Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 948/2023-T
Data da decisão: 2024-04-19  IRC  
Valor do pedido: € 3.186.270,22
Tema: Derrama municipal. Âmbito de incidência. Rendimentos auferidos fora do território nacional.
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Sumário:

Nos termos do disposto no artigo 18.º, n.º 1, da Lei n.º 73/2013, de 3 de setembro, a derrama municipal incide sobre o lucro tributável sujeito e não isento de imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas, que corresponda à proporção do rendimento gerado na área geográfica do município por sujeitos passivos residentes em território português, com exclusão de rendimentos provenientes de fonte estrangeira.

 

 

DECISÃO ARBITRAL

 

Acordam em tribunal arbitral

 

I – Relatório

 

1. A..., S.A., com o número único de pessoa coletiva ... e sede na ..., n.º ..., ...‐... Lisboa, vem requerer a constituição de tribunal arbitral, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, para apreciar a legalidade dos atos de autoliquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC), realizados nos períodos de tributação de 2020 e 2021, bem como das decisões de indeferimento das reclamações graciosas contra eles deduzidas, requerendo ainda a condenação da Autoridade Tributária no reembolso do imposto indevidamente pago acrescido de juros indemnizatórios.

 

Fundamenta o pedido nos seguintes termos.

 

No cumprimento das suas obrigações declarativas, em 5 de julho de 2021, a Requerente procedeu à entrega da sua declaração de rendimentos Modelo 22, referente ao período de tributação de 2020, em que apurou um resultado fiscal positivo de € 161.612.560,53 e uma derrama municipal de € 2.342.016,81. 

 

Em 24 de maio de 2022, procedeu à submissão da Declaração Modelo 22, com referência ao período de tributação de 2021, em que apurou um resultado fiscal positivo de € 78.806.989,59 e uma derrama municipal de € 1.146.026,84.   

Posteriormente, em 2 de junho de 2022, a Requerente apresentou Declaração Modelo 22 de substituição referente ao período de 2021, em que apurou um resultado fiscal de € 78.807.061,20 e uma derrama municipal no montante de € 1.146.027,89.

 

Em concreto, a Requerente liquidou derrama municipal sobre a totalidade dos lucros tributáveis, com referência aos períodos de tributação de 2020 e 2021, não podendo apurar este tributo de forma distinta, atentas as limitações inerentes ao sistema informático da Autoridade Tributária.

 

Não obstante, aquelas declarações incluem um valor de derrama municipal que se revela excessivo, na medida em que o lucro tributável se encontra influenciado por rendimentos obtidos no estrangeiro que não poderiam ter contribuído para a coleta apurada a título de derrama municipal.

 

Atualmente, a derrama municipal encontra‐se prevista no Regime Financeiro das Autarquias Locais, aprovado pela Lei n.º 73/2013, de 3 de setembro, constituindo, como resulta do n.º 1 do artigo 18.º desse regime, uma fonte de rendimento dos municípios, tendo por base uma proporção dos rendimentos obtidos na respetiva área geográfica, daí resultando que o rendimento que não seja gerado na circunscrição dos municípios fica fora do âmbito de incidência da derrama municipal.

 

Ora, no que respeita ao exercício de 2020, a Requerente apurou um lucro tributável no montante de € 161.612.560,53, o qual inclui os seguintes rendimentos obtidos no estrangeiro: rendimentos de investimentos, nomeadamente juros de obrigações, no montante total de € 22.403.193,06 pagos por sociedades estrangeiras; ganhos e perdas em investimentos reconhecidos em contas de resultados, designadamente mais‐valias e menos‐valias de títulos, emitidos por entidades não residentes em Portugal, nos montantes de € 471.883.311,01 e  de € 389.656.273,94, de que resulta num saldo líquido de € 82.227.037,07; ganhos e perdas em investimentos reconhecidos em contas de reservas, designadamente mais e menos‐valias de títulos, emitidos por entidades não residentes em Portugal que concorreram para a formação do lucro tributável, no montante líquido de € 36.158.164,3.

 

 No que respeita ao exercício de 2021, a Requerente apurou um lucro tributável no montante de € 78.807.061,20, o qual inclui os seguintes rendimentos obtidos no estrangeiro: rendimentos de investimentos, nomeadamente juros de obrigações, no montante total de € 21.454.529,94, pagos por sociedades estrangeiras; ganhos e perdas em investimentos reconhecidos em contas de resultados, designadamente mais‐valias e menos‐valias de títulos, emitidos por entidades não residentes em Portugal, no montante de € 1.089.216.445,60  de   € 860.944.551,66, de que resulta num saldo líquido de € 228.271.893,94; ganhos e perdas em investimentos reconhecidos em contas de reservas, designadamente mais e menos‐valias de títulos, emitidos por entidades não residentes em Portugal que concorreram para a formação do lucro tributável, no montante líquido de € 18.332.831,48.

 

De onde se conclui que, no período de tributação de 2020, foi apurado e liquidado um montante de derrama municipal em excesso de € 2.040.242,33, e, no período de tributação de 2021, um montante de derrama municipal em excesso de € 1.146.027,89, no montante global de € 3.186.270,22.

 

A Autoridade Tributária, na sua resposta, sustenta, em síntese, que, nos termos do disposto no artigo 18.º, n.º 1, da Lei n.º 73/2023, de 3 de setembro, a derrama municipal incide sobre o lucro tributável sujeito e não isento de imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas (IRC), remetendo quanto ao apuramento do lucro tributável para o estipulado no artigo 17.º, n.º 1, do Código do IRC.

 

Devendo entender-se que a tributação em sede de IRC abrange a totalidade dos rendimentos, a qual resulta da soma dos obtidos em território português e fora desse território, em consonância com princípio da universalidade dos rendimentos, tal como previsto no artigo 4.º, n.º 1, do Código do IRC.

 

Neste sentido, o cálculo do lucro tributável, quer relativamente ao imposto principal quer à derrama, comungam das mesmas regras de incidência objetiva plasmadas no Código do IRC. E, por outro lado, nesse apuramento estão incluídos encargos subjacentes aos rendimentos obtidos no estrangeiro, o que conduz à dedução de gastos em montante superior ao devido, quando não haja lugar à correspondente tributação da derrama municipal.

 

Além de que, nos termos do disposto no artigo 74.º, n.º 1, da LGT, cabe ao contribuinte o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos que invoque, pelo que a Requerente deveria ter comprovado documentalmente que o lucro tributável foi apurado em resultado dos rendimentos obtidos com origem no estrangeiro.

 

Conclui pela improcedência do pedido.

2. Por despacho arbitral de 4 de abril de 2024, foi dispensada a reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT, bem como a apresentação de alegações, por não haver novos elementos sobre que as partes devam pronunciar-se.

 

3. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira nos termos regulamentares.

 

Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.° da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral coletivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

As partes foram oportuna e devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de a recusar, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT e dos artigos 6.° e 7.º do Código Deontológico.

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.° da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o tribunal arbitral coletivo foi constituído em 20 de fevereiro de 2024.

O tribunal arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente, à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 30.º, n.º 1, do RJAT.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).

O processo não enferma de nulidades e não foram invocadas exceções.

Cabe apreciar e decidir.

 

II – Fundamentação

 

Matéria de facto

4. A matéria de facto relevante para a decisão da causa é a seguinte.

 

  1. No cumprimento das suas obrigações declarativas, em 5 de julho de 2021, a Requerente procedeu à entrega da sua declaração de rendimentos Modelo 22, referente ao período de tributação de 2020.
  2. Na referida declaração, foi apurado um resultado fiscal      positivo no período de tributação      de 2020, no montante   de € 161.612.560,53 e uma derrama municipal no montante de € 2.342.016,81
  3. Em 24 de maio de 2022, a Requerente procedeu à submissão da Declaração Modelo 22, referente ao período de tributação de 2021. 
  4. Na referida declaração, foi apurado um resultado fiscal positivo no período de tributação de 2021, no montante de € 78.806.989,59 e uma derrama municipal no montante de € 1.146.026,84.   
  5. Em 2 de junho de 2022, a Requerente apresentou Declaração Modelo 22 de substituição referente ao período de 2021.
  6. Na referida declaração, foi apurado um resultado fiscal positivo no período de tributação de 2021, no montante de € 78.807.061,20 e uma derrama municipal no montante de € 1.146.027,89.
  7. A Requerente liquidou derrama municipal sobre a totalidade dos respetivos lucros tributáveis apurados com referência aos períodos de tributação de 2020 e 2021, incluindo os rendimentos obtidos no estrangeiro, não tendo podido apurar este tributo de forma distinta, na medida em que o modelo oficial da Declaração Modelo 22, para efeitos de apuramento da derrama municipal nos termos do Anexo A, impõe a consideração do lucro tributável total apresentado no campo 302 do quadro 09.
  8. A Requerente deduziu reclamação graciosa contra a autoliquidação de IRC referente ao período de tributação de 2020, tendo sido notificada do projeto de decisão no sentido do indeferimento, para efeito de audição prévia.
  9. A Requerente deduziu reclamação graciosa contra a autoliquidação de IRC referente ao período de tributação de 2021, tendo sido notificada do projeto de decisão no sentido do indeferimento, para efeito de audição prévia.
  10. A Requerente não exerceu, relativamente às reclamações graciosas apresentadas, o direito de audição.
  11. As reclamações graciosas foram indeferidas por despacho, de 7 de setembro de 2023, do Diretor do Serviço Central, ao abrigo de delegação de competências.
  12. As informações dos serviços em que se baseiam os despachos de indeferimento, na parte que releva, são do seguinte teor:

 

         § IV. II. DA APRECIAÇÃO

  1. A questão de direito a dirimir nos presentes autos prende-se com a desconsideração dos rendimentos provenientes de fonte estrangeira no cálculo da derrama municipal.
  2. Nos termos do Regime Financeiro das Autarquias Locais e das Entidades Intermunicipais (RFALEI), aprovado pela Lei n.º 73/2013, de 3 de setembro, a derrama municipal, cuja receita reverte a favor dos Municípios, tem como base de tributação o lucro tributável de entidades residentes, sujeitas e não isentas deste imposto, que exerçam a título principal uma atividade de natureza comercial, industrial ou agrícola, bem como de entidades não residentes que exerçam a sua atividade em território português através de um estabelecimento estável nele situado (-).
  3. É, pois, um imposto acessório relativamente ao IRC e assentando a sua incidência real no lucro tributável sem que o referido regime possua regras especificas para a sua determinação, então, essas regras serão as que estão consagradas no Código do IRC, cujo artigo 17.º, como é sabido, estabelece o apuramento através da soma algébrica do resultado líquido do período e das variações patrimoniais positivas e negativas verificadas no mesmo período e não refletidas naquele resultado, determinados com base na contabilidade e eventualmente corrigidos nos termos enunciados no Código a fim de serem tomados em consideração os objetivos e condicionalismos próprios da fiscalidade.
  4. Tem-se, assim, que quer a derrama quer o IRC são determinados com recurso a uma base tributável comum – o lucro tributável. Como afirma Saldanha Sanches (-)“(…) “A particularidade da derrama face aos demais impostos municipais reside, essencialmente, no facto de a determinação da sua base tributável não ser distinta de

 

todos os demais, mas antes assentar precisamente na base tributável de um outro imposto – o Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC). Tal como sucede, por exemplo, na taxa de esgotos, ou, em alguns casos, no próprio IMT, há tributos que vão buscar a sua base de incidência aos valores patrimoniais apurados para efeitos do IMI. De acordo com a atual redação da LFL de 2007, trata-se claramente de um imposto autónomo em relação ao IRC, pois todos os seus elementos estruturantes ora resultam apenas da lei (sujeito ativo, margem de taxas), ou obedecem à intervenção da Autarquia Local (tributação ou não, taxas concretas), apenas comungando, para efeitos do seu cálculo e por simplicidade de gestão, de uma incidência objetiva comum. Mesmo com este objeto comum, admite-se a possibilidade de adaptação dos critérios de imputação do rendimento coletável do sujeito passivo (em atenção às características especiais deste) ao município, bem como a criação de um regime especial de taxas para empresas com baixos volumes de faturação. Existem, portanto, relações jurídico-fiscais claramente autónomas entre a derrama e o IRC, ao contrário do que se discutia nas anteriores LFLs, onde a derrama pressupunha a existência de uma coleta de IRC e donde, portanto, era legítimo concluir pela respetiva acessoriedade face a este imposto (…).”

E, de facto,

20. O n.º 2 do artigo 18.º da Lei n.º 73/2013 estipula que “Para efeitos de aplicação do disposto no número anterior, sempre que os sujeitos passivos tenham estabelecimentos estáveis ou representações locais em mais de um município e matéria coletável superior a (euro) 50 000 o lucro tributável imputável à circunscrição de cada município é determinado pela proporção entre os gastos com a massa salarial correspondente aos estabelecimentos que o sujeito passivo nele possua e a correspondente à totalidade dos seus estabelecimentos situados em território nacional.”

Por sua vez,

  1. Refere o n.º 13 que “Nos casos não abrangidos pelo n.º 2, considera-se que o rendimento é gerado no município em que se situa a sede ou a direção efetiva do sujeito passivo ou, tratando-se de sujeitos passivos não residentes, no município em que se situa o estabelecimento estável onde, nos termos do artigo 125.º do Código do IRC, esteja centralizada a contabilidade.”
  2. Ainda de destacar o que consagram os seguintes números do mesmo artigo 18.º do RFALEI:

“21 - Para efeitos de aplicação do disposto no n.º 1, quando uma mesma entidade tem sede num município e direção efetiva noutro, a entidade deve ser considerada como residente do município onde estiver localizada a direção efetiva.

  1. - A assembleia municipal pode, sob proposta da câmara municipal, nos termos dos n.ºs 2 e 3 do artigo 16.º (-), deliberar a criação de isenções ou de taxas reduzidas de derrama.
  2. - As isenções ou taxas reduzidas de derrama previstas no número anterior atendem, nos termos do regulamento previsto no n.º 2 do referido artigo 16.º, aos seguintes critérios:

 

  1. Volume de negócios das empresas beneficiárias;
  2. Setor de atividade em que as empresas beneficiárias operem no município;
  3. Criação de emprego no município.
  1. - Até à aprovação do regulamento referido no número anterior, a assembleia municipal pode, sob proposta da câmara municipal, deliberar lançar uma taxa reduzida de derrama para os sujeitos passivos com um volume de negócios no ano anterior que não ultrapasse (euro) 150 000.
  2. - Os benefícios fiscais previstos nos números anteriores estão sujeitos às regras europeias aplicáveis em matéria de auxílios de minimis.”
  3. Da análise ao regime que em parte se acaba de expor em nada resulta que para o cálculo da derrama municipal se possa “decepar” o lucro tributável, dele expurgando rendimentos que legalmente não estão excluídos da incidência real daquele tributo.
  4. A derrama municipal calcula-se por aplicação de uma taxa máxima de 1,5% ao lucro tributável sujeito e não isento de IRC. Ou seja, o que está legalmente consagrado é uma tributação incidente sobre rendimentos sujeitos a IRC e dele não isentos.

Aliás,

  1. Quanto a isenções e benefícios fiscais, conforme já se deixou atrás exposto, o RFALEI tem regras próprias (-).
  2. E, como se salientou, apenas é conferido à assembleia municipal, sob proposta da câmara municipal, a possibilidade de reduzir a taxa da derrama para os sujeitos passivos com um volume de negócios no ano anterior que não ultrapasse € 150 000.

Ora,

  1. A possibilidade de alteração da base tributável, mormente por exclusão de rendimentos obtidos fora do território português, não é objeto de qualquer regulamentação no artigo 18.º da Lei n.º 73/2013, nem em qualquer outra legislação avulsa, pelo que, dada a sua inexistência, será forçoso concluir pela impossibilidade legal de ser conferido tratamento especial a tais rendimentos (-).
  2. Nada na lei se refere à exclusão tributária de rendimentos obtidos fora do território nacional.

Contudo,

  1. E, como alude a Reclamante, a questão sub judice nos presentes autos foi já objeto de análise por tribunais judiciais e arbitrais, cujas decisões têm sido no sentido de que os rendimentos gerados no estrangeiro, não sendo gerados na área geográfica do(s) município(s) da empresa não ficam sujeitos a derrama municipal.
  2. Neste sentido se pronunciou o Supremo Tribunal Administrativo (STA) no acórdão de 13 de janeiro de 2021, proferido no processo n.º 0924/17, tendo sido sentenciado que da base de incidência da derrama municipal devem ser eliminados os rendimentos que devam ser considerados obtidos fora do território nacional.

Porém,

  1. No que tange a esta posição já se pronunciou em sentido divergente a Direção de Serviços do IRC (DSIRC) na informação produzida em resposta à questão sobre o

 

 

assunto colocada por esta Unidade Orgânica, e que mereceu Despacho concordante da Subdiretora Geral de 04-11-2022.

 

  1. Defende aquela Direção de Serviços que para a base de cálculo da Derrama Municipal concorrem todos os rendimentos quer os auferidos em território português quer os obtidos fora dele, entendendo, com o devido respeito, ter o Tribunal olvidado dois aspetos fundamentais no que concerne ao cálculo do lucro tributável, porquanto quer o imposto principal quer a derrama comungam das mesmas normas sobre a incidência plasmadas no CIRC, as quais têm necessariamente de ser acatadas.

Por um lado, quanto às pessoas coletivas e outras entidades com sede ou direção efetiva em território português, o lucro tributável obedece ao princípio da universalidade, (art.º 4.º, n.º 1 do CIRC), isto é, releva no seu cômputo todo e qualquer rendimento recebido pelo sujeito passivo, independentemente da sua proveniência.

Por outro, esse mesmo lucro integra componentes de várias naturezas e resulta de uma complexidade de operações/balanceamentos entre rendimentos e gastos relevados na contabilidade e os devidos ajustamentos positivos e/ou negativos, efetuados nos termos do Código do IRC.

Assim sendo,

33.    Afirma a DSIRC que mantém o entendimento que sobre a matéria tem vindo a seguir, tanto mais que a decisão do STA produz efeitos apenas para o caso apreciado e decidido.

Logo,

  1. Conclui que a derrama municipal incide sobre o lucro tributável sujeito e não isento de IRC, recaindo, assim, também, sobre rendimentos provenientes de fonte estrangeira, componentes daquela grandeza.
  2. Em defesa da sua tese a DSIRC articula que:
    • Nos termos do Regime Financeiro das Autarquias Locais e das Entidades Intermunicipais (-) é estabelecida a possibilidade de os municípios deliberarem lançar anualmente uma derrama, até ao limite máximo de 1,5 %, sobre o lucro tributável sujeito e não isento de imposto sobre o IRC, que corresponda à proporção do rendimento gerado na sua área geográfica por sujeitos passivos residentes em território português que exerçam, a título principal, uma atividade de natureza comercial, industrial ou agrícola e não residentes com estabelecimento estável nesse território (artigo 18.º, n.º 1);
    • A base de incidência da derrama municipal coincide com a do IRC, sendo a ela sujeitas as entidades residentes que exerçam, a título principal, uma atividade marcadamente económica e as não residentes com estabelecimento estável situado em território português;
    • Daí que, quer quanto aos sujeitos passivos, quer quanto à respetiva base tributável, tenham de ser tomadas em consideração as disposições do Código do IRC, nomeadamente as regras contidas nos artigos 3.º - Base do imposto,

 

 

4.º - Extensão da obrigação do imposto e 17.º Determinação do lucro tributável;

  • Na legislação em vigor que disciplina a figura da derrama inexiste qualquer norma que disponha a exclusão da base tributável de rendimentos provenientes

 

do exterior, o que impõe que não se possa inferir um pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso, já que, na fixação do sentido e alcance da lei o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados19;

  • Dessa mesma legislação não consta qualquer exclusão de tributação relativamente à parte do lucro tributável obtido fora do território nacional, sendo certo que o Código do IRC estabelece a extensão da obrigação do imposto relativamente às pessoas coletivas e outras entidades com sede ou direção efetiva em território português, consistindo no englobamento da totalidade dos rendimentos, incluindo os obtidos fora desse território;
  • A regra de caráter geral estabelecida no n.º 1 do artigo 18.º do diploma contempla a sujeição da derrama municipal à área da sede do sujeito passivo ou do estabelecimento estável, prevendo o n.º 2 do mesmo artigo uma regra especial, para a repartição da derrama municipal por diversos municípios, que apenas ocorre nos casos em que os sujeitos passivos possuam estabelecimentos estáveis ou representações locais em mais de um município e apurem uma matéria coletável superior a € 50 000,00, situação em que o lucro tributável imputável à circunscrição de cada município é determinado pela proporção entre os gastos com a massa salarial correspondente aos estabelecimentos que o sujeito passivo nele possua e a correspondente à totalidade dos seus estabelecimentos situados em território nacional;
  • E, caso não se encontrem reunidos os pressupostos para a repartição da derrama pelos diferentes municípios em que os sujeitos passivos possuam estabelecimentos estáveis ou representações locais, a mesma é devida apenas em função da área da sede do sujeito passivo.
  • Em consequência do exposto, entende-se que nenhum vício de ilegalidade é possível apontar ao apuramento da derrama municipal, devendo a autoliquidação processada pela Reclamante para o período de tributação de 2020 ser mantida na sua ordem jurídica e, nesta sequência, julgar improcedente o pedido apresentado.
  1. A Requerente foi notificada das decisões de indeferimento das reclamações graciosas em 8 de setembro de 2023.
  2. No que respeita ao exercício de 2020, a Requerente apurou um lucro tributável no montante de € 161.612.560,53, o qual inclui os seguintes rendimentos obtidos no estrangeiro: rendimentos de investimentos, nomeadamente juros de obrigações, no montante total de € 22.403.193,06 pagos por sociedades estrangeiras; ganhos e perdas em investimentos reconhecidos em contas de

 

resultados, designadamente mais‐valias e menos‐valias de títulos, emitidos por entidades não residentes em Portugal, nos montantes de € 471.883.311,01 e de € 389.656.273,94, de que resulta num saldo líquido de € 82.227.037,07; ganhos e perdas em investimentos reconhecidos em contas de reservas, designadamente mais e menos‐valias de títulos, emitidos por entidades não residentes em Portugal

que concorreram para a formação do lucro tributável, no montante líquido de € 36.158.164,3.

  1. No que respeita ao exercício de 2021, a Requerente apurou um lucro tributável no montante de € 78.807.061,20, o qual inclui os seguintes rendimentos obtidos no estrangeiro: rendimentos de investimentos, nomeadamente juros de obrigações, no montante total de € 21.454.529,94, pagos por sociedades estrangeiras; ganhos e perdas em investimentos reconhecidos em contas de resultados, designadamente mais‐valias e menos‐valias de títulos, emitidos por entidades não residentes em Portugal, no montante de € 1.089.216.445,60  de € 860.944.551,66, de que resulta num saldo líquido de € 228.271.893,94; ganhos e perdas em investimentos reconhecidos em contas de reservas, designadamente mais e menos‐valias de títulos, emitidos por entidades não residentes em Portugal que concorreram para a formação do lucro tributável, no montante líquido de € 18.332.831,48.
  2. O pedido arbitral deu entrada em 17 de dezembro de 2023.

 

Factos não provados

 

Não há factos não provados que relevem para a decisão da causa.

 

Motivação da matéria de facto

 

O Tribunal formou a sua convicção quanto à factualidade provada com base nos documentos juntos à petição e os constantes do processo administrativo apresentado pela Autoridade Tributária com a sua resposta.

 

Matéria de direito

 

Âmbito de incidência da derrama municipal

 

5. A única questão em debate consiste em saber se a derrama municipal, prevista no artigo 18.º do Regime Financeiro das Autarquias Locais e das Entidades Intermunicipais, aprovado pela Lei n.º 73/2013, de 3 de setembro, incide sobre o lucro tributável das pessoas coletivas em sede de IRC, gerado na área geográfica em que tenham a sua sede em território português ou também sobre o lucro tributável que resulte do exercício da sua atividade económica em Estado terceiro.

 

Defende a Requerente que o âmbito de incidência da derrama municipal se encontra limitado ao lucro tributável que seja imputável a rendimentos gerados em cada um dos municípios existentes em território nacional e nos quais o sujeito passivo exerça a sua atividade. Ao passo que a Requerida entende que a tributação em sede de IRC abrange a totalidade dos rendimentos, a qual resulta da soma dos rendimentos obtidos em território português ou no estrangeiro, de acordo com princípio da universalidade previsto no artigo 4.º, n.º 1, do Código do IRC.

 

É esta a questão que cabe dirimir.

 

Deve começar por delinear-se, em função do elemento histórico de interpretação, a evolução do instituto da derrama municipal nas diferentes leis de finanças locais publicadas após o Código Administrativo. 

 

A derrama municipal veio a ser instituída em novos moldes pela Lei de Finanças Locais aprovada pela Lei n.º 1/79, de 2 de janeiro, que consagrou a autonomia financeira das autarquias locais, e, através do seu artigo 12.º, conferia aos municípios a faculdade de lançar derramas sobre a coleta da contribuição predial rústica e urbana, da contribuição industrial e do imposto de turismo cobrados na área do respetivo município, com uma taxa não superior a 10% da coleta liquidada, e cujo produto devia destinar-se à realização de melhoramentos urgentes a efetuar na área da respetiva autarquia.

 

Esse regime foi essencialmente mantido pelo artigo 5.º da Lei n.º 1/87, de 6 de janeiro, que estipulava que a derrama incidia sobre “as coletas liquidadas na respetiva área em contribuição predial rústica e urbana e em contribuição industrial” (n.º 1) e tinha carácter excecional, só podendo ser aprovada “para ocorrer ao financiamento de investimentos urgentes e ou no quadro de contratos de reequilíbrio financeiro” (n.º 2).

 

A Lei n.º 42/98, de 6 de agosto, no seu artigo 18.º, alterou o âmbito de incidência objetiva, ao consignar que a derrama municipal recai “sobre a coleta do imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas”, o que terá ficado a dever-se à reformulação geral da tributação do rendimento, mediante a introdução do imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas que veio substituir a contribuição industrial. A norma explicita que a derrama incide “sobre a coleta do IRC que proporcionalmente corresponda ao rendimento gerado na sua área geográfica (do município) por sujeitos passivos que exerçam, a título principal, uma atividade de natureza comercial, industrial ou agrícola” (n.º 1) e manteve a sua conexão genérica ao financiamento dos municípios, ao estabelecer, no seu n.º 2, que “[A] derrama pode ser lançada para reforçar a capacidade financeira ou no âmbito da celebração de contratos de reequilíbrio financeiro”.

 

Por outro lado, nos termos do n.º 4 desse artigo 18.º, “sempre que os sujeitos passivos tenham estabelecimentos estáveis ou representações locais em mais de um município e matéria coletável superior a (euro) 50000, o lucro tributável imputável à circunscrição de cada município é determinado pela proporção entre a massa salarial correspondente aos estabelecimentos que o sujeito passivo nele possua e a correspondente à totalidade dos seus estabelecimentos situados em território nacional” (n.º 2), entendendo-se por massa salarial o “valor das despesas efetuadas com o pessoal e escrituradas no exercício a título de remunerações, ordenados ou salários” (n.º 6).

 

Esclarecendo o n.º 5 do mesmo artigo, que, nos casos em que a atividade do sujeito passivo se não desenvolva em mais do que um município, o rendimento considera-se gerado no município em que se situa a sede ou a direção efetiva do sujeito passivo ou, tratando-se de sujeitos passivos não residentes, no município em que se situa o estabelecimento estável.

 

Por efeito do disposto no artigo 18.º, n.º 4, da Lei n.º 42/98, o lançamento da derrama deixou de caber em exclusivo ao município em que se verifique a liquidação do IRC ou se encontre localizada a sede da empresa, para passar a caber a todos os municípios em que uma empresa possua estabelecimento estável ou representação local. A referência à massa salarial como critério de imputação dos lucros visa constituir um indicador aproximado do rendimento tributável e assegurar uma partilha proporcional da receita da derrama quando estejam em causa empresas com atividade em municípios diversos (cfr. sobre estes aspetos, Sérgio Vasques, Manual de Direito Fiscal, Coimbra, 2015, págs. 191-192).

 

A Lei das Finanças Locais aprovada pela Lei n.º 2/2007, de 15 de janeiro, através do seu artigo 14.º, introduziu, entretanto, outras alterações significativas no regime jurídico da derrama municipal.

 

Para além de ter mantido a partilha da receita quando uma empresa tenha a sua atividade localizada em diferentes municípios (n.º 2), a derrama passou a incidir, não já sobre a coleta, mas sobre o “lucro tributável sujeito e não isento de imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas, que corresponda à proporção do rendimento gerado na sua área geográfica por sujeitos passivos residentes em território português”. E, por outro lado, o campo de aplicação alargou-se a “não residentes com estabelecimento estável nesse território” (n.º 1, in fine).

 

Deste modo, a derrama deixou de ser um adicional ao IRC para constituir um adicionamento, na medida em que incide não já sobre a coleta mas sobre a matéria tributável do imposto principal, assumindo a natureza de um imposto acessório (neste sentido, Casalta Nabais, Direito Fiscal, 11.ª edição, Coimbra, págs. 79-80, e o acórdão do STA de 2 de fevereiro de 2011, Processo n.º 0909/10).

 

Por fim, a Lei de Finanças Locais atualmente vigente, aplicável à situação do caso, aprovada pela Lei n.º 73/2013, de 3 de setembro, manteve o regime definido nos n.ºs 1 e 2 do artigo 14.º da Lei n.º 2/2007, limitando-se a definir uma nova fórmula de repartição da derrama nos casos de plurilocalização da atividade das empresas, com base na ponderação de diversos fatores, e que tem em vista assegurar uma mais justa imputação territorial dos lucros (n.º 7).

 

Também nesse quadro legal, a derrama incide sobre o “lucro tributável sujeito e não isento de imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas, que corresponda à proporção do rendimento gerado na sua área geográfica por sujeitos passivos residentes em território português e não residentes com estabelecimento estável nesse território” (n.º 1). Mantendo-se, no mais, a tributação proporcional relativamente a sujeitos passivos que tenham estabelecimentos estáveis ou representações locais em mais do que um município (n.º 2), bem como o princípio, já constante do artigo 18.º, n.º 5, da Lei n.º 42/98 e do artigo 14.º, n.º 5, da Lei n.º 2/2007, segundo o qual, não havendo desconcentração da atividade económica, o rendimento se considera gerado no município em que se situa a sede ou a direção efetiva do sujeito passivo, ou no município em que se situa o estabelecimento estável de sujeitos passivos não residentes (n.º 5).

 

A partir de Lei das Finanças Locais de 2007, deixou de fazer-se referência à finalidade específica da derrama municipal e ao seu carácter excecional, relacionada com a necessidade de reforço da capacidade financeira das autarquias, o que revela que a derrama passou a ser considerada como um imposto autónomo dos municípios, que apenas se encontra condicionado, na sua incidência, pelo lucro tributável apurado pelos sujeitos passivos em sede de IRC. Em todo o caso, não pode deixar de entender-se que a delimitação da derrama municipal por referência à proporção do rendimento gerado na área geográfica do município tem em vista assegurar que a autarquia possa dispor dos meios financeiros suficientes para o desempenho das suas atribuições, mormente por via da receita fiscal proveniente dos operadores económicos que atuam na área da sua circunscrição.

 

6. Face ao regime sucintamente descrito e à sua evolução legislativa, é possível extrair alguns princípios básicos.

 

A derrama começou por incidir sobre a coleta do imposto cobrada na área do respetivo município, encontrando-se destinada à realização de investimentos na autarquia ou ao reforço da capacidade financeira do município.

 

No âmbito da Lei n.º 42/98, a derrama passou a incidir sobre a coleta do IRC que proporcionalmente corresponda ao rendimento gerado na área geográfica do município pelos sujeitos passivos, sendo essa a formulação igualmente adotada pela Lei n.º 2/2007 e pela Lei n.º 73/2013 quando a derrama passou a ser lançada, não já sobre a coleta, mas sobre o lucro tributável em IRC.

 

Também no que se refere à repartição da derrama entre vários municípios, no caso de plurilocalização da atividade económica das empresas, o lucro tributável que serve de base ao apuramento da derrama é o imputável à circunscrição de cada município.

 

E tratando-se de sujeitos passivos não residentes com estabelecimento estável em território nacional, o rendimento considera-se gerado no município em que se situa o estabelecimento e esteja centralizada a contabilidade.

 

 

 

Ao considerar que a derrama tem por base o lucro tributável que corresponda à proporção do rendimento gerado na área geográfica do município ou, no caso de partilha de receita, o lucro tributável que seja imputável à circunscrição de cada município, o legislador tem presente que o município apenas beneficia da derrama incidente sobre a parte do rendimento gerado na sua própria área geográfica. O que significa que não pode ser alocado a um município a derrama proveniente de rendimentos realizados numa outra área territorial.                                                                                                                                      

 

 

O mesmo princípio é aplicável, pelo argumento de maioria de razão, relativamente a rendimentos que um mesmo sujeito passivo tenha auferido em resultado da atividade desenvolvida em país estrangeiro. Com efeito, se a lei contempla, para efeito do lançamento da derrama em cada município, a exclusão de rendimentos obtidos num outro município, com base num critério de territorialidade, há de forçosamente pretender excluir outros rendimentos que, com mais fortes motivos, exigem ou justificam esse mesmo regime, como é o caso de rendimentos que são gerados fora do território português (cfr., quanto ao argumento a fortiori, Baptista Machado, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, Coimbra, 1993, pág. 186).

 

   O Código do IRC estabelece, no artigo 4.º, n.º 1, o princípio da universalidade, segundo o qual as entidades residentes são tributadas numa base universal, com a totalidade dos rendimentos que concorrem para o lucro tributável, independentemente de serem obtidos em Portugal ou no estrangeiro. Ao contrário, os não residentes sem estabelecimento estável ficam sujeitos a imposto exclusivamente segundo uma base territorial, apenas sendo fiscalmente relevados os rendimentos alcançados no território português, que corresponde ao princípio da territorialidade (cfr. sobre este ponto, Gustavo Lopes Courinha, Manual do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas, Coimbra, 2019, págs. 40-41).

 

No entanto, mesmo que, segundo o referido princípio da universalidade, as pessoas coletivas e entidades com sede e direção efetiva em território português se encontrem sujeitas a IRC relativamente à totalidade dos seus rendimentos, incluindo os obtidos fora desse território, nada permite considerar, numa interpretação literal e consentânea com a unidade do sistema jurídico, que os rendimentos auferidos no exterior relevem para o apuramento da derrama, quando esta se encontra - como se deixou evidenciado - diretamente correlacionada com os rendimentos gerados na área geográfica do município. Ou seja, se a tributação apenas incide sobre a proporção do rendimento realizado pelos sujeitos passivos na respetiva circunscrição municipal, não tem qualquer cabimento que devam ser também considerados os rendimentos provenientes de fonte estrangeira, ainda que estes concorram para a formação do lucro tributável, uma vez que, em qualquer caso, não se trata de rendimentos gerados na área do município.

 

Aliás, a interpretação veiculada pela Administração Tributária, para além de não ter correspondência com as regras de hermenêutica jurídica, depara-se com outra dificuldade.

 

 

 

Tendo em consideração o critério de repartição de receita relativamente a sujeitos passivos com estabelecimento estável ou representação local em mais de um município, que resulta do artigo 18.º, n.º 2, da Lei n.º 73/2013, e assenta no lucro tributável imputável à circunscrição de cada município, será de perguntar como seria possível efetuar a partilha entre municípios relativamente aos rendimentos obtidos pelo sujeito passivo no estrangeiro, quando a norma é clara ao estabelecer um critério de imputação a cada município com base num princípio de proporcionalidade no âmbito do território nacional.

 

 

Resta considerar que no sentido da desconsideração, para o apuramento da derrama municipal, dos rendimentos obtidos fora do território nacional, tal como se propugna na presente decisão arbitral, se pronunciou o acórdão do STA de 13 de janeiro de 2021, no Processo n.º 03652/15.

 

Por conseguinte, o pedido arbitral mostra-se ser procedente.

 

Reembolso do imposto liquidado e juros indemnizatórios

 

7. A Requerente pede ainda a condenação da Autoridade Tributária no reembolso do imposto indevidamente pago, acrescido do pagamento de juros indemnizatórios.

 

De harmonia com o disposto na alínea b) do artigo 24.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a Administração Tributária, nos exatos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo, cabendo-lhe “restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito”. O que está em sintonia com o preceituado no artigo 100.º da LGT, aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT.

 

Ainda nos termos do n.º 5 do artigo 24.º do RJAT “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previstos na Lei Geral Tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário”, o que remete para o disposto nos artigos 43.º, n.º 1, da LGT e 61.º, n.º 5, do CPPT, implicando o pagamento de juros indemnizatórios desde a data do pagamento indevido do imposto até à data do processamento da respetiva nota de crédito.

 

No entanto, em caso de erro imputável aos serviços, a obrigação de juros indemnizatórios apenas opera, quando haja lugar a reclamação graciosa, com o indeferimento pela Autoridade Tributária da impugnação administrativa (cfr., neste sentido, os acórdãos do Pleno do STA de 18 de janeiro de 2017, Processo n.º 0890/16, e de 29 de junho de 2022, Processo n.º 093/21). Tendo havido lugar a indeferimento expresso das reclamações graciosas em 8 de setembro de 2023, o termo inicial do cômputo dos juros indemnizatórios apenas se constitui, no caso vertente, em 9 de setembro de 2023.

 

Há assim lugar, na sequência de declaração de ilegalidade dos atos tributários ao pagamento de juros indemnizatórios, nos termos das citadas disposições dos artigos 43.º, n.º 1, da LGT e 61.º, n.º 5, do CPPT, desde 9 de setembro de 2023, calculados sobre a quantia que a Requerente pagou indevidamente, à taxa dos juros legais (artigos 35.º, n.º 10, e 43.º, n.º 4, da LGT).

 

III – Decisão

Termos em que se decide:

 

  1. Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral e anular os atos autoliquidação de derrama municipal referentes aos períodos de tributação de 2020 e de 2021, no montante global de € 3.186.270,22, bem como as decisões de indeferimento das reclamações graciosas contra eles deduzidas;
  2. Condenar a Autoridade Tributária no reembolso do imposto indevidamente pago e no pagamento de juros indemnizatórios desde 9 de setembro de 2023 até à data do processamento da respetiva nota de crédito.

 

Valor da causa

 

Os Requerentes indicaram como valor da causa o montante de € 3.186.270,22, que não foi contestado pela Requerida e corresponde ao valor da liquidação a que se pretendia obstar, pelo que se fixa nesse montante o valor da causa.

 

Custas

 

Nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 24.º, n.º 4, do RJAT, e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e Tabela I anexa a esse Regulamento, fixa-se o montante das custas em € 40.698,00, que fica a cargo da Requerida.

 

 

Notifique.

 

Lisboa, 19 de abril de 2024

 

O Presidente do Tribunal Arbitral

 

Carlos Fernandes Cadilha

 

O Árbitro vogal

 

 

Nuno Pombo

 

 

A Árbitro vogal

 

                                                   

                                                                      Mariana Vargas