Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 622/2023-T
Data da decisão: 2024-05-02  IRS  
Valor do pedido: € 23.826,67
Tema: IRS – Liquidação Oficiosa – al. b) do artigo 76.º e al. c) do n.º 1 do artigo 77.º do CIRS. Residência habitual. Revogação do ato tributário impugnado
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SUMÁRIO:

  1. Qualquer alteração do domicílio fiscal ou da residência tem, nos termos do artigo 19.º da LGT e n.º 1 do artigo 43.º do CPPT, obrigatoriamente de ser comunicado à Administração Tributária.
  2. É ineficaz a alteração do domicílio fiscal ou da residência enquanto não for comunicada à AT e esta, por força do princípio da legalidade, não pode deixar de atuar em função da lei e da informação de que disponha.
  3. Atento os princípios da diligência, da celeridade, da cooperação e boa-fé processual, a não revogação dos atos impugnados no prazo previsto no n.º 1 do artigo 13.º do RJAT não preclude o direito da AT de proceder à sua revogação em momento posterior, desde que tal revogação seja notificada ao Tribunal em momento prévio à prolação da decisão arbitral.

 

 

DECISÃO ARBITRAL

 

  1. RELATÓRIO

I.1 Enquadramento

  1. O contribuinte A..., com o número de identificação fiscal ..., residente em Rua ..., ...–...– São Paulo, Brasil, (doravante designado por Requerente), apresentou junto do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), pedido de constituição de Tribunal Arbitral singular, ao abrigo das disposições conjugadas nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 3.º, n.º 1, 5.º, n.º 2, alínea a), e 10.º, n.ºs 1, alínea a), e 2, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), sendo Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT), (de ora em diante designada por Requerida).
  2. No pedido de pronúncia arbitral (ppa), apresentado em 01.09.2023, o Requerente peticiona que seja declarado ilegal o despacho de indeferimento do Recurso Hierárquico interposto contra a decisão de indeferimento da Reclamação graciosa apresentada contra a liquidação oficiosa de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) n.º 2022..., (Demonstração de Liquidação de IRS), referente a imposto no valor de € 21.100,39, acrescido de juros compensatórios, no valor de € 2.726,28, o que perfaz o valor total de € 23.826,67, referentes ao período de tributação do ano de 2018, e que seja determinada a anulação dos referidos atos de liquidação oficiosa de IRS e de juros compensatórios.
  3. O Requerente não procedeu ao pagamento do IRS e juros compensatórios no prazo de pagamento voluntário e os Serviços competentes da Autoridade Tributária e Aduaneira, conforme previsto no artigo 88.º e 188.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), procederam à extração da certidão de dívida e à instauração do processo de execução fiscal para efeitos de cobrança coerciva da dívida exequenda e acrescido, no valor de € 23.826,67.
  4. O Requerente, na sequência da apresentação da Reclamação graciosa deduzida para sindicar a legalidade da referida liquidação oficiosa de IRS, para obter a suspensão do processo de execução fiscal procedeu à constituição de garantia idónea nos termos previstos nos artigos 169.º e 199.º do CPPT.
  5. Em 04.09.2023 o pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD e foi de imediato notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira. O Requerente optou por não designar árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no n.º 1, do artigo 6.º do RJAT, em 24.10.2023 foi designado, pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa, o ora signatário como Árbitro para integrar o tribunal arbitral singular, o qual, no prazo legal, comunicou a aceitação do encargo.
  6. Tendo sido notificadas desta designação, as Partes não manifestaram vontade de recusar a designação do árbitro, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD e, em conformidade com o preceituado na alínea c), do n.º 1, do artigo 11.º, do RJAT, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, em 14.11.2023, verificou-se a constituição do Tribunal arbitral.
  7. Em 14.11.2023 foi proferido despacho arbitral para a Exm.ª Diretora-geral da Autoridade Tributária e Aduaneira apresentar resposta no prazo legal, nos termos e para os efeitos previstos nas normas do artigo 17.º do RJAT.
  8. Em 30.09.2022, a Requerida veio juntar aos autos a sua resposta, a qual se dá aqui por integralmente reproduzida. A resposta foi suportada pela informação n.º I2023.., elaborada no processo n.º ...2023... da Direção de Serviços de Relações Internacionais, no âmbito da qua foi efetuada uma cuidada análise da factualidade controvertida, e a Requerida conclui que “[a]pós apreciação do pedido de pronúncia arbitral, afigura-se-nos a que a decisão de indeferimento proferida no âmbito do Recurso hierárquico n.º ...2023... deve ser revogada”. Esta proposta de revogação foi sancionada por despacho de 19.11.2023 da Subdiretora-Geral da área dos Impostos sobre o Rendimento.
  9. Em resultado da notificação que lhe foi efetuada pela Requerida, ao abrigo do n.º 2 do artigo 13.º do RJAT, do despacho de 19.11.2023 da Subdiretora-geral da Área dos Impostos sobre o Rendimento, a comunicar a revogação da decisão de indeferimento do Recurso hierárquico, o Requerente, em 11.12.2023, apresentou um Requerimento a manifestar o seu interesse em manter o pedido de pronúncia arbitral, mas agora apenas para apreciação da legalidade da decisão que indeferiu a Reclamação graciosa e da legalidade da liquidação oficiosa de IRS relativa ao período de tributação do ano de 2018.
  10. O Requerente fundamentou a sua manifestação de interesse na circunstância de, através do despacho de 19.11.2023, da Subdiretora-geral da AT, apenas ter sido revogado o despacho que indeferiu o Recurso hierárquico e nada ter sido determinado quanto ao indeferimento da reclamação graciosa e, bem assim, em relação à manutenção ou não na ordem jurídica da liquidação oficiosa de IRS impugnada.
  11. Em ordem a clarificar a situação, em 23 de janeiro de 2024, o Tribunal proferiu despacho arbitral no qual, em síntese, se prescreve que “[a]o abrigo dos princípios da autonomia do Tribunal Arbitral na condução do processo, da celeridade, da simplificação e informalidade processuais (artigos 19.º, n.º 2, e 29.º, n.º 2, do RJAT), tendo em conta que não foram suscitadas exceções e considerando a prova documental produzida, e designadamente a Informação n.º 622/2023-T_CAAD SICJUT ...2023... junta pela Requerida aos presentes autos de Arbitragem Tributária, e a natureza da matéria controvertida, o Tribunal decide:
  1. Dispensar a realização da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e, consequentemente, não inquirir as testemunhas indicadas pelo Requerente;
  2. Notificar a Requerida para se pronunciar sobre o requerimento apresentado pelo Requerente em 11.12.2023;
  3. Determinar que o processo prossiga com alegações escritas facultativas, a apresentar pelas Partes no prazo sucessivo de 15 dias, primeiro a Requerida e subsequentemente a Requerente, a contar da notificação do presente despacho, por aplicação dos normativos do artigo 120.º do CPPT e do artigo 91.º do CPTA, aplicáveis por força do disposto nas alíneas a) e c) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT; (…)”.
  1. Em 25.01.2024, a Requerida pronunciou-se sobre o requerimento do Requerente e disse que “1 - A revogação do ato tributário impugnado após constituição do Tribunal Arbitral, dando satisfação à pretensão formulada pelo Requerente, conforme peticionado, 2 - constitui causa de extinção da instância, por inutilidade superveniente da lide, nos termos do artigo 277.º, alínea e), do Código de Processo Civil (CPC), subsidiariamente aplicável ao processo arbitral tributário, ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT, o que se requer”.
  2. Em 29.01.2024, o Requerente trouxe ao conhecimento do Tribunal a nota de Demonstração de Liquidação de IRS referente à liquidação n.º 2023..., de 15.12.2023, e respetiva Demonstração de Acerto de Contas, documentos que permitem confirmar a efetiva revogação da liquidação oficiosa de IRS n.º 2022..., no valor de € 23.826,67, razão pela qual aceita a inutilidade superveniente da lide e, visto que a revogação dos atos tributários ocorreu após a propositura do pedido de pronúncia arbitral, o Requerente considera que a inutilidade da lide deve ser diretamente imputada à Requerida, devendo esta ser condenada nas custas do processo arbitral, por aplicação da 2.ª parte da norma do n.º 3 do artigo 450.º do Código de Processo Civil.

 

I.2   Da posição do Requerente

14.  O Requerente considera ilegal o despacho de 25.05.202023 do Diretor de Finanças Adjunto da área da Justiça Tributária da Direção de Finanças de Lisboa que indeferiu o Recurso hierárquico interposto contra o despacho de 18.01.2023, proferido pelo Chefe do Serviço de Finanças de Loures ..., que indeferiu a Reclamação graciosa n.º ...2022..., apresentada para sindicar a legalidade do ato de liquidação oficiosa de IRS e de juros compensatórios, no valor de € 23.826,67, relativo ao período de tributação de 2018.

15.  O Requerente considera que, em relação ano de 2018, não tinha de cumprir qualquer obrigação tributária, porquanto, por força do contrato de trabalho que celebrou com a sociedade B... S.R.O., cujo início se verificou em outubro de 2017 e teve termo final em abril de 2019, no ano de 2018 teve residência fiscal na República Checa, na qual dispunha de uma habitação correspondente à sua efetiva residência pessoal, e não na República Portuguesa.

16.  O Requerente invoca que passou a declarar todos os rendimentos auferidos junto das autoridades tributárias da República Checa, o que se verificou até maio de 2019 e que, a partir de julho de 2019, passou a declarar os seus rendimentos na República Federativa do Brasil, visto que passou a ter a sua residência fiscal neste país.

17.  O Requerente reconhece que, não obstante ter a sua residência habitual na República Checa desde 2017, não atualizou de imediato o domicílio que constava do registo do cartão de cidadão e que só em junho de 2021 é que solicitou a atualização do seu domicílio junto do Registo Civil, mas que, ainda, assim, a Autoridade Tributária e Aduaneira o continuou a considerar residente em Portugal.

18.  O Requerente advoga que, em 06.12.2022, quando apresentou a Reclamação graciosa contra a liquidação oficiosa de IRS referente ao ano de 2018, não só nos fundamentos articulados, mas através dos elementos probatórios juntos, quer na petição inicial, quer aquando do exercício de direito de audição, demonstrou de forma suficiente e adequada que no ano de 2018 a sua residência era na República Checa e que nada tinha a declarar perante as autoridades tributárias portuguesas.

19.  Não obstante o esforço do Requerente, a AT optou por persistir no seu intento, tendo indeferido expressamente o recurso hierárquico nos termos da decisão, notificada ao Requerente por ofício de 27.05.2023, porquanto, a AT considerou que o Requerente teria sido  “[…] residente em território nacional até 22.12.2022, data em que passou a residir no Brasil», daí concluindo que «está obrigado a declarar em território nacional a totalidade dos rendimentos auferidos no estrangeiro”, afirmando ainda que “o recorrente continua a não efetuar prova suficiente da sua residência na República Checa, através da apresentação de um certificado de residência fiscal emitido por aquela autoridade fiscal”.

20. O Requerente alega que a AT desconsiderou todo o acervo de documentos apresentado, que, não obstante terem sido assinados eletronicamente e emitidos em três línguas, tendo sido emitidos por Estado Membro da EU têm o valor de original, sendo, porém, de realçar que a AT havia invocado que “[n]os termos do Ofício Circulado n.º 20214 de 09/05/2007 da Direção de Serviços do IRS, na linha do entendimento constante do n.º 3 do Ofício-circulado n.º 20022, de 19/05/2000, da extinta Direção de Serviços de Benefícios Fiscais (….). …mantendo-se a exigência de apresentação pelo contribuinte dos originais ou fotocópias autenticadas dos documentos, os quais serão apresentados devidamente traduzidos, exceto se estiverem redigidos em espanhol, francês, inglês ou alemão”.

21.  O requerente alega que, por todos os documentos juntos aos procedimentos tributários de reclamação graciosa e de Recurso hierárquico, ficou suficientemente demonstrado que, desde outubro de 2017 e até abril de 2019, foi residente na República Checa, onde desenvolveu a sua atividade profissional e residiu em imóvel que constituiu a sua habitação própria e permanente, pelo que, à luz das normas do artigo 16.º do CIRS, não pode ser considerado residente em território português e que a informação que conste das bases de dados da AT jamais poderá sobrestar a efetiva e documentada realidade material.

22. O Requerente invoca diversa jurisprudência do CAAD quanto ao conceito de domicílio fiscal, recorre aos normativos da CDT celebrada entre Portugal e a República Checa e, por fim, invoca o princípio do inquisitório para arguir que incumbia à AT realizar todas as diligências necessárias à recolha e obtenção dos elementos e informação pertinentes e adequados à descoberta da verdade material ou substancial dos factos e relativos à sua situação tributária, e não ficar apenas baseada numa verdade meramente formal.

23.  O requerente considera que, em virtude de, para suspender o processo de execução fiscal instaurado para cobrança coerciva da liquidação oficiosa de IRS e juros compensatórios do ano de 2018, no valor de € 23.826,67, ter sido obrigado, nos termos da lei, a constituir garantia idónea, o que motivou ter de suportar os inerentes encargos, designadamente em sede de imposto do selo, à luz dos normativos do artigo 53.º da LGT e do artigo 171.º do CPPT, deve ser ressarcido dos mesmos por via do pagamento da respetiva indemnização.

24.  Em face das razões aduzidas e de todos os elementos probatórios apresentados, o Requerente considera que os atos em matéria tributária de indeferimento dos procedimentos tributários de Recurso hierárquico e de reclamação graciosa, bem como os atos tributários de liquidação oficiosa de IRS e de juros compensatórios, referentes ao ano de 2018, são ilegais, não podendo subsistir na ordem jurídica, pelo que devem ser anulados e produzidos os subsequentes efeitos legais.

 

I.3   Da posição da Requerida

25.  Após a análise dos argumentos invocados pelo Requerente no pedido de pronúncia arbitral e, em face da informação residente no sistema informático da AT, a Requerida considera como aspetos relevantes que o contribuinte:

  • Teve a sua residência localizada em território nacional até 22.12.2022, data a partir da qual alterou a sua residência fiscal para o Brasil;
  • Nunca apresentou declarações de rendimentos;
  • No ano de 2018 não era proprietário de imóvel afeto a habitação;
  • No ano de 2018 não consta que tenha arrendado imóvel para habitação própria e permanente em Portugal;
  • No ano de 2018 não consta que tenha auferido rendimentos em Portugal;
  • Não apresenta despesas de montante significativo em território nacional;
  • Analisada a composição das despesas realizadas pelo contribuinte, que são do conhecimento da AT, constatou-se que na quase totalidade respeitam a aquisição de serviços de comunicações e serviços de uma agência de viagens.

26.  Em face do contrato de trabalho celebrado em 19.10.2017 entre o Requerente e a sociedade B... S.R.O., sendo esta a entidade pagadora dos rendimentos desde aquela data, verifica-se que o local de trabalho é..., ..., na República Checa, e o número de horas de trabalho foi fixado em 40 horas semanais, demonstrando por esta via que o seu trabalho era exercido na República Checa.

27.  A Requerida considera que, quanto ao critério de permanência previsto na alínea a) do artigo 16.º do Código do IRS, apesar de ser desconhecido o período de permanência em território nacional, face ao montante e composição das despesas efetuadas pelo contribuinte, e ao facto do trabalho ser exercido pelo período de 40 horas semanais na República Checa, tudo indica que o período de permanência em Portugal terá sido inferior a 183 dias, pelo que não se verifica o pressuposto legal ínsito naquele normativo.

28.  Em relação à existência de habitação em condições que façam supor a intenção atual de a manter e ocupar como residência habitual em território nacional, não é conhecida a existência de habitação ao dispor do contribuinte (própria ou arrendada) e, analisadas as despesas conhecidas do ano de 2018, verificou-se não existirem despesas associadas à existência de habitação (p.e. água ou energia), pelo que, assim, não se verifica o cumprimento do pressuposto legal da existência de habitação ao dispor do contribuinte em território nacional previsto na alínea b) do artigo 16.º do Código do IRS, pelo que, consequentemente, no ano de 2018, o contribuinte deve ser considerado residente fiscal na República Checa.

29.  Assim, não sendo o contribuinte considerado residente fiscal em Portugal, o IRS deve incidir unicamente sobre os rendimentos obtidos em território português, em conformidade com o disposto no n.º 2 do artigo 15.º do Código do IRS, concluindo-se, assim, que o contribuinte não se encontra obrigado a declarar os rendimentos auferidos na República Checa.

30.  A Requerida invoca que analisados os factos que originaram a liquidação oficiosa de IRS do ano de 2018, verifica-se que não existe erro imputável aos serviços da AT, na medida em que:

  • A residência fiscal do contribuinte no ano de 2018, e até 22.12.2022, encontrava-se localizada em Portugal. E, nos termos da lei, competia ao contribuinte, aquando da alteração do estatuto de residência, efetuar a sua comunicação à AT no prazo de 60 dias, o que não sucedeu. Este facto é confirmado com a apresentação de pedido de alteração de morada com efeitos retroativos, que o contribuinte veio a efetuar somente em 26.04.2023 através do Portal da Finanças, conforme cópia de documento em anexo ao Pedido de Pronuncia Arbitral – Doc. 5;
  • A própria Autoridade Fiscal Checa, aquando da comunicação de rendimentos à AT, considerou o contribuinte residente fiscal em Portugal e, apenas posteriormente, na altura da emissão do certificado de residência fiscal, o qual foi emitido em 23.11.2022, veio alterar a sua posição, atestando que o contribuinte no ano de 2018 foi residente fiscal na República Checa.

31.  A Requerida considera que não houve erro imputável aos serviços, porquanto a liquidação oficiosa de IRS foi efetuada em conformidade com a informação disponível à data, e sem que o contribuinte tivesse apresentado, nos termos da lei, em momento adequado, o comprovativo da residência fiscal na República Checa.

32. Nesta medida, embora exista fundamento para revogar o ato de liquidação oficiosa de IRS do ano de 2018, a Requerida considera que não há lugar ao pagamento da indemnização, por garantia indevida, prevista no artigo 53.º da LGT e no artigo 171.º do CPPT.

  1. SANEAMENTO

33.  O Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído e é materialmente competente, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro.

34.  O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo, uma vez que foi apresentado no prazo previsto na alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º do RJAT.

35.  As Partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e encontram-se legalmente representadas (cfr. art.º 4.º e n.º 2 do art.º 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011 e art.º 1.º da Portaria n.º 112/2011, de 22 de março).

36.  O processo não enferma de nulidades e não foram invocadas exceções. Assim, passa-se à apreciação e decisão do mérito da causa.

 

  1. FUNDAMENTAÇÃO

III.1. MATÉRIA DE FACTO

III.1.1. Factos provados

37.  Em relação à matéria de facto, o Tribunal não tem de se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas Partes, cabendo-lhe, nos termos do n.º 2 do artigo 123.º do CPPT e do n.º 3 do artigo 607.º do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis por força do artigo 29.º do RJAT, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar os factos considerados provados e os não provados. O tribunal considera provados e relevantes para a decisão arbitral os factos seguintes:

37.1 O Requerente é um sujeito passivo de IRS, mas no ano de 2018 não foi residente em território nacional, visto que por razão de ordem profissional, celebrou um contrato de trabalho com a sociedade B... S.R.O., que se iniciou em outubro de 2017 e terminou no final de abril de 2019, e, consequentemente, residiu na República Checa.

37.2 Ao abrigo do artigo 8.º da Diretiva n.º 2011/16/EU do Conselho de 15 de fevereiro de 2011, relativa à cooperação administrativa no domínio da fiscalidade (transposta para a ordem jurídica nacional através do Decreto-Lei 61/2013 de 10 de maio), a Autoridade Fiscal Checa comunicou à Autoridade Tributária e Aduaneira, que o Requerente, no ano de 2018, tinha auferido rendimentos de trabalho dependente, no valor de € 64.230,79, pagos pela entidade B... S.R.O..

37.3 Uma vez que de acordo com a informação constante do “Sistema de Gestão e Registo de Contribuintes”, o contribuinte no ano de 2018 era residente fiscal em Portugal, a falta de apresentação da declaração de rendimentos modelo 3-IRS, motivou que os Serviços da AT, em face da informação disponível, em 21.09.2022 tivessem procedido à elaboração de Documento Único de Correção (DCU), com vista à realização de liquidação oficiosa em conformidade com o disposto no artigo 76.º, n.º 1, al. b) do Código do IRS, que estipula que “[n]ão tendo sido apresentada declaração, a liquidação tem por base os elementos de que a Autoridade Tributária e Aduaneira disponha”.

37.4 Este DUC deu lugar à liquidação oficiosa de IRS n.º 2022 ... e à liquidação de juros compensatórios n.º 2022-..., que originaram a Nota de cobrança n.º 2022..., no valor total de € 23.826,67, relativas ao período de tributação de 2018.

37.5 Em 26.04.2023, através do Portal das Finanças, o Requerente procedeu à atualização do seu domicílio fiscal, sendo que até esta data no cadastro da AT constava como residente em Portugal.

37.6 Em 06.12.2022, o Requerente apresentou Reclamação graciosa, a que foi atribuído o n.º ...2022..., contra a liquidação oficiosa de IRS e juros compensatórios, no valor de € 23.826,67, relativo ao período de tributação do ano de 2018.

37.7 Em 10.02.2023, o Requerente apresentou Recurso Hierárquico, a que foi atribuído o n.º ...2023..., contra o despacho de 18.01.2023 do Chefe do Serviço de Finanças de Loures ..., que indeferiu a Reclamação graciosa interposta para sindicar a legalidade do ato de liquidação oficiosa de IRS, no valor de € 23.826,67, referente ao ano de 2018.

37.8 O Recurso hierárquico deduzido contra a decisão de indeferimento da Reclamação graciosa n.º ...2022..., por despacho de 25.05.2023, do Diretor de Finanças Adjunto da Área da Justiça Tributária da DF de Lisboa, proferido ao abrigo de delegação de competências, foi indeferido.

37.9 O Requerente celebrou com a sociedade B... S.R.O. um contrato de trabalho, cujo termo inicial se verificou em outubro de 2017 e o termo final em abril de 2019.

37.10. No ano de 2018, o Requerente teve a sua residência fiscal na República Checa, tendo cumprido as obrigações tributárias e pago os respetivos impostos nesta jurisdição, e a partir de julho de 2019 a sua residência fiscal passou a ser no Brasil.

37.11 Em 01.09.2023, o Requerente apresentou pedido de pronúncia arbitral.

37.12 Em 04.12.2023, a Requerida comunicou ao Tribunal que o despacho de indeferimento do Recurso hierárquico foi revogado por despacho de 19.11.2023 da Subdiretora-geral da Área dos Impostos sobre o Rendimento.

37.13 Em 21.01.2024, a Requerida comunicou ao Tribunal que, através do despacho de 19.11.2023 da Subdiretora-geral, foi não só revogado o despacho de indeferimento do Recurso hierárquico, mas também o ato tributário de liquidação oficiosa de IRS, no valor de € 23.826,67, referente ao ano de 2018, pelo que, por força da norma da alínea e) do artigo 277.º do Código de Processo Civil, subsidiariamente aplicável ao processo arbitral tributário, ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT, se verifica inutilidade superveniente do pedido de pronúncia arbitral.

III.1.2. Factos não provados

38.  Os factos provados baseiam-se nos documentos apresentados pelas Partes e juntos ao processo arbitral, não existindo, com relevo para a decisão, factos que devam considerar-se como não provados.

 

III.2. MATÉRIA DE DIREITO

39.  A matéria controvertida no presente pedido de pronúncia arbitral é relativa à localização do domicílio fiscal do sujeito passivo da relação jurídica tributária, na medida em que, sendo a sua residência habitual em Portugal, nos termos do n.º 2 do artigo 1.º do Código do IRS, ficam sujeitos a tributação os rendimentos, quer em dinheiro, quer em espécie, seja qual for o local onde tenham sido obtidos, a moeda e a forma por que sejam auferidos.

40.  Em relação ao Requerente, até ao dia 26. 04.2023, a informação registada nas bases de dados da AT indicava que o contribuinte tinha o seu domicílio fiscal em território nacional, pelo que, perante a informação fornecida pelas autoridades tributárias da República Checa, e a falta de apresentação da declaração de rendimentos modelo 3-IRS, os serviços da AT tiveram de proceder à realização de liquidação oficiosa de IRS e de juros compensatórios para o período de tributação do ano de 2018, dando, assim, cumprimento aos normativos da alínea b) do n.º 1 e do n.º 3 do artigo 76.º e da alínea c) do n.º 1 do artigo 77.º do Código do IRS, sob pena de violação dos princípios da legalidade e da capacidade contributiva.

41.  Em face da informação disponível os Serviços competentes da AT, em relação ao ano de 2018, efetuaram a liquidação oficiosa de IRS e de juros compensatórios, no valor de € 23.826,67, que foi validamente notificada ao contribuinte para efeitos de pagamento voluntário. Perante a ausência de pagamento voluntário foi instaurado o processo de execução fiscal com vista à cobrança coerciva da dívida exequenda e acrescido.

42.  Em face da norma do n.º 1 do artigo 13.º do Código do IRS ficam sujeitos a tributação nesta cédula as pessoas singulares que residam em território português e as que, nele não residindo, aqui obtenham rendimentos.

43.  Para efeitos de tributação em IRS, à luz das normas do n.º 1 do artigo 16.º do Código do IRS, são consideradas residentes em território português as pessoas que, no ano a que respeitam os rendimentos:

  • Hajam nele permanecido mais de 183 dias, seguidos ou interpolados, em qualquer período de 12 meses com início ou fim no ano em causa;
  • Tendo permanecido por menos tempo, aí disponham, num qualquer dia do período referido no ponto anterior, de habitação em condições que façam supor intenção atual de a manter e ocupar como residência habitual;
  • Em 31 de dezembro, sejam tripulantes de navios ou aeronaves, desde que aqueles estejam ao serviço de entidades com residência, sede ou direção efetiva nesse território;
  • Desempenhem no estrangeiro funções ou comissões de carácter público, ao serviço do Estado Português.

44.  Não obstante a argumentação aduzida e elementos probatórios apresentados em sede de procedimentos tributários de reclamação graciosa e de recurso hierárquico, os serviços da AT, em face da informação registada no cadastro dos contribuintes, mantiveram o entendimento de que o Requerente, no ano de 2018, tinha o domicílio fiscal, logo a sua residência habitual, em território português, pelo que os rendimento do trabalho dependente auferidos na República Checa estavam sujeitos a tributação em sede de IRS, pelo que os procedimentos de reclamação graciosa e de recurso hierárquico foram indeferidos.

45.  Ao abrigo das normas da alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º, alínea a) do n.º 2 do artigo 5.º e alínea a) do artigo 10.º do RJAT, o Requerente formalizou junto do CAAD pedido de pronúncia arbitral com vista á revogação do despacho de indeferimento do Recurso hierárquico, proferido em 25.05.2023 pelo Diretor de Finanças Adjunto da área da Justiça Tributária da Direção de Finanças de Lisboa, e dos atos de liquidação oficiosa de IRS e de juros compensatórios, no valor de € 23.826,67, referentes ao ano de 2018, com fundamento em ilegalidade.

46.  Atento o disposto na norma do n.º 1 do artigo 13.º do RJAT, nos pedidos de pronúncia arbitral que tenham por objeto a apreciação da legalidade dos atos tributários de liquidação de tributos, o dirigente máximo do serviço da Administração Tributária pode, no prazo de 30 dias a contar do conhecimento do pedido de constituição do tribunal arbitral, proceder à revogação, ratificação, reforma ou conversão do ato tributário cuja ilegalidade tenha sido suscitada, praticando, quando necessário, ato tributário substitutivo, devendo notificar o presidente do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) da sua decisão, iniciando-se então a contagem do prazo referido na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT.

47.  Os Serviços da AT não procederam à revogação dos atos impugnados no prazo de 30 dias previsto no n.º 1 do artigo 13.º do RJAT, mas só em momento posterior à constituição do Tribunal arbitral, o qual foi constituído em 14.11.2023, porquanto, o despacho da Subdiretora-geral da área dos Impostos sobre o Rendimento que procedeu à revogação da decisão de indeferimento do recurso hierárquico e dos atos de liquidação oficiosa de IRS e de juros compensatórios, no valor de € 23.826,67, relativos ao ano de 2018, foi proferido em 19.11.2023 e posteriormente, nos termos do n.º 2 do artigo 13.º do RJAT, notificado ao Requerente.

48.  Considerando que, nos termos da norma do n.º 5 do artigo 13.º do RJAT, é atribuído à apresentação do pedido de constituição de tribunal arbitral os efeitos da apresentação de impugnação judicial, e que, por força da alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT, se aplicam subsidiariamente ao processo de arbitragem tributária os normativos do Código de Procedimento e de Processo Tributário, dever-se-á entender ser admissível que os órgãos competentes da AT procedam à revogação dos atos impugnados no pedido de pronúncia arbitral em momento posterior à constituição do Tribunal arbitral, designadamente em sede de preparação do processo administrativo e apresentação da respetiva resposta nos termos do artigo 17.º do RJAT, à semelhança do que ocorre no âmbito do processo de impugnação judicial, nos termos dos artigos 111.º e 112.º do CPPT.

49.  Inclusive, atento os princípios da diligência e da celeridade aplicáveis no âmbito do procedimento tributário e dos princípios processuais ínsitos no artigo 16.º do RJAT que regem o Tribunal arbitral, designadamente os princípios da igualdade das partes e da cooperação e boa-fé processual, dever-se-á entender que os serviços da Requerida possam proceder à revogação dos atos impugnados a todo o tempo, desde que o Tribunal seja notificado dessa decisão em momento anterior à prolação da decisão arbitral.

50.  Em face da revogação dos atos impugnados caberá ao Tribunal verificar se os pedidos formulados no pedido de pronúncia arbitral estão todos abrangidos pela decisão revogatória e se assim for verificar-se-á a perda de objeto do ppa, pelo que restará ao Tribunal, em face da norma da alínea e) do artigo 277.º do Código de Processo Civil, declarar extinta a instância com fundamento na inutilidade superveniente da lide.

51.  Todavia, importa considerar que in casu, conjuntamente com o pedido de declaração de ilegalidade do despacho de indeferimento do Recurso hierárquico e dos atos de liquidação oficiosa de IRS e de juros compensatórios, o Requerente, outrossim pediu, nos termos do artigo 53.º da LGT e do artigo 171.º do CPPT, o pagamento de indemnização por prestação de garantia indevida, para além de ser necessário decidir a quem deve ser imputado o encargo do pagamento das custas do processo arbitral.

52.  O requerente para suspender o processo de execução fiscal n.º ...2022... instaurado com vista à cobrança coerciva da dívida exequenda e acrescido relativa à liquidação oficiosa de IRS e de juros compensatórios, no valor de € 23.826,67, em 31.01.2023 procedeu, nos termos dos artigos 169.º e 199.º do CPPT, à constituição de garantia idónea, ónus legal que o obrigou a ter de suportar os encargos inerentes à formalização da referida garantia, designadamente, em sede de imposto do selo e demais encargos administrativos.

53.  A indemnização pedida tem por escopo ressarcir o Requerente dos referidos encargos caso se verifique que a prestação da garantia foi indevida, designadamente pela circunstância de se verificar existir erro imputável aos serviços na realização dos atos de liquidação oficiosa de IRS e de juros compensatórios referentes ao ano de 2018.

54.  Os referidos atos de liquidação tiveram por base a informação disponível pela AT, a qual apontava no sentido de no ano de 2018 o contribuinte ser residente em território nacional e ter auferido rendimentos de trabalho dependente na República Checa e, por outro lado, não ter procedido à apresentação da declaração de rendimentos modelo 3-IRS no prazo previsto no artigo 60.º do Código do IRS, circunstâncias que, à face da lei, determinaram a efetivação da liquidação oficiosa de IRS e de juros compensatórios.

55.  O contribuinte ao ter celebrado um contrato de trabalho com a sociedade B... S.R.O., e ter fixado, a partir de outubro de 2017 e até abril de 2019, a sua residência na República Checa, estava obrigado, em conformidade com o normativo do n.º 5 do artigo 19.º da LGT, a comunicar, no prazo de 60 dias, à Administração Tributária a alteração do estatuto de residência, sob pena de tal mudança ser ineficaz.

56.  Em face dos elementos juntos ao pedido de pronúncia arbitral verifica-se que, não obstante o Requerente ter alterado o seu domicílio inscrito no cartão de cidadão em junho de 2021, só em 26.04.2023, através do Portal das Finanças, é que formalizou o pedido de atualização do seu domicílio fiscal.

57.  Importa considerar que o conceito de domicílio fiscal inscrito no artigo 19.º da LGT, para as pessoas singulares corresponde à sua residência habitual e que qualquer alteração ocorrida em relação a esta, por força das normas do n.º 3 do artigo 19.º da LGT e do n.º 1 do artigo 43.º do CPPT, tem obrigatoriamente de ser comunicada à Autoridade Tributária e Aduaneira no prazo de 15 dias.

58.  A falta da referida comunicação determina que a alteração do domicílio fiscal seja ineficaz o que implica que para os serviços da AT a residência do sujeito passivo é a que consta inscrita nas bases de dados da AT e, em relação a procedimentos e processos tributários, os serviços têm de atuar em função da lei e em conformidade com a informação de que dispõem.

59.  Consequentemente, ter-se-á de concluir que, caso o contribuinte tivesse procedido ao cumprimento da obrigação tributária acessória de comunicação de alteração do seu domicílio fiscal, a AT teria tido acesso a informação correta e consentânea com a real situação geográfica da localização da residência habitual do contribuinte e não teria havido lugar à efetivação da liquidação oficiosa de IRS e de juros compensatórios em relação ao ano de 2018. Portanto, importa concluir que na realização dos referidos atos de liquidação não se verificou qualquer erro imputável aos serviços da AT, ao invés, estes apenas agiram em conformidade com a informação disponível e à luz dos normativos legais vigentes e aplicáveis à situação tributária do contribuinte.

60.  Nesta medida, atento o período temporal em que o contribuinte foi obrigado a constituir e a manter a garantia para suspender o processo de execução fiscal e perante a ausência de erro imputável aos serviços da AT, em face dos normativos dos n.ºs 1 e 2 do artigo 53.º da LGT, não há lugar ao pagamento de qualquer indemnização por prestação de garantia indevida.

61.  O processo de arbitragem tributária está sujeito ao pagamento de custas processuais nos termos dos normativos do Regulamento das Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, que, genericamente, são designadas por taxa de arbitragem, compreendendo todas as despesas resultantes da condução do processo arbitral e os honorários dos árbitros e a cujo regime se aplica subsidiariamente o Código de Procedimento e de Processo Tributário.

62.  Assim, em matéria de custas processuais, por força do CPPT, para determinar a quem deve ser imputado o encargo das custas processuais impõe-se a aplicação subsidiária do Código de Processo Civil.

63.  A fixação do montante das custas finais do processo arbitral e a eventual repartição pelas partes é efetuada na decisão arbitral que vier a ser proferida pelo Tribunal arbitral tal como disposto no n.º 2 do artigo 12.º do RJAT, pelo que, atento o disposto no n.º 1 do artigo 527.º do CPC, o Tribunal deve condenar no pagamento das custas a parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento da ação, quem do processo tirou aproveitamento.

64.  Considerando que, em face dos procedimentos tributários de reclamação e de recurso hierárquico e, designadamente, do conhecimento do pedido de pronúncia arbitral, os serviços da Requerida dispunham de todos os elementos e informação necessários à adequada análise e decisão da matéria controvertida, pelo que a revogação dos atos impugnados podia ter sido efetuada em momento anterior à constituição do Tribunal arbitral e não no momento em que se veio a verificar. Nesta medida, impõe-se concluir que quem deu causa à presente ação de arbitragem tributária foram os serviços da Requerida e, assim, sendo o encargo das custas processuais tem de recair sobre esta.

 

IV. DO PEDIDO DE INDEMNIZAÇÃO

65.  A cobrança da prestação tributária suspende-se no processo de execução fiscal em virtude de pagamento em prestações ou reclamação, recurso, impugnação e oposição à execução que tenham por objeto a ilegalidade ou inexigibilidade da dívida exequenda. A suspensão da execução fiscal depende da prestação de garantia idónea nos termos das leis tributárias, conforme previsto nas normas dos n.ºs 1 e 2 do artigo 52.º da LGT articuladas com os normativos dos artigos 169.º e 199.º do CPPT.

66.  O contribuinte não procedeu ao pagamento da liquidação de IRS e de juros compensatórios, no valor de € 23.826,67, no prazo de pagamento voluntário e, consequentemente, foi instaurado processo de execução fiscal para efeitos de cobrança coerciva da dívida exequenda e acrescido.

67.  Para arguir a ilegalidade do ato de liquidação oficiosa de IRS do ano de 2018, o contribuinte deduziu Reclamação graciosa e contra o indeferimento desta interpôs, nos termos do artigo 80.º da LGT e dos artigos 66.º e 67.º do CPPT, recurso hierárquico, e atento o indeferimento deste procedimento tributário, apresentou o presente pedido de pronúncia arbitral.

68.  Para obter a suspensão do processo de execução fiscal, atenta a norma do n.º 8 do artigo 169.º do CPPT, o contribuinte procedeu à constituição de garantia idónea, nos termos previstos no artigo 199.º do CPPT.

69.  Importa considerar que, nos termos da norma do n.º 5 do artigo 13.º do RJAT, é atribuído à apresentação de pedido de constituição de tribunal arbitral os efeitos da apresentação de impugnação judicial, nomeadamente no que se refere à suspensão do processo de execução fiscal, razão pela qual o contribuinte teve de manter a garantia até se verificar a produção de efeitos emergentes da revogação do ato de liquidação oficiosa de IRS do ano de 2018, com a subsequente extinção do processo de execução fiscal e o cancelamento da garantia constituída pelo executado.

70.  As normas dos n.ºs 1 e 2 do artigo 53.º da LGT estabelecem que o devedor que, para suspender a execução fiscal, ofereça garantia bancária ou equivalente será indemnizado total ou parcialmente pelos prejuízos resultantes da sua prestação, caso a tenha mantido por período superior a três anos em proporção do vencimento em recurso administrativo, impugnação ou oposição à execução que tenham como objeto a dívida garantida. O prazo de três anos não se aplica quando se verificar, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços da AT na liquidação do tributo.

71.  Por sua vez, das normas do artigo 171.º do CPPT, decorre que, em caso de garantia bancária ou equivalente indevidamente prestada, a indemnização deve ser requerida no processo em que seja controvertida a legalidade da dívida exequenda, isto é, na reclamação graciosa, impugnação judicial (pedido de pronúncia arbitral) ou recurso.

72.  O Requerente, no presente pedido de pronúncia arbitral, conjuntamente com o pedido de revogação do despacho de indeferimento do recurso hierárquico e dos atos de liquidação oficiosa de IRS e de juros compensatórios do ano de 2018, formulou pedido de indemnização por prestação de garantia indevida, em ordem a ser ressarcido dos encargos suportados com a constituição e manutenção da garantia prestada com vista a obter a suspensão do processo de execução fiscal n.º ...2022..., instaurado para efeitos de cobrança coerciva da referida liquidação oficiosa de IRS do ano de 2018.

73.  O contribuinte procedeu à constituição de garantia no processo de execução fiscal em 31.01.2023 e o despacho da Subdiretora Geral da AT que determinou a revogação dos atos tributários impugnados no presente ppa foi proferido em 19.11.2023. Constata-se, assim, que a garantia foi constituída e mantida por período não superior a três anos, pelo que, nos termos do n.º 1 do artigo 53.º da LGT, só seria devida indemnização por prestação de garantia indevida, caso a realização da liquidação oficiosa de IRS do ano de 2018 fosse devida a erro imputável aos serviços da AT, o que in casu não se verifica.

74.  Com efeito, atenta a circunstância do contribuinte ter ido exercer a sua atividade profissional para a República Checa e ter sediado neste território a sua residência habitual e o seu domicílio fiscal, devia de imediato ter comunicado, nos termos dos normativos do artigo 19.º da LGT e do artigo 43.º do CPPT, a alteração do seu domicílio fiscal, comunicação que é obrigatória. Verifica-se que o contribuinte só procedeu à alteração do seu domicílio fiscal em 26.04.2023, o que motivou que até àquela data constasse no cadastro da AT que o seu domicílio fiscal se localizava em território nacional, visto que, nos termos da norma do n.º 4 do artigo 19.º da LGT, é ineficaz a mudança de domicílio enquanto não for comunicada à Administração Tributária.

75.  Assim, atenta esta circunstância, importa concluir que na realização da liquidação oficiosa de IRS e de juros compensatórios do ano de 2018 não se verificou qualquer erro imputável aos serviços da AT, porquanto, a liquidação foi efetuada de acordo com a informação constante das bases de dados da AT e em observância dos normativos da alínea b) do n.º 1 e do n.º 3 do artigo 76.º e da alínea c) do n.º 1 do artigo 77.º do Código do IRS.

76.  Nesta medida, não há lugar ao pagamento de qualquer indemnização por prestação de garantia indevida.

 

  1. DECISÃO

Nestes termos, o Tribunal Arbitral decide:

  1. Declarar extinta a instância com fundamento na inutilidade superveniente do pedido de pronúncia arbitral;
  2.  Condenar a Requerida no pagamento das custas processuais.

 

  1. VALOR DO PROCESSO

De harmonia com o disposto nos artigos 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT), artigo 97.º-A, n.º 1, al. a) do CPPT e artigo 306.º do Código de Processo Civil (CPC), fixa-se o valor do processo em € 23.826,67 (Vinte e três mil oitocentos e vinte e seis euros e sessenta e sete cêntimos), valor que corresponde à liquidação de IRS impugnada.

 

  1. CUSTAS

O valor das custas é fixado em € 1.224.00 (mil duzentos e vinte e quatro euros) ao abrigo do artigo 22.º, n.º 4 do RJAT e da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT), a cargo da Requerida, de acordo com o disposto nos artigos 12.º, n.º 2 do RJAT e 4.º, n.º 5 do RCPAT.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 2 de maio de 2024

 

 

O Árbitro

 

 

Jesuíno Alcântara Martins