendo que o acordo foi concluído em julho de 2018, sendo formalizado com a assinatura do “Acordo de remuneração de prestação de serviços” em 23 de julho de 2018, conforme é do conhecimento da IT.
  3. As referidas faturas resultaram, à data, das necessidades de investimento no Programa ... e da capacidade limitada do A... em aportar mais recursos financeiros próprios ao mesmo, levando à tentativa de antecipação de recebimento parcial da margem comercial em negociação.
  4. Foram, neste contexto, emitidas as faturas em apreço, ambas referentes a valor de margem comercial, sendo a FA n.º 297/ 2018 relativa a margem comercial no período “parcial de março de 2017 a final de junho de 2017”, e a FA n.º 309/ 2018, relativa a margem comercial referente ao período restante de março de 2017 (conforme faturas em anexo – Docs. 11 e 12).
  5. O valor destas faturas foi efetivamente recebido.
  6. Contudo, e como é do conhecimento da IT, a margem comercial foi negociada com um valor global, apurado para todo o período aplicável, entendendo a B... e o IAPMEI que, neste contexto, estas faturas deviam ser anuladas por falta de enquadramento, na medida em que a margem total negociada seria paga integralmente, e de uma só vez, incluindo a respeitante aos períodos contidos naquelas faturas.
  7. Tal viria a ocorrer em dezembro de 2018, data em que foram recebidos 12.042.462,97 EUR, correspondendo à margem comercial do período de outubro de 2011 a novembro de 2017, contemplando, por isso, o período compreendido nas faturas 297 e 309 cujo valor passou a ser considerado pago em duplicado e surgindo por isso a necessidade de anulação.
  8. Assim e por este motivo, o recebimento associado às faturas em apreço passou a ser tratado como um adiantamento por conta de serviços a prestar.
  9. Em sequência, o A... viria a proceder à anulação das faturas, através da emissão das seguintes notas de crédito:
    1. - Nota de Crédito n.º 2019/24, de 31/12/2019, no valor de 797.300 EUR (acrescidos de IVA) (Doc. 13), para regularização do adiantamento por serviços prestados e;
    2. - Nota de Crédito n.º 2019/25, de 31/12/2019, no valor de 243.600 EUR (acrescidos de IVA) (Doc. 14), para regularização do adiantamento por serviços prestados;
  10. A regularização foi concluída com emissão da fatura FA 2019/509 de 31/12/2019, no valor total de 1.040.900 EUR (797.300 EUR + 243.600 EUR) (Doc. 15), onde foram faturados os serviços prestados no âmbito do Programa ... no período de junho de 2019 a dezembro de 2019.

EM CONCLUSÃO

  1. Pelos motivos detalhados supra, o montante de 2.666.916 EUR, do rendimento subjacente às faturas emitidas em 2018, referentes a serviços prestados no âmbito do programa ..., postas em crise as pela IT, conformaram, na realidade, adiantamentos por conta de serviços a prestar.
  2. A única fatura decorrente da regularização destes adiantamentos que, de facto, corresponde à faturação de serviços prestados compreendidos até dezembro de 2018, é a FA 2019/146 de 22/4/2019 no valor de 907.600 EUR (acrescidos de IVA), referentes a Prestação de serviços no âmbito do Programa ... de agosto de 2018 a dezembro de 2018, sendo que o respetivo valor está já considerado nos 2.531.600 EUR dos recebimentos associados ao Programa ..., constantes do quadro apresentado no direito de audição em sede de relatório preliminar.
  3. De facto, o montante de 2.531.600 EUR dos recebimentos de 2018, considerados no quadro apresentado no direito de audição em sede de relatório preliminar, respeitam às seguintes faturas/ valores, referentes a trabalhos desenvolvidos no Programa ... em 2018: 
    1. FA n.º 2018/232 de 08/06/2018, no valor de 2.270.500 EUR (acrescida do IVA) - Prestação de serviços no âmbito do Programa ... de dezembro 2017 e de janeiro a maio de 2018 e margem comercial dos serviços prestados entre setembro e novembro 2017, sendo o valor de 2018 incluído no rendimento de 1.124.400 EUR (Doc. 2);
    2. FA n.º 2018/296 de 17/07/2018, no valor de 244.000 EUR (acrescida do IVA) - Prestação de serviços no âmbito do Programa ... de junho de 2018;
    3. FA n.º 2018/310 de 01/08/2018, no valor de 255.600 EUR (acrescida do IVA) - Prestação de serviços no âmbito do Programa ... de julho de 2018;
    4. FA n.º 2019/146 de 22/4/2019, no valor de 907.600 EUR (acrescida do IVA) - Prestação de serviços no âmbito do Programa ... de agosto de 2018 a dezembro de 2018
  4. Temos assim: 1.124.400 EUR + 244.000 EUR + 255.600 EUR + 907.600 EUR = 2.531.600 EUR
  5. Para efeitos de clarificação, a fatura FA n.º 2018/232 de 08/06/2018, no valor de 2.270.500 EUR (acrescida do IVA), suprarreferida – contempla a faturação de 3 componentes, a saber:
    1. Prestação de serviços no âmbito do Programa ... de dezembro 2017 no valor de 348.800 EUR (acrescido do IVA), incluídos nos recebimentos associados a serviços de 2017;
    2. Prestação de serviços no âmbito do Programa ... de janeiro 2018 a maio de 2018 no valor de 1.124.400 EUR (acrescido do IVA), incluídos nos recebimentos associados a serviços de 2018;
    3. Margem comercial dos serviços prestados entre setembro e novembro 2017, no valor de 797.300 EUR (acrescido do IVA), numa tentativa de antecipação do valor que estava em negociação, tendo esta componente sido objeto de anulação pela NC n.º 2018/22 de 29/06/2018. (Doc. 3)
  6. Pelo exposto o montante a considerar para efeitos de acréscimo de rendimento ainda não sujeito a IRC em 2018, e aceitando parcialmente as correções propostas em sede de resposta da IT ao direito de audição apresentado pelo A..., o valor de:        

Total de Acréscimo à Matéria Coletável sujeita a IRC = 1.853.996,54 EUR, resultando da soma: 271.442,76 EUR + 1.285.246,71 EUR + 297.307,07 EUR sendo:

271.442,76 EUR por originalmente apurados pela Requerente (em sede de direito de audição);1.285.246,71 EUR de acréscimo de rendimentos dos anos 2011 a 2013, conforme proposto pela IT; 297.307,07 EUR anulação de acréscimo de rendimentos efetuada em 2016, conforme proposto pela IT).

 

  1. Resulta assim um valor de ajustamento à margem comercial faturada em 2018 e não tributada em sede de IRC, no valor de 1.853.996,54 EUR e não de 4.367.581,14 EUR, conforme incorretamente proposto em sede de Relatório Final da IT.
  2. E consequentemente a liquidação é ilegal, por violação do disposto no n.º 1 do artigo 17.º do CIRC, tendo sido violada a regra da determinação do lucro tributável pela soma algébrica dos rendimentos – pelo que se impõe a respetiva anulação na parte impugnada.
  3. E consequentemente deveria a AT ter emitido uma correcção ao lucro tributável de apenas € € 1.853.996,54.
  4. O que determinaria uma redução do imposto liquidado pela AT na respectiva proporção.
  5. A contribuinte já procedeu ao pagamento integral, em 23-1-2023, da liquidação e por esta razão e em consequência da declaração de anulação parcial dessa liquidação, a Contribuinte tem direito a que lhe sejam pagos juros indemnizatórios nos termos legais sobre o valor de imposto pago a mais, juros estes calculados desde a data de pagamento – 23/01/2023 - até à data da sua devolução à Contribuinte.

 

  1. Os árbitros que integram este Tribunal foram regularmente nomeados pelas partes (os árbitros adjuntos) e pelo Conselho Deontológico do CAAD (o presidente do Tribunal), nos termos dos  artigos 6º-2/b), 10º-2/g) e 11º-2, do RJAT, todos tendo aceite o encargo.
  2.  O Tribunal ficou constituído no dia 8-8-2023.
  3. Procedeu-se, em audiência, à inquirição de testemunhas arroladas pela Requerente (cfr ata de 10-11-2023).
  4. Por decisão do Tribunal na citada diligência de 10-11-2023, foi determinado à Requerente que juntasse aos autos as faturas que titulam a totalidade do valor da margem comercial que, conforme mencionado no relatório da inspeção tributária (RIT) totalizam o valor de €15.542.462,97, concedendo um prazo de vista à Requerida (15 dias) após efetiva junção.
  5. Em execução desta decisão, a Requerente juntou, em 16-11-2023, duas faturas que totalizam a importância de 15.542.462,97 ‚ (a que acresceu IVA) e respeitantes à margem comercial inerente à prestação de serviços de engenharia no âmbito do programa ...: fatura nº 2018/513 de 18-12-2018, na importância de 12.042.462,97 + IVA, e da fatura nº  2019/225 de 26/06/2019 no valor de 3.500.000,00+IVA;
  6. Pronunciando-se sobre estes documentos veio a AT alegar que “(...)deverá salientar-se que as faturas em causa não estiveram na origem de qualquer correção à matéria tributável efetuada pelos SIT. Por outro lado, a Requerente limitou-se a juntar duas faturas desacompanhadas de quaisquer elementos contabilísticos, designadamente os respetivos extratos de conta, que provem o seu efetivo registo, bem como que demostrem se e quando ocorreu a tributação dos rendimentos titulados pelas faturas. Disto isto, não é possível retirar de duas faturas apresentadas em singelo quaisquer conclusões quanto à forma como ocorreu a sua contabilização e, consequentemente, de que forma influenciaram o apuramento do resultado (...)”
  7. Ambas as partes apresentaram, por escrito, as suas alegações finais (juntas em 27-12-2023 e 3-1-2024).
  8. Por despachos de 5-2-2204 e 4-4-2024, foi prorrogado com as justificações espelhadas nesses despachos, o prazo previsto no artigo 21º, do RJAT.

 

Resposta da AT

 

  1. Defendendo-se por impugnação alega a AT, no essencial e em síntese, na Resposta apresentada em 12-9-2023:
    1. Conforme refere o RIT, o Programa ... respeita ao desenvolvimento e produção de uma aeronave de transporte multiusos ... pela C... S.A. (C...).
    2. De acordo com o RIT, «a participação portuguesa no programa de desenvolvimento e produção da aeronave de transportes multiusos ..., esteve desde o seu início determinada e enquadrada por sucessivas Resoluções do Conselho de Ministros (RCM), entre as quais, se destacam a RCM n.o 78/2010, de 12-10; RCM no 42/2011, de 11-10; RCM no 63/2012, de 17-07; RCM 78/2015, de 21-09; RCM 35/2016, de 17-06; e, mais recentemente, a RCM 109/2017, de 27-07 e RCM 73/2018, de 07-06.
    3. Tais Resoluções determinaram os objetivos e compromissos assumidos pelo Estado Português no âmbito do “Programa...” e autorizaram a correspondente realização de despesa através da afetação de verbas ao IAPMEI, a inscrever no seu orçamento, nos termos definidos nos seguintes Despachos Governamentais (descritos no RIT): Despacho n.o 15136/2011, de 9-11, Despacho n.o 15071-A/2012, de 22-11, Despacho n.o 1824-A/2015, de 19-02 e Despacho 9760/2016, de 01/08;
    4. O financiamento do Programa foi marcado e agravado por mudanças sucessivas ao nível do modelo de financiamento que iam provocando movimentos económicos, financeiros e contabilísticos de reconhecimento, retificação e anulação, tornando complexo o seguimento do encadeamento das operações registadas.
    5. De acordo com o RIT, os Sucessivos Despachos «foram emitidos ao longo do período de execução do “Programa ...” e determinaram, entre outros, o modo de execução financeira da disponibilização das verbas públicas atribuídas, nomeadamente, determinando ao IAPMEI a atribuição de tais verbas à B..., S.A. NIF ... (adiante apenas B...) como entidade coordenadora da participação portuguesa no Programa.
    6. O IAPMEI, no exercício da sua função de acionista público da B..., entregou a esta sociedade os fundos superiormente decididos a título de prestações suplementares de capital, para reforço dos capitais próprios na medida das necessidades específicas de investimento no programa. Para levar por diante a sua missão, a B... subcontratou ao A... todas as obrigações assumidas perante a C... nos termos do Engineering Development Agreement (...)»;
    7. Em 23 de julho de 2018, a B... e o A... celebraram um acordo que «alterou todos os acordos celebrados até então na parte que respeita à remuneração do A... e ao critério do seu cálculo, mantendo-se, porém, integralmente em vigor todos os demais direitos e obrigações contratualizados na medida em que não fossem incompatíveis com o estipulado. Este acordo reviu a forma de remuneração do A... com efeitos desde o início da sua intervenção no programa, passando a considerar que tal remuneração seria calculada ao valor de mercado das horas de engenharia despendidas pelo A... até então (...). O “Programa...” passava agora a ser encarado numa ótica de risco comercial como um qualquer projeto, do género, desenvolvido pelo A...».
    8. Foi acordado pelas partes que a margem comercial dos Serviços prestados pela Requerente desde o início, i.e. 2011, até novembro de 2017 se fixava em € 15 542 462,97 (cfr. quadro 10 do RIT);
    9. Foi acordado, relativamente aos serviços a prestar pelo A... entre 1 de dezembro de 2017 e 31 de dezembro de 2018, que a B... teria de pagar ao A... a quantia de € 4.403.831,00, acrescida de IVA á taxa normal em vigor».
    10. Resulta ainda  do RIT que «No seguimento do “Acordo de remuneração de prestação de serviços” de 23 de julho (...) o A... [aqui Requerente] emitiu em 18 de dezembro de 2018 à B... a fatura FA 2018/513, no montante global de € 12.042.462,97, acrescida de IVA à taxa normal (...) correspondendo, nos termos do acordo (...) à margem comercial determinada ainda não faturada e/ou recebida até àquela data».
    11. A «fatura FA 2018/513 foi reconhecida a débito da conta de cliente da B... (conta SNC 211110001), por contrapartida da conta SNC 27211302 “Prestação de serviços a faturar - Medidas alternativas”, subentendendo-se que tais valores já haviam sido reconhecidos como rendimento em anos anteriores, e, consequentemente, nesses períodos tributados em sede de IRC».
    12. Não foi assim reconhecido, com referência a esta fatura, qualquer rendimento no período de 2018 [grifado do Tribunal].
    13. Para efeitos de confirmação que tais rendimentos haviam efetivamente sido objeto de reconhecimento contabilístico e tributação em sede de IRC nos respetivos anos a que respeitam, os SIT procederam à análise da informação e das conclusões extraídas no âmbito das ações de Inspeção desenvolvidas sobre os períodos tributários de 2014 a 2016 e ainda da informação disponibilizada pela Requerente com referência a 2017;
    14. Tendo concluído que, de 2011 a novembro de 2017, a Requerente tinha calculado uma Margem Comercial de € 15 542 462,97, mas que apenas havia considerado para efeitos de tributação o montante de € 9 207 360, 21;
    15. O que motivou a proposta de levar à tributação em 2018 o montante da diferença ainda não tributada, i.e. motivou a proposta de correção notificada à Requerente em projeto de decisão, no montante de € 6 335 102,76 (vide quadro 14 do RIT), com fundamento no disposto no artigo 17º, do CIRC, por remissão do disposto no artigo 32º do CIRS, e no nº 2 do artigo 18º também do CIRC.
    16. Decorrente dos argumentos e elementos trazidos pela ora Requerente no exercício do seu direito de audição, no âmbito da ação inspetiva ao exercício aqui em questão: 2018, o valor corrigido viria a fixar-se no montante de € 4 367 581,14;
    17. Do vertido no RIT e do alegado pela Requerente no seu Pedido de Pronuncia Arbitral, retira-se estar em causa o apuramento do montante de rendimento obtido/recebido referente às faturas emitidas em 2018, com respeito aos serviços prestados no âmbito do Programa ..., sujeitos a tributação e não isentos, ainda não oferecidos à tributação, que os SIT apuraram no montante de € 2 666 916,26 e que a Requerente defende não serem devidos na totalidade, entendendo, antes, que da correção efetuada no montante de € 4 367 581,14, importa apenas em € 1 853 996,54 (sublinhado do Tribunal);
    18. Ora, deverá salientar-se que não esteve em causa em sede inspetiva (após o exercício do direito de audição), nem está em causa na presente ação arbitral a metodologia de apuramento de tais rendimentos, convergindo as partes (cfr RIT, aquando da análise em direito de audição, e § 8º e 13º da p.i. da Requerente) quanto ao apuramento da margem comercial não tributada em sede de IRC com base numa análise global do “Programa ...” e também quanto ao enquadramento jurídico das verbas recebidas a título de rendimento.
    19. Está somente em causa, atenta a metodologia seguida e aceite entre as partes, a questão de saber quais os rendimentos faturados em 2018, que respeitam a rendimentos de 2018, de acordo com o princípio da especialização dos exercícios, nomeadamente nas três faturas (n.º 271/2018 no montante de €1 626 016,26, n.º 297/2018 no montante de € 797 300,00 e n.º 309/2018 no montante de € 243.600,00), ainda não dados à tributação até este período, inclusive. (sublinhado do Tribunal)
    20. Na exposição de exercício do direito de audição, cfr. RIT, a Requerente veio defender que:

“(...)  atendendo à complexidade e mudanças constantes verificadas no quadro legislativo e no modelo de financiamento do “Programa ...”, a análise dos montantes eventualmente omitidos à tributação em sede de IRC deve ser feita de forma global e não focada na questão da margem comercial, por esta última (análise) desconsiderar “eventuais valores já declarados” ou corrigidos anteriormente, mesmo que não diretamente relacionados com aquela;

“(...) um dos motivos para a divergência verificada entre o valor proposto pela IT e o valor que o contribuinte determina, [é] um ajustamento efetuado pela IT no âmbito da ação inspetiva ao período de 2016, incluindo como rendimento de 2016 a totalidade das despesas de investimento incorridas no próprio período, e não, proporcionalmente às depreciações, como alegadamente o A... fazia, tratando a parte do preço atribuída à capacitação como se de um subsídio ao investimento, se tratasse. Não invoca outros motivos»;

“(...)Por outro lado, estando certo de que, no âmbito das ações inspetivas aos anos de 2014, 2015 e 2016, não ocultou qualquer informação à IT, nomeadamente a referente ao processo de reversão das prestações acessórias e ao acordo sobre a margem comercial, o contribuinte também formou a convicção de que todos os ajustamentos tinham sido efetuados pela IT confessando-se surpreendido com as correções agora propostas relacionadas com os períodos de 2011 a 2015»;

«De acordo com a análise do contribuinte, os rendimentos tributados em sede de IRC, ao longo do período de 2011 a 2018, subjacentes aos serviços prestados no âmbito do “Programa...” entre 2011 e 2018 ascenderam a € 46.408.506,15􏰋;

- Por sua vez (...)o montante efetivamente recebido em razão da prestação de serviços no mesmo programa ascendeu a € 48.604.070,22. No entanto, atendendo a que, deste ultimo valor, o montante de € 1.924.121,31 respeita a rendimentos por serviços prestados entre 2011 a 2013, não tributados no âmbito do procedimento inspetivo levado a efeito ao período de 2016 por se considerar que a respetiva liquidação de IRC, a ser processada, encontrar-se-ia afetada pelo regime de caducidade, entende que este valor deve ser subtraído ao montante efetivamente recebido no âmbito do “Programa...”;

- Segundo a análise global efetuada pelo contribuinte, abrangendo o período de 2011 a 2018, o quadro financeiro do Programa ... é o seguinte:

􏰌 Valor total recebido ................................................................................ 48.604.070,22

􏰌 Montante não faturado por prescrição................................................... 1.924.121,31

􏰌 Rendimentos totais tributados em sede de IRC .............................46.408.506,15

􏰌 Rendimentos não tributados (IRC) em 2018-12-31: (d)=(a)-(b)-(c) €271442,76

 

  1. Analisada a informação trazida pela Requerente em sede do exercício do direito de audição, complementada com as demais informações que detinham sobre o Programa ..., os SIT entenderam, com base na argumentação exposta no RIT, -  chamando-se a atenção para o quadro 46, aí constante - que seria de adotar a metodologia alternativa no apuramento dos rendimentos sujeitos e não isentos de IRC, associados à margem faturada em 2018 e 2019, ainda não sujeitos a tributação;
  2. Porém, utilizando esta mesma metodologia, os SIT apuraram valores de rendimentos sujeitos ainda não tributados diferentes dos alegados pela Requerente.
  3. Assentou tal apuramento nos factos e fundamentos seguintes:

a) - Relativamente ao montante de 1 924 121,31, referente a valor que a Contribuinte alega tratar-se de montante concernente a serviços prestados entre 2011 e 2013, cujo direito à tributação já havia caducado, «o contribuinte apenas beneficiou da não tributação de IRC por força da caducidade relativamente ao rendimento decorrente de parte dos serviços prestados entre 2011 e 2013, recebidos á posteriori, isto é € 638.874,60 (=€ 1.924.121,31-€ 1.285.246,71) (...)Pelo que, o valor recebido no montante de € 1.285.246,71 deve sim, ser incluído no valor total recebido no âmbito do Programa ... para efeitos de apuramento do valor da margem comercial ainda não sujeita a tributação em sede de IRC, sob pena de caírem as premissas em que se aceita a presente análise»;

  1. - No tocante à anulação de “Acréscimos Rend. Medidas Alternativas” efetuado em 2016, não relevado pelo Contribuinte, o mesmo «considerou que em 2016 os rendimentos tributados em sede de IRC, decorrentes do Programa ... ascendeu a €11.401.687,53, conforme consta do Quadro 46 [do RIT]. Porém, aquele montante não inclui uma anulação de rendimentos expressamente relacionada com o financiamento por Medidas Alternativas, reconhecida na contabilidade e com impacto tributário ao nível da Tributação em sede de IRC (...)”

«Em face do exposto o valor dos rendimentos tributados em sede de IRC, em 2016, decorrentes do Programa ... ascendeu a 11.104.380,46 (=€ 11.401.687,53 - € 297.307,07) e não  € 11.401.687,53 como invoca o A...»; Assim sendo, o total dos rendimentos reconhecidos na contabilidade tributados em sede de IRC, até 2018  -  12- 31,  ascendeu a € 46 111 199,08 e não a € 46 408 506, 15 (mercê da diferença de € 297 307,07);

  1.  Com referência a omissão do valor recebido referente a faturas emitidas em 2018 e exclusão de acréscimo de rendimento efetuado indevidamente, «O A... considerou a título de rendimentos tributados em IRC, em 2018, decorrentes do Programa ... o montante de € 5.406.566,82, tendo sido € 4.290.916,26, efetivamente objeto de faturação (valor que exclui parte da Fatura nº FA 232/2018, no montante de € 348.800,00, por se tratar de rendimento objeto de acréscimo em 2017) e, os demais por acréscimo de rendimento». «Porém, do lado dos recebimentos, considerou que o valor recebido ascendeu a apenas € 2.530.600,00, incluindo o correspondente à fatura nº 2019/146, que, atendendo à aproximação de valores considera[-se] (...) tratar-se do acréscimo de rendimentos reconhecido na contabilidade e tributado em sede de IRC em 2018 (cf. Quadro 46 do RIT)». «Desconhecem[-se]((...) os motivos que subjazem à não inclusão naquele montante  nos € 2.530.600,00 do rendimento subjacente às faturas emitidas em 2018, abaixo identificadas, todas elas referentes a serviços prestados no âmbito do Programa ...:

 

Faturas n.º

Valor sem IVA (€)

271/2018

1 626 016,26

297/2018

797 300,00

309/2018

243 600,00

Total

2 666 916,26

 

  1. ...mas seguramente que, para que os dois totais - Rendimento ... total versus Rendimento ... tributado em sede de IRC - possam ser comparáveis, estas faturas têm de ser incluídas no Total de Rendimentos  ...».
  2. «Por outro lado, de acordo com os factos e fundamentos descritos no ponto a seguir (III.) confirmamos que o contribuinte acresceu indevidamente rendimentos no montante de € 153.331,66 relacionados com o ..., o que será tido em conta em benefício do sujeito passivo inspecionado». Após análise dos argumentos invocados pelo contribuinte em sede de direito de audição, a IT conclui que o valor da margem comercial faturada em 2018, não tributada em sede de IRC, a acrescer aos rendimentos sujeitos e não isentos de IRC para efeitos de apuramento da matéria coletável sujeita a tributação ascende a (cfr. quadro 50 do RIT):

 

 

Descrição

Valor (€)

Rendimentos ... não tributados em sede de IRC em 2018-12-31 – Ótica do A... (1)

           271 442,76

a) Valor recebido no âmbito do “Programa ...” excluído pelo Sujeito Passivo

       + 1 285 246,71

b) Anulação de “Acréscimos Rend. Medidas Alternativas” efetuado em 2016, não relevado pelo contribuinte

         + 297 307,07

c) Omissão do valor recebido referente às faturas emitidas em 2018 e exclusão de acréscimo de rendimento efetuado indevidamente

      + 2 666 916,26

          - 153 331,66

Margem comercial faturada em 2018 não tributada em sede de IRC (= (1) + a) + b) + c)

         4.367.581,14

 

  1. Não se conformando com o montante da correção efetuada pelos SIT, vem a Requerente alegar, em síntese, o seguinte, referindo que do valor total corrigido de € 4 367 581,14 apenas aceita a correção do montante de € 1 853 996,54 (vide §s 14 a 19º da p.i.);
  2. Defende a Requerente que as faturas n.ºs 271/2018; 297/2018 e 309/2018]

não constam, nem devem constar, como rendimento de 2018, na medida em que foram todas elas, sem exceção, objeto de anulação em 2019, com emissão de nova faturação, esta sim relacionada com prestação de serviços que, quando respeitante a 2018, foi incluída nos recebimentos considerados»;

  1. Relativamente à Fatura n.º 271/2018, no valor de € 1 626 016, 26, a mesma

«corresponde ao valor de quota suplementar no âmbito do desenvolvimento do programa disponibilizada nos termos do Despacho n.º 954/2018 de 8 de junho, em conformidade com o qual o montante deveria ser canalizado para redução da dívida financeira do A...»;

  1. ... e que, «o montante disponibilizado com aquela finalidade e a título de quota suplementar, foi faturado pela Requerente constituindo e considerado como adiantamento sobre trabalho a realizar»;
  2. ... e que, «[d]e facto, não cabia à  B... disponibilizar verbas ao A... no âmbito do Programa ... para reduzir passivos bancários, devendo sim a respetiva disponibilização de verbas ser justificada com a prestação de serviços que a Requerente teria, naturalmente, de justificar»;
  3. E ainda que, «[a]ssim ocorreu através da emissão das seguintes notas de crédito à fatura n.º271/2018 e correspondente emissão de faturas de prestação de serviços efetivos no âmbito do Programa, conforme se segue:

(i) Nota de Crédito n.º 2019/3 no valor de 907.600 EUR (acrescidos de IVA), de 22/04/2019, por regularização de adiantamento por serviços prestados no âmbito do Programa ... de agosto de 2018 a dezembro de 2018 (DOC. 5);

(ii) Fatura FA 2019/146 de 22/4/2019 no valor de 907.600 EUR (acrescidos de IVA), referentes a Prestação de serviços no âmbito do Programa ... de agosto de 2018 a dezembro de 2018 (Doc. 6);

(iii) prestados Nota de Crédito n.º 2019/4 no valor de 410.400 EUR (acrescidos de IVA), de 22/04/2019, por regularização de adiantamento por serviços no âmbito do Programa ... de janeiro de 2019 a março de 2019 (Doc. 7);

(IV) Fatura FA 2019/148 de 22/4/2019 no valor de 410.400 EUR (acrescidos de IVA), referentes a Prestação de serviços no âmbito do Programa ... de janeiro de 2019 a março de 2019 (Doc. 8);

(V) Nota de Crédito n.º 2019/23 no valor de 308.000 EUR (acrescidos de IVA), de 31/12/2019, por regularização de adiantamento por serviços prestados no âmbito do Programa ... de abril de 2019 a maio de 2019; (DOC. 9);

(VI) Fatura FA 2019/508 de 31/12/2019 no valor de 308.000 EUR (acrescidos de IVA), referentes a Prestação de serviços no âmbito do Programa ... de abril de 2019 a maio de 2019 (Doc. 10).

  1.  Desta forma, e no que respeita à fatura da quota suplementar titulada pela FA n.º 271/ 2018 no valor de 1.626.016,26 EUR (acrescido de IVA), apenas o valor de 907.600 EUR, referente à fatura FA 2019/146 de 22/4/2019, respeita a serviços prestados em 2018, sendo o restante valor do adiantamento regularizado com serviços prestados em 2019».
  2. No tocante às faturas FA n.º 297/ 2018 no valor de 797.300 EUR de 17/07/2018 e FA n.º 309/ 2018 no valor de 243.600 EUR de 01/8/2018, a Requerente alega que as mesmas «foram emitidas nos meses de julho e agosto de 2018, numa altura em que o valor da Margem Comercial estava ainda a ser negociado»; sendo que o acordo foi concluído em julho de 2018, tendo sido formalizado com a assinatura do "Acordo de remuneração de prestação de serviços" em 23 de julho de 2018, conforme é do conhecimento da IT»;
  3. Refere que, «[a]s referidas faturas resultaram, à data, das necessidades de investimento no Programa ... e da capacidade limitada do A... em aportar mais recursos financeiros próprios ao mesmo, levando à tentativa de antecipação de recebimento parcial da margem comercial em negociação» ...
  4. ... que «[f]oram, neste contexto, emitidas as faturas em apreço, ambas referentes a valor de margem comercial, sendo a FA n.º 297/ 2018 relativa a margem comercial no período "parcial de março de 2017 a final de Junho de 2017", e a FA n.º 309/ 2018, relativa a margem comercial referente ao período restante de março de 2017 (conforme faturas em anexo - Docs. 11 e 12)»., e que
  5. «[o] valor destas faturas foi efetivamente recebido» (...) «Contudo (…) a margem comercial foi negociada com um valor global, apurado para todo o período aplicável, entendendo a B... e o IAPMEI que, neste contexto, estas faturas deviam ser anuladas por falta de enquadramento, na medida em que a margem total negociada seria paga integralmente e de uma só vez, incluindo a respeitante aos períodos contidos naquelas faturas».
  6. ...«[t]al [pagamento da margem negociada] viria a ocorrer em dezembro de 2018, data em que foram recebidos 12.042.462,97 EUR, correspondendo à margem comercial do período de outubro de 2011 a novembro de 2017, contemplando, por isso, o período compreendido nas faturas 297 e 309 cujo valor passou a ser considerado pago em duplicado e surgindo por isso a necessidade de anulação».
  7. E, por este motivo, o recebimento associado às faturas em apreço passou a ser tratado como um adiantamento por conta de serviços a prestar»,
  8. E «[e]m sequência, o A... viria a proceder à anulação das faturas, através da emissão das seguintes notas de crédito:

a)        - Nota de Crédito n.º 2019/24, de 31/12/2019, no valor de 797.300 EUR (acrescidos de IVA) (Doc. 13), para regularização do adiantamento por serviços prestados e

b)        - Nota de crédito n.º 2019/25, de 31/12/2019, no valor de 243.600 EUR (acrescidos de IVA) (Doc. 14), para regularização do adiantamento por serviços prestados».

  • A Requerente alega que a «regularização foi concluída com a emissão da fatura FA 2019/509 de 31/12/2019, no valor total de 1.040.900 EUR (797.300 EUR + 243.600 EUR) (Doc 15), onde foram faturados os serviços prestados no âmbito do Programa ... no período de junho de 2019 a dezembro de 2019».
  • A título de conclusão, a Requerente defende que, «pelos motivos antes detalhados, o montante de 2.666.916 EUR, do rendimento subjacente às faturas emitidas em 2018, referentes a serviços prestados no âmbito do programa ..., postas em crise pela IT, conformaram, na realidade, adiantamentos por conta de serviços a prestar» e que, continua,
  • ... «[a] única fatura decorrente da regularização destes adiantamentos que, de facto, corresponde à faturação de serviços prestados compreendidos até dezembro de 2018, é a FA 2019/146 de 22/4/2019 no valor de 907.600 EUR (acrescidos de IVA), referentes a Prestação de serviços no âmbito do Programa ... de agosto de 2018 a dezembro de 2018, sendo que o respetivo valor está já considerado nos 2.531.600 EUR dos recebimentos associados ao Programa ..., constantes do quadro apresentado no direito de audição em sede de relatório preliminar»;
  • E que, «[d]e facto, o montante de 2.531.600 EUR dos recebimentos de 2018, considerados no quadro apresentado no direito de audição em sede de relatório preliminar, respeitam às seguintes faturas/ valores, referentes a trabalhos desenvolvidos no Programa ... em 2018:

a)        FA n.º 2018/232 de 08/06/2018, no valor de 2.270.500 EUR (acrescida do IVA) - Prestação de serviços no âmbito do Programa ... de dezembro 2017 e de janeiro a maio de 2018 e margem comercial dos serviços prestados entre setembro e novembro de 2017, sendo o valor de 2018 incluído no rendimento de 1.124.400 EUR (Doc. 2);

b)        FA n.º 2018/296 de 17/07/2018, no valor de 244.000 EUR (acrescida do IVA) - Prestação de serviços no âmbito do Programa ... de junho de 2018;

c)         FA n.º 2018/310 de 01/08/2018, no valor de 255.600 EUR (acrescida do IVA) - Prestação de serviços no âmbito do Programa ... de julho de 2018;

d)        FA n.º 2019/146 de 22/4/2019, no valor de 907.600 EUR (acrescida do IVA) - Prestação de serviços no âmbito do Programa ... de agosto de 2018 a dezembro de 2018».

  1. Daqui resulta, refere a Requerente, o montante de € 2 531 600 = 1.124.400 EUR + 244.000 EUR 255.600 EUR + 907.600 EUR e
  2. ... que «a fatura FA n.º 2018/232 de 08/06/2018, no valor de 2.270.500 EUR (acrescida do IVA), suprarreferida - contempla a faturação de 3 componentes, a saber:

l) Prestação de serviços no âmbito do Programa ... de dezembro 2017 no valor de 348.800 EUR (acrescido do IVA), incluídos nos recebimentos associados a serviços de 2017;

II)        Prestação de serviços no âmbito do Programa ... de janeiro 2018 a maio de 2018 no valor de 1.124.400 EUR (acrescido do IVA), incluídos nos recebimentos associados a serviços de 2018;

III)      Margem comercial dos serviços prestados entre setembro e novembro 2017, no valor de 797,300 EUR (acrescido do IVA), numa tentativa de antecipação do valor que estava em negociação, tendo esta componente sido objeto de anulação pela NC n.º 2018/22 de 29/06/2018».

  1. Do que expôs entende a Requerente que «o montante a considerar para efeitos de acréscimo de rendimento ainda não sujeito a IRC em 2018, e aceitando parcialmente as correções propostas em sede de resposta da IT ao direito de audição apresentado pelo A..., [é] o valor de (…) 1.853.996,54 EUR», «[r]esultando da soma: 271.442,76 EUR + 1.285.246,71 EUR + 297.307,07 EUR»;«sendo: 271.442,76 EUR por originalmente apurados pela Requerente (em sede de direito de audição); 1.285.246,71 EUR de acréscimo de rendimentos dos anos 2011 a 2013, conforme proposto pela IT;297.307,07 EUR anulação de acréscimo de rendimentos efetuada em 2016, conforme proposto pela IT).».
  2. A Requerente defende que «resulta assim um valor de ajustamento à margem comercial faturada em 2018 e não tributada em sede de IRC, no valor de 1.853.996,54 EUR e não de 4.367.581,14 EUR, conforme (…) proposto em sede de Relatório Final da IT».

 

  1. A Requerente defende que «resulta assim um valor de ajustamento à margem comercial faturada em 2018 e não tributada em sede de IRC, no valor de 1.853.996,54 EUR e não de 4.367.581,14 EUR, conforme (…) proposto em sede de Relatório Final da IT».

 

 

II. SANEAMENTO

  1. O tribunal arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente, em face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 30.º, n.º 1, do DL n.º 10/2011, de 20 de Janeiro.
  2. As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão devidamente representadas (arts. 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e art. 1.º,  da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).
  3. O processo não enferma de nulidades

 

Cumpre então apreciar o mérito do pedido.

 

III. FUNDAMENTAÇÃO

A – Os factos provados

  1. Da discussão da causa perante o Tribunal, com produção de prova documental e testemunhal, resulta demonstrado o seguinte quadro factual:
    1. A Requerente foi constituída em 22-12-1999 como associação de direito privado sem fins lucrativos tendo como objeto promover e garantir a competitividade da indústria portuguesa do ramo automóvel.
    2. Está enquadrada, em sede de IRC, no regime geral e não exerce, a título principal, atividade de natureza comercial, industrial ou agrícola...
    3. ...regendo-se, para efeitos de determinação da matéria coletável, pelo artigos 3º-1/b), 15º-1/b), 53º e 54º, todos do CIRC.
    4. A Requerente foi objeto de um procedimento inspetivo tributário externo incidente sobre o exercício de 2018 realizado ao abrigo da Ordem de Serviço OI2022... .
    5. No âmbito dessa ação inspetiva foi-lhe notificado o Relatório de Inspeção Tributária (doravante RIT) e de que resultaram...
    6. ...as sobreditas liquidações ora objeto da presente impugnação (liquidação adicional de IRC nº 2022 ... e liquidações de juros compensatórios nºs 2022 ... e 2022 ...) ...
    7. ...que foram notificadas à requerente, juntamente com uma Demonstração de Acerto de Contas...
    8. ... com prazo de pagamento voluntário até 23/01/2023...
    9. ...e que foi efetuado em 23.1.2023, pelo valor de € 1.190.875,74 (Doc 1, com o PPA).
    10. Foi considerado pela AT  um acréscimo à matéria coletável, sujeita e não isenta de IRC, no montante de € 4.350.924,93...
    11. ...fundamentado na margem comercial do programa ... (melhor identificado infra)
    12. No RIT a AT considera que o acréscimo à matéria coletável deve ser de € 4.367.581,14, fazendo correções ao raciocínio da Requerente, e chegando a este valor com base nos seguintes pontos (Vide Quadro 50 do RIT):

 

Descrição

Valor (€)

1. Inicia com o valor indicado pela Requerente:

271.442,76

2. Soma um valor de rendimento excluído pela Requerente

1.285.246,71

3. Soma um valor de anulação de “Acréscimos Rend. Medidas Alternativas” efetuado em 2016, não relevado pela Requerente

 

297.307,07

4. Soma o valor recebido referente às faturas emitidas em 2018

2.666.916,26

5. Exclui (a favor da Requerente) um acréscimo de rendimento efetuado indevidamente

 

- 153.331,66

Total

4.367.581,14

 

  1. Entende a Requerente que apenas estão corretas as correções mencionadas nos pontos 1., 2. e 3. do quadro precedente (total: 1.853.996,54), a saber:

a) 271.442,76 EUR, importância  pela Requerente originalmente apurada (em sede de direito de audição);

b) 1.285.246,71 EUR acréscimo de rendimentos dos anos 2011 a 2013, conforme proposto pela IT;

  1. 297.307,07 EUR anulação de acréscimo de rendimentos efetuada em 2016, conforme proposto pela IT).
  • Todos os valores têm a ver ou estão relacionados com o desenvolvimento pelo A... do designado “Projeto ...” ...
  • ... de desenvolvimento de uma nova aeronave a construir pela empresa brasileira C..., no qual a Requerente A... participou por incumbência do Estado Português no âmbito de um acordo de desenvolvimento conjunto...
  • ...tendo o  Estado designado, como coordenadora do projeto, uma empresa maioritariamente pública designada B... S.A, participada pelo IAPMEI....
  • ... a quem o A... entregaria os seus trabalhos de engenharia e de desenvolvimento de importantes peças da aeronave.
  • Tais serviços seriam prestados pelo A... e pagos com verbas que o IAPMEI disponibilizaria à B... .
  • A Requerente iniciou o programa em 2011 e começou a faturar à B... os serviços prestados em função da disponibilização de verbas pelo IAPMAEI e da validação da medição dos trabalhos que era efetuada e validada pela própria B... .
  • A B... recebia instruções vinculativas do IAPMEI que lhe entregava os meios financeiros decididos a nível ministerial (por Resolução do Conselho de Ministros e subsequentes Despachos ministeriais) e controlava a aplicação de tais fundos, definindo quais eram as despesas e custos elegíveis.
  • O A... foi apresentando à B... ao longo dos anos de execução do sobredito Programa, pedidos de pagamento de despesas para validação das mesmas e pagamento;
  • Havia trabalhos faturados e trabalhos registados como proveitos a título de especialização de exercícios, aguardando instruções para faturação e recebimento.
  • Já em 2012 o Governo determinou que a entrega de fundos pelo IAPMEI à B... fosse feita sob a forma de prestações suplementares de capital:
  • O Despacho n.º 15071-A/2012 de 22 de Novembro, determinou, designadamente, que “as necessidades financeiras associadas ao cumprimento dos compromissos contratuais assumidos no âmbito da parceria estabelecida com a C..., S. A., e à capacitação das entidades participantes no programa ...,… são assegurados pelo Instituto de Apoio às Pequenas e Médias Empresas e Inovação, I. P. (IAPMEI, I. P.), até ao montante máximo de € 30 000 000 (trinta milhões de euros)”, e do mesmo passo autorizou o IAPMEI, I. P. a, “no exercício da sua função de acionista público da B..., S. A., entregar os referidos fundos àquela empresa, a título de prestações suplementares de capital, para reforço dos respetivos capitais próprios, na medida das necessidades específicas de investimento no projeto, devidamente fundamentadas”, ordenando que “O IAPMEI, I. P. […], realiza as prestações suplementares, na sequência de solicitação prévia da B..., S. A., a instruir com os elementos justificativos do investimento, nomeadamente os mapas financeiros previsionais, o relatório técnico e comprovativos do investimento realizado”;
  • Esta metodologia foi reafirmada pelo Despacho n.º 9760/2016 de 1 de Agosto determinou, inter alia, que “Com vista à conclusão da participação portuguesa no programa de desenvolvimento e produção da aeronave militar de transporte multiusos ..., as necessidades financeiras associadas (…) são asseguradas pelo IAPMEI — Agência para a Competitividade e Inovação, I. P. (IAPMEI, I. P.), até ao montante máximo de € 20 840 000”, fixando que “O IAPMEI, I. P., no exercício da sua função de acionista público da B..., S. A. (B..., S. A.), fica autorizado a entregar os referidos fundos àquela Empresa, a título de prestações suplementares de capital, para reforço dos respetivos capitais próprios, na medida das necessidades específicas de investimento no projeto, devidamente fundamentadas” e ordenando que “O IAPMEI, I. P. […], realiza as prestações suplementares, na sequência de solicitação prévia da B..., S.A., a instruir com os elementos justificativos da capacitação gerada e sustentável, e com o relatório técnico das atividades desenvolvidas”
  • As determinações exaradas nos Despachos governamentais citados determinaram ao IAPMEI, no exercício da sua função de acionista público da B..., a entrega a esta sociedade dos fundos superiormente decididos a título de prestações suplementares de capital, para reforço dos capitais próprios na medida das necessidades específicas de investimento no projeto;
  • O IAPMEI, em execução dessas determinações governamentais, transferiu as verbas pertinentes para a B... a título de prestações suplementares de capital ou por contrato de suprimento, mediante deliberações da Assembleia Geral exaradas nas respetivas atas, com específica determinação, a partir de setembro de 2015, de que tais verbas, na parte competente, sejam destinadas ao A... através da realização de prestações acessórias de capital nesta entidade.
  • Nessa sequência, após maio de 2015 e em 2016 e 2017 não houve qualquer faturação do A... à B..., pois todas as tranches financeiras disponibilizadas pelo IAPMEI à B..., e por esta ao A..., seguiram a forma de prestações suplementares de capital na B..., com determinação da realização de prestações acessórias de capital no A... .
  • Em virtude do acabado de expor, o A... recebeu da B... desde 16/09/2015 até ao início de 2018 um total de € 22.206.271,88 de “prestações acessórias de capital”...
  • ...as quais se destinavam sempre a cobrir os custos do investimento no Programa ... .
  • Atendendo à forma como foram tituladas as transferências financeiras recebidas (prestações acessórias de capital) o A... não pôde emitir faturação à B... referente a tais recebimentos, sobre a qual incidiria IVA à taxa legal e que acresceria à matéria coletável.
  • Este procedimento financeiro nunca foi do acordo da Administração do A... ...
  • ... que apenas se submeteu ao mesmo em virtude da necessidade imperiosa de financiar a execução e cumprimento dos prazos do Programa ... atentas as responsabilidades assumidas pelo Estado Português.
  • As verbas recebidas pelo A... da parte da B... a partir de setembro de 2015, embora destinadas a financiar o preço dos serviços prestados pelo A..., foram classificadas como instrumentos de capital próprio (prestações acessórias de capital), ou capitais emprestados, não tendo, por esse motivo, dado origem a faturação de serviços por parte do A... .
  • O sobredito procedimento de Inspeção Tributária desencadeado pela AT e em que foram detetadas naturais irregularidades, quer em sede de IVA, quer em sede de IRC...
  • ...fez despoletar a necessidade de regularização imediata da faturação, pagamento do IVA correspondente e faturação dos serviços que tinham de ser faturados.
  • Na sequência da publicação da RCM n.º 73/2018 de 7 de junho foi proferido o Despacho n.º 5976/2018 dos Ministros da Defesa Nacional e da Economia e do Secretário de Estado do Orçamento, datado de 7 de junho de 2018 e publicado no Diário da república, 2.ª Série, n.º 116 de 19 de junho de 2018 que determinou  que “As necessidades financeiras associadas ao cumprimento dos compromissos contratuais assumidos no programa ... no âmbito da parceria estabelecida com a C..., S. A., são asseguradas pelo IAPMEI — Agência para a Competitividade e Inovação, I. P., (IAPMEI, I. P.) até ao montante máximo de € 10.193.954,53 (dez milhões, cento e noventa e três mil, novecentos e cinquenta e quatro euros e cinquenta e três cêntimos”, ordenando que tais fundos sejam entregues à B...“a título de prestações suplementares de capital, para reforço dos respetivos capitais próprios, na medida das necessidades decorrentes da conclusão da certificação operacional final (FOC) do Programa”;
  • No mesmo  Despacho n.º 5976/2018 se determina, adicionalmente, que o montante máximo de despesa autorizado seja exclusivamente afeto “às atividades promovidas pela B..., S. A., individualmente ou com outras entidades, relacionadas com a participação no Programa..., visando prosseguir qualquer dos seguintes objetivos: a) Capacitação técnica e humana da B..., S. A., … associadas à conclusão da Certificação Operacional Final (FOC) até ao valor máximo de € 5 911 712,13 (…); b) Reversão integral das importâncias pagas a título de prestações acessórias de capital para rendimento, verificadas desde final do 2.º trimestre de 2015 até 2017, até um valor máximo de € 4 282 242,40 (…).[Sublinhado e ênfase da Requerente]
  • Na sequência desta determinação governamental e para regularizar a situação existente, o A... e a B... estabeleceram a metodologia que permitiu regular a emissão de facturação em 2018 para reversão das prestações acessórias, com a regularização integral do IVA e inclusão de tais proveitos nos resultados do A... .
  • Em 23/08/2018, entre a B... e o A... foi celebrado um “Acordo de Remuneração de Prestação de Serviços” que teve por objetivo rever a totalidade dos acordos anteriormente estabelecidos no que respeita à forma de remuneração do A... e clarificar os critérios de cálculo de tal remuneração, de modo a ficarem bem estabelecidas e claras as obrigações das partes a este propósito até conclusão do Programa ... .
  • Nessa sequência, e mediante o recebimento (via IAPMEI e B...) das verbas a tal consignadas pelo suprarreferido Despacho governamental, os impostos devidos foram pagos, incluindo os respetivos juros compensatórios e moratórios.
  • E o A... procedeu, finalmente, ao fecho e apresentação das Contas referentes aos exercícios de 2016 e 2017.
  • Todavia, na ação inspetiva da AT realizada em 2022, incidente sobre o exercício de 2018, foram assinaladas desconformidades na consideração integral, como lucro tributável do exercício em 2018, da totalidade dos proveitos oriundos do Programa ... .
  • Argumenta a IT que do lado dos recebimentos o contribuinte considerou que o valor recebido ascendeu a apenas 2.530.600 EUR, incluindo o correspondente à fatura n.º 2019/146, que, atendendo à aproximação de valores consideramos tratar-se do acréscimo de rendimentos reconhecido na contabilidade e tributado em sede de IRC em 2018 (cf. Quadro 46)...
  • ...desconhecendo os motivos que subjazem à não inclusão naquele montante do rendimento subjacente às faturas emitidas em 2018, a seguir identificadas: 271/2018; 297/2018 e 309/2018 (vide Quadro 49 do RIT). [Cumpre aqui proceder a uma primeira e pequena correção pois o valor que o contribuinte considerou do lado dos rendimentos não é de 2.530.600 EUR, mas sim 2.531.600 EUR]
  • É posta em causa a não consideração naquele montante de 2.531.600 EUR), do rendimento subjacente às faturas emitidas e recebidas em 2018, todas elas referentes a serviços prestados no âmbito do programa ..., no total 2.666.916,26 EUR.
  • Concretamente são  postas em crise as seguintes faturas:

FA n.º 271/ 2018 no valor de            1.626.016,26 EUR (Doc. 4)

FA n.º 297/ 2018 no valor de       797.300 EUR

FA n.º 309/ 2018 no valor de       243.600 EUR

                                            TOTAL:                                2.666.916,26 EUR

  1. Estas faturas foram todas elas, sem exceção, objeto de anulação em 2019, com emissão de nova faturação, esta sim relacionada com prestação de serviços que, quando respeitante a 2018, foi incluída nos recebimentos considerados.

Assim:

 

A FA n.º 271/ 2018 no valor de 1.626.016,26 EUR (acrescido de IVA):

  1. Corresponde ao valor de quota suplementar no âmbito do desenvolvimento do programa disponibilizada nos termos do Despacho n.º 954/2018 de 8 de junho, em conformidade com o qual o montante deveria ser canalizado para redução da dívida financeira do A... .
  2. O montante disponibilizado com aquela finalidade e a título de quota suplementar, foi faturado pela Requerente constituindo e considerado como adiantamento sobre trabalho a realizar...
  3. ... não cabendo à B... disponibilizar verbas ao A... no âmbito do Programa ... para reduzir passivos bancários ...
  4. ...devendo sim a respetiva disponibilização de verbas ser justificada com a prestação de serviços que a Requerente teria, naturalmente, de fundamentar.
  5. E assim ocorreu através da emissão das seguintes notas de crédito à fatura n.º 271/2018 e correspondente emissão de faturas de prestação de serviços efetivos no âmbito do Programa, conforme se segue:

- Nota de Crédito n.º 2019/3 no valor de 907.600 EUR (acrescidos de IVA), de 22/04/2019, por regularização de adiantamento por serviços prestados no âmbito do Programa ... de agosto de 2018 a dezembro de 2018 (Doc. 5);

-  Fatura FA 2019/146 de 22/4/2019 no valor de 907.600 EUR (acrescidos de IVA), referentes a Prestação de serviços no âmbito do Programa ... de agosto de 2018 a dezembro de 2018 (Doc. 6);

- Nota de Crédito n.º 2019/4 no valor de 410.400 EUR (acrescidos de IVA), de 22/04/2019, por regularização de adiantamento por serviços prestados no âmbito do Programa ... de janeiro de 2019 a março de 2019 (Doc. 7);

- Fatura FA 2019/148 de 22/4/2019 no valor de 410.400 EUR (acrescidos de IVA), referentes a Prestação de serviços no âmbito do Programa ... de janeiro de 2019 a março de 2019 (Doc. 8)

- Nota de Crédito n.º 2019/23 no valor de 308.000 EUR (acrescidos de IVA), de 31/12/2019, por regularização de adiantamento por serviços prestados no âmbito do Programa ... de abril de 2019 a maio de 2019; (Doc. 9)

- Fatura FA 2019/508 de 31/12/2019 no valor de 308.000 EUR (acrescidos de IVA), referentes a Prestação de serviços no âmbito do Programa ... de abril de 2019 a maio de 2019 (Doc. 10)...

Assim é que, , no que respeita à fatura da quota suplementar titulada pela FA n.º 271/ 2018 no valor de 1.626.016,26 EUR (acrescido de IVA), apenas o valor de 907.600 EUR, referente à fatura FA 2019/146 de 22/4/2019, respeita a serviços prestados em 2018, sendo o restante valor do adiantamento regularizado com serviços prestados em 2019.

 

A FA n.º 297/ 2018 no valor de 797.300 EUR de 17/07/2018 e a FA n.º 309/ 2018 no valor de 243.600 EUR de 01/8/2018:

  1. As faturas FA n.º 297/ 2018 (Doc. 11) e FA n.º 309/ 2018 (Doc. 12), foram emitidas nos meses de julho e agosto de 2018, numa altura em que o valor da Margem Comercial estava ainda a ser negociado...
  2. ...sendo que o acordo foi concluído em julho de 2018 e formalizado com a assinatura do “Acordo de remuneração de prestação de serviços” em 23 de julho de 2018.
  3. As referidas faturas resultaram, à data, das necessidades de investimento no Programa ... e da capacidade limitada do A... em aportar mais recursos financeiros próprios ao mesmo, levando à tentativa de antecipação de recebimento parcial da margem comercial em negociação.
  4. Foi neste contexto que foram emitidas as faturas em apreço, ambas referentes a valor de margem comercial, sendo a FA n.º 297/ 2018 relativa a margem comercial no período “parcial de março de 2017 a final de junho de 2017”, e a FA n.º 309/ 2018, relativa a margem comercial referente ao período restante de março de 2017 (conforme faturas em anexo – Docs. 11 e 12).
  5. O valor correspondente destas faturas foi efetivamente recebido...
  6. ... mas foram anuladas por falta de enquadramento, na medida em que a margem total negociada seria paga integralmente, e de uma só vez, incluindo a respeitante aos períodos contidos naquelas faturas.
  7. Essa anulação viria a ocorrer em dezembro de 2018, data em que foram recebidos 12.042.462,97 EUR, correspondendo à margem comercial do período de outubro de 2011 a novembro de 2017, contemplando, por isso, o período compreendido nas faturas 297 e 309 cujo valor passou a ser considerado pago em duplicado e surgindo por isso a necessidade da sobredita anulação.
  8. A Requerente procedeu à anulação das faturas, através da emissão das seguintes notas de crédito:

- Nota de Crédito n.º 2019/24, de 31/12/2019, no valor de 797.300 EUR (acrescidos de IVA) (Doc. 13), para regularização do adiantamento por serviços prestados e;

- Nota de Crédito n.º 2019/25, de 31/12/2019, no valor de 243.600 EUR (acrescidos de IVA) (Doc. 14), para regularização do adiantamento por serviços prestados;

  1. A regularização foi concluída com emissão da fatura FA 2019/509 de 31/12/2019, no valor total de 1.040.900 EUR (797.300 EUR + 243.600 EUR) (Doc. 15), onde foram faturados os serviços prestados no âmbito do Programa ... no período de junho de 2019 a dezembro de 2019.
  2. Assim é que o montante de 2.666.916 EUR, do rendimento subjacente às faturas emitidas em 2018, referentes a serviços prestados no âmbito do programa..., postas em crise as pela IT, conformaram, na realidade, adiantamentos por conta de serviços a prestar.
  3. Apenas a fatura decorrente da regularização destes adiantamentos e que, de facto, corresponde à faturação de serviços prestados compreendidos até dezembro de 2018, é a FA 2019/146 de 22/4/2019 no valor de 907.600 EUR (acrescidos de IVA), referentes a Prestação de serviços no âmbito do Programa ... de agosto de 2018 a dezembro de 2018, sendo que o respetivo valor está já considerado nos 2.531.600 EUR dos recebimentos associados ao Programa ..., constantes do quadro apresentado no direito de audição em sede de relatório preliminar.
  4. Ou seja: o montante de 2.531.600 EUR dos recebimentos de 2018, considerados no quadro apresentado no direito de audição em sede de relatório preliminar, respeitam às seguintes faturas/ valores, referentes a trabalhos desenvolvidos no Programa ... em 2018:   
  • FA n.º 2018/232 de 08/06/2018, no valor de 2.270.500 EUR (acrescida do IVA) - Prestação de serviços no âmbito do Programa ... de dezembro 2017 e de janeiro a maio de 2018 e margem comercial dos serviços prestados entre setembro e novembro 2017, sendo o valor de 2018 incluído no rendimento de 1.124.400 EUR (Doc. 2);
  • FA n.º 2018/296 de 17/07/2018, no valor de 244.000 EUR (acrescida do IVA) - Prestação de serviços no âmbito do Programa ... de junho de 2018;
  • FA n.º 2018/310 de 01/08/2018, no valor de 255.600 EUR (acrescida do IVA) - Prestação de serviços no âmbito do Programa ... de julho de 2018;
  • FA n.º 2019/146 de 22/4/2019, no valor de 907.600 EUR (acrescida do IVA) - Prestação de serviços no âmbito do Programa ... de agosto de 2018 a dezembro de 2018

[1.124.400 EUR + 244.000 EUR + 255.600 EUR + 907.600 EUR = 2.531.600 EUR]

  • Para efeitos de clarificação, a mencionada fatura FA n.º 2018/232 de 08/06/2018, no valor de 2.270.500 EUR (acrescida do IVA), contempla a faturação de 3 componentes, a saber:
    1. Prestação de serviços no âmbito do Programa ... de dezembro 2017 no valor de 348.800 EUR (acrescido do IVA), incluídos nos recebimentos associados a serviços de 2017;
    2. Prestação de serviços no âmbito do Programa ... de janeiro 2018 a maio de 2018 no valor de 1.124.400 EUR (acrescido do IVA), incluídos nos recebimentos associados a serviços de 2018;
    3. Margem comercial dos serviços prestados entre setembro e novembro 2017, no valor de 797.300 EUR (acrescido do IVA), numa tentativa de antecipação do valor que estava em negociação, tendo esta componente sido objeto de anulação pela NC (nota de crédito)  n.º 2018/22 de 29/06/2018. (Doc. 3)
  • O montante a considerar para efeitos de acréscimo de rendimento ainda não sujeito a IRC em 2018  (aceitando parcialmente as correções propostas em sede de resposta da IT ao direito de audição apresentado pelo A...) traduz-se no seguinte:  
  • Total de Acréscimo à Matéria Coletável sujeita a IRC = 1.853.996,54 EUR, resultando da soma: 271.442,76 EUR + 1.285.246,71 EUR + 297.307,07 EUR sendo 271.442,76 EUR originalmente apurados pela Requerente (em sede de direito de audição);1.285.246,71 EUR de acréscimo de rendimentos dos anos 2011 a 2013, conforme proposto pela IT; 297.307,07 EUR anulação de acréscimo de rendimentos efetuada em 2016, conforme proposto pela IT).
  1.  O valor de ajustamento à margem comercial faturada em 2018 e não tributada em sede de IRC é  no valor de 1.853.996,54 EUR e não de 4.367.581,14 EUR.
  2. A Requerente  já procedeu ao pagamento integral, em 23-1-2023, da liquidação sob impugnação.

B – Factos não provados

 

Com relevo e essencial para o objeto do processo, não se considerou provada a seguinte matéria de facto:

- que os valores espelhados nas faturas nºs 271/2018, na importância de € 1.626.016,26, 297/2018, na importância de € 797.300,00 e 309/2018, na importância de € 243.600,00, respeitem rendimentos da Requerente no exercício de 2018.

 

C – Motivação

  1. O Tribunal não tem o dever de pronúncia sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de selecionar apenas a que interessa para a decisão, levando em consideração a causa (ou causas) de pedir que fundamenta(m) o(s) pedido(s) formulado(s) pelo autor  (cfr. artºs. 596º, nº.1 e 607, nºs. 2 a 4, do CPC) e consignar se a considera provada ou não provada (cfr.artº. 123º, nº2, do CPPT).
  2. Segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal baseia a sua decisão, em relação às provas produzidas, na sua íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a sua experiência de vida e do conhecimento das pessoas (cfr. artº. 607, nº.5, do CPC). Somente quando a força probatória de certos meios se encontra pré-estabelecida na Lei (força probatória plena dos documentos autênticos - cfr.artº. 371º, do Código Civil) é que não domina na apreciação das provas produzidas o princípio da livre apreciação.
  3. In casu, pese embora a extensão e exaustão descritiva e quiçá excessiva ou mesmo parcialmente desnecessária, efetuada supra, a verdade é que o cerne e essencial do litígio se reconduz a saber se os valores faturados no ano de 2018, correspondentes às faturas nºs 271/2018, na importância de € 1.626.016,26, 297/2018, na importância de € 797.300,00 e 309/2018, na importância de € 243.600,00, respeitem rendimentos da Requerente do exercício de 2018.
  4. Pois bem, a dúvida instalou-se na sequência de confusos, difusos ou  menos ortodoxos procedimentos contabilísticos decorrentes de um processo de financiamento estatal do mencionado projeto ... que visava o desenvolvimento de uma nova aeronave a construir pela empresa brasileira C... e em que participou a Requerente por incumbência do Estado português, com coordenação do projeto pela B..., SA.
  5. A Requerente sujeitou-se a regras menos ortodoxas definidas pelo Estado português, quer no âmbito do seu financiamento quer mesmo em matéria de índole contabilística e repercussões fiscais ou tributárias inerentes.
  6. As testemunhas ouvidas em audiência pelo Tribunal, Dr D..., diretor financeiro da Requerente desde 2002 e E..., também da direção financeira da Requerente, esclareceram de forma clara, isenta e convincente todo um historial oscilante por imposições ou necessidades externas de tratamento de operações de financiamento do denominado “Projeto...”, designadamente através de prestações acessórias de capital à Requerente, com a consequente impossibilidade da faturação dos serviços prestados. Como seria normal.
  7. Dalgum modo os depoimentos destas testemunhas confirmaram na verdade o que também a própria Autoridade Tributária e Aduaneira reconheceu, ou seja, que o financiamento do “ Programa...” decorreu no âmbito de um quadro legal e contratual muito complexo, acarretando um conjunto de dificuldades e constrangimentos com muito impacto nas contas do A..., com o financiamento “(...) marcado e agravado por mudanças sucessivas  ao nível do modelo de financiamento que iam provocando movimentos económicos, financeiros e contabilísticos de reconhecimento, retificação e anulação que tornaram bastante complexo o seguimento do encadeamento das operações registadas (...)” – cfr artigos 16º e 17º, da Resposta da AT.
  8. Pelo mencionado acordo celebrado em 23 de julho de 2018 foram alterados todos os acordos celebrados até então na parte que respeitava à remuneração do A... e ao critério do seu cálculo.
  9. Para regularização ou tentativa de o fazer do tratamento contabilístico e fiscal das operações que vinham sendo realizadas,  os serviços inspetivos tributários efetuaram correções sucessivas da matéria tributável do exercício de 2018,  inicialmente de € 6.335.102,76 para € 4.367.581,14 para depois ser  fixada  em € 3.459.981,14 (já após a entrada do pedido de pronúncia arbitral que deu origem a estes autos).
  10. A complexidade das correções de modo a que, no final, se apurasse qual o valor que, relativo ao exercício de 2018, resultou por tributar, conduziu a um resultado que, no mínimo, instalou no Tribunal as maiores dúvidas sobre a realidade dos factos e, mais concretamente e no essencial, sobre se as faturas mencionadas – porque era apenas os respetivos valores que estavam e estão em causa – espelhavam operações reais do exercício de 2018 sujeitas a tributação à luz do princípio da especialização de exercícios (artigo 18º, do CIRC) ou se, pelo contrário,  o montante de €2.666.916,00 de aparente rendimento no âmbito do Programa...,  subjacente às sobreditas faturas, era antes correspondente a adiantamentos por conta de serviços a prestar, com regularização nos anos ou exercícios respetivos, de acordo com o princípio da especialização.
  11.  Assinale-se, reafirmando,  que ambas as partes reconheceram que o objeto deste litígio se reconduz a saber quais os rendimentos, ainda, alegadamente, não dados à tributação, faturados em 2018 que respeitam a rendimentos de 2018 (de acordo com o princípio da especialização de exercícios), nomeadamente os valores espelhados nas faturas mencionadas infra.
  12. Sobre esta matéria está o real objeto do litígio, reconhecido por ambas as partes: a questão de saber quais os rendimentos faturados em 2018, que respeitam a rendimentos de 2018, de acordo com o princípio da especialização dos exercícios, nomeadamente os valores espelhados nas faturas nºs 2018/271, no montante de €1.626.016,26, 2018/297, no montante de €797.300,00 e 2018/309, no montante de €243.600,00.
  13. Pois bem, a verdade é que,  ponderados os meios de prova, documental e testemunhal, produzidos, não ficou clara para o Tribunal a realidade, designada e concretamente se os valores daquelas faturas podem/devem ser considerados no exercício de 2018 na medida em que tal certeza ficou comprometida face à profusão, próxima da confusão, não imputável à Requerente, traduzida em movimentos económicos, financeiros e contabilísticos de reconhecimento, retificação e anulação de faturas e emissão de notas de crédito que, “no final do dia”, levaram à inevitável ausência de certeza relativamente à realidade controvertida.
  14. Em consequência de tal incerteza inultrapassável, teve o Tribunal de trazer à colação o princípio de que a dúvida sobre a realidade de um facto se resolve contra a parte  a quem o facto aproveita – Cfr artigo 414º, do CPC  -, bem como a regra de que a fundada dúvida sobre a existência e quantificação do facto tributário, deve conduzir à anulação do ato impugnado – cfr artigo 100º-1, do CPPT.
  15. Daí ter considerado como não provado que os valores espelhados nas faturas nºs 271/2018, na importância de € 1.626.016,26, 297/2018, na importância de € 797.300,00 e 309/2018, na importância de € 243.600,00, respeitassem a rendimentos da Requerente do exercício de 2018.

 

III. FUNDAMENTAÇÃO (cont.)

 

O Direito

 

  1.  Assinale-se preliminarmente que, conforme tem sido salientado pela jurisprudência, [cf, v. g.,  Acórdão do STA de 14-3-2018, no Proc nº 0716/13/2ª Secção, in www.dgsi.pt ],  é entendimento pacífico e corrente que o Tribunal não tem de apreciar ou conhecer todos os argumentos ou considerações que as partes tenham produzido. Isto porque uma coisa são as questões submetidas ao tribunal e outra são os argumentos que se usam na sua defesa. Sendo que só têm dignidade de questões as pretensões processuais formuladas pelas partes ao tribunal e não os argumentos por elas usados em defesa das mesmas, não estando assim o tribunal vinculado a apreciar todos os argumentos utilizados.
  2. Por outro lado, haverá que recordar que ao Tribunal compete apenas sindicar a legalidade dos atos tributários impugnados com a fundamentação contemporânea dos mesmos, ou seja, sem fundamentações a posteriori. É um contencioso de anulação e não de plena jurisdição.

 

Feitas estas sumária considerações preliminares, apreciemos o mérito do pedido.

 

  1.  Uma parte muito substancial dos problemas postos na aplicação do direito diz respeito à prova dos factos invocados (e  também em relação ao direito fiscal assim é), pela frequente impossibilidade de se alcançar a realidade dos factos tributários, acima de qualquer dúvida e de molde a cumprir escrupulosa e materialmente, além de outras, a regra constitucional de tributação das empresas com base fundamentalmente no seu rendimento real (artigo 104º-2, da Constituição).
  2.  In casu, pretendeu a Requerente com este processo arbitral, impugnar liquidações adicionais de IRC e juros compensatórios, efetuadas pela AT relativas ao exercício de 2018.
  3.  Estas  liquidações adicionais fundaram-se nas conclusões da AT, em sede inspetiva, no sentido de que a Requerente excluíra da matéria tributável em IRC do ano de 2018 o valor de €6.335.102,76, ulteriormente reduzido para €4.350.924,93 e, na pendência já deste processo arbitral, fixado em €3.459.981,14, após revogação parcial da liquidação, nos termos do artigo 13º, do RJAT.
  4. Pois bem, competia à AT demonstrar a existência de rendimentos tributáveis em sede de IRC à data de 31-12-2018 e não tributados.
  5.  Reconhecendo apenas o acréscimo do valor de € 1.853.996,54 à matéria coletável,, a Requerente veio impugnar o remanescente considerado pela AT, ou seja, € 1.605.984,60 [3.459.981,14-1.853.996,54].
  6.  Ora compete ou competia à AT fazer prova de que estão ou estavam verificados os pressupostos legais que legitimam a sua atuação no sentido da correção do lucro tributável, ou seja, de demonstrar os factos que a levaram a concluir pela existência de outros rendimentos tributáveis e não ainda tributados, só depois competindo ao contribuinte o ónus da prova da existência dos factos que alegou como fundamento do seu direito de ver tais montantes relevados negativamente no apuramento da matéria coletável.
  7.  De forma breve e sintética, lembram-se as regras da distribuição do ónus da prova: em princípio, à AT cabe o ónus da prova da verificação dos pressupostos legais (vinculativos) da sua atuação, designadamente se agressiva (positiva e desfavorável) e, em contrapartida, cabe ao administrado apresentar prova bastante da ilegitimidade do ato, quando se mostrem verificados esses pressupostos, solução fixada pelo art. 74.º, n.º 1, da LGT («O ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque».), correspondente à regra geral do art. 342.º do Código Civil (CC), de que quem invoca um direito tem o ónus da prova dos factos constitutivos, cabendo à contra-parte a prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos.
  8.  Sendo a AT a alegar ou invocar a existência de factos tributário – como é o caso dos autos -, compete-lhe demonstrar ou fundamentar essa alegação.
  9. Feita essa prova, recai então sobre o Contribuinte o ónus da prova de que tais custos devem ser relevados negativamente no apuramento matéria tributável.
  10. E,  neste caso, bastará ao Contribuinte criar dúvida sobre a sua veracidade, ainda que fundada, porque que a dúvida quanto à existência e quantificação do facto tributário deve ser decidida contra a AT, à luz do princípio  in dubio contra Fisco, quando, naturalmente, se trata de factos invocados positivamente pela AT; pelo contrário, será ao Contribuinte que compete demonstrar a existência dos factos em que se funda o seu direito de ver determinados custos relevados negativamente, como acontece, por exemplo, no apuramento das mais-valias com reflexo no apuramento do lucro tributável.
  11.  Com relevo para a fundamentação da presente decisão arbitral, decidiu-se no Acórdão Arbitral CAAD, Processo 236/1014-T de 4 de maio de 2015 (www.caad.org.pt) , o seguinte:

“(...) Cabe à Administração Tributária o ónus da prova da verificação dos pressupostos legais vinculativos legitimadores da sua actuação, para o que deve provar os factos constitutivos de que legalmente depende a decisão administrativo-tributária com certo conteúdo e com certo sentido. Pelo seu lado, cabe ao contribuinte provar os factos que operam como suporte das pretensões e direitos que invoca.” (…)(nosso negrito)

  1.  Em qualquer caso, sobre as declarações da Requerente, existe a presunção de veracidade e de boa-fé, princípio base consagrado no artigo 75.º da LGT, o qual prescreve: "Presumem-se verdadeiras e de boa-fé as declarações dos contribuintes apresentadas nos termos previstos na lei, bem como os dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade ou escrita, quando estas estiverem organizadas de acordo com a legislação comercial e fiscal, sem prejuízo dos demais requisitos de que depende a dedutibilidade dos gastos.
  2.  O afastamento da presunção ocorre quando “as declarações, contabilidade ou escrita revelarem omissões [artigo 75.º n.º 2 alínea a)] e quando o contribuinte não cumprir os deveres que lhe couberem de esclarecimento da sua situação tributária [artigo 75.º n.º 2 alínea b)]. O que não parece ser o caso.
  3.  Na verdade o que os autos revelam é que, no caso, quem definia as regras de financiamento do mencionado projeto era o próprio Estado português, regras que abrangiam o financiamento propriamente dito bem como o próprio tratamento fiscal e contabilístico inerente.
  4. Assim é que, inicialmente (2011) a faturação dos serviços da Requerente à B... era efetuada em função da disponibilização das verbas pelo IAPMEI e da validação dos trabalhos pela B... .
  5. Acontece que em 2012, o Estado, através do Governo, determinou que a entrega de fundos pelo IAPMEI à B... se processasse sob a forma de prestações suplementares de capital e era através da realização de prestações acessórias de capital à Requerente que era disponibilizados os necessários fundos.
  6.  Estes procedimentos viriam a ser corrigidos, com efeitos retroativos pelo citado e parcialmente transcrito supra, Despacho nº 5976/2018, de 7 de junho, do Ministro da Defesa e do Secretário de Estado do Orçamento.
  7.  A complexidade desta tarefa está espelhada nas sucessivas correções ao rendimento tributável da Requerente e da necessidade de cumprir o princípio da especialização de exercícios, em especial no domínio tributário ou fiscal.
  8.  Do exposto decorre, em síntese conclusiva, por um lado dúvidas sobre a existência de matéria tributável ainda não tributada e, por outro e sobretudo, se, em caso afirmativo, essa tributação deveria ocorrer relativamente ao exercício de 2018.

Juros indemnizatórios

  1. No que concerne aos juros indemnizatórios, cabe ainda apreciar esta pretensão à luz do artigo 43º da Lei Geral Tributária, que dispõe,  no seu nº1  que “São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido”.
  2.  Sendo patente que os pressupostos de facto da tributação não foram preenchidos e que daí resultaram as liquidações adicionais de IRC e de juros compensatórios, com pagamento pela Requerente, em 23-1-2023,  da importância de € 1.190.875,74, resulta óbvio o preenchimento dos necessários pressupostos legais para a exigência de juros indemnizatórios

 

IV - DECISÃO

Em face do supra exposto, decide este Tribunal Arbitral:

  1. Julgar totalmente procedente o pedido formulado pela Requerente A...

e, em consequência:

  1. Anular parcialmente, nos termos do pedido, a liquidação de IRC nº 2022..., do ano de 2018 e as liquidações de juros compensatórios nºs 2022... e 2022..., na parte respeitante à presente impugnação,   por errónea quantificação do facto tributário, por violação do disposto no artigo 17º, do CIRC;
  2. Condenar a Requerida a devolver à Requerente o correspondente imposto pago a mais;
  3. Condenar a Requerida no pagamento de juros indemnizatórios sobre o valor do imposto pago a mais, contados desde 23-1-2023 até à data do seu integral pagamento.

 

 

Valor do processo

Fixa-se o valor do processo em € 617.519,32, que foi o indicado pela Requerente e não foi impugnado,  nos termos do disposto no artigo 32.º do CPTA e no artigo 97.º-A do CPPT, aplicáveis por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT e do artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT).

 

Custas

Sendo os árbitros que constituem o Tribunal designados pelas partes (com exceção do presidente, designado pelo Conselho Deontológico do CAAD), não há lugar a pagamento ou condenação em custas, sendo  taxa de arbitragem, no valor de € 36.000,00,  suportada, no início do processo,  pela Requerente  - cfr artigo 5º-2, do  RCPAT (Regime de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária).

 

  • Notifique-se, incluindo o Ministério Público

 

 

Lisboa, 7 de maio de 2024

 

 

O Tribunal Arbitral Coletivo,

 

José Poças Falcão

(Presidente e Relator)

 

 

 

José Alberto Pinheiro Pinto

(Árbitro Adjunto)

 

 

 

Henrique Fiúza

(Árbitro Adjunto)

(com declaração de voto de vencido junta )

 

 

DECLARAÇÃO DE VOTO DE VENCIDO

 

Não me revendo na fundamentação nem na decisão tomada pelo Tribunal Arbitral, entendi emitir a presente declaração de voto de vencido.

 

1 - Introdução

 

A questão que se coloca no presente processo, prende-se com a determinação do momento em que os rendimentos gerados com o contrato de prestação de serviços celebrado entre a associação privada denominada “A...” (A...), na qualidade de prestadora de serviços, e a sociedade comercial anónima denominada “ B..., SA” (B...), na qualidade de adquirente desses serviços, prestados no âmbito do denominado “Programa...”, referente ao desenvolvimento e produção de uma aeronave de transporte multiusos a produzir pela sociedade comercial anónima de direito brasileiro denominada “C..., SA”.

 

O incumprimento das regras legais por parte da Requerente, levou a que rendimentos de 2018, conforme estipulado pelas leis da contabilidade (SNC) e da fiscalidade (IRC), tivessem sido considerados rendimentos de períodos anteriores e de períodos posteriores ao respectivo exercício de 2018, para além de parte desses rendimentos terem escapado à tributação em IRC e demais tributos, em resultado da confusão gerada entre 2011 e 2018 nos procedimentos contabilísticos e fiscais por parte da Requerente.

 

O que está em causa no processo é resultante do incumprimento das normas contabilísticas, fiscais e legais aplicáveis aos negócios realizados entre duas entidades comerciais privadas, a A... e a B..., uma associação privada e uma sociedade comercial, as quais deveriam ter aplicado a legislação contabilística e fiscal comummente aplicável a todas as outras entidades com actividades de natureza empresarial, sem qualquer excepção.

 

O argumento da Requerente para justificar o incumprimento das regras e procedimentos estabelecidos na lei, é o conjunto de despachos ministeriais que estabelecem as regras de financiamento do “Programa ...”, argumento que se mostrou não provado, e que, caso tivesse sido verdadeiro, teria estabelecido a obrigação de procedimentos contrários à lei estabelecida.

 

Razão pela qual, esses argumentos deveriam ter sido desconsiderados pelo Tribunal Arbitral

 

Porque, nas relações comerciais estabelecidas entre duas entidades privadas, manda a Lei, seja ela a comercial, a contabilística, a fiscal ou outra, para além dos contratos celebrados entre as mesmas. Não “manda” o Governo, não “manda” o IAPMEI, nem “manda” a B... .

 

Os despachos governamentais amplamente explorados ao longo de toda a argumentação da Requerente, em momento algum estabelecem que a A... deveria cessar a sua facturação à B..., ou que deveria receber da B... o valor dos serviços prestados a título de prestações acessórias de capital ou até de empréstimos (mútuos).

 

Não dizem, porque o Governo não tem poder para tal, e não dizem porque a dizerem o Governo estaria a incumprir a Lei. E ainda que o tivessem dito, essa imposição do Governo a uma entidade associativa empresarial privada seria nula, por clara falta de suporte legal.

 

Transcrevem-se de seguida algumas passagens do Pedido de Pronúncia Arbitral, nas quais a Requerente tenta passar ao Tribunal Arbitral a ideia de que os erros que cometeu, as infracções que praticou, foram causadas pelos despachos ministeriais emitidos no âmbito do “Programa...” e contra a sua vontade:

 

35. O IAPMEI, em execução dessas determinações governamentais, transferiu as verbas pertinentes para a título de prestações suplementares de capital ou por contrato de suprimento, mediante deliberações da Assembleia Geral exaradas das respectivas atas, com específica determinação, a partir de Setembro de 2015, de que tais verbas, na parte competente, sejam destinadas ao A... através da realização de prestações acessórias de capital nesta entidade.

 

Este parágrafo da Petição Inicial (PI) é bem demonstrativo do jogo de palavras de que a Requerente se serviu, usou e abusou, para criar no espírito do julgador uma ideia que na realidade não corresponde à verdade, que na realidade é falsa.

 

Porque as “determinações governamentais” em momento algum impuseram que a B... entregasse dinheiro à A... a título de prestações acessórias de capital. Não impuseram nem podiam impor.

 

Mais à frente pode ler-se o seguinte:

 

40. Atendendo à forma como foram tituladas as transferências financeiras recebidas (prestações acessórias de capital) o A... não pôde emitir faturação à B... referente a tais recebimentos, sobre o qual incidiria IVA à taxa legal e que acresceria a matéria coletável [do IRC].

 

A alegada impossibilidade de a A... emitir facturação à B... porque as transferências financeiras recebidas o foram a título de (prestações acessórias de capital) é apenas uma alegação sem fundamento, de alguém que se quer apresentar perante o Tribunal como vítima do Estado.

 

A emissão de facturas referentes a serviços prestados nada tem a ver com a forma de pagamento dessas facturas. Prestados os serviços, ou decorridos os prazos e condições previstos na lei, as facturas devem ser emitidas, independentemente de o seu pagamento ser efectuado a pronto, a 30 ou 90 dias, por factoring, com base num contrato de conta corrente, através do aceite de uma letra, ou até de nunca ser recebida.

 

Alegar que o A... não pôde emitir faturação à B... referente a tais recebimentos, é um argumento falso que atenta a inteligência do julgador

 

A evidente irregularidade de todo o procedimento contabilístico e fiscal exposto no ponto 43. da PI é confirmada pela Requerente no ponto seguinte (44.) da mesma.

 

43. Pelo acabado de expor, as verbas recebidas pelo A... da parte da B... a partir de Setembro de 2015, embora destinadas a financiar o preço dos serviços prestados pela A..., foram classificadas como instrumentos de capital próprio (prestações acessórias de capital), ou capitais emprestados, não tendo, por esse motivo, dado origem a faturação de serviços por parte da A... .

 

Em primeiro lugar, a entrega de valores destinadas a financiar o preço dos serviços prestados pela A..., mesmo que tivessem sido classificadas como prestações acessórias de capital, ou capitais emprestados, em caso alguns poderiam ser consideradas como instrumentos de capital próprio, por não cumprirem os pressupostos de tal qualificação.

 

Por muito que a A... se esforçasse em fazer contabilidade criativa, os valores recebidos destinadas a financiar o preço dos serviços prestados pela A..., em caso algum poderiam integrar os capitais próprios da Associação. O conceito de capitais próprios não inclui os valores recebidos para serem afetados ao recebimento de serviços prestados.

 

Tais valores recebidos, independentemente da designação que lhe fosse dada, teriam sempre de ser reconhecidos como passivos da Associação.

 

A Requerente, ao longo de toda a sua exposição, tentou fazer convencer o Tribunal que os despachos ministeriais se aplicavam, ou melhor, se referiam ao relacionamento financeiro existente entre a B... e a A..., sendo certo que eles apenas regulam o financiamento da  B... pelo IAPMEI.

 

Porém, há pequenas nuances que traem o procurado efeito discursivo da Requerente. O IAPMEI pode financiar as operações da sua participada B... através de prestações suplementares, e é isso que os despachos ministeriais nos dizem. Contudo, a B... não pode fazer prestações suplementares à A... . Não pode e não quer, certamente pelo risco de as perder no caso de a Associação entrar em insolvência ou sofrer de um evento comparável.

 

Por isso, embora os despachos ministeriais estabeleçam as prestações suplementares como forma de financiamento da B..., a Requerente tentou passar a ideia que os valores recebidos da B... tratando-as como prestações acessórias de capital, ou capitais emprestados seriam equivalentes a prestações suplementares, e assim ter enquadramento nos despachos ministeriais.

 

Quantias entregues por uma cliente (B...), ainda que sócia ou associada da fornecedora (A...), destinadas a financiar o preço dos serviços prestados, ainda que tivessem sido classificadas como prestações acessórias (que não podia), nunca, em qualquer parte do mundo civilizado, poderia ser considerado como instrumentos de capital próprio.

 

O que os despachos ministeriais dizem é que o IAPMEI, no exercício da sua função de accionista público da B..., lhe entregará os fundos necessários através da realização de prestações suplementares de capital, na medida das necessidades específicas do projecto.

 

Em nenhum dos despachos ministeriais citados pela Requerente, ou melhor, em nenhum dos despachos ministeriais emitidos no âmbito do “Programa ...”, é tratada a forma de pagamento ou o financiamento da A... com referência à sua prestação de serviços no que respeita ao referido programa, aliás, como não poderia deixar de ser.

 

Mais à frente, vem a Requerente alegar que:

 

44. Em 2018, foi realizado um procedimento de Inspeção Tributária desencadeado pela AT, que detectou uma evidente irregularidade, quer em sede de IVA, quer em sede de IRC, e despoletou a necessidade de resolução e de regularização da situação por parte do Governo e do IAPMEI, com a regularização imediata da facturação, pagamento do IVA correspondente, e faturação dos serviços que tinham de ser faturados.

 

A questão a que a Requerente deveria responder é a seguinte: se era evidente a irregularidade, porque é que esperou pela acção inspectiva para serem regularizadas a facturação, a liquidação e a entrega do IVA, bem como a apresentação de contas e a liquidação e pagamento do IRC?

 

Uma vez mais, vem a Requerente deixar a ideia que “obrigado Inspecção Tributária pelo favor que nos fizeram em vir fiscalizar a Associação”.

 

Para logo vir dizer que O procedimento financeiro que foi executado...  nunca foi do acordo da administração do A..., que apenas se submeteu ao mesmo em virtude da necessidade imperiosa de financiar a execução...

 

40. O procedimento financeiro que foi executado (e que agora é posto em causa pela instauração do presente inquérito) nunca foi do acordo da administração do A..., que apenas se submeteu ao mesmo em virtude da necessidade imperiosa de financiar a execução e cumprimento dos prazos do programa ... atentas as responsabilidades assumidas pelo Estado português.

 

Tendo-se certamente esquecido que, pouco antes, tinha informado o Tribunal que:

 

38. Por virtude do acabado de expor, o A... recebeu da B... desde 16/09/2015 até ao início de 2018, um total de €22.206.271,88 de “prestações acessórias de capital”.

 

Ora, se, de acordo com o acerto de contas entre a B... e a A... celebrado em 23 de Julho de 2018, a Requerente tinha suportado despesas no montante de €12.220.821,03 e se para além das facturas que emitiu e recebeu normalmente, tinha já recebido por conta dos serviços prestados o montante de €22.206.271,88, conforme artigo 38 da PI, porque é que vem alegar junto do Tribunal que O procedimento financeiro que foi executado nunca foi do acordo da administração do A..., que apenas se submeteu ao mesmo em virtude da necessidade imperiosa de financiar a execução e cumprimento dos prazos do programa...?

 

Parece claro que, neste caso, a argumentação utilizada pela Requerente e a realidade estão muito longe uma da outra.

 

Aqui chegados, poderá concluir-se que nenhum dos argumentos apresentados para Requerente é válido para justificar a não emissão das facturas correspondentes às prestações de serviços da A... à B..., nos termos prescritos na lei.

 

 

2 - Normas Contabilísticas (SNC) relevantes ao caso

 

Coloca-se agora a questão de se saber em que momentos e por que valores deveriam as facturas ser emitidas, bem como os rendimentos e os gastos ser considerados no apuramento de resultados, em conformidade com as normas da contabilidade e da fiscalidade empresarial

 

Devido à dependência relativa fiscalidade empresarial (IRS e IRC) perante a contabilidade (SNC e NIC), comecemos por apresentar a normalização contabilística relacionada com o enquadramento do caso em apreço.

 

Para sabermos quais são as operações consideradas rendimentos e como estes devem ser tratados na contabilidade, será necessário procurar entre as Normas Contabilísticas e de Relato Financeiro (NCRF) que compõem o Sistema de Normalização Contabilística (SNC) nacional.

 

Entre as normas do SNC aplicáveis ao caso, salienta-se a NCRF 20 – Rédito.

 

Determina a NCRF 20 – Rédito, entre outros, os seguintes parágrafos, por serem relevantes ao enquadramento contabilístico do caso:

 

1 — O objetivo desta Norma Contabilística e de Relato Financeiro é o de prescrever o tratamento contabilístico de réditos, entendidos como os rendimentos que surgem no decurso das atividades ordinárias de uma entidade...

A questão fundamental na contabilização do rédito é a de determinar quando reconhecer o mesmo.

O rédito é reconhecido quando for provável que benefícios económicos futuros fluirão para a entidade e esses benefícios possam ser fiavelmente mensurados.

Esta Norma identifica as circunstâncias em que estes critérios serão satisfeitos e, por isso, o rédito será reconhecido. Ela também proporciona orientação prática na aplicação destes critérios.

 

2- Esta Norma deve ser aplicada na contabilização do rédito proveniente das transações e acontecimentos seguintes:

a) ...
b) Prestação de serviços; e

c) ...

 

4 — A prestação de serviços envolve tipicamente o desempenho por uma entidade de uma tarefa contratualmente acordada durante um período de tempo acordado.

Os serviços podem ser prestados dentro de um período único ou durante mais do que um período.

Alguns contratos para a prestação de serviços estão diretamente relacionados com contratos de construção, como por exemplo, os contratos para os serviços de gestão de projetos e de arquitetura. O rédito proveniente destes contratos não é abordado nesta Norma mas é tratado de acordo com os requisitos para os contratos de construção como especificado na NCRF 19 — Contratos de Construção.

 

27 — Durante as primeiras fases de uma transação, é frequente que o desfecho da transação não possa ser fiavelmente estimado. Contudo, pode ser provável que a entidade recupere os custos incorridos na mesma. Por isso, o rédito é reconhecido somente na medida em que se espere que sejam recuperados os custos incorridos, não sendo reconhecido qualquer lucro.

 

Como a própria norma indica, a questão fundamental na contabilização do rédito é a de determinar quando reconhecer o mesmo. É esse o problema que a NCRF 20 pretende resolver.

 

Para tal, o intérprete haverá de dar especial atenção à regra de ouro que esta norma estabelece: o rédito é reconhecido quando for provável que benefícios económicos futuros fluirão para a entidade e esses benefícios possam ser fiavelmente mensurados.

 

Resumindo: o rédito proveniente das prestações de serviços é reconhecido se os rendimentos respectivos puderem ser fiavelmente mensurados. No caso de não poderem ser fiavelmente mensurados, mas a entidade acreditar que vai recuperar os gastos que suportou, os réditos são reconhecidos apenas na medida em que a entidade espera que vai recuperar esses gastos, não sendo reconhecido qualquer lucro. Isto é, o valor dos serviços prestados será igual ao valor dos custos suportados ou dos custos recuperáveis, o menor dos dois, só havendo reconhecimento de qualquer lucro quando os rendimentos respectivos puderem ser fiavelmente mensurados ou forem acordados os preços dos mesmos.

 

Nos períodos em que a A... facturou à B... os serviços prestados pelo valor dos custos suportados, porque o preço final dos serviços não estava definido, cumpriu o disposto na NCRF 20 e, consequentemente, as regras de determinação do lucro tributável previstas no CIRC.

 

Até ao dia 23 de Julho de 2018, porque o preço dos serviços não tinha sido fixado, e porque não havia meios para calcular fiavelmente os benefícios económicos futuros (não estava fixada a margem comercial ou o preço), a A... deveria ter considerado como gastos o valor dos custos suportados com o projeto ... e como rédito o valor igual ao dos gastos, por acreditar que iria ter rendimentos iguais ou superiores aos custos suportados.

 

Até aquela data, a tributação da A..., com referência aos serviços prestados no âmbito do Programa ..., seria concretizada pela tributação do rédito correspondente aos gastos suportados deduzido dos gastos suportado com o Projecto (a que corresponde o lucro nulo), até ao momento em que fosse ultrapassada a dificuldade em mensurar fiavelmente o rédito do Programa ... ou em que fosse fixado o valor da remuneração dos trabalhos contratados, o que, no caso, só veio a acontecer em 23 de Julho de 2018.

 

Nesse ano de 2018, com a celebração do acordo entre a B... e a A..., seriam contabilizados como rédito do período, além dos réditos da actividade do próprio exercício de 2018, os resultantes da fixação do preço dos serviços prestados, a que a A...chamou de “margem comercial”, pois só nessa altura foi estabelecido o preço dos serviços prestados e, por esse acordo, eliminada a dificuldades de estimar com fiabilidade o valor do rédito do contrato.

 

A NCRF 20, ao definir o seu âmbito, além do já mencionado, estabeleceu no parágrafo 4, já acima transcrito e aqui republicado para melhor exposição:

4 — A prestação de serviços envolve tipicamente o desempenho por uma entidade de uma tarefa contratualmente acordada durante um período de tempo acordado. Os serviços podem ser prestados dentro de um período único ou durante mais do que um período. Alguns contratos para a prestação de serviços estão diretamente relacionados com contratos de construção, como por exemplo, os contratos para os serviços de gestão de projetos e de arquitetura. O rédito proveniente destes contratos não é abordado nesta Norma mas é tratado de acordo com os requisitos para os contratos de construção como especificado na NCRF 19 — Contratos de Construção.

Assim, embora NCRF 20 contenha todas as regras necessárias para resolver a questão fundamental do caso, e que se prende com a determinação do(s) momento(s) de reconhecimento do(s) rédito(s) do contrato, o parágrafo 4 desta Norma determina que ao caso deve ser aplicada a NCRF 19 – Contratos de Construção.

 

Sendo o contrato de prestação de serviços celebrado entre a A... e a B... relacionado com a construção de um avião de transporte multiusos, o rédito proveniente desse contrato é tratado de acordo com os requisitos para os contratos de construção, ou seja, de acordo com a NCRF 19 – Contratos de construção.

 

Ao ler-se a NCRF 19, pode encontrar-se no capítulo “Definições” a explicação dos conceitos relevantes para a aplicação da norma, como é o caso dos adiantamentos, do contrato de construção, do contrato de cost plus, do contrato de preço fixado, das facturas progressivas por autos de medição, e das retenções.

 

Dessas definições é de destacar a prevista no parágrafo 3 “Definições”, dada a sua importância para o caso:

 

3 — Os termos que se seguem são usados nesta Norma com os significados especificados:

...

Contrato de “cost plus”: é um contrato de construção em que a entidade contratada é reembolsada por custos permitidos ou de outra forma definidos mais uma percentagem destes custos ou uma remuneração fixada.

...

 

Ora, pelas características do contrato, foi este o tipo escolhido para regular a prestação de serviços da A... à B... no âmbito do Programa ... .

 

Como é sabido, a A... veria remunerados os seus serviços prestados pela soma do montante dos gastos suportados com o valor da “margem comercial” a fixar entre as partes.

 

Caso o valor da margem comercial tivesse sido fixada ab initio, os rendimentos a serem considerados como tal em cada ano, seriam os correspondentes ao “reembolso” dos custos suportados acrescidos dos correspondentes valores da “margem comercial” acordada.

 

Porém, a “margem comercial”, ou melhor, o preço a pagar pelos serviços prestados, só veio a ser fixado em 23 de Julho de 2018, não sendo, até então, possível reconhecer o rédito correspondente a essa parte da remuneração das prestações de serviços contratadas, porque não foi fixado o preço ou o valor da margem, nem no contrato havia elementos que permitissem estimar com fiabilidade o valor da “margem comercial” que iria remunerar o trabalho da A... .

 

Como se referiu, apenas em 23 de Julho de 2018 foram fixadas as condições que permitiram saber qual a remuneração das prestações de serviços a facturar e receber pela A... da B..., em resultado da participação da A... no Programa ... .

 

E só nessa data esses valores da chamada “margem comercial” podem ser considerados rendimentos, uma vez que só no exercício de 2018 foi fixado o preço e por essa via eliminadas as incertezas relacionadas com o valor do rédito do contrato, isto é, só no exercício de 2018 foi possível conhecer, sem margem para erros significativos, o valor dos benefícios económicos futuros que iriam fluir para a A... .

 

Vejamos de seguida, algumas passagens da NCRF 19 com relevância para o caso:

 

No capítulo “Reconhecimento do rédito e dos gastos do contrato” nas regras constantes dos parágrafos 22 a 35 da NCRF 19, estão inscritas as regras aplicáveis ao caso, que se transcrevem e se comentam, como segue:

 

29 — Uma entidade está geralmente em condições de fazer estimativas fiáveis após ter aceite um contrato que estabeleça:

a) Os direitos a cumprir por cada parte no que respeita ao ativo a ser construído;

b) A retribuição a ser trocada; e

c) A forma e o prazo de liquidação.

 

O parágrafo 29 estabelece as condições a verificar para que seja possível fazer estimativas fiáveis dos rendimentos e dos gastos a considerar no apuramento dos resultados. Para que fosse possível à A... fazer estimativas fiáveis, seria necessário que esta soubesse a retribuição a ser trocada pelos serviços prestados por si. Tal desconhecimento inviabiliza o reconhecimento do rédito respeitante à chamada “margem comercial”

 

32 — Quando o desfecho de um contrato de construção não possa ser estimado fiavelmente:

a) O rédito somente deve ser reconhecido até ao ponto em que seja provável que os custos do contrato incorridos serão recuperáveis; e

b) Os custos do contrato devem ser reconhecidos como um gasto no período em que sejam incorridos.

 

O parágrafo 32 acima estabelece que quando o resultado de um contrato não puder ser estimado fiavelmente, o rédito a reconhecer será apenas igual ao valor dos custos suportados com o projecto, desde que seja provável que os custos suportados sejam recuperados através da facturação. Caso contrário, o valor do rédito será apenas o que corresponder aos custos suportados que serão recuperados.

Esta regra impede que uma entidade reconheça qualquer rédito respeitante a rendimentos que não possam ser fiavelmente mensurados.

 

33 — Durante as fases iniciais de um contrato dá-se muitas vezes o caso de o desfecho do contrato não poder ser fiavelmente estimado. Não obstante, pode ser provável que a entidade recupere os custos incorridos do contrato. Por isso, o rédito do contrato somente é reconhecido até ao ponto dos custos incorridos que se espera serem recuperáveis. Se o desfecho do contrato não puder ser fiavelmente estimado, nenhum lucro é reconhecido. Porém, mesmo quando o desfecho do contrato não possa ser fiavelmente estimado, pode ser provável que os custos totais do contrato excedam os réditos totais do contrato. Em tais casos, qualquer excesso esperado dos custos totais do contrato sobre o rédito total do contrato é reconhecido imediatamente como um gasto de acordo com o parágrafo 36.

 

O parágrafo 33 acima, de sentido equivalente ao parágrafo 27 da NCRF 20 – Rédito, vem reforçar a ideia de que não havendo a possibilidade de fazer estimativas fiáveis, não é possível reconhecer o rédito por valor superior aos custos suportados, no caso de ser provável que esses custos suportados venham a ser recuperados, por exemplo, através de facturação, determinando, para que não fique qualquer dúvida, que “Se o desfecho do contrato não puder ser fiavelmente estimado, nenhum lucro é reconhecido”.

No caso de os custos suportados serem superiores ao valor que a entidade espera recuperar através da facturação ou outra via, a diferença entre os custos suportados e os custos recuperáveis, deverá ser contabilizado como um gasto do exercício.

 

35 — Quando já não existirem as incertezas que impediram que fosse fiavelmente estimado o desfecho do contrato, o rédito e os gastos associados ao contrato de construção devem ser reconhecidos de acordo com o parágrafo 22 e não de acordo com o parágrafo 32.

 

Por fim, o parágrafo 35 acima transcrito, vem estabelecer que quando cessarem as incertezas sobre o fecho do contrato, o rédito e os gastos associados ao mesmo devem ser reconhecidos.

 

No caso, cessaram as incertezas em 23 de Julho de 2018, altura em que foi formalizado o acordo de preço que permitiu calcular a retribuição do contrato.

 

Foi nesse dia, e só nesse dia, em que se tornou possível apurar o rédito do contrato celebrado ente a B... e a A... no âmbito do “Programa ...”, e devia ter sido nesse exercício, e só nesse exercício, que todos os rendimentos do Programa gerados com o valor da prestação de serviços correspondente à “margem comercial” deviam ter sido apurados e integrados no resultado líquido do período, bem como no respectivo lucro tributável.

 

 

3 - Normas do Código do IRC relevantes para o caso

 

Aqui chegados, transcreve-se a legislação tributária constante do IRC para melhor enquadramento da tributação em IRC a que está sujeita a A..., designadamente os artigos 17.º, 18.º e 19.º do código do IRC em vigor à data dos factos.

 

O código do Imposto sobre o Rendimento das pessoas Colectivas (IRC) determinava à data dos factos (2018) no seu artigo 17.º o seguinte:

 

Artigo 17.º - Determinação do lucro tributável


1 — O lucro tributável das pessoas colectivas e outras entidades mencionadas na alínea a) do n.º 1 do artigo 3.º é constituído pela soma algébrica do resultado líquido do período e das variações patrimoniais positivas e negativas verificadas no mesmo período e não reflectidas naquele resultado, determinados com base na contabilidade e eventualmente corrigidos nos termos deste Código.

2 — ...

3 — De modo a permitir o apuramento referido no n.º 1, a contabilidade deve:  

a) Estar organizada de acordo com a normalização contabilística e outras disposições legais em vigor para o respectivo sector de actividade, sem prejuízo da observância das disposições previstas neste Código;

b) Reflectir todas as operações realizadas pelo sujeito passivo e ser organizada de modo que os resultados das operações e variações patrimoniais sujeitas ao regime geral do IRC possam claramente distinguir-se dos das restantes.

c) ...

 

Por sua vez, o artigo 18.º do referido código, estabelece que:

 

Artigo 18.º - Periodização do lucro tributável

1 — Os rendimentos e os gastos, assim como as outras componentes positivas ou negativas do lucro tributável, são imputáveis ao período de tributação em que sejam obtidos ou suportados, independentemente do seu recebimento ou pagamento, de acordo com o regime de periodização económica.

2 — As componentes positivas ou negativas consideradas como respeitando a períodos anteriores só são imputáveis ao período de tributação quando na data de encerramento das contas daquele a que deviam ser imputadas eram imprevisíveis ou manifestamente desconhecidas.

3 — Para efeitos de aplicação do disposto no n.º 1:

a) Os réditos relativos a vendas consideram-se em geral realizados, e os correspondentes gastos suportados, na data da entrega ou expedição dos bens correspondentes ou, se anterior, na data em que se opera a transferência de propriedade;

b) Os réditos relativos a prestações de serviços consideram-se em geral realizados, e os correspondentes gastos suportados, na data em que o serviço é concluído, excepto tratando-se de serviços que consistam na prestação de mais de um acto ou numa prestação continuada ou sucessiva, que são imputáveis proporcionalmente à sua execução;

c) Os réditos e os gastos de contratos de construção devem ser periodizados tendo em consideração o disposto no artigo 19.º

4 — Para efeitos do disposto na alínea a) do número anterior, não se tomam em consideração eventuais cláusulas de reserva de propriedade, sendo assimilada a venda com reserva de propriedade a locação em que exista uma cláusula de transferência de propriedade vinculativa para ambas as partes.

5(*)— Os réditos relativos a vendas e a prestações de serviços, bem como os gastos referentes a inventários e a fornecimentos e serviços externos, são imputáveis ao período de tributação a que respeitam pela quantia nominal da contraprestação.

6 — ...

 

Normas estas que, com relevância para o caso, poderiam ser acrescidas do disposto no artigo 19.º do mesmo código, conforme se transcreve:

 

Artigo 19.º - Contratos de construção

1(*)— A determinação dos resultados de contratos de construção é efetuada segundo o critério da percentagem de acabamento.

2 — Para efeitos do disposto no número anterior, a percentagem de acabamento no final de cada período de tributação corresponde à proporção entre os gastos suportados até essa data e a soma desses gastos com os estimados para a conclusão do contrato.

3(*)— Quando, de acordo com a normalização contabilística, o desfecho de um contrato de construção não possa ser estimado de forma fiável, considera-se que o rédito do contrato corresponde aos gastos totais do contrato.

4(*)— Não são dedutíveis as perdas esperadas relativas a contratos de construção correspondentes a gastos ainda não suportados.

 

Como se disse no início da presente declaração de voto, a questão que se coloca no presente processo, prende-se com a determinação do momento em que os rendimentos gerados com o contrato de prestação de serviços celebrado entre a associação privada denominada “A...” (A...), na qualidade de prestadora de serviços, e a sociedade comercial anónima denominada “B..., SA” (B...), na qualidade de adquirente desses serviços, prestados no âmbito do denominado “Programa...” referente ao desenvolvimento e produção de uma aeronave de transporte multiusos..., a produzir pela sociedade comercial anónima de direito brasileiro denominada “C..., SA”.

 

Aqui chegados, pode desde já concluir-se que, quer pela aplicação da NCRF 20 – Rédito, quer seguindo as regras impostas pela NCRF 19 – Contratos de construção, será forçoso concluir que apenas em 2018 os rendimentos correspondentes à chamada “margem comercial” podem ser considerados rédito e que só nesse exercício haverá lugar à tributação desse rédito, e não em qualquer outro exercício anterior ou posterior ao de 2018.

 

Assim se concluindo que todos os valores dos acréscimos aos rendimentos da “margem comercial” levados a resultados em anos anteriores foram indevidamente considerados como rédito do Programa.

 

Assim, desde o início do exercício de 2011 até ao exercício, 2017, no que respeita ao programa ..., a Requerente, acreditando que o rédito do programa iria ser superior aos gastos suportados, era obrigada a contabilizar em cada exercício os gastos do Programa correspondentes aos custos suportados e a contabilizar como rédito do Programa o valor igual aos gastos suportados, não sendo apurado qualquer lucro em cada um desses exercícios, por não ter sido fixado o preço dos serviços a facturar (margem comercial), até o momento em que o preço tivesse sido fixado ou que fosse possível estimar fiavelmente o rédito do contrato, exercício em que deveria ser incluído nos rendimentos sujeitos a IRC o valor da margem comercial apurada no âmbito do acordo celebrado entre a B... e a A... em 23 de Julho de 2018.

 

Mas tal não foi o que aconteceu.

 

 

4 - Apreciação do valor das correcções fiscais acrescidas ao lucro tributável

 

Desde o exercício de 2011 até ao exercício de 2018, no âmbito do Programa ..., alegando razões não provadas que levariam aos seus procedimentos, a Requerente:

  1. Em 2011, 32012, 2013, 2014 e Janeiro de 2015 emitiu facturas de prestações de serviços correspondentes aos custos por si suportados no âmbito do “Programa...;
  2. De Fevereiro de 2015 até meados de 2018, deixou de emitir facturas de prestações de serviços correspondentes aos custos por si suportados no âmbito do “Programa ...;
  3. No exercício de 2013 acresceu aos rendimentos €589.505,43 a título de gastos financeiros imputáveis ao “Programa...”;
  4. No exercício de 2014 acresceu rendimentos no montante de €4.928.263,88 (conta SNC 272211302), sendo parte deles (€3.496.235,03) referentes aos exercícios de 2011 a 2013, valor esse que inclui €1.563.621,32 de “margem comercial”, e o restante (1.432028,86) referentes a 2014, embora este valor inclua €848.807,50 de “margem comercial”;
  5. No exercício de 2015 acresceu rendimentos no valor de €3.770.513,46 correspondentes aos gastos incorridos e investimentos efectuados no âmbito do Programa, a preço de custo;
  6. Acresce que, no exercício de 2015, a Requerente anulou todas as facturas emitidas entre 2011 e 2014, e emitiu novas facturas;
  7. No exercício de 2016 acresceu rendimentos no valor de €9.905.531,72, uma parte referente a gastos imputados ao Programa referentes aos exercícios de 2011 a 2013, parte dos quais foi excluído da tributação por alegada caducidade do direito à liquidação, incluindo também aquele valor uma quantia referente à “margem comercial” de €3.459.054,12;
  8. No exercício de 2017 acresceu aos rendimentos (conta SNC 272113/302) o montante de €7.423.742,07, que inclui o valor de €3.335.877,27 referente à “margem comercial”
  9. No exercício de 2018 acertou com a B..., no acordo celebrado em 23/07/2018, o preço da sua prestação de serviços, tendo sido apurado o valor da “margem comercial” a facturar e receber, no montante de €15.542.462,97;
  10. Embora nesse exercício de 2018 apenas tivesse emitido uma factura no valor de €12.042.462,97;
  11. Tendo emitido em 2019 a factura do valor restante da “margem comercial” global, no valor de €3.500.000,00;
  12. Não tendo, no exercício de 2018, sido incluídos os valores das duas anteriores facturas nos resultados do período, nem no respectivo lucro tributável.
  13. Ainda no exercício de 2019, procedeu à emissão de diversas notas de crédito que tiveram o objectivo de anular as facturas emitidas em 2018:
  1. FA 2018/271 de 04-07-2018 no valor de €1.626.016,26;
  2. FA 2018/297 de 17-07-2017 no valor de €797.300,00;
  3. FA 2018/309 de 01-08-2017 no valor de €243.600,00
  1. Emitindo ainda no exercício de 2019 diversas facturas cujo somatório é igual ao montante das facturas de 2018 “anuladas” com a emissão das notas de crédito emitidas em 2019;
  2. Facturas essas que, emitidas em 2019, os seus valores não terão qualquer impacto nos resultados de 2019, porque esses rendimentos serão anulados pelos “gastos” correspondentes às notas de crédito de igual montante;
  3. E, embora as facturas emitidas em 2019 não tenham qualquer impacto nos resultados de 2019, a Requerente pretende que as facturas de 2018 que foram anuladas em 2019, sejam também retiradas dos resultados fiscais de 2018.

 

A todo este rol de registos e acontecimentos, acresce que a Requerente foi alvo de uma acção de inspecção tributária aos exercícios de 2014 a 2016, no âmbito da qual foram efectuadas correcções fiscais aos lucros tributáveis.

 

Perante tal historial acima resumido, havendo a necessidade  confirmar se todos os rendimentos da Requerente, obtidos no âmbito do “Programa ...”, foram dados à tributação, tendo em conta que ao longo dos 7 anos do Programa (2011/2018) houve valores facturados e valores não facturados, rendimentos acrescidos e rendimentos não acrescidos, facturas emitidas mas não consideradas rendimentos, facturas emitidas, anuladas e substituídas por outras, uma acção inspectiva que produziu correcções fiscais, entre outras vicissitudes, a IT entendeu que a solução passaria pelo apuramento dos rendimentos obtidos ao longo dos 7 anos, bem como da parte desses rendimentos que já tinham sido incluídos no lucro tributável dos exercícios de 2011 a 2017.

 

Para esse efeito, socorreu-se dos dados emergentes do acordo celebrado entre a Requerente e a B..., em 23-07-2018, para a fixação do preço dos serviços prestados, tendo apurado que o valor ainda por tributar em 2018 no seguimento do referido acordo, seria no valor de €6.335.102,76, conforme Quadro 14 do RIT.

 

Nos termos do Acordo, a A... teria o direito a facturar, desde o início do Programa (2011) até Novembro de 2017, 555.265,68 horas de trabalhos de engenharia ao valor de €50,00/hora, o que daria um montante de €27.763.284,00.

 

Tendo em consideração que as horas facturadas, ao preço de custo, até Novembro de 2017, atingiu o montante de €12.220.821,03, então a “margem comercial” dos trabalhos de engenharia realizadas no âmbito do “Programa ...” seriam no valor de €15.542.462,97. (Quadro 10 do RIT)

 

Partindo dos dados do Acordo, a “margem comercial” a facturar pela Requerente em 2018, no valor de €15.542.462,97, como vimos, em que €12.042.462,97 foram facturados no exercício de 2018 e €3.500.000,00 foram facturados em 2019, indevidamente, dado que a tributação desse rendimento devia ter sido feita na totalidade no exercício de 2018, a IT entendeu que haveria que retirar a parte da “margem comercial” que já tinha sido incluída no lucro tributável de exercícios anteriores.

 

Para tal, elaborou o Quadro 14 do RIT, no qual apurou que o valor dos rendimentos gerados com o “Programa...” ainda não incluídos no lucro tributável da Requerente era no valor de €6.335.102,76, uma vez que já tinham sido levados à tributação em exercícios anteriores o montante de €9.207.360,21.

 

Na audição prévia, a IT, aceitando que em relação a certos valores da “margem comercial” tinham caducado os direitos à liquidação, corrigiu a proposta de correcção fiscal para o valor de €4.350.924,93, e já no âmbito do pedido de pronúncia arbitral, considerando a AT que certo rendimento tinha sido incluído duas vezes no lucro tributável, erradamente pensando que esse rendimento iria ser tributado em 2019, a correcção fiscal voltou a ser corrigida para €3.459.981,14.

 

Como se referiu acima, a factura FA 2019/146 de 22-04-2019, no valor de €907.600,00, embora mencionando ser referente a serviços prestados entre Agosto e Dezembro de 2018, não influenciou positivamente os resultados de 2019, porque nesse exercício foi emitida uma nota de crédito de igual valor, razão pela qual não deveria a AT ter reduzido o valor da correcção fiscal a seu favor.

 

Porém, embora o valor da “margem comercial” correspondente aos períodos de 2011 a Novembro de 2017 no valor de €15.542.462,97, se encontrasse por tributar no montante de €6.335.102,76, por razão dos ajustamentos introduzidos pela IT/AT, ficou fixada a correcção em €3.459.981,14, sendo este o valor sobre o qual o Tribunal Arbitral se teria de pronunciar, a meu ver, indeferindo o pedido de pronúncia arbitral apresentado pela Requerente.

 

A Requerente não colocou em crise a metodologia levada a cabo pela Inspecção Tributária, nem os valores envolvidos nem os valores envolvidos nesse trabalho.

 

O Tribunal também não contestou ou pôs em causa a metodologia seguida, nem pediu esclarecimentos complementares para seu esclarecimento.

 

Motivos pelos quais se podia esperar a decisão favorável ao trabalho realizado pela IT.

 

Mas o Tribunal assim não entendeu.

 

 

5 – A tomada de posição não unânime do Tribunal

 

O Tribunal partiu de uma base errada para tomar uma decisão errada.

 

O Tribunal confunde os conceitos ligados à actividade económica desenvolvida pela Requerente, actividade essa que determina o apuramento do lucro sujeito a tributação, com os aspectos financeiros associados à vida financeira que, por regra, não tem implicações com os resultados das entidades.

 

A Estrutura Conceptual (EC) do Sistema de Normalização Contabilística (SNC), apresenta os propósitos, a finalidade, os conceitos, o âmbito, os objectivos e os pressupostos subjacentes às demonstrações financeiras, na base das quais está a contabilidade.

 

A EC estabelece os princípios basilares da Contabilidade e das Demonstrações Financeiras, a partir da qual todas as Normas Contabilísticas e de Relato Financeiro (NCRF) se foram desenvolvendo.

 

A EC, quando apresenta o seu âmbito, estabelece que:

7 — Esta Estrutura Conceptual aplica-se às demonstrações financeiras de todas as entidades comerciais, industriais e de negócios que relatam, sejam do setor público ou do privado. Uma entidade que relata é uma entidade relativamente à qual existem utentes que confiam nas demonstrações financeiras como a sua principal fonte de informação financeira acerca da entidade.

 

No seu parágrafo 22, a EC estabelece um dos pressupostos da informação financeira e da contabilidade: o regime do acréscimo ou princípio da especialização dos exercícios.

Regime de acréscimo

22 — A fim de satisfazerem os seus objetivos, as demonstrações financeiras são preparadas de acordo com o regime contabilístico do acréscimo. Através deste regime, os efeitos das transações e de outros acontecimentos são reconhecidos quando eles ocorram (e não quando caixa ou equivalentes de caixa sejam recebidos ou pagos) sendo registados contabilisticamente e relatados nas demonstrações financeiras dos períodos com os quais se relacionem.

De acordo com este princípio, as demonstrações financeiras, nas quais se inclui a demonstração de resultados, são preparadas de acordo com o regime contabilístico do acréscimo. Quer isto dizer que, para as demonstrações financeiras, construídas com base na contabilidade, o que importa é a actividade económica e não as operações de carácter financeiro. Dito de outra forma, o que importa na elaboração das demonstrações financeiras, em especial, das demonstrações de resultados, são as operações e não os fluxos financeiros, são as compras, as vendas, a produção, as prestações de serviços, entre outras, e não os momentos em que essas operações económicas são pagas ou recebidas.

 

Por isso, não me é possível concordar com a fundamentação da decisão arbitral quando afirma o seguinte:

  1. Na verdade, o que os autos revelam é que, no caso, quem definia as regras de financiamento do mencionado projeto era o próprio Estado português, regras que abrangiam o financiamento propriamente dito bem como o próprio tratamento fiscal e contabilístico inerente.

 

Embora a primeira parte possa ser considerada aceitável, mas não perfeita, quando se afirma que “quem definia as regras de financiamento do mencionado projeto era o próprio Estado português”, uma vez que as necessidades de financiamento do chamado “Projecto ...” eram asseguradas pelo Ministério da Economia e do Emprego, através do Quadro de Referência Estratégico Nacional (QREN), um quadro comunitário sujeito a regras que controlam e limitam o poder do Estado Português.

 

Porém, assume-se uma posição frontalmente contra, quando é afirmado que “...bem como o próprio tratamento fiscal e contabilístico inerente”.

Porque, quem estabelece o tratamento contabilístico são as Normas Contabilísticas e de Relato Financeiro do Sistema de Normalização Contabilística, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 158/2009, de 13 de julho, alterado pelo Decreto-Lei n.º 98/2015, de 2 de junho, e quem estabelece o próprio tratamento fiscal é o código do Imposto Sobre o rendimento das Pessoas Colectivas (IRC), aprovado pelo Decreto-lei n.º442-B/88 de 30 de Novembro, e legislação complementar. Não é o Estado através de um despacho ministerial.

 

No que respeita ao conteúdo do ponto 47 da Decisão Arbitral, quando afirma quer:

  1. Assim é que, inicialmente (2011) a faturação dos serviços da Requerente à B... era efetuada em função da disponibilização das verbas pelo IAPMEI e da validação dos trabalhos pela B... .

 

Embora entenda que o ponto acima não tem importância para a decisão do processo, o comentário possível seria que, em tal caso, a Requerente estaria a incumprir um princípio contabilístico com maior importância no Sistema de Normalização Contabilística: o Princípio da Especialização dos Exercícios (Regime do Acréscimo).

 

E ao incumprir a Normalização Contabilística, a Requerente estaria a incumprir as regras impostas no Código do IRC, que impõe que a contabilidade deve estar organizada de acordo com a normalização contabilística em vigor. (Artigo 17.º, n.º 3, al. a))

 

Também me mostro em oposição ao afirmado no ponto 49 da Decisão Arbitral quando é afirmado que:

  1. Acontece que em 2012, o Estado, através do Governo, determinou que a entrega de fundos pelo IAPMEI à B... se processasse sob a forma de prestações suplementares de capital e era através da realização de prestações acessórias de capital à Requerente que era disponibilizados os necessários fundos.

 

Lamento ser obrigado a desmontar a segunda parte do parágrafo atrás transcrito, onde o Tribunal afirma que “... era através da realização de prestações acessórias de capital à Requerente que eram disponibilizados os necessários fundos, dando a entender que esse procedimento emanava de um despacho ministerial.

O Tribunal está certamente a referir-se ao Despacho n.º 15071-A/2012 de 22 de Novembro, mas nele não consta qualquer disposição que regule a forma de disponibilização de fundos por parte da B... à A... .

Nem no despacho acima, nem em qualquer outro despacho emitido pelo governo, no âmbito do “Programa...”, consta qualquer indicação sobre a forma de entrega de fundos à A... por parte da B... . Todos os despachos se limitam a estabelecer as regras de financiamento da B... pelo IAPMEI

Portanto, a realização de prestações acessórias por parte da B... à A..., é um tema que não foi tratado em nenhum despacho governamental emitido pelo governo, no âmbito do “Programa...”.

O facto de a B... ter realizado prestações acessórias, sendo desconhecido o conteúdo da obrigação, tal entrega de fundos não teve a cobertura formal de um despacho ministerial. Porém, tal facto também não tem relevância para a decisão arbitral, pois para efeitos do apuramento de resultados, a contabilidade e a fiscalidade apenas se preocupam com as operações de cariz económico, no caso, com as prestações de serviços, sendo pouco importantes as formas como essas prestações de serviços são pagas.

 

O facto de a B... ter feito entregas de valores à A... sob a forma de prestações acessórias e de empréstimos, tal não era impeditivo da emissão das respectivas facturas cujos valores foram entregues sob aquelas formas.

 

Por fim, a questão das dúvidas,

  1. Do exposto decorre, em síntese conclusiva, por um lado dúvidas sobre a existência de matéria tributável ainda não tributada e, por outro e sobretudo, se, em caso afirmativo, essa tributação deveria ocorrer relativamente ao exercício de 2018.

 

Em relação a esta síntese conclusiva, pouco mais haverá a dizer, depois de tudo o que foi deixado explicado atrás, ao longo da presente declaração de voto.

 

A Inspecção Tributária fez o apuramento dos valores dos rendimentos ainda não levados à tributação no exercício de 2018, mostrando os valores dos rendimentos obtidos, a que chamaram de “margem comercial”, mostrando os valores da “margem comercial” já tributada, e assim tendo indicado o valor da “margem comercial” que haveria ainda por tributar.

 

A Inspecção Tributária fez o apuramento dos valores dos rendimentos ainda não levados à tributação no exercício de 2018, trabalhando os valores globais do “Programa ...”, resultantes do acordo celebrado entre a B... e a A..., aos quais descontou os valores já tributados por acção da Requerente e da Inspecção Tributária anterior.

 

A Requerente, ao invés de combater ou desacreditar o valor global apurado da “margem comercial” a tributar, veio alegar que certos valores facturados tinham sido anulados porque, por lapso ou rectificação, os valores eram referentes a serviços prestados no ano seguinte, ou seja, do exercício de 2019.

 

Quando, devido à confusão gerada pela Requerente ao longo dos 7 anos de vida do Programa, já devidamente explicitada, a IT apura os valores a acrescer ao resultado líquido de 2018, pois seria esse o exercício em que toda a “margem comercial” deveria ser tributada, nos termos da lei, a Requerente vem pôr em causa os valores apurados, alegando que na faturação há valores que tinham de ser excluídos, porque eram referentes a outros exercícios, ou eram referentes adiantamentos recebidos.

 

Ora, o valor da correção fiscal efetuada pela IT, com referência ao exercício de 2018, nada tem a ver com a faturação, emitida ou não, porque foi calculada com base no acerto de contas acordado entre a B... e a A..., com referência à “margem comercial” correspondente aos trabalhos de engenharia levados a cabo desde finais de 2011 até 30/11/2017.

 

Por sua vez, o Tribunal não colocou em crise a metodologia seguida pela Inspecção Tributária, nem pediu à AT qualquer esclarecimento complementar, acabando por, com base nas dúvidas que tinha, julgar totalmente procedente o pedido formulado pela Requerente.

 

Aquando da reunião destinada à inquirição de testemunhas, o Tribunal solicitou informação à Requerente no sentido de esta explicar e provar se o valor da “margem comercial” não facturada em 2018 foi ou não facturada em 2019 ou em ano posterior, e também se o respectivo valor (€3.500.000,00) foi incluído ou não no lucro tributável de 2019 ou de ano posterior. Em resposta a esse pedido do Tribunal, a Requerente limitou-se a enviar ao CAAD um email ao qual anexou a factura emitida, não dando qualquer informação sobre a sua inclusão no lucro tributável de 2019 ou em qualquer outro. Claro que, ao ser solicitado à Requerente documentação e explicação sobre a tributação do valor não facturado em 2018 e ao não ter sido dado qualquer esclarecimento ao Tribunal, entendo que tal silêncio, tal desconsideração ao Tribunal, é uma forte evidência de que esse rendimento de 2018 facturado em 2019, não tendo sido tributado em 2018, também não teria sido incluído nosresultados de 2019, pois, de outra forma, a Requerente teria dado as necessárias explicações.

 

Contudo, tivesse sido incluído ou não, o rendimento em causa é de 2018 e deveria ser tributado por inclusão no lucro tributável de 2018, assim se fazendo cumprir o estipulado no artigo 18.º do Código do IRC (Periodização do lucro tributável).

 

Contudo, sente-se ser estranha a Decisão Arbitral não fazer qualquer menção a este comportamento da Requerente.

 

 

6 – Apreciação do pedido apresentado pela Requerente

 

Como já se afirmou, devido ao historial de registos e faltas deles levados a cabo pela Requerente de 2011 a 2018, só faz sentido que o apuramento dos rendimentos do Programa ... a acrescer ao lucro tributável de 2018, seja efectuado pela diferença entre os rendimentos correspondentes à “margem comercial” global (2011/2018), deduzida dos rendimentos correspondentes à “margem comercial” já incluídos na base tributável de exercícios anteriores.

 

Porém, a Requerente vem alegar que o valor da correcção fiscal não poderá ser o apurado pela IT, porque houve facturas emitidas em 2018 que foram anuladas porque uma era referente a um adiantamento e as outras duas eram referentes a serviços prestados em 2019 e não em 2018.

 

Embora, como se deixou já expresso, devido aos mecanismos de controlo das despesas e dos pagamentos, que exigem a verificação e controlo de toda a documentação em momento anterior a cada pagamento, dado tratar-se de um programa cofinanciado pela União Europeia, no âmbito do QREN, não é crível que as facturas emitidas e recebidas em 2018, não sejam referentes a operações efectivas de 2018.

 

Também como foi já mencionado, um valor apurado por diferença entre a “margem comercial” total do período de 2011 a Novembro de 2017, e a “margem comercial” já tributada em exercícios anteriores, apurados com base no Acordo celebrado entre a B... e a A..., a que foram deduzidos os valores já tributados por via da Requerente e da acção inspectiva aos exercícios de 2014 a 2016, não pode ser posta em causa com a argumentação baseada na emissão de facturas e notas de crédito e dos impactos que elas teriam tido no resultado fiscal.

 

Discuta-se então a argumentação da Requerente, o que se admite por mera hipótese académica, mas sem conceder

 

Passemos então à apreciação do pedido apresentado pela Requerente ao Tribunal Arbitral, no sentido de lhe ser anulada a correcção fiscal a acrescer ao lucro tributável de 2018 no valor de €2.666.916,26 referente às seguintes facturas emitidas em 2018:

 

  1. Factura FA 2018/271 de 04/07/2018 no valor de €1.626.016,26 – Recebida em 2018
  2. Factura FA 2018/297 de 17/07/2018 no valor de    €797.300,00 – Recebida em 2018
  3. Factura FA 2018/309 de 01/08/2018 no valor de    €243.600,00 – Recebida em 2018

 

A factura FA 2018/271, emitida e recebida em 2018, com a descrição de quota suplementar, foi tratada pela Requerente como adiantamento em 2018, e foi sendo “anulada” pela emissão de notas de crédito no exercício de 2019, tendo sido em simultâneo emitidas novas facturas, na mesma data e com o mesmo valor, conforme a seguir indicado:

 

1A. Emitida nota de crédito NC2019/3 de 22/04/2019 no valor de €907.600,00, e

       Emitida factura 2019/146 de 22/04/2019 no valor de €907.600,00;

1B. Emitida nota de crédito NC2019/4 de 22/04/2019 no valor de €410.400,00, e

       Emitida factura 2019/148 de 22/04/2019 no valor de €410.400,00;

1C. Emitida nota de crédito NC2019/23 de 31/12/2019 no valor de €308.000,00,e

       Emitida factura 2019/508 de 31/12/2019 no valor de €308.000,00;

 

Em relação à factura FA2018/271, a Requerente alegou que, embora a sua descrição referisse “quota suplementar”, a mesma era referente a um adiantamento e que por isso não poderia integrar o lucro tributável.

 

Dado que o valor apurado para ser acrescido ao lucro tributável referente à “margem comercial” 2011/2017 ainda não tributada, foi obtido por diferença entre o rendimento total e o rendimento já tributado, independentemente de os valores em causa terem sido facturados ou não, o valor dessa factura não integrou a correcção fiscal.

 

Por sua vez, as facturas emitidas em 2019 referentes a prestações de serviços de 2019, não foram tributados em 2019, porque essas facturas foram acompanhadas da emissão de notas de crédito de igual montante, resultando em rendimentos líquidos nulos.

 

Assim, porque o valor de €1.626.000,00 não integrou a correcção fiscal acrescida, então não haverá a retirar esse valor da correcção fiscal.

 

A factura FA 2018/297 de 17/07/2018, no valor de €797.300,00 [2.], e a factura FA 2018/309 de 01/08/2018, no valor de €243.600,00 [3.], emitidas e recebidas em 2018, foram “anuladas” no último dia do ano seguinte, pela emissão de notas de crédito datadas de 31/12/2019, tendo sido em simultâneo emitida nova factura, na mesma data e com o valor correspondente à soma das duas facturas “anuladas” [2.+3.], conforme a seguir indicado:

 

2. Emitida nota de crédito NC2019/24 de 31/12/2019 no valor de €797.300,00,

3. Emitida nota de crédito NC2019/25 de 31/12/2019 no valor de €243.600,00, e

2.+3. Emitida factura 2019/509 de 31/12/2019 no valor de €1.040.900,00;

 

Ambas as facturas diziam ser referentes a “margem comercial” de 2017. Porém, o valor da correcção fiscal efectuada, no valor inicial de €6.335.102,76, foi apurado com exclusão da “margem comercial” de 2017 já tributada.

 

Também neste caso a factura emitida em 2019, referente a prestações de serviços de engenharia de Junho a Dezembro de 2019, não ligadas a “margem comercial”, pelo facto de ter sido acompanhada da emissão de duas notas de crédito de montante igual ao da factura, levou a que os serviços prestados constantes dessa factura não tivessem sido tributados.

 

Pelo exposto, porque o apuramento do valor a acrescer ao lucro tributável de 2018 referente à “margem comercial” foi apurado por diferença entre o valor global da “margem comercial” e os valores da “margem comercial” já tributados, a emissão e a anulação de facturas de 2018 é desconsiderada, porque o valor da correcção foi apurado sem ter em consideração os valores facturados, ou não.

 

A essa realidade, não pode deixar de ser associada a não tributação das facturas emitidas em 2019, cujos valores foram excluídos da tributação, pelo facto de nesse mesmo exercício terem sido emitidas notas de crédito de montante igual.

 

Ora, se os valores facturados e recebidos no exercício de 2018, aqui em causa, fossem excluídos da correcção ao lucro tributável de 2018, como a Requerente pede, e se esses mesmos valores não são tributados em 2019, como se demonstrou, então, a Requerente, não seria tributada nem em 2018 nem em 2019 sobre os valores por si facturados e recebidos em 2018.

 

Assim se concluindo que os valores das faturas emitidas em 2018 teriam de ser incluídos no lucro tributável de 2018, para, só assim, se fazer justiça.

 

 E porque o Tribunal Arbitral assim não entendeu, não me revendo na decisão, aqui deixo a minha declaração de voto de vencido.

 

 

 

Henrique Manuel Lima Fiúza

Economista Conselheiro (OE)

 



[1] Soma das parcelas 1, 2 e 3, do quadro mencionado em l [conclusão do Tribunal]