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SUMÁRIO
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Uma empresa cuja atividade principal não esteja relacionada com o setor financeiro, por não exercer, nem diretamente nem por intermédio de participações, uma ou mais das atividades enumeradas no anexo I da Diretiva 2013/36, não pode ser considerada uma instituição financeira, na aceção da Diretiva 2013/36 e do Regulamento n.º 575/2013.
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Resulta do artigo 3.º, n.º 1, ponto 22, da Diretiva 2013/36 e do artigo 4.º, n.º 1, ponto 26, do Regulamento n.º 575/2013 que uma empresa cuja atividade consista na aquisição de participações em sociedades que não exerçam atividades no setor financeiro não está abrangida pelo conceito de «instituição financeira», na aceção desta diretiva e deste regulamento.
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O artigo 5.°, n.° 2, alínea b), da Diretiva 2008/7 opõe-se a uma legislação nacional que preveja a cobrança de um imposto do selo a título dos montantes pagos por uma sociedade de capitais a entidades bancárias às quais tenha confiado a colocação em mercado de títulos negociáveis, como obrigações e papel comercial de novas emissões, ou serviços de intermediação financeira para efeitos, seja de publicação de ofertas para recompra ou compra de obrigações que impliquem a extinção definitiva da dívida que essas obrigações representam, seja de colocação em mercado e subscrição de novas obrigações, seja, ainda, de subscrição de novas ações com vista ao aumento do seu capital social, independentemente da questão de saber se as sociedades emitentes dos títulos em questão estão obrigadas, por lei, a recorrer aos serviços de um terceiro, ou se optaram por recorrer aos mesmos de forma voluntária.
DECISÃO ARBITRAL
Os árbitros Fernando Araújo (árbitro-presidente), Jorge Bacelar Gouveia e David Oliveira Silva Nunes Fernandes (árbitros vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 04-05-2022, acordam no seguinte:
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RELATÓRIO
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A..., SGPS, S.A., sociedade comercial titular do NIF ..., com sede em ... ...-... ... ... (doravante “A...”), e B..., SGPS, S.A., sociedade comercial titular do NIF..., com sede na Rua ..., n.º ..., ...-... ... (doravante “B...”), em conjunto, “as Requerentes”, apresentaram, em coligação, pedido de pronúncia arbitral sobre (i) o ato de indeferimento do pedido de revisão oficiosa, notificado através do Ofício n.º ...-DJT/2021, de 24 de novembro de 2021, no âmbito do PROAT ...2021..., na parte que apreciou o mérito dos atos de liquidação de Imposto do Selo (doravante, também “IS”) de 2019 da A..., bem como sobre (ii) o despacho de indeferimento de reclamação graciosa, notificado através do Ofício n.º ...-DJT/2021, de 25 de novembro de 2021, no âmbito da RG ...2021..., que apreciou o mérito dos atos de liquidação de IS de 2019 e 2020 da A... e da B... .
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O presente tribunal arbitral foi constituído no dia 4 de maio de 2022.
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Nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 17.º, nºs 1 e 2, do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (“RJAT”), a Requerida foi notificada, em 4 de maio de 2022, para, no prazo de 30 (trinta) dias, (i) apresentar resposta e solicitar prova adicional, bem como para (ii) remeter ao Tribunal Arbitral cópia do processo administrativo.
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No dia 16 de maio de 2022, as Requerentes apresentaram requerimento de junção aos autos de documentos complementares ao pedido de pronúncia arbitral, os quais havia protestado juntar.
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No dia 8 de junho de 2022, a Requerida apresentou a sua resposta, pugnando, a final, pela improcedência do pedido de pronúncia arbitral apresentado pelas Requerentes.
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No dia 9 de junho de 202, a Requerida solicitou a junção aos presentes autos arbitrais do processo administrativo que havia protestado juntar.
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No dia 17 de junho de 2022, as partes foram notificadas do despacho prolatado pelo Tribunal Arbitral, datado de 15 de junho de 2022, no sentido de (i) dispensar a realização da reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT, considerando que as questões subsistentes são essencialmente de direito, e estão exclusivamente dependentes da produção de prova documental, (ii) notificar as Requerentes para, querendo, apresentarem alegações finais no prazo de 10 (dez) dias, (iii) notificar a Requerida para, querendo apresentar alegações finais no prazo de 10 (dez) dias contado da notificação das alegações das Requerentes, ou da falta de apresentação das mesmas, (iv) facultar a possibilidade às Requerentes de, no âmbito das suas alegações finais, exercerem o contraditório relativamente à documentação junta aos autos pela Requerida no contexto da sua contestação, (v) informar as partes que a decisão final seria proferida e comunicada até 4 de novembro de 2022, devendo as Requerentes pagar o remanescente da taxa de arbitragem até essa data e (vi) solicitar às partes o envio dos articulados em versão word, com vista a facilitar e abreviar a elaboração da decisão final.
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No dia 1 de julho de 2022, as Requerentes apresentaram as suas alegações finais.
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A Requerida não apresentou alegações finais.
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No dia 26 de outubro de 2022 foi proferido despacho de prorrogação do prazo para prolação da decisão final por dois meses, até ao dia 4 de janeiro de 2023.
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No dia 20 de dezembro de 2022 foi determinada a suspensão da instância até à decisão do Tribunal de Justiça da União Europeia (“TJUE”), proferida nos autos de reenvio prejudicial correspondentes ao processo C-290/22, no âmbito do qual foi formulada a seguinte questão prejudicial pelo Supremo Tribunal Administrativo no contexto dos autos n.º 0118/20.3BALSB, em tudo idêntica à que seria pertinente formular nos presentes autos arbitrais:
“Uma sociedade gestora de participações sociais domiciliada em Portugal, regulada pelo disposto no Decreto-Lei n.º 495/88, de 30 de dezembro, que tem como único objeto a gestão de participações sociais doutras sociedades que não integram o sector dos seguros, subsume-se ao conceito de instituição financeira constante do artigo 3.º, n.º 1, ponto 22, da Diretiva 2013/36/UE (1) e do artigo 4.º, n.º 1, ponto 26, do Regulamento UE n.º 575/2013 (2)?”.
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Subsequentemente, no dia 27 de dezembro de 2022, foi exarado novo despacho arbitral, solicitando ao CAAD que obtivesse, dos serviços do Supremo Tribunal Administrativo, informação relativa à decisão tomada pelo TJUE nos autos n.º C-290/22, iniciados pelo reenvio prejudicial decidido nos autos n.º 0118/20.3BALSB.
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No dia 17 de janeiro de 2023 foi recebido ofício do Supremo Tribunal Administrativo, dando nota de que os autos aguardavam decisão.
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No dia 16 de fevereiro de 2024 foi recebida comunicação via e-mail, remetida pelos serviços administrativos do Supremo Tribunal Administrativo, dando conhecimento do acórdão proferido pelo TJUE nos autos n.º C-290/22, iniciados pelo reenvio prejudicial decidido nos autos n.º 0118/20.3BALSB, bem como da decisão proferida pelo Supremo Tribunal Administrativo no âmbito destes autos, com indicação do respetivo trânsito em julgado.
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No dia 6 de março de 2024, as Requerentes apresentaram requerimento aos autos, solicitando a admissão da junção aos mesmos das decisões proferidas pelo TJUE no âmbito dos processos n.º C-335/22 e C-416/22, bem como das decisões proferidas por tribunais arbitrais constituídos junto do CAAD, no âmbito dos autos 208/2021-T e 646/2021-T.
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Em Despacho de 11 de março de 2024, foi concedido à AT o exercício do contraditório, e fixado novo prazo para a prolação e comunicação da decisão arbitral.
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A AT não exerceu o contraditório quanto ao requerimento de 6 de março de 2024 das Requerentes.
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POSIÇÃO DAS PARTES
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As Requerentes sufragam o entendimento segundo o qual os atos tributários subjacentes aos montantes que suportaram economicamente a título de Imposto do Selo, em janeiro de 2019, no caso da A..., e nos anos de 2019 e 2020, no caso da B..., num total agregado de 161.754,15 EUR (cento e sessenta e um mil setecentos e cinquenta e quatro euros e quinze cêntimos), liquidados por entidades concedentes de crédito e de garantia ou credoras de juros, são inválidos e, consequentemente, anuláveis, com fundamento, essencialmente, no seguinte:
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As Requerentes são sociedades gestoras de participações sociais e o seu objeto social consiste na gestão de participações sociais como forma indireta de exercício de atividades económicas.
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No âmbito da sua atividade social, as Requerentes recorreram a financiamento junto de instituições de crédito, ou colocado por instituições de crédito junto de investidores (papel comercial e/ou obrigações), bem como suportaram juros e comissões por intermediação financeira junto de várias instituições financeiras e de crédito, relativamente às quais incidiu IS, nos termos das várias rúbricas aplicáveis da Verba 17 da TGIS.
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O Imposto do Selo incidiu sobre a concessão de crédito, comissões e juros nos termos da Verba 17 da TGIS, que estabelece a incidência objetiva sobre as operações financeiras, nomeadamente as realizadas por, ou com intermediação de, instituições de crédito, sociedades financeiras ou outras entidades a elas legalmente equiparadas e quaisquer outras instituições financeiras.
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As Requerentes, como tem sido prática no mercado, contrataram serviços de intermediação financeira prestados por bancos, com uma vasta rede de balcões no país, e com forte experiência, no âmbito dos programas de emissões de papel comercial e de obrigações, nomeadamente para a assistência e emissão e/ou colocação de valores mobiliários e prestação de serviços conexos, incluindo o pagamento, por conta e ordem das entidades emitentes, o registo da emissão, a comercialização, a produção e a divulgação dos produtos no mercado, e a guarda dos títulos.
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São atividades de intermediação financeira, os serviços e atividades de investimento em títulos, bem como os serviços auxiliares dos serviços e atividades de investimento.
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A alínea c) do n.º 1 do artigo 7.º do Código do Imposto do Selo (doravante, também “CIS”) prevê a aplicação de uma isenção de imposto a determinadas operações, tais como os juros e comissões cobrados, as garantias prestadas e a utilização de crédito concedido (elemento objetivo), quando a mutuante seja uma instituição de crédito, sociedade financeira ou instituição financeira, e a mutuária seja de se considerar uma sociedade de capital de risco, ou uma sociedade ou entidade cuja forma e objeto preencha os tipos de instituições de crédito, sociedades financeiras e instituições financeiras previstos na legislação comunitária, desde que ambas sejam domiciliadas em Estados membros da União Europeia ou em qualquer outro Estado, desde que não se trate de um território com regime fiscal privilegiado (elemento subjetivo).
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A referida alínea e) do n.º 1 do artigo 7.º do CIS mais alude, especificamente, “Aos juros e comissões cobrados, as garantias prestadas e, bem assim, a utilização de crédito”.
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Na situação vertente discute-se o enquadramento tributário, em sede de IS, da utilização de crédito, comissões e juros pagos como remuneração de financiamentos bancários, pelo que é evidente que o critério objetivo requerido para aplicação da isenção prevista na referida norma se encontra preenchido.
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Quanto ao preenchimento do critério subjetivo previsto na alínea e) do n.º 1 do artigo 7.º do CIS, cumpre notar que a lei fiscal não define os conceitos de “instituição de crédito”, “sociedade financeira” ou “instituição financeira”, sendo necessário recorrer à definição destes conceitos na legislação relevante, como estipula o artigo 11.º, n.º 2 da LGT, que será, in casu, a legislação bancária e financeira.
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A remissão para a legislação europeia, prevista na alínea e) do n.º 1 do artigo 7.º do CIS, deverá ser entendida como uma remissão dinâmica, pretendendo referir-se aos conceitos de “instituição de crédito”, “sociedade financeira” ou “instituição financeira” que se encontrem previstos no direito europeu à data em que se pretenda exercer o direito à isenção invocada.
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É na Diretiva Bancária (Diretiva n.º 2013/36/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26-06-2013) e no Regulamento (UE) n.º 575/2013, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26-06-2013, que se encontram definidos os conceitos de “instituição de crédito” e “instituição financeira”, para os quais, de resto, também a legislação doméstica remete (cfr. o disposto na alínea z) do artigo 2.º-A do RGICSF).
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A Diretiva Bancária declara, no seu artigo 3.º, n.º 1, ponto 22), como sendo uma instituição financeira, para efeitos da Diretiva, “uma instituição financeira na aceção do artigo 4.º, n.º 1, ponto 26), do Regulamento (UE) n.º 575/2013”.
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O Regulamento (UE) n.º 575/2013, na versão até 26-06-2019 – para que é efetuada a remissão –, no seu artigo 4.º, n.º 1, ponto 26) sob a epígrafe “Definições”, prescreve que deve entender-se como instituição financeira “uma empresa que não seja uma instituição, cuja atividade principal é a aquisição de participações ou o exercício de uma ou mais das atividades enumeradas no Anexo I, pontos 2 a 12 e 15, da Diretiva 2013/36/UE, incluindo uma companhia financeira, uma companhia financeira mista, uma instituição de pagamento, na aceção da Diretiva 2007/64/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de novembro de 2007, relativa aos serviços de pagamento no mercado interno, e uma sociedade de gestão de ativos, mas excluindo as sociedades gestoras de participações no setor dos seguros e as sociedades gestoras de participações de seguros mistas, na aceção do artigo 212.º, n.º 1, ponto g) da Diretiva 2009/138/CE”.
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Na redação atual, por força da alteração promovida pelo Regulamento (UE) n.º 2019/876, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20-05-2019, considera instituição financeira “uma empresa que não seja uma instituição nem uma sociedade gestora de participações no setor puramente industrial, cuja atividade principal seja a aquisição de participações ou o exercício de uma ou mais das atividades enumeradas no anexo I, pontos 2 a 12 e 15, da Diretiva 2013/36/UE, incluindo uma empresa de investimento, uma companhia financeira, uma companhia financeira mista, uma companhia financeira de investimento, uma instituição de pagamento, na aceção da Diretiva (UE) 2015/2366 do Parlamento Europeu e do Conselho ( 11 ), e uma sociedade de gestão de ativos, mas com exclusão das sociedades gestoras de participações no setor dos seguros e das sociedades gestoras de participações de seguros mistas, na aceção do artigo 212.º, n.º 1, alíneas f) e g), da Diretiva 2009/138/CE”.
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As Requerentes, sendo sociedades gestoras de participações sociais, cumprem os requisitos para serem consideradas como instituições financeiras, de acordo com a legislação comunitária.
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Com a nova redação do artigo 4.º, n.º 1, ponto 26), do Regulamento (UE) n.º 575/2013, uma instituição financeira, para o aludido efeito, é, além de outras que exerçam certas atividades enumeradas no anexo, uma empresa que, não sendo uma instituição de crédito, nem uma sociedade gestora de participações no sector puramente industrial, tem como principal atividade a aquisição de participações, desde que não se trate de sociedades gestoras de participações no sector dos seguros ou de sociedades gestoras de participações de seguros mistas.
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Na delimitação do conceito de “empresas que têm como principal atividade a aquisição de participações” o Regulamento (UE) n.º 575/2013 consagra igualmente, no ponto 35) do n.º 1 do artigo 4.º, uma definição de “participação”, de acordo com a qual se considera enquanto tal “participação na aceção do artigo 17.º , primeiro período, da Quarta Diretiva 78/660/CEE do Conselho, de 25 de julho de 1978, relativa às contas anuais de certas formas de sociedades, ou o facto de deter, direta ou indiretamente, 20 % ou mais dos direitos de voto ou do capital de uma empresa”.
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À data, o artigo 17.º da Quarta Diretiva 78/660/CEE dispunha que “Para efeitos da presente diretiva, entende-se por participações os direitos no capital de outras empresas, materializados ou não por títulos, que, criando uma ligação duradoura com estas, se destinam a contribuir para a atividade da sociedade. A detenção de uma parte do capital de uma outra sociedade presume-se ser uma participação, quando excede uma percentagem fixada pelos Estados-membros a um nível que não pode ser superior a 20 %”.
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A Quarta Diretiva 78/660/CE foi substituída pela Diretiva 2013/34/UE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 2-0-2013, que no seu artigo 2.º, n.º 2 define “participação” como “os direitos no capital de outras empresas, representados ou não por títulos, que, ao estabelecerem uma ligação duradoura com essas empresas, se destinam a contribuir para a atividade da empresa que detém esses direitos. Presume-se que a detenção de uma parte do capital de outra empresa é uma participação quando excede um limiar percentual fixado pelos Estados-Membros, igual ou inferior a 20%”.
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Termos em que, reportando-se o artigo 4.º, n.º 1, ponto 26) do Regulamento 575/2013 à aquisição de participações, sempre terá de ser dado ao conceito de “participações” o mesmo sentido que o Regulamento estabelece no ponto 35), o qual, como se viu, não contém quaisquer restrições, designadamente reportando-se apenas a participações em instituição financeiras ou análogas.
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Segundo o disposto no n.º 1 do artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 495/88, de 30 de dezembro, na versão consolidada, que define o regime jurídico das sociedades gestoras de participações sociais (SGPS) – no qual se enquadram as Requerentes–, estas sociedades “têm por único objeto contratual a gestão de participações sociais de outras sociedades, como forma indireta de exercício de atividades económicas”.
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As Requerentes são sociedades cujas aquisições e património são constituídas, nos termos legais, por participações noutras sociedades, representativas de, pelo menos, 10% do total do capital social dessas outras sociedades, detidas de forma duradoura, isto é, durante, pelo menos, um ano e cujo objeto único é a gestão dessas participações sociais.
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Integrando as partes sociais detidas pelas SGPS o conceito de “participação” consagrado na legislação europeia, sempre terá de se concluir que as Requerentes são empresas, na aceção do ponto 26) do n.º 1 do artigo 4.º do Regulamento 575/2013, “cuja atividade principal é a aquisição de participações sociais”, e, por esse motivo, enquadráveis como “instituições financeiras”.
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As Requerentes são SGPS que não detêm participações no sector puramente industrial, não atuam no sector dos seguros, nem são sociedades de gestão de participações de seguros mistas, pelo que também não se encontram excluídas, enquanto “instituições financeiras”, da definição prevista na Diretiva 2009/138/CE.
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Como tal, verifica-se, no que respeita às Requerentes, que o critério subjetivo exigido pela norma de isenção prevista na alínea e) do n.º 1 do artigo 7.º se encontra plenamente verificado no caso em análise.
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Esta conclusão não poderá ser afetada pelo facto de o legislador nacional, ao transpor a Diretiva 2013/36/EU para o direito interno, através do Decreto-Lei n.º 157/2014, de 24 de outubro, ter adotado um conceito mais restritivo de “instituição financeira”, caracterizando como tal “as sociedades gestoras de participações sociais sujeitas à supervisão do Banco de Portugal”.
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Também as definições constantes da legislação de branqueamento de capitais, citadas pela Requerida nos procedimentos administrativos, – ao nível europeu, a Diretiva (UE) 2015/849 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20-05-2015, relativa à prevenção da utilização do sistema financeira para efeitos do branqueamento de capitais ou de financiamento de terrorismo, e ao nível nacional, da Lei n.º 83/2017, de 18 de Agosto, que transpõe parcialmente a primeira para o ordenamento jurídico português – devem relevar para os efeitos das medidas de combate ao branqueamento de capitais e ao financiamento do terrorismo, mas não para o tema da isenção de IS que o artigo 7.º considera.
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Aquando da transposição da Diretiva 2013/36/UE para o direito interno, designadamente para efeitos do RGICSF, foi adotado um conceito mais restritivo de “instituição financeira”, caracterizando como tal as SGPS sujeitas à supervisão do Banco de Portugal.
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No entanto, para efeitos da aplicação da isenção invocada, o artigo 7.º do Código do Imposto do Selo não remete para o direito interno.
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O acolhimento de uma interpretação restritiva desta isenção, tendo em vista a redução do seu âmbito subjetivo de aplicação em conformidade com o artigo 2.º-A, alínea z), i) do RGICSF, para além de se assumir como manifestamente ilegal, assumir-se-ia ainda como inconstitucional, por violação dos princípios da legalidade e reserva de lei, plasmados nos artigos 103.º, n.º 2 e 165.º, n.º 1, alínea i) da CRP, porquanto tal interpretação mais não corresponderia do que a uma correção da letra da lei que só o legislador pode empreender, através de uma alteração legislativa.
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Não é sequer controvertido para a Requerida que as Requerentes são duas sociedades gestoras de participações sociais, que se encontram reguladas pelo Decreto-Lei n.º 495/88, e que estão domiciliadas em Portugal, pelo que nessa qualidade não podem deixar de se encontrar abrangidas pelo conceito relevante de “instituição financeira” para efeitos de aplicação da isenção do imposto do selo prevista no artigo 7.º, n.º 1, alínea e) do CIS.
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A interpretação do artigo 7.º, n.º 1, alínea e) do CIS no sentido de excluir as SGPS da lista de mutuárias suscetíveis de beneficiar da isenção, na qualidade de instituições financeiras, num contexto em que é interpretado pela própria Requerida como incluindo, a título de exemplo, fundos de investimento imobiliário, sociedades de gestão de fundos de investimento e fundos de capital de risco é ilegal por violação dos princípios constitucionais da igualdade e da proibição de soluções arbitrárias, à luz dos artigos 2.º e 13.º da CRP, uma vez que mais não consubstanciaria do que atribuir um tratamento fiscal diametralmente distinto a formas jurídicas idênticas e passíveis de prosseguir os mesmos fins.
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Em função da ratio subjacente à isenção consagrada no artigo 7.º, n.º 1, alínea e) do CIS – essencialmente, não onerar com imposto a atividade bancária e/ ou a intermediação financeira –, sempre terá de se concluir que as entidades e sociedades com função exclusiva de intermediação no ciclo produtivo ou financeiro, como é o caso das SGPS, atendendo ao seu objeto social legalmente delimitado, bem como tendo em conta que não exercem nem podem exercer uma atividade económica direta, se encontram cobertas por esta isenção.
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Já quanto às entidades mutuantes (que concederam crédito, cobraram comissões e juros sobre o financiamento) dúvidas não existem que quanto a estas se verifica o critério subjetivo da isenção em apreço.
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Concluindo, as operações financeiras em análise preenchem na totalidade os pressupostos objetivos e subjetivos de aplicação da isenção do imposto do selo prevista na alínea e) do n.º 1 do artigo 7.º do CIS, na medida em que respeita à concessão de crédito, assim como às comissões e aos juros cobrados por instituições de créditos às Requerentes, enquanto sociedades gestoras de participações sociais, que se qualificam, à luz da legislação europeia, como instituições financeiras, e em que intervieram instituições mutuantes e mutuárias que se encontram domiciliadas em Portugal, e não em nenhum dos territórios com regime fiscal privilegiado.
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Tais operações beneficiam da isenção aí consagrada, de onde decorre a necessidade de se proceder à anulação das liquidações, com fundamento na sua ilegalidade, e restituição às Requerentes do imposto indevidamente suportado.
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Subsidiariamente, mais entendem as Requerentes o seguinte:
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Caso não se entenda pela aplicabilidade da isenção de Imposto do Selo contida na alínea e) do n.º 1 do artigo 7.º do CIS, sempre se dirá que as comissões cobradas pelos intermediários financeiros no âmbito dos programas de emissões de papel comercial estão fora do raio de incidência do IS, por se revelarem “formalidades conexas” às emissões.
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Tais serviços de intermediação financeira não constituem, nem poderiam constituir, fins em si mesmos, estando em tudo dependentes – até no que respeita à fixação da respetiva remuneração – das operações principais às quais são inerentes.
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A Diretiva 2008/7/CE do Conselho, de 18-02-2008, relativa aos impostos indiretos que incidem sobre as reuniões de capitais, e que revogou a Diretiva 69/335/CEE do Conselho, de 17-07-1969, regula a aplicação pelos Estados-Membros da UE de impostos indiretos, incluindo Imposto do Selo, sobre (i) entradas de capital em sociedades de capitais, (ii) operações de reestruturação que envolvam sociedades de capitais e (iii) emissão de determinados títulos e obrigações.
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Através da Diretiva 2008/7/CE, o legislador europeu pretendeu, de forma clara e inequívoca, colocar em pé de igualdade todos os operadores que decorram a mercados primários e secundários para a obtenção de financiamento.
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A não sujeição a impostos indiretos/ proibição de tributação indireta das operações descritas nas alíneas a) e b), do n.º 2, do artigo 5.º da Diretiva é a regra geral, de largo espectro, a qual pode ser derrogada nos casos previstos no artigo 6.º, n.º 1, da Diretiva 2008/7/CE.
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Constata-se que o legislador europeu optou por isentar todas as operações de determinadas tipologias – designadamente, as que constituam “formalidades conexas” das expressamente mencionadas no artigo 5.º, n.º 2 da Diretiva 2008/7/CE –, autonomizando as exceções.
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Se o legislador quisesse, de facto, sujeitar a IS os encargos decorrentes dos contratos conexos com a emissão de papel comercial cobrados pelas instituições de crédito, enquanto intermediários financeiros, bastaria que tivesse feito essa menção nas diversas alíneas do n.º 1, do artigo 6.º da Diretiva 2008/7/CE, o que não fez.
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Não é controvertido que os empréstimos contraídos sob a forma de emissão de valores mobiliários (obrigações ou papel comercial) não estão sujeitos a IS.
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As comissões por intermediação financeira associadas a essas operações subsumem-se no conceito de “formalidades conexas” do artigo 5.º, n.º 2 da Diretiva 2008/7/CE.
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É entendimento do TJUE que a proibição de incidência de impostos indiretos sobre as operações de reunião de capitais deverá ser também aplicável às operações que devam considerar parte integrante de uma “operação global” do ponto de vista da reunião de capitais.
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As divergências interpretativas quanto à extensão e alcance do conceito europeu de “formalidades conexas” não podem deixar de ser resolvidas no sentido preconizado pelo TJUE, que esclarece, a propósito de uma obrigação legal inerente ao exercício e a prossecução da atividade de determinadas sociedades, que tal obrigação deverá ser encarada como uma formalidade prévia, pelo que o respetivo encargo deverá ser abrangido pela exclusão de tributação.
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O objetivo de não sujeitar a tributação “formalidades conexas” com as operações que estão excluídas de tributação indireta, tais como as emissões de papel comercial, prende-se com a necessidade de garantir que essas “formalidades conexas” não são afetadas quanto à finalidade que perseguem.
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Não só as comissões devidas a instituições de crédito no âmbito das emissões de papel comercial e de obrigações são “formalidades conexas” aos empréstimos em causa e visaram esses objetivos, como também garantir que as operações de reunião de capital em causa eram (i) efetivamente realizadas; (ii) com o necessário sucesso económico-financeiro; e (iii) no quadro do estrito cumprimento das normas de funcionamento do mercado de valores mobiliários.
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Sem recorrer a entidades conhecedoras do mercado e com recursos humanos e técnicos para proceder à identificação e localização dos investidores, ou à comercialização dos títulos e à divulgação no mercado, as operações em causa teriam saído goradas, ou não teriam sido tão bem-sucedidas, e também o objetivo/ propósito do legislador europeu ao prever a isenção de impostos indiretos sobre operações de reuniões de capitais na medida em que a própria operação de reunião de capitais visada, não teria sido concretizada.
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Inversamente, caso as Requerentes não tivessem em vista a realização das descritas operações de reunião de capitais, jamais teriam equacionado a contratação de serviços de intermediação financeira neste âmbito, os quais, não constituem um fim em si mesmos, mas uma mera operação acessória daquelas outras que as Requerentes pretendiam efetivar.
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Independentemente de serem ou não de natureza facultativa, não sendo possível dissociar os serviços de intermediação financeira, dos empréstimos contraídos sob a forma de emissão de papel comercial e de obrigações, com os quais são conexos, não restam dúvidas de que estes últimos constituem as operações principais (globais) realizadas, e aqueles primeiros, operações acessórias a elas.
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Não restam dúvidas de que o tratamento fiscal das “formalidades conexas” tem necessariamente de acompanhar a neutralidade económica das opções tomadas pelos contribuintes.
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Sujeitar a IS as comissões cobradas por intermediários financeiros para a emissão de instrumentos financeiros constitui um inegável constrangimento ao funcionamento do mercado e à desoneração do fluxo de capitais através da emissão de títulos negociáveis, incompatível com as intenções do legislador europeu ao estabelecer a exclusão de tributação prevista no artigo 5.º, n.º 2 da Diretiva 2008/7/CE, atento o facto de serem os intermediários financeiros os agentes por excelência mais capazes para a realização destas operações.
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Tributar as contraprestações por serviços de intermediação financeira prestados no âmbito das emissões de papel comercial e de obrigações em sede de Imposto do Selo mais não é, desta forma, do que tributar a operação global de reunião de capitais que os intermediários financeiros contratados visaram assessorar.
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Se se reconhece que a tributação indireta em sede de IVA destes serviços é passível de constituir entrave maior às operações de reunião de capitais da Diretiva 2008/7/CE, por maioria de razão, o mesmo racional e a mesma interpretação devem ser aplicados na tributação indireta em sede de IS.
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Deve considerar-se que os serviços de intermediação contratados e, por conseguinte, as comissões cobradas, são indissociáveis e necessárias à execução das próprias operações de emissões de papel comercial e de obrigações, devendo, portanto, ser consideradas, juntamente com essas operações, verdadeiras “operações globais”, no contexto em que este termo é empregue na jurisprudência europeia
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Deve ainda ser considerado que, nos casos em que a intervenção de um intermediário financeiro constitui necessidade absoluta ou imperativo legal, constituindo condição sine qua non às emissões de papel comercial e de obrigações, para além de estarmos perante “operações globais”, as contraprestações por serviços de intermediação financeira no âmbito das emissões devem ser reconduzidas a “formalidades conexas” ou a “formalidades prévias”, respetivamente, à luz da interpretação extensiva do TJUE.
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Donde se conclui que as liquidações de IS relativas a comissões devidas pelos serviços de intermediação financeira contratados pelas Requerentes, com fundamento no artigo 1.º, n.º 1 do CIS e na Verba 17.3.4 da TGIS, sendo absolutamente imprescindíveis no âmbito das emissões de papel comercial e de obrigações, integram o conceito europeu de “formalidades conexas”, mesmo que não constituam uma obrigação na esfera das Requerentes, são desconformes ao disposto no artigo 5.º, n.º 2, alínea b) da Diretiva 2008/7/CE e, assim, violadoras da norma europeia aí contida, e de valor superior.
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Pelo que tais comissões se encontram abrangidas pela exclusão de tributação indireta da Diretiva 2008/7/CE, devendo os despachos impugnados e, bem assim as liquidações de Imposto do Selo subjacentes, ser, de imediato, anulados, na parte que respeitem as comissões nessas condições, com as demais consequências legais.
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Subsidiariamente, à luz do quadro legal aplicável, o artigo 1.º, n.º 1 do Código do Imposto do Selo e a Verba 17.3.4. da TGIS, quando interpretados no sentido de sujeitar a Imposto do Selo comissões devidas por serviços de intermediação financeira que consubstanciam “formalidades conexas” com operações de reuniões de capitais cobertas pela previsão normativa do artigo 5.º, n.º 2, alínea b) da Diretiva, é inconstitucional por violação do princípio do primado do Direito da UE e da interpretação conforme, consagrados no artigo 8.º da CRP, que, desde já, se argui para todos os efeitos legais.
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Finalmente, antecipando a possibilidade de subsistirem dúvidas sobre a interpretação das normas europeias, aplicáveis na ordem interna, nos termos definidos pelo Direito da União, e a eventual incompatibilidade com as disposições nacionais, sugerem as Requerentes que sejam formuladas as seguintes questões exemplificativas ao Tribunal de Justiça da União Europeia, ao abrigo do pedido de reenvio prejudicial, previsto no artigo 267.º do Tratado sobre o Funcionamento da UE (TFUE):
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“1. O artigo 5.º, n.º 2 Diretiva 2008/7/CE, do Conselho, de 18 de Fevereiro de 2008, relativa aos impostos indiretos que incidem sobre as reuniões de capitais, opõe-se a uma legislação nacional, como o artigo 1.º, n.º 1 do Código do Imposto do Selo e a verba 17.3.4 da Tabela Geral do Imposto do Selo, que sujeita a tributação indireta as comissões cobradas por instituições de crédito às entidades emitentes de papel comercial em contrapartida de serviços de intermediação financeira no âmbito das emissões e negociação de papel comercial e de obrigações?
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A expressão “formalidades conexas” a que se refere o artigo 5.º, n.º 2, alínea b) da Diretiva 2008/7/CE deve ser interpretada no sentido de abranger quaisquer contraprestações cobradas no âmbito das emissões e negociação de papel comercial e de obrigações, nomeadamente as comissões devidas pelos serviços de intermediação financeira contratados acessoriamente às emissões de papel comercial e dos empréstimos obrigacionistas?”.
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No que concerne à temática conexa com isenção decorrente da alínea e) do n.º 1 do artigo 7.º do Código do Imposto do Selo, entende a Requerida, essencial e sinteticamente, o seguinte:
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As Requerentes não podem ser qualificadas como instituição financeira, de crédito ou sociedade financeira para efeitos da referida norma de isenção, sendo que nem todas as sociedades gestoras de participações sociais são suscetíveis de qualificação como instituições financeiras ao abrigo da legislação comunitária aplicável;
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As disposições do Regulamento (UE) n.º 575/2013 e da Diretiva 2013/36/EU devem ser interpretadas conjuntamente, constituindo o enquadramento legal que rege as atividades bancárias, o quadro de supervisão e as regras prudenciais aplicáveis às instituições de crédito e às empresas de investimento;
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Tais atos legislativos visam a harmonização das legislações nacionais relativamente às designadas “instituições”, incluindo as “instituições de crédito” e as “empresas de investimento”;
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As “Instituições financeiras” desempenham um papel instrumental ou coadjuvante, no contexto das matérias objeto de regulação, seja no quadro do exercício das liberdades de estabelecimento e de prestação de serviços, seja da supervisão das instituições numa base consolidada ou dos requisitos de fundos próprios;
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Confrontando os traços típicos das sociedades gestoras de participações sociais que resultam do respetivo quadro legal, nada pareceria obstar a que pudessem ser equiparadas a “empresas cuja atividade principal é a aquisição de participações”, para efeitos do disposto no ponto 26 do artigo 4.º do Regulamento (UE) n.º 575/2013;
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No entanto, o artigo 3.º, n.º 1 da Diretiva n.º 2013/36/UE e do artigo 4.º do Regulamento (UE) n.º 575/2013 determinam que as definições dos termos e expressões servem os efeitos previstos em cada um destes atos legislativos, sendo que nem todas as sociedades gestoras de participações sociais estão sujeitas àquele quadro regulatório, nomeadamente no que concerne à liberdade de estabelecimento, à liberdade de prestação de serviços, à supervisão de base consolidada e à aplicação de requisitos de fundos próprios;
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Por conseguinte, o âmbito da definição “Instituição financeira” na parte referente a “uma empresa que não seja uma instituição, cuja atividade principal é a aquisição de participações” é delimitado pela operatividade das disposições da Diretiva e do Regulamento que regulam domínios específicos;
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A definição de “Instituição financeira” constante do artigo 3.º, n.º 1, ponto 22) e artigo 4.º, ponto 26) da Diretiva serve os objetivos de um quadro regulatório dedicado às atividades de natureza financeira e às instituições de crédito e empresas de investimento, nela não cabendo uma sociedade gestora de participações sociais cujo único objeto é a detenção e gestão de participações em sociedades;
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A exclusão das sociedades gestoras de participações sociais em geral do âmbito da Diretiva n.º 2013/36/UE e do Regulamento n.º (UE) n.º 575/2013 é confirmada pelo facto de a transposição da primeira não ter implicado qualquer alteração ao regime jurídico das sociedades gestoras de participações sociais;
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Não decorre das alterações introduzidas pelo Regulamento (UE) n.º 2019/876 ao ponto 26) do n.º 1 do artigo 4.º do Regulamento (UE) n.º 575/2013 que a atividade de gestão de participações sociais (fora do sector puramente industrial e do sector dos seguros) em qualquer tipo de empresa é o bastante para efeito de preenchimento da previsão do mesmo enunciado normativo;
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O resultado que as Requerentes pretendem retirar da alteração introduzida no ponto 26) do n.º 1 do artigo 4.º do Regulamento (UE) n.º 575/2013 não tem qualquer correspondência à realidade e objetivos que levaram à sua alteração pelo Regulamento (UE) n.º 2019/876, sendo que a interpretação pugnada pelas Primeiras não pode proceder, em termos sistemáticos e teleológicos;
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As Requerentes não são uma entidade financeira, não fazendo parte nem exercendo qualquer atividade dentro do sistema financeiro, nem tão-pouco atuando no mercado bancário ou dos serviços e produtos financeiros, tanto mais que lhes está legalmente vedada qualquer atividade estritamente relacionada com o mercado bancário e de serviços financeiros;
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Atendendo ao disposto na alínea z) do artigo 2.º-A do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras conclui-se que o legislador nacional interpretou a definição da legislação europeia, ao considerar que a generalidade das sociedades gestoras de participações sociais não encontra correspondência nos específicos tipos das empresas compreendidas na definição de “Instituição financeira” constante do artigo 4.º, ponto 26), do Regulamento n.º (UE) n.º 575/2013, integrando apenas nessa qualificação aquelas que estão sujeitas à supervisão do Banco de Portugal;
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Não procede o argumento de tratamento discriminatório com outro tipo de entidades, nomeadamente os FCR, SCR e FII, na medida em que o respetivo enquadramento legal interno e europeu se afigura distinto, nem tão pouco decorre da distinção qualquer inconstitucionalidade por violação do princípio da igualdade;
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Como tal, deve ser mantido o entendimento de que as Requerentes não preenchem o elemento subjetivo da isenção previsto para o mutuário no artigo 7.º, n.º 1, alínea e) do CIS, por não se subsumirem no conceito de “Instituição financeira” utilizado no quadro dos atos legislativos da União Europeia aplicáveis e, consequentemente, ser o pedido de pronúncia arbitral ser julgado improcedente nesta parte.
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Relativamente à matéria da não sujeição a Imposto do Selo dos encargos suportados diretamente relacionados com contratos de emissão de papel comercial, os argumentos da Requerida são, fundamentalmente, os seguintes:
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A par da verba 17.3.3 da Tabela Geral de Imposto do Selo, que inclui as “comissões por garantias prestadas”, a Verba 17.3.4 da Tabela Geral de Imposto do Selo abarca “outras comissões e contraprestações por serviços financeiros”;
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Nos termos do artigo 4.º, n.º 1, alínea f), do Regime Geral das Instituições de Crédito e Serviços Financeiros, os bancos podem efetuar operações relativas a “Participações em emissões e colocações de valores mobiliários e prestação de serviços correlativos”;
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O cerne do diferendo concentra-se no conteúdo a dar à expressão “formalidades conexas” utilizada no artigo 5.º, n.º 2, alínea b), da Diretiva n.º 2008/7/CE
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A posição expressa no Parecer n.º 507/2004, da Direção de Serviços Jurídicos e do Contencioso, da DGCI considera que «A expressão “formalidades conexas” reporta-se, assim, apenas às formalidades da operação de reunião de capitais propriamente dita, no caso, a emissão de papel comercial, ou seja, à sua exterioridade perante os destinatários da operação.», onde cabem nomeadamente as operações de inscrição no livro registo, registos comerciais e publicações da deliberação de emissões;
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Da jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia apenas é possível extrair algumas orientações gerais sobre a interpretação do artigo 11.º, alínea b) da Diretiva 69/435/CEE e do artigo 5.º, n.º 2, alínea b) da Diretiva 2008/7/CE, sendo que aquele tribunal tem dado uma orientação genérica no sentido de que à luz dos objetivos prosseguidos pelas Diretivas, aquelas disposições devem ser interpretadas em sentido amplo, de modo a abranger todas as operações de entradas de capitais que, mesmo não expressamente previstas, possam considerar-se partes integrantes de uma operação global, o que no caso do artigo 5.º, n.º 2, alínea b) da Diretiva 2008/7/CE tem a ver com “Os empréstimos, incluindo os estatais, contraídos sob a forma de emissão de obrigações ou outros títulos negociáveis”;
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Todavia, tal orientação não é transponível de forma automática para a tributação em IS das comissões e outros serviços financeiros prestados pelas instituições bancárias, tanto mais que não estão sequer identificadas as concretas operações que lhe estão subjacentes;
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Uma interpretação lato sensu do artigo 5, n.º 2, alínea b), da Diretiva 2008/7/CE, não leva a considerar inevitavelmente que toda e qualquer remuneração cobrada pela intermediação financeira em empréstimos obrigacionistas ou programa de papel comercial, tributada em imposto do selo pela verba 17.3.4, caiba na expressão “formalidades conexas”;
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É no Acórdão de 27 de outubro de 1998, proferido nos processos n.º C-31/97 e n.º C-32/97, que o Tribunal de Justiça da União Europeia fornece uma ideia mais aproximada dos atos ou operações que podem incluir-se na expressão “formalidades conexas”, concretizando com o ato notarial obrigatório para o registo do reembolso do empréstimo;
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A incidência do imposto do selo sobre a remuneração das instituições bancárias pela sua atuação como intermediários financeiros nas emissões de obrigações ou de papel comercial não tem qualquer paralelo com “formalidades” inerentes a esses instrumentos de financiamento;
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Apenas na realização de ofertas públicas de papel comercial é exigida a intervenção de um intermediário financeiro, sendo que nas ofertas particulares de papel comercial emitido por entidade sem certificação legal de contas ou auditoria às contas efetuada por um revisor oficial de contas ou por uma sociedade de revisores oficiais de contas está prevista a intervenção de um intermediário financeiro ou de um patrocinador da emissão;
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O facto gerador da verba 17.3.4 da TGIS é definido de forma genérica e abstrata, o que vale por dizer que não tem a ver especificamente com operações cobertas pelo artigo 5.º, n.º 2, alínea b) da Diretiva 2008/7/CE mas, antes, com comissões ou, em geral, com remuneração por serviços financeiros prestados “por ou com intermediação de instituições de crédito, sociedades financeiras ou outras entidades a elas legalmente equiparadas e quaisquer outras instituições financeiras”, desde que não tributadas em sede IVA;
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O artigo 6.º, n.º 1, alínea f), dá aos Estados-Membros a possibilidade de, em derrogação ao disposto no artigo 5.º, cobrarem o IVA;
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Em vez de concluir, em termos genéricos e abstratos, que a tributação em IS das comissões ou remunerações de serviços financeiros prestados em relação a emissões de obrigações ou de papel comercial é proibida pelo artigo 5.º n.º 2, alínea b) da Diretiva 2008/7/CE, por se tratar de “formalidades conexas”, impor-se-ia que, casuisticamente, fosse feita a destrinça das operações subjacentes a cada pagamento em ordem a identificar as que podem ser qualificadas como tal;
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A intervenção de intermediário financeiro nem sempre é exigida legalmente, e, quando o seja, podem ser diferenciadas as funções exercidas, o que reforça a necessidade de serem identificadas as prestações de serviços efetivamente realizadas, cuja retribuição é abrangida pela designação de “comissões bancárias” e que poderão ser consideradas “formalidades conexas” com os empréstimos contraídos sob a forma de emissão de obrigações ou outros títulos negociáveis;
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Não pode considerar-se que as autoliquidações do IS pela verba 17.3.4 da TGIS sobre as comissões ou remunerações de serviços prestados pelas instituições bancárias pela intermediação financeira nas emissões de papel comercial, é proibida pelo artigo 5.º, n.º 2, alínea b) da Diretiva 2008/7/CE, devendo assim, o pedido ser considerado improcedente e assim, a suscitação do reenvio prejudicial ao TJUE não se afigura pertinente.
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Em consequência, termina a Requerida pugnando pela total improcedência do pedido de pronúncia arbitral.
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Finalmente, a Requerida alega estar pendente reenvio prejudicial promovido no âmbito do processo n.º 118/20.3BALSB, com vista ao esclarecimento da seguinte questão:
«Uma sociedade gestora de participações sociais domiciliada em Portugal, regulada pelo disposto no Decreto-Lei n.º 495/88, de 30 de Dezembro, que tem como único objecto a gestão de participações sociais doutras sociedades que não integram o sector dos seguros, subsume se ao conceito de instituição financeira constante do artigo 3.º, n.º 1, ponto 22, da Directiva 2013/36/EU e do artigo 4.º, n.º 1, ponto 26, do Regulamento UE n.º 575/2013?»
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Antecipando a relevância da decisão a proferir naquele procedimento de reenvio prejudicial para os presentes autos, a Requerida requer a suspensão da presente instância, até que haja pronuncia por parte do Tribunal de Justiça da União Europeia;
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QUESTÕES A DECIDIR
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Da aplicação da isenção prevista na alínea e), do n.º 1, do artigo 7.º do Código do Imposto do Selo às Requerentes;
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Da não incidência de Imposto do Selo sobre as contraprestações por serviços prestados no âmbito da emissão de papel comercial e do pedido de reenvio prejudicial apresentado pelas Requerentes.
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SANEAMENTO
O Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído e é materialmente competente, nos termos do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 4.º e 5.º, todos do RJAT. As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e estão regularmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º, n.º 2, ambos do RJAT, e dos artigos 1.º a 3.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março. O processo não enferma de nulidades
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FUNDAMENTAÇÃO
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Factos provados com relevância para os autos e respetiva fundamentação
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A Requerente A... é uma sociedade gestora de participações sociais e o seu objeto social consiste na gestão de participações sociais como forma indireta de exercício de atividades económicas – cfr. documento n.º 6 junto com a petição inicial.
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No âmbito da sua atividade social, a Requerente A... recorreu a financiamento junto de instituições de crédito, ou colocado por instituições de crédito junto de investidores (papel comercial e/ou obrigações), bem como suportou juros e comissões por intermediação financeira junto de várias instituições financeiras e de crédito relativamente às quais incidiu IS nos termos das várias rúbricas aplicáveis da Verba 17 da TGIS;
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A A... suportou IS liquidado pela Caixa Geral de Depósitos S.A., Banco Comercial Português, S.A. (Millenium), Banco de Sabadell Portugal, S.A., Banco Santander Totta, S.A., Banco do Brasil AG - Sucursal em Portugal, Banco BIC Português, S.A., Banco BPI, S.A. e Caixa – Banco de Investimento, S.A (CaixaBI).
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O IS incidiu sobre a concessão de crédito, comissões e juros nos termos da Verba 17 da TGIS.
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Algumas dessas comissões são devidas às instituições de crédito elencadas pelos serviços de intermediação financeira no âmbito de programas de emissões de papel comercial e de obrigações da Requerente A... – cfr. documento n.º 6 junto com a petição inicial.
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A Requerente B... também é uma sociedade gestora de participações sociais e o seu objeto social consiste na gestão de participações sociais como forma indireta de exercício de atividades económicas – cfr. documento n.º 7 junto com a petição inicial.
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No âmbito da sua atividade social, a Requerente B... contraiu empréstimos sob a forma de papel comercial, bem como suportou juros e comissões junto do Banco Comercial Português, S.A. (Millenium) relativamente às quais incidiu Imposto do Selo nos termos das várias rúbricas aplicáveis da Verba 17 da TGIS.
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Em concreto, a Requerente B... suportou IS liquidado pelo banco Millennium sobre comissões relacionadas com o financiamento nos termos da Verba 17 da TGIS.
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Essas comissões são devidas àquela instituição de crédito pelos serviços de intermediação financeira no âmbito de um programa de emissões de papel comercial da Requerente B... – cfr. documento n.º 8 junto com a petição inicial.
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Tanto a Requerente A..., como a Requerente B..., como tem sido prática no mercado, contrataram serviços de intermediação financeira prestados por bancos, com uma vasta rede de balcões no país, e com forte experiência, no âmbito dos programas de emissões de papel comercial e de obrigações, nomeadamente para a assistência e emissão e/ou colocação de valores mobiliários e prestação de serviços conexos, incluindo o pagamento, por conta e ordem das entidades emitentes, o registo da emissão, a comercialização, a produção e a divulgação dos produtos no mercado, e a guarda dos títulos – cfr. documentos n.º 6 e 8 juntos com a petição inicial.
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A Requerente A... e a Requerente B... não reúnem os recursos humanos, em número e/ ou em grau de especialização suficientes, nem a estrutura e os recursos técnicos necessários ao desempenho das funções tipicamente contratadas no âmbito das emissões de papel comercial e de obrigações.
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As aludidas instituições financeiras e de crédito, enquanto sujeitos passivos, liquidaram IS à Requerente A... e à Requerente B... sobre as concessões de crédito (quando aplicável), comissões e juros nos termos do artigo 2.º, n.º 1, al. b) do CIS.
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A Requerente A... suportou, entre janeiro de 2017 e janeiro de 2019, liquidações de IS no valor de € 720.165,08, conforme se sintetiza:
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A Requerente A... e a Requerente B... suportaram entre o período compreendido entre janeiro de 2019 e dezembro de 2020, liquidações de IS no valor de € 160.921,8, conforme se sintetiza:
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Uma parte desse valor corresponde a IS que incidiu sobre comissões devidas pela Requerente A... e pela Requerente B... aos bancos no âmbito da emissão e negociação de papel comercial e de obrigações, que estes liquidaram às Requerentes e cuja quantificação/ autonomização está discriminada na tabela-síntese infra:
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Em 3 de maio de 2021, a Requerente A... apresentou pedido de revisão oficiosa dos atos de liquidação de IS de 2017, 2018 e de janeiro de 2019 – cfr. documento n.º 1 junto com a petição inicial.
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Em 3 de maio de 2021, a Requerente A... e a Requerente B... apresentaram, em cumulação de pedidos e coligação de reclamantes, reclamação graciosa das liquidações de IS de 2019 e 2020 – cfr. documento n.º 2 junto com a petição inicial.
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Por despacho de indeferimento proferido a 23-11-2021 pelo Chefe de Divisão de Serviço Central da UGC, notificado através do Ofício ...- DJT/2021, de 24-11-2021, no PROAT ...2021... da A..., a AT considerou que “o pedido é intempestivo, para os períodos de Janeiro de 2017 a Dezembro de 2018, e apenas tempestivo para o período de Janeiro de 2019”, tendo indeferido o pedido quanto a este período – cfr. documento n.º 1 junto com a petição inicial.
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Por despacho de indeferimento do procedimento gracioso proferido a 25-11-2021 pelo Chefe de Divisão de Serviço Central da UGC da AT, notificado através do Ofício n.º ...- DJT/2021, de 25-11-2021, na RG ...2021... da Requerente A... e da Requerente B..., a Requerida concluiu pela manutenção das liquidações de Imposto do Selo de 2019 e de 2020 – cfr. documento n.º 2 junto com a petição inicial.
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Em 23 de fevereiro de 2022 a Requerente apresentou no CAAD o Pedido de Pronúncia Arbitral que deu origem ao presente processo.
A convicção deste Tribunal relativamente aos factos supra considerados como provados baseia-se nos elementos documentais referidos quanto a cada um deles, mais se salientando que a correspondência dos mesmos à realidade não é contestada pela Requerida.
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Factos não provados e fundamentação da decisão da matéria de facto
Inexistem factos não provados com relevância para decisão da causa.
Os factos elencados supra foram dados como provados, ou não-provados, com base nas posições assumidas pelas partes nos presentes autos, nos documentos juntos ao PPA e ao processo administrativo.
Cabe ao Tribunal Arbitral seleccionar os factos relevantes para a decisão, em função da sua relevância jurídica, considerando as várias soluções plausíveis das questões de Direito, bem como discriminar a matéria provada e não provada (cfr. art. 123º, 2, do CPPT e arts. 596º, 1 e 607º, 3 e 4, do CPC, aplicáveis ex vi art. 29º, 1, a) e e) do RJAT), abrangendo os seus poderes de cognição factos instrumentais e factos que sejam complemento ou concretização dos que as Partes alegaram (cfr. arts. 13.º do CPPT, 99º da LGT, 90º do CPTA e arts. 5º, 2 e 411.º do CPC).
Segundo o princípio da livre apreciação dos factos, o Tribunal baseia a sua decisão, em relação aos factos alegados pelas partes, na sua íntima e prudente convicção formada a partir do exame e avaliação dos meios de prova trazidos ao processo, e de acordo com as regras da experiência (cfr. art. 16º, e) do RJAT, e art. 607º, 4, do CPC, aplicável ex vi art. 29º, 1, e) do RJAT).
Somente relativamente a factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, a factos que só possam ser provados por documentos, a factos que estejam plenamente provados por documentos, acordo ou confissão, ou quando a força probatória de certos meios se encontrar pré-estabelecida na lei (por exemplo, quanto aos documentos autênticos, por força do artigo 371.º do Código Civil), é que não domina, na apreciação das provas produzidas, o referido princípio da livre apreciação (cfr. art. 607º, 5 do CPC, ex vi art. 29º, 1, e) do RJAT).
Além disso, não se deram como provadas nem não provadas alegações feitas pelas partes, e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insusceptíveis de prova e cuja veracidade se terá de aferir em relação à concreta matéria de facto acima consolidada, nem os factos incompatíveis ou contrários aos dados como provados.
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O DIREITO
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Da aplicação da isenção prevista na alínea e), do n.º 1, do artigo 7.º do Código do Imposto do Selo às Requerentes
Conforme se retira da factualidade e posição assumidas pelas Requerentes nos presentes autos, é entendimento destas que a circunstância de adotarem o tipo legal de “sociedades gestoras de participações sociais”, e não sendo sociedades gestoras de participações no setor puramente industrial, nem se tratando de sociedades gestoras de participações no setor dos seguros ou de sociedades gestoras de participações de seguros mistas, as subsume, ipso facto, ao conceito de instituição financeira, para efeitos do preenchimento do critério subjetivo de que depende a isenção de Imposto do Selo prevista na alínea e) do n.º 1 do artigo 7.º do Código do Selo. A Requerida, por seu turno, entende diversamente, considerando que tal qualidade depende, de uma forma geral, do efetivo exercício de atividades financeiras compreendidas no quadro regulatório e de supervisão legalmente previsto.
O cerne da questão controvertida, pela sua complexidade, tem dividido intensamente a jurisprudência arbitral. No âmbito da jurisprudência arbitral, são exemplos de decisões favoráveis à posição sustentada pela Requerida as que foram proferidas nos processos 856/2019-T, 37/2020-T, 559/2020-T, 79/2021-T, 92/2021-T, 62/2021-T, 170/2021-T, 444/2021-T e 471/2021-T. Cumpre discorrer, ainda que perfunctoriamente, sobre a argumentação expendida nestas decisões.
Essencialmente, entendeu-se que a inaplicabilidade das normas que emanam do Regulamento (UE) n.º 575/2013, da Diretiva n.º 2013/36/EU e do Regime Geral da Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras à generalidade das sociedades gestoras de participações sociais, nomeadamente quanto ao acesso, regulação e supervisão da sua atividade, é circunstância impeditiva da aplicação da isenção prevista na alínea e) do n.º 1 do artigo 7.º do CIS.
No quadro da decisão proferida no âmbito dos autos n.º 856/2019-T, percorreu-se, em parte, o seguinte iter argumentativo:
“(…)
As sociedades gestoras de participações sociais têm por único objeto contratual a gestão de participações sociais noutras sociedades, como forma indireta de exercício de atividades económicas. (…)
Assim, e como decorre do artigo 1.º, as SGPS’s «têm por único objeto contratual a gestão de participações sociais noutras sociedades, como forma indireta de exercício de atividades Económicas», não se verificando nenhuma atividade bancária e financeira que as qualifique como instituições financeiras. (…)
(…) a criação de SGPS’s não obedece às mesmas regras que obedecem a constituição de instituições financeiras, pois é o Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (RGICSF) que estabelece, em Portugal, as condições de acesso e de exercício de atividade das instituições de crédito e das sociedades financeiras, bem como o exercício da supervisão destas entidades, respetivos poderes e instrumentos.
O exercício da atividade financeira em Portugal encontra-se reservado às entidades para tal autorizadas ou habilitadas pelo Banco de Portugal.
Significa isto que o exercício desta atividade é apenas permitido a entidades que foram objeto de um processo de autorização ou habilitação (este, no caso de instituições financeiras autorizadas noutros Estados Membros da União Europeia), realizado junto do Banco de Portugal.
No âmbito deste processo, o Banco de Portugal verifica a observância de uma série de requisitos que asseguram a solvabilidade e a capacidade da entidade e dos membros dos principais órgãos sociais para prosseguirem a atividade financeira.
(…)
Em síntese, pode concluir-se que não é possível extrair do regime jurídico das SGPS’s; do RGICSF ou da Diretiva n.º 2013/36, de 26 de junho, em conjunto com o Regulamento n.º 575/2013, que as SGPS's integram o conceito de «instituição financeira».
Por outro lado, no âmbito dos autos n.º 37/2020-T, para além daquele argumentário, mais se entendeu o seguinte:
“(…) na ótica da Requerente, se a norma comunitária se limita a excluir expressamente estas entidades do conceito de instituição financeira, então é porque todas as outras integram o conceito de instituição financeira. Ora, esta interpretação não tem o mínimo apoio literal, sistemático nem teleológico dos preceitos em causa. Repete-se, a interpretação da norma tem de ter em conta que estamos a tratar de entidades que, pela sua atividade, estão sujeitas aos requisitos prudenciais e regime de supervisão a que se refere o «Regulamento», no domínio do setor bancário e financeiro, como ficou dito”.
Já no contexto do processo n.º 92/2021-T foi entendido o seguinte:
«Ora, para termos uma visão que não se quede unicamente pela literalidade do texto legal, importa compreender de que realidades está o legislador a falar, quando pretende referir-se a instituições financeiras e se estas comportam ou não as SGPS que não detenham participações no âmbito financeiro.
Assim, dos diversos considerandos do Regulamento atrás citado diz-nos, o considerando 5, que o mesmo (Regulamento) deve ler-se conjuntamente com a Diretiva 2013/36/EU, sendo significativo o que dispõe o considerando nº 6 que estabelece que ambos os textos devem conter “as disposições relativas ao acesso à atividade das instituições, às modalidades do seu governo e ao seu quadro de supervisão, tais como as disposições que regem a autorização da atividade, a aquisição de participações qualificadas, o exercício da liberdade de estabelecimento e da liberdade de prestação de serviços, aos poderes dos Estados-Membros de origem e de acolhimento nesta matéria e as disposições que regem o capital inicial e a supervisão das instituições.”
Por seu turno, o considerando 7 refere que “o presente regulamento deverá, nomeadamente, conter os requisitos prudenciais aplicáveis às instituições que estão estritamente relacionadas com o funcionamento do mercado bancário e do mercado dos serviços financeiros e que se destinam a garantir a estabilidade financeira dos operadores nesses mercados, bem como um elevado nível de proteção dos investidores e depositantes”
Tudo isto inculca, a nosso ver, que a Diretiva e o regulamento comunitários manifestamente não são de aplicação para uma vulgar SGPS que não detenha participações em instituições financeiras.»
Diferentemente, a posição sufragada pelas Requerentes mereceu acolhimento, nomeadamente, no quadro das decisões proferidas nos processos 836/2019-T, 819/2019-T, 911/2019-T, 110/2020-T, 3/2020-T, 502/2020-T, 543/2020, 542/2020-T e 81/2021-T. Sinteticamente, e novamente sem prejuízo de outra de argumentos, entende-se que a remissão contida na alínea e) do n.º 1 do artigo 7.º do CIS é para o direito da União Europeia, ao invés de para o direito interno, sendo irrelevante se o Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras qualifica, ou não, as sociedades gestoras de participações sociais como “instituições financeiras”.
No processo n.º 836/2019-T, considerou-se o seguinte:
«Perante a remissão que a alínea e) do n.º 1 do artigo 7.º do Código do Imposto do Selo faz quanto às entidades beneficiárias da concessão do crédito, para a legislação europeia parece claro, como se viu já, que o preceito pretende remeter para as disposições de direito europeu aplicáveis no momento em que se pretende beneficiar da isenção, sendo, portanto, aplicável o artigo 3.º, n.º 1, ponto 22), da Diretiva 2013/36/EU e, por via de remissão, a do artigo 4.º, n.º 1, ponto 26), do Regulamento (UE) n.º 575/2013.
Quanto a este aspecto partilham o mesmo entendimento quer a Requerente, quer a Requerida, reconhecendo a própria Requerida que “A Requerente considera como legislação comunitária de referência a Diretiva n.º 2013/36/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de Junho de 2013, cuja base jurídica é o artigo 53.º, n.º 1 do TFUE e o Regulamento (UE) n.º 575/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho de 26 de Junho de 2013, cuja base jurídica é o artigo 114.º do TFUE, opção que não merece qualquer objeção”.
Torna-se assim evidente que a remissão da norma que estabelece a isenção de Imposto do Selo é feita para o direito europeu e, especificamente, para sobreditas disposições da Directiva 2013/36/EU e do Regulamento (UE) n.º 575/2013, havendo de reconhecer-se, neste contexto normativo, que uma instituição financeira, para o aludido efeito, é, além de outras que exerçam certas actividades enumeradas no anexo, uma empresa que, não sendo uma instituição de crédito, tem como principal actividade a aquisição de participações, desde que se não trate de sociedades gestoras de participações no sector dos seguros.
(…)
Como resulta dos factos provados, e não é sequer controvertido pelas partes, a Requerente é uma sociedade gestora de participações sociais, que se encontra regulada pelo Decreto-Lei n.º 495/88, de 30 de Dezembro, e está domiciliada em Portugal. E nessa qualidade não pode deixar de se encontrar abrangida pelo conceito relevante de instituição financeira para efeito da aplicação da isenção do imposto de selo prevista no artigo 7.º, n.º 1, alínea e), do Código do Imposto de Selo.
Efectivamente, e como se escreveu na Decisão Arbitral no âmbito do processo n.º 911/1019-T , “Tratando-se de sociedades que têm por único objecto contratual a gestão de participações sociais de outras sociedades, como forma indirecta de exercício de actividades económicas, não oferece dúvidas que as sociedades gestoras de participações sociais se enquadram no conceito de “instituição financeira”, tal como se encontra definido no direito europeu, e, assim sendo, beneficiam da isenção de imposto estabelecida no artigo 7.º, n.º 1, alínea e), do Código do Imposto do Selo.”
Na mesma linha de entendimento, plasmou-se nos autos n.º 110/2020-T o seguinte entendimento:
«Torna-se assim evidente que a remissão da norma que estabelece a isenção de imposto de selo é feita para o direito europeu e, especificamente, para sobreditas disposições da Diretiva 2013/36/EU e do Regulamento (UE) n.º 575/2013, havendo de reconhecer-se, neste contexto normativo, que uma instituição financeira, para o aludido efeito, é, além de outras que exerçam certas atividades enumeradas no anexo, uma empresa que, não sendo uma instituição de crédito, tem como principal atividade é a aquisição de participações, desde que se não trate de sociedades gestoras de participações no setor dos seguros.
Certo é que na transposição da Diretiva 2013/36/EU para o direito interno, o legislador nacional adotou um conceito mais restritivo de “instituição financeira”, caracterizando como tal “as sociedades gestoras de participações sociais sujeitas à supervisão do Banco de Portugal”.
No entanto, para efeitos da aplicação da isenção do imposto de selo, o artigo 7.º, n.º 1, alínea e), não remete para o direito interno, mas para o direito da União Europeia, o que significa que a definição constante do artigo 2.º-A do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, aditado pelo diploma que procedeu à transposição da Diretiva, releva para os demais efeitos da regulação das sociedades gestoras de participações sociais, e não para o específico aspeto da isenção de imposto de selo.»
Em 23 de março de 2022, foi proferido um Acórdão do Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, aprovado por unanimidade no âmbito dos autos 0118/20.3BALSB[1], tendo sido decidido submeter a seguinte questão prejudicial ao TJUE, a título de reenvio prejudicial, o que deu origem ao processo n.º C-290/22[2]:
“Uma sociedade gestora de participações sociais domiciliada em Portugal, regulada pelo disposto no Decreto-Lei n.º 495/88, de 30 de dezembro, que tem como único objeto a gestão de participações sociais doutras sociedades que não integram o sector dos seguros, subsume-se ao conceito de instituição financeira constante do artigo 3.º, n.º 1, ponto 22, da Diretiva 2013/36/EU e do artigo 4.º, n.º 1, ponto 26, do Regulamento UE n.º 575/2013?”.
Afigura-se indiscutível a correspondência entre o cerne dos pedidos de reenvio prejudicial supra-referidos e o cerne da questão controvertida, a respeito da qual versam os presentes autos arbitrais.
Ora, no contexto dos autos de reenvio prejudicial, o TJUE entendeu, por acórdão datado de 26 de outubro de 2023, essencialmente, o seguinte:
“(…)
52 Com as questões submetidas, que importa examinar em conjunto, os órgãos jurisdicionais de reenvio perguntam, em substância, se o artigo 3.º, n.º 1, ponto 22, da Diretiva 2013/36 e o artigo 4.º, n.º 1, ponto 26, do Regulamento n.º 575/2013 devem ser interpretados no sentido de que uma empresa cuja atividade consista na aquisição de participações em sociedades que não exerçam atividades no setor financeiro está abrangida pelo conceito de «instituição financeira», na aceção desta diretiva e deste regulamento.
(…)
54 Em primeiro lugar, no que diz respeito à redação do artigo 3.º, n.º 1, ponto 22, da Diretiva 2013/36, esta disposição refere que, para efeitos desta diretiva, se deve entender por «instituição financeira» uma instituição financeira na aceção do artigo 4.o, n.º 1, ponto 26, do Regulamento n.º 575/2013.
55 O artigo 4.º, n.º 1, ponto 26, deste regulamento, lido em conjugação com o seu artigo 4.º, n.º 1, ponto 3, enuncia que, na aceção do referido regulamento, entende‑se por «instituição financeira» uma empresa que não seja uma instituição de crédito ou uma empresa de investimento, cuja atividade principal é a aquisição de participações ou o exercício de uma ou mais das atividades enumeradas no anexo I, pontos 2 a 12 e 15, da Diretiva 2013/36, incluindo uma companhia financeira, uma companhia financeira mista, uma instituição de pagamento e uma sociedade de gestão de ativos. Este artigo 4.º, n.º 1, ponto 26, exclui, em contrapartida, do conceito de «instituição financeira» as sociedades gestoras de participações no setor dos seguros e as sociedades gestoras de participações de seguros mistas.
56 Esta disposição menciona, assim, de maneira geral, que as empresas cuja atividade principal consista na aquisição de participações estão abrangidas pelo conceito de «instituição financeira», na aceção deste regulamento, e, na sua versão aplicável às datas pertinentes dos processos principais, exclui deste conceito unicamente as instituições de crédito, as empresas de investimento e algumas sociedades gestoras de participações no setor dos seguros.
57 A este respeito, importa especificar que, embora o artigo 1.º, ponto 2, alínea a), iii), do Regulamento 2019/876 preveja uma nova redação do artigo 4.º, n.º 1, ponto 26, do Regulamento n.º 575/2013, que também exclui do conceito de «instituição financeira», na aceção deste regulamento, as sociedades gestoras de participações no setor puramente industrial, resulta da decisão de reenvio no processo C‑290/22 que esta nova redação não é aplicável ratione temporis aos processos principais.
58 Além disso, embora a redação do artigo 4.º, n.º 1, ponto 26, do Regulamento n.º 575/2013 vise as empresas cuja atividade principal é o exercício de uma ou mais das atividades enumeradas no anexo I, pontos 2 a 12 e 15, da Diretiva 2013/36, atividades essas que integram o setor financeiro, a utilização da conjunção coordenativa «ou» indica que o legislador da União não quis que o exercício direto de uma ou mais dessas atividades fosse um critério de definição do conceito de «instituição financeira», na aceção do Regulamento n.º 575/2013.
59 Não obstante, importa também sublinhar que resulta da redação do artigo 4.º, n.º 1, ponto 26, do Regulamento n.º 575/2013 que as companhias financeiras e as companhias financeiras mistas devem ser consideradas «instituições financeiras», na aceção deste regulamento.
60 Ora, por um lado, o artigo 4.º, n.º 1, ponto 20, do referido regulamento enuncia que, na aceção deste, se entende por «companhia financeira» uma instituição financeira que não seja uma companhia financeira mista e cujas filiais sejam exclusiva ou principalmente instituições de crédito, empresas de investimento ou instituições financeiras, sendo pelo menos uma destas filiais uma instituição de crédito ou uma empresa de investimento.
61 Por outro lado, resulta do artigo 4.º, n.º 1, ponto 21, do Regulamento n.º 575/2013, lido em conjugação com o artigo 2.º, ponto 15, da Diretiva 2002/87, que deve ser considerada uma «companhia financeira mista», na aceção deste regulamento, uma empresa‑mãe, que não é uma instituição de crédito, uma empresa de seguros ou uma empresa de investimento, a qual em conjunto com as suas filiais, de que pelo menos uma é uma instituição de crédito, uma empresa de seguros ou uma empresa de investimento, e com quaisquer outras entidades, constitui um conglomerado financeiro.
62 Afigura‑se assim que as companhias financeiras e as companhias financeiras mistas constituem tipos de sociedades concretamente definidas que se caracterizam simultaneamente pelo facto de a sua atividade principal consistir na aquisição de participações e pela existência de relações específicas com uma instituição de crédito, uma empresa de seguros ou uma empresa de investimento.
63 Daqui resulta que a referência expressa, no artigo 4.º, n.º 1, ponto 26, do Regulamento n.º 575/2013, às companhias financeiras e às companhias financeiras mistas não teria nenhuma utilidade se esta disposição devesse ser entendida, pelo simples facto de visar as empresas cuja atividade principal consista na aquisição de participações, como integrando sistematicamente no conceito de «instituição financeira», na aceção deste regulamento, todas as sociedades que exercem essa atividade principal.
64 No entanto, como a advogada‑geral salientou no n.º 41 das suas conclusões, resulta dos próprios termos do artigo 4.º, n.º 1, ponto 26, do Regulamento n.º 575/2013 que a lista das instituições financeiras enunciada nesta disposição não é exaustiva. Por conseguinte, da referência, nesta disposição, às companhias financeiras e às companhias financeiras mistas não se pode deduzir que a inexistência de certas relações específicas com uma instituição de crédito, uma empresa de seguros ou uma empresa de investimento obsta necessariamente à qualificação de «instituição financeira», na aceção deste regulamento.
65 Em segundo lugar, o contexto em que o artigo 3.º, n.º 1, ponto 22, da Diretiva 2013/36 e o artigo 4.º, n.º 1, ponto 26, do Regulamento n.º 575/2013 se inserem demonstra que o legislador da União definiu o regime aplicável às instituições financeiras com base na existência de uma relação entre estas e o exercício de determinadas atividades do setor financeiro.
66 Antes de mais, o principal elemento do regime aplicável às instituições financeiras definido pela Diretiva 2013/36 diz respeito à possibilidade de estas exercerem, no âmbito da liberdade de estabelecimento e da livre prestação de serviços, atividades do setor financeiro noutro Estado‑Membro.
67 Com efeito, o artigo 34.º desta diretiva, sob a epígrafe «Instituições financeiras» e que constitui o único artigo da diretiva que se refere unicamente às instituições financeiras, autoriza essas instituições, em certas condições, a exercerem noutro Estado‑Membro as atividades constantes do anexo I da referida diretiva. Este artigo concretiza, assim, o princípio, enunciado no considerando 20 da mesma diretiva, segundo o qual é conveniente alargar, em certas condições, o benefício do reconhecimento mútuo a determinadas operações financeiras quando as mesmas sejam exercidas por uma instituição financeira filial de uma instituição de crédito.
68 Por conseguinte, o facto de uma empresa ser qualificada de «instituição financeira», na aceção da Diretiva 2013/36, é desprovido de interesse, para efeitos da aplicação do seu artigo 34.º, se essa empresa não pretender exercer atividades do setor financeiro.
69 Em seguida, o Regulamento n.º 575/2013 prevê, para efeitos da aplicação dos requisitos prudenciais impostos por este regulamento, uma série de consequências para a atribuição, a uma determinada empresa, da qualificação de «instituição financeira».
70 Mais precisamente, resulta do artigo 18.º, n.º 1, do referido regulamento que as instituições de crédito e as empresas de investimento que sejam obrigadas a cumprir os requisitos do mesmo regulamento com base na sua situação consolidada procedem, em princípio, a uma consolidação integral, nomeadamente, de todas as instituições financeiras que são suas filiais ou, se for caso disso, filiais da mesma companhia financeira‑mãe ou da companhia financeira mista‑mãe.
71 Em contrapartida, esta disposição não impõe que se realize uma consolidação prudencial que inclua todas as filiais das instituições e das empresas de investimento.
72 Além disso, decorre do artigo 4.º, n.º 1, ponto 27, do Regulamento n.º 575/2013 que as instituições financeiras constituem «entidades do setor financeiro», à semelhança, nomeadamente, das instituições de crédito, das empresas de investimento e das empresas de seguros.
73 Ora, resulta do artigo 36.º, n.º 1, alíneas g) a i), do artigo 56.º, alíneas c) e d), e do artigo 66.º, alíneas b) a d), deste regulamento que os investimentos, realizados pelas instituições de crédito e pelas empresas de investimento, nas entidades do setor financeiro estão sujeitos a um regime específico que implica, em particular, determinadas deduções no cálculo dos fundos próprios dessas instituições e dessas empresas.
74 As participações qualificadas das instituições de crédito e das empresas de investimento fora do setor financeiro são, em contrapartida, regidas por regras diferentes, previstas, nomeadamente, no artigo 36.º, n.º 1, alínea k), e nos artigos 89.° e 90.° do referido regulamento, regras que podem, em especial, implicar uma ponderação dessas participações no cálculo dos requisitos de fundos próprios ou uma proibição dessas participações, quando estas excedam determinadas percentagens de fundos próprios da instituição de crédito ou da empresa de investimento em causa.
75 Decorre do exposto que o Regulamento n.º 575/2013 define as regras relativas à consolidação e aos requisitos prudenciais das instituições de crédito e das empresas de investimento que, na medida em que sejam próprias das participações nas instituições financeiras ou noutras entidades do setor financeiro e que difiram das regras aplicáveis às participações fora do setor financeiro, podem ser vistas como estando baseadas na tomada em consideração da especificidade das atividades desse setor.
76 Ora, tal lógica seria posta em causa em caso de aplicação das regras próprias das participações nas entidades do setor financeiro a uma participação fora desse setor de uma instituição de crédito ou de uma empresa de investimento, pelo simples facto de esta última participação ser gerida por intermédio de uma filial dessa instituição ou dessa empresa cuja atividade consista na aquisição de participações.
77 Por último, o artigo 5.º da Diretiva 2013/36 prevê a coordenação interna das atividades das autoridades competentes para a supervisão não só das instituições de crédito e das empresas de investimento mas também das instituições financeiras, estabelecendo assim uma relação entre, por um lado, a supervisão prudencial do setor financeiro e, por outro, o controlo das instituições financeiras.
78 Do mesmo modo, o artigo 117.º, n.º 1, e o artigo 118.º desta diretiva enunciam as obrigações de cooperação entre as autoridades competentes dos Estados‑Membros aplicáveis às instituições financeiras, sem alargar esse regime às entidades não pertencentes ao setor financeiro nas quais uma instituição de crédito ou uma empresa de investimento detenha participações.
79 Em terceiro lugar, resulta do artigo 1.º da Diretiva 2013/36 e do artigo 1.º do Regulamento n.º 575/2013 que estes atos têm por objeto definir as regras relativas ao acesso à atividade, à supervisão e a diversos requisitos aplicáveis às instituições de crédito e às empresas de investimento. Também decorre do considerando 5 desta diretiva e do considerando 14 deste regulamento que os referidos atos têm, nomeadamente, por objetivo contribuir para a realização do mercado interno no setor das instituições de crédito.
80 Resulta de todos os elementos precedentes que uma empresa cuja atividade principal não esteja relacionada com o setor financeiro, por não exercer, nem diretamente nem por intermédio de participações, uma ou mais das atividades enumeradas no anexo I da Diretiva 2013/36, não pode ser considerada uma instituição financeira, na aceção da Diretiva 2013/36 e do Regulamento n.º 575/2013.
81 Por conseguinte, há que responder às questões submetidas que o artigo 3.º, n.º 1, ponto 22, da Diretiva 2013/36 e o artigo 4.º, n.º 1, ponto 26, do Regulamento n.º 575/2013 devem ser interpretados no sentido de que uma empresa cuja atividade consista na aquisição de participações em sociedades que não exerçam atividades no setor financeiro não está abrangida pelo conceito de «instituição financeira», na aceção desta diretiva e deste regulamento.
Por seu turno, o Supremo Tribunal Administrativo, por acórdão uniformizador de jurisprudência proferido pelo Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, no dia 24 de janeiro de 2024, no âmbito dos autos 0118/20.3BALSB, sintetizou a posição do TJUE da seguinte forma:
Este tribunal adere, plenamente, à jurisprudência supra-referida, competindo-lhe, ademais, observar o disposto no n.º 3 do artigo 8.º do Código Civil, nos termos do qual “[n]as decisões que proferir, o julgador terá em consideração todos os casos que mereçam tratamento análogo, a fim de obter uma interpretação e aplicação uniformes do direito”.
Compulsando a factualidade carreada para os presentes autos, constata-se que o cerne da questão controvertida consiste em saber se as Recorrentes detêm, subjetivamente, a qualidade de instituição financeira para efeitos do artigo 3.º, n.º 1, ponto 22, da Diretiva 2013/36 e do artigo 4.º, n.º 1, ponto 26, do Regulamento n.º 575/2013.
Considerando que a atividade principal das Requerentes não está relacionada com o setor financeiro, por não exercerem, diretamente ou por intermédio de participações geridas, uma ou mais das atividades enumeradas no anexo I da Diretiva 2013/36, impõe-se dar resposta negativa à questão suscitada.
Donde se conclui que as Requerentes não detêm, subjetivamente, a qualidade de instituição financeira para efeitos do artigo 3.º, n.º 1, ponto 22, da Diretiva 2013/36 e do artigo 4.º, n.º 1, ponto 26, do Regulamento n.º 575/2013.
Na exata medida em que tal qualidade subjetiva é pressuposto aplicativo da isenção prevista no artigo 7.º, n.º 1, alínea e) do Código do Imposto do Selo, o não-preenchimento desse segmento da previsão normativa obsta à eficácia da correspetiva estatuição.
Improcede, pois, o pedido aduzido pelas Requerentes, com fundamento naquela isenção, quanto à anulação dos despachos de indeferimento proferidos pela Unidade dos Grandes Contribuintes da Requerida, datados de 23 de novembro de 2021 e de 25 de novembro de 2021, proferidos, respetivamente, no âmbito dos procedimentos PROAT ...2021... e RG ...2021..., e, por inerência, dos atos de liquidação de Imposto de Selo controvertidos, referentes a 2019 e 2020.
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Da não incidência de Imposto do Selo sobre as contraprestações por serviços prestados no âmbito da emissão de papel comercial e do pedido de reenvio prejudicial apresentado pelas Requerentes
No âmbito do pedido de pronúncia arbitral apresentado, as Requerentes aduzem, como fundamento autónomo de anulação das liquidações de IS controvertidas, a violação do disposto na alínea b) do n.º 2 do artigo 5.º da Diretiva 2008/7/CE do Conselho, na qual se dispõe o seguinte:
“(…)
2. Os Estados-Membros não devem sujeitar a qualquer forma de imposto indirecto:
a) (…)
b) Os empréstimos, incluindo os estatais, contraídos sob a forma de emissão de obrigações ou outros títulos negociáveis, independentemente de quem os emitiu, e todas as formalidades conexas, bem como a criação, emissão, admissão à cotação em bolsa, colocação em circulação ou negociação dessas obrigações ou de outros títulos negociáveis”.
Para o efeito, sufragam as Requerentes o entendimento de que o conceito de “formalidades conexas” deverá ser objeto de interpretação extensiva, no sentido de incluir comissões pagas a favor de intermediários financeiros que prestem serviços relacionados com a emissão de papel comercial.
Por seu turno, a Requerida pugna por uma interpretação declarativa do enunciado normativo supracitado, considerando que o conceito de “formalidades conexas” apenas se reporta “(…) «a formalidades da operação de reunião de capitais propriamente dita (…), ou seja, à exterioridade perante os destinatários da operação», onde cabem, nomeadamente as operações de inscrição no livro de registo, registos comerciais e publicações da deliberação de emissões”. Entre outros argumentos erigidos em defesa da sua tese, alude também a Requerida ao facto de a intervenção de intermediário financeiro ser, por vezes, facultativa.
Para uma correta apreciação do que vem peticionado pelas Requerentes, importa tomar em consideração duas recentes decisões proferidas pelo TJUE, no âmbito dos autos C-335/22 e C-416/22, ambas datadas de 19 de julho de 2023, em consequência de pedidos de reenvio prejudicial apresentados por instâncias arbitrais (mais concretamente, no âmbito dos autos 208/2021-T e 646/2021-T).
No âmbito do processo n.º C-335/22 foram suscitadas as seguintes questões prejudiciais junto do TJUE:
“1) O artigo 5.°, n.° 2, alínea b) da Diretiva [2008/7] pode ser interpretado no sentido de que se opõe à tributação em Imposto do Selo de comissões por serviços de intermediação financeira prestados por um Banco relativos à colocação em mercado de títulos negociáveis — obrigações e papel comercial — emitidos por diversas sociedades comerciais, compreendendo tais serviços a obrigação de o Requerente desenvolver os seus melhores esforços, identificando e contactando os investidores, de modo a distribuir os valores mobiliários, receber ordens de subscrição ou de aquisição e, em alguns casos, adquirir os valores mobiliários objeto da oferta?
2) A resposta à primeira questão difere consoante a prestação dos serviços financeiros seja legalmente exigida ou apenas facultativa?”
Decidindo, o TJUE percorreu o seguinte iter argumentativo:
“(…)
18 Com as suas duas questões, que devem ser examinadas em conjunto, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 5.°, n.° 2, alínea b), da Diretiva 2008/7 deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação nacional que prevê a cobrança de um imposto do selo a título dos montantes pagos por uma sociedade de capitais a uma entidade bancária à qual confiou a colocação em mercado de títulos negociáveis, como obrigações e papel comercial de novas emissões.
19 A título preliminar, importa recordar que resulta da decisão de reenvio que as obrigações e o papel comercial em causa no processo principal foram emitidos por sociedades comerciais abrangidas pelo conceito de «sociedades de capitais», na aceção do artigo 2.° da Diretiva 2008/7. Tais sociedades estão, por conseguinte, abrangidas pelo âmbito de aplicação desta diretiva.
20 De acordo com o seu considerando 9, a referida diretiva tem por objeto excluir qualquer imposto indireto sobre as reuniões de capitais, exceto o imposto sobre as entradas de capital. O mesmo considerando precisa que, em especial, não deve ser aplicado imposto do selo sobre os títulos, quer estes sejam representativos de capitais próprios das sociedades quer de capitais de empréstimo, e qualquer que seja a sua proveniência.
21 Neste contexto, o artigo 5.°, n.° 2, alínea b), da Diretiva 2008/7 proíbe expressamente a sujeição a qualquer forma de imposto indireto dos empréstimos contraídos sob a forma de emissão de obrigações ou outros títulos negociáveis, independentemente de quem os emitiu, e todas as formalidades conexas, bem como a criação, emissão, admissão à cotação em bolsa, colocação em circulação ou negociação dessas obrigações ou de outros títulos negociáveis.
22 Em conformidade com jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, o artigo 5.° da Diretiva 2008/7 deve, tendo em conta o objetivo prosseguido pela mesma, ser objeto de uma interpretação latu sensu, para evitar que as proibições que prevê fiquem privadas de efeito útil. Assim, a proibição da imposição das operações de reunião de capitais aplica‑se igualmente às operações que não estão expressamente referidas nesta proibição, uma vez que essa imposição equivale a tributar uma operação que faz parte integrante de uma operação global do ponto de vista da reunião de capitais (Acórdão de 22 de dezembro de 2022, IM Gestão de Ativos e o., C‑656/21, EU:C:2022:1024, n.° 28 e jurisprudência referida).
23 Assim, já resulta, em substância, da jurisprudência do Tribunal de Justiça que, uma vez que uma emissão de títulos negociáveis só tem sentido a partir do momento em que esses mesmos títulos são adquiridos, uma taxa sobre a primeira aquisição de títulos de uma nova emissão tributaria, na realidade, a própria emissão dos títulos, na medida em que ela faz parte integrante de uma operação global do ponto de vista da reunião de capitais. O objetivo de preservar o efeito útil do artigo 5.°, n.° 2, alínea b), da Diretiva 2008/7 implica assim que a «emissão», na aceção desta disposição, inclua a primeira aquisição de títulos efetuada no âmbito da sua emissão (v., neste sentido, Acórdão de 22 de dezembro de 2022, IM Gestão de Ativos e o., C‑656/21, EU:C:2022:1024, n.° 29 e jurisprudência referida).
24 Do mesmo modo, o Tribunal de Justiça já esclareceu que o artigo 11.°, alínea b), da Diretiva 69/335, disposição cuja redação era idêntica à do artigo 5.°, n.° 2, alínea b), da Diretiva 2008/7, que revogou a Diretiva 69/335, devia ser interpretado no sentido de que a proibição de sujeitar um empréstimo obrigacionista ao imposto se opõe igualmente à tributação de todas as formalidades conexas, incluindo o ato notarial obrigatório para registar o reembolso desse empréstimo (v., neste sentido, Acórdão de 27 de outubro de 1998, FECSA e ACESA, C‑31/97 e C‑32/97, EU:C:1998:508, n.os 19, 21 e 22).
25 Ora, uma vez que os serviços de colocação em mercado de títulos negociáveis, como obrigações e papel comercial de novas emissões, apresentam, à semelhança das operações e das formalidades referidas pela jurisprudência recordada nos n.os 23 e 24 do presente despacho, uma ligação estreita com as operações de emissão e de colocação em circulação dos referidos títulos, na aceção do artigo 5.°, n.° 2, alínea b), da Diretiva 2008/7, devem ser considerados parte integrante de uma operação global do ponto de vista da reunião de capitais em causa (v., por analogia, Acórdão de 22 de dezembro de 2022, IM Gestão de Ativos e o., C‑656/21, EU:C:2022:1024, n.° 31).
26 Por conseguinte, o facto de dar a conhecer junto do público ofertas de títulos negociáveis, como obrigações e papel comercial, e de desenvolver todos os seus melhores esforços para os distribuir de modo que promova a respetiva subscrição e aquisição ou de os adquirir por sua conta para efeitos de revenda junto do público constitui uma diligência comercial necessária e que, nessa medida, deve ser considerada uma operação acessória, integrada na operação de emissão e de colocação em circulação dos referidos títulos (v., por analogia, Acórdão de 22 de dezembro de 2022, IM Gestão de Ativos e o., C‑656/21, EU:C:2022:1024, n.° 33).
27 Além disso, uma vez que a aplicação do artigo 5.°, n.° 2, alínea b), da Diretiva 2008/7 depende da ligação estreita dos serviços de colocação em mercado com essas operações de emissão e de colocação em circulação, é indiferente, para efeitos dessa aplicação, que se tenha optado por confiar essas operações de colocação em mercado a terceiros em vez de as efetuar diretamente (v., por analogia, Acórdão de 22 de dezembro de 2022, IM Gestão de Ativos e o., C‑656/21, EU:C:2022:1024, n.° 34).
28 A este respeito, há que recordar que, por um lado, essa disposição não faz depender a obrigação de os Estados‑Membros isentarem as operações de reunião de capitais de nenhuma condição relativa à qualidade da entidade encarregada de realizar essas operações. Por outro lado, a existência ou não de uma obrigação legal de contratar os serviços de um terceiro não é uma condição pertinente quando se trata de determinar se uma operação deve ser considerada parte integrante de uma operação global do ponto de vista de uma reunião de capitais (v., neste sentido, Acórdão de 22 de dezembro de 2022, IM Gestão de Ativos e o., C‑656/21, EU:C:2022:1024, n.° 35 e jurisprudência referida).
29 Tendo em conta as considerações que precedem, há que responder às questões submetidas que o artigo 5.°, n.° 2, alínea b), da Diretiva 2008/7 deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação nacional que prevê a cobrança de um imposto do selo a título dos montantes pagos por uma sociedade de capitais a uma entidade bancária à qual confiou a colocação em mercado de títulos negociáveis, como obrigações e papel comercial de novas emissões, independentemente da questão de saber se as sociedades emitentes dos títulos em questão estão obrigadas por lei a recorrer aos serviços de um terceiro ou se optaram por recorrer aos mesmos de forma voluntária.” (ênfase nossa).
Importa notar que naquele caso, como neste, estavam em causa serviços de intermediação prestados por instituições de crédito a uma sociedade de capitais – na aceção do disposto no artigo 2.º, n.º 1, a), da Diretiva 2008/7 do Conselho, conjugado com o respetivo Anexo I –, abrangendo assistência da emissão e comercialização de papel comercial. Ora, entende o TJUE que, independentemente da subsunção, ou não, de tais serviços no conceito de “formalidade conexa” (para efeitos do disposto na alínea b), do n.º 2, do artigo 5.º da Diretiva 2008/7), devem os mesmos ser considerados parte integrante de uma operação global do ponto de vista da reunião de capitais em causa, circunstância por si só impeditiva da incidência de Imposto do Selo. Tal impedimento, também na senda da decisão proferida pelo TJUE, não depende da questão de saber se o recurso aos serviços de intermediação financeira era obrigatório ou facultativo.
Por seu turno, no âmbito do processo n.º C-416/22, as questões prejudiciais suscitadas junto do TJUE foram as seguintes:
“1) Devem as operações de (i) oferta para aquisição em dinheiro de obrigações, (ii) de emissão de obrigações e (iii) de oferta pública de subscrição de ações ser consideradas como “operações globais” na aceção da jurisprudência do TJUE resultante do[s] Casos Isabele Gielen, processo C‑299/13 e Air Berlin, processo C‑573/16?;
2) A expressão [“]formalidades conexas[”] a que se refere o artigo 5.°, n.° 2, alínea b) da Diretiva [2008/7] deve ser interpretada no sentido de abranger os serviços de intermediação financeira contratados acessoriamente às operações (i) de oferta para aquisição em dinheiro de obrigações, (ii) de emissão de obrigações e (iii) de oferta pública de subscrição de ações?
3) O artigo 5.°, n.° 2, alínea b) da Diretiva [2008/7] pode ser interpretado no sentido de que se opõe à tributação em Imposto do Selo de comissões cobradas por serviços de intermediação financeira, prestados por um Banco, relativos (i) à recompra de instrumentos de dívida (ii) à emissão e colocação em mercado de títulos negociáveis e (iii) ao aumento de capital por subscrição pública das ações emitidas, compreendendo tais serviços a obrigação de serem identificados e contactados investidores, de modo a distribuir os valores mobiliários, receber ordens de subscrição ou de aquisição e, em alguns casos, adquirir os valores mobiliários objeto da oferta?
4) A resposta às questões enunciadas nos pontos anteriores difere consoante a prestação dos serviços financeiros seja legalmente exigida ou seja opcional?”
Em face das questões supra citadas, a decisão do TJUE ancorou-se na seguinte ordem de considerações:
“(…)
23 Com as suas quatro questões, que devem ser analisadas em conjunto, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 5.°, n.° 2, da Diretiva 2008/7 deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação nacional que prevê a cobrança de um imposto do selo a título dos montantes pagos por uma sociedade de capitais a várias entidades bancárias às quais confiou serviços de intermediação financeira para efeitos, primeiro, de publicação de ofertas para recompra de obrigações, segundo, de colocação em mercado e subscrição de novas obrigações e, terceiro, de subscrição de novas ações para efeitos de aumento do seu capital social.
24 A título preliminar, importa salientar que, enquanto sociedade anónima, a EDP está abrangida pelo conceito de «sociedades de capitais», na aceção do artigo 2.°, n.° 1, alínea a), da Diretiva 2008/7. Está, por conseguinte, abrangida pelo âmbito de aplicação desta diretiva.
25 De acordo com o seu considerando 9, a referida diretiva tem por objeto excluir qualquer imposto indireto sobre as reuniões de capitais, exceto o imposto sobre as entradas de capital. O mesmo considerando precisa que, em especial, não deve ser aplicado imposto do selo sobre os títulos, quer estes sejam representativos de capitais próprios das sociedades quer de capitais de empréstimo, e qualquer que seja a sua proveniência.
26 Neste contexto, por um lado, o artigo 5.°, n.° 2, alínea a), da Diretiva 2008/7, disposição relevante, em conformidade com a sua redação, no que se refere aos serviços de intermediação financeira relativos à subscrição de novas ações para efeitos de aumento do capital de uma sociedade de capitais, proíbe os Estados‑Membros de sujeitarem a qualquer forma de imposto indireto, a criação, emissão, admissão à cotação em bolsa, colocação em circulação ou negociação de ações, de partes sociais ou de outros títulos da mesma natureza, bem como de certificados representativos desses títulos, independentemente de quem os emitiu.
27 Por outro lado, o artigo 5.°, n.° 2, alínea b), da Diretiva 2008/7, disposição relevante, em conformidade com a sua redação, no que se refere aos serviços de intermediação financeira relativos à subscrição de novas obrigações e à recompra de obrigações emitidas anteriormente por uma sociedade de capitais, proíbe a sujeição a qualquer forma de imposto indireto dos empréstimos contraídos sob a forma de emissão de obrigações ou outros títulos negociáveis, independentemente de quem os emitiu, e todas as formalidades conexas, bem como a criação, emissão, admissão à cotação em bolsa, colocação em circulação ou negociação dessas obrigações ou de outros títulos negociáveis.
28 A este respeito, tendo em conta as dúvidas do órgão jurisdicional de reenvio, cumpre antes de mais salientar que o conceito de «formalidades conexas», que devem estar isentas de impostos indiretos, visa as eventuais atuações que uma sociedade de capitais é, por força da legislação nacional, obrigada a levar a cabo para proceder à criação, emissão, admissão à cotação em bolsa, colocação em circulação ou negociação dos títulos negociáveis em causa (v., neste sentido, Acórdãos de 27 de outubro de 1998, FECSA e ACESA, C‑31/97 e C‑32/97, EU:C:1998:508, n.os 21 e 22, e, por analogia, de 28 de junho de 2007, Albert Reiss Beteiligungsgesellschaft, C‑466/03, EU:C:2007:385, n.os 52 a 54 e jurisprudência referida).
29 Todavia, serviços de intermediação financeira como os que estão em causa no processo principal estão relacionados com a substância das operações de reunião de capitais, pelo que não são abrangidos pelas «formalidades» a que se refere o artigo 5.°, n.° 2, alínea b), da Diretiva 2008/7.
30 No entanto, em conformidade com jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, o artigo 5.° da Diretiva 2008/7 deve, tendo em conta o objetivo prosseguido pela mesma, ser objeto de uma interpretação latu sensu, para evitar que as proibições que prevê fiquem privadas de efeito útil. Assim, a proibição da imposição das operações de reunião de capitais aplica‑se igualmente às operações que não estão expressamente referidas nesta proibição, uma vez que essa imposição equivale a tributar uma operação que faz parte integrante de uma operação global do ponto de vista da reunião de capitais (Acórdão de 22 de dezembro de 2022, IM Gestão de Ativos e o., C‑656/21, EU:C:2022:1024, n.° 28 e jurisprudência referida).
31 Assim, já resulta, em substância, da jurisprudência do Tribunal de Justiça que, uma vez que uma emissão de títulos negociáveis só tem sentido a partir do momento em que esses mesmos títulos são adquiridos, uma taxa sobre a primeira aquisição de títulos de uma nova emissão tributaria, na realidade, a própria emissão dos títulos, na medida em que ela faz parte integrante de uma operação global do ponto de vista da reunião de capitais. O objetivo de preservar o efeito útil do artigo 5.°, n.° 2, alíneas a) e b), da Diretiva 2008/7 implica assim que a «emissão», na aceção desta disposição, inclua a primeira aquisição de títulos efetuada no âmbito da sua emissão (v., neste sentido, Acórdão de 22 de dezembro de 2022, IM Gestão de Ativos e o., C‑656/21, EU:C:2022:1024, n.° 29 e jurisprudência referida).
32 Neste contexto, o Tribunal de Justiça declarou que a transmissão da titularidade de ações, exigida pelo direito nacional, unicamente para efeitos de uma operação de admissão dessas ações à cotação em bolsa e sem consequências sobre a propriedade efetiva das mesmas, deve ser vista apenas como uma operação acessória, integrada nessa operação de admissão, a qual, em conformidade com o artigo 5.°, n.° 2, alínea a), da Diretiva 2008/7, não pode ser sujeita a qualquer forma de imposto (v., por analogia, Acórdão de 19 de outubro de 2017, Air Berlin, C‑573/16, EU:C:2017:772, n.° 36).
33 Do mesmo modo, o Tribunal de Justiça já esclareceu que o artigo 11.°, alínea b), da Diretiva 69/335, disposição cuja redação era idêntica à do artigo 5.°, n.° 2, alínea b), da Diretiva 2008/7, que revogou a Diretiva 69/335, devia ser interpretado no sentido de que a proibição de sujeitar um empréstimo obrigacionista ao imposto se opõe igualmente à tributação de todas as formalidades conexas, incluindo o ato notarial obrigatório para registar o reembolso desse empréstimo (v., neste sentido, Acórdão de 27 de outubro de 1998, FECSA e ACESA, C‑31/97 e C‑32/97, EU:C:1998:508, n.os 19, 21 e 22).
34 Ora, uma vez que os serviços de colocação em mercado de novas ações para efeitos de aumento do capital social ou de novas obrigações apresentam, à semelhança das operações e das formalidades referidas pela jurisprudência recordada nos n.os 31 a 33 do presente despacho, uma ligação estreita com as operações de emissão e de colocação em circulação dos referidos títulos, na aceção do artigo 5.°, n.° 2, alíneas a) e b), da Diretiva 2008/7, devem ser considerados parte integrante de uma operação global do ponto de vista da reunião de capitais em causa (v., por analogia, Acórdão de 22 de dezembro de 2022, IM Gestão de Ativos e o., C‑656/21, EU:C:2022:1024, n.° 31).
35 Por conseguinte, o facto de dar a conhecer junto do público uma oferta de títulos negociáveis, como ações e obrigações, de identificar e contactar potenciais compradores, de responder às suas questões e de negociar com eles ou, em alternativa, de comprar por conta própria esses títulos constitui uma diligência comercial necessária e que, nessa medida, deve ser considerada uma operação acessória, integrada na operação de emissão e de colocação em circulação dos referidos títulos (v., por analogia, Acórdão de 22 de dezembro de 2022, IM Gestão de Ativos e o., C‑656/21, EU:C:2022:1024, n.° 33).
36 O mesmo se aplica à recompra de obrigações emitidas anteriormente, desde que a referida recompra equivalha ao reembolso do empréstimo contraído sob a forma de emissão de obrigações. Com efeito, proibir a cobrança de um imposto quando da emissão de um empréstimo obrigacionista mas autorizá‑la quando do reembolso desse empréstimo teria como consequência, contrariamente ao objetivo prosseguido pela Diretiva 2008/7, tributar o empréstimo enquanto operação global para a reunião de capitais (v., por analogia, Acórdão de 27 de outubro de 1998, FECSA e ACESA, C‑31/97 e C‑32/97, EU:C:1998:508, n.o 18).
37 Em contrapartida, o facto de uma sociedade que integra um grupo de sociedades adquirir, junto do público, obrigações emitidas por outra sociedade do mesmo grupo com o único objetivo de alterar a identidade do credor, e, portanto, sem que essa aquisição implique a extinção da dívida que as obrigações em causa incorporam, constitui uma transmissão de valores mobiliários que pode ser tributada em conformidade com o artigo 6.°, n.° 1, alínea a), da Diretiva 2008/7.
38 No caso em apreço, o órgão jurisdicional de reenvio assinala que as obrigações em causa no processo principal que foram objeto de ofertas para recompra ou compra por parte da EDP foram, em parte, emitidas por esta última e, em parte, emitidas pela EDP Finance BV, outra sociedade do mesmo grupo.
39 A este respeito, o órgão jurisdicional de reenvio esclarece que a recompra pela EDP das obrigações por si emitidas foi efetuada com o objetivo de reduzir o custo do endividamento desta sociedade, nomeadamente permitindo a recompra de obrigações emitidas anteriormente e que representavam um custo elevado. Tal recompra implica, portanto, sem prejuízo das verificações que incumbem ao órgão jurisdicional de reenvio, o reembolso das dívidas que as obrigações em questão representam.
40 Do mesmo modo, segundo o órgão jurisdicional de reenvio, a aquisição, pela EDP, das obrigações emitidas pela EDP Finance visou otimizar a carteira de passivos da EDP e aumentar a maturidade média da sua dívida, utilizando a liquidez disponível para reduzir o montante da dívida bruta. Sem prejuízo das verificações a efetuar pelo órgão jurisdicional de reenvio, esta descrição do objeto da operação em causa sugere que essa aquisição de obrigações implicou a extinção definitiva da dívida que essas obrigações representavam e não simplesmente que a sociedade que realizou essa operação se tornou credora das dívidas em questão.
41 Além disso, uma vez que a aplicação do artigo 5.°, n.° 2, alíneas a) e b), da Diretiva 2008/7 depende da ligação estreita dos serviços de intermediação financeira com essas operações de emissão e de colocação em circulação dos títulos em causa, é indiferente, para efeitos dessa aplicação, que se tenha optado por confiar essas operações de colocação em mercado a terceiros em vez de as efetuar diretamente (v., neste sentido, Acórdão de 22 de dezembro de 2022, IM Gestão de Ativos e o., C‑656/21, EU:C:2022:1024, n.° 34).
42 A este respeito, há que recordar, por um lado, que esta disposição não faz depender a obrigação de os Estados‑Membros isentarem as operações de reunião de capitais de nenhuma condição relativa à qualidade da entidade encarregada de realizar essas operações. Por outro lado, a existência ou não de uma obrigação legal de contratar os serviços de um terceiro não é uma condição pertinente quando se trata de determinar se uma operação deve ser considerada parte integrante de uma operação global do ponto de vista de uma reunião de capitais (v., neste sentido, Acórdão de 22 de dezembro de 2022, IM Gestão de Ativos e o., C‑656/21, EU:C:2022:1024, n.° 35 e jurisprudência referida).
43 Tendo em conta as considerações que precedem, há que responder às questões submetidas que o artigo 5.°, n.° 2, da Diretiva 2008/7 deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação nacional que prevê a cobrança de um imposto do selo a título dos montantes pagos por uma sociedade de capitais a várias entidades bancárias às quais confiou serviços de intermediação financeira para efeitos, primeiro, de publicação de ofertas para recompra ou compra de obrigações que impliquem a extinção definitiva da dívida que essas obrigações representam, segundo, de colocação em mercado e subscrição de novas obrigações e, terceiro, de subscrição de novas ações com vista ao aumento do seu capital social, independentemente da questão de saber se as sociedades emitentes dos títulos em questão estão obrigadas por lei a recorrer aos serviços de um terceiro ou se optaram por recorrer aos mesmos de forma voluntária.” (ênfase nosso)
No essencial, o sentido e a fundamentação da decisão é semelhante àquela que se transcreveu quanto ao processo C-335/22, sendo inteiramente transponíveis para o caso dos presentes autos.
De tudo quanto se expôs decorre, efetivamente, que as liquidações de Imposto do Selo controvertidas, por respeitarem a serviços de intermediação relacionados com a emissão e comercialização de papel comercial e obrigações, contendem, diretamente, com o disposto na alínea b) do n.º 2 do artigo 5.º da Diretiva 2008/7 do Conselho, sendo nessa medida ilegais e devendo ser anuladas.
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DECISÃO
De harmonia com o exposto acordam neste Tribunal Arbitral em:
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Julgar integralmente procedente o pedido de pronúncia arbitral apresentado pelas Requerentes e, em consequência, para todos os efeitos:
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Declarar ilegal e anular a decisão de indeferimento expresso da reclamação graciosa apresentada, em coligação, pelas Requerentes, proferida nos autos RG ...2021..., bem como os atos de liquidação de Imposto do Selo referentes a 2019 e a 2020, cuja anulação ali se peticionou;
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Declarar ilegal e anular, parcialmente, a decisão de indeferimento expresso do pedido de revisão oficiosa apresentado pela Requerente A..., SGPS, S.A., proferida nos autos PROAT ...2021..., bem como dos atos de liquidação de Imposto do Selo de 2019, cuja anulação ali se peticionou.
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Condenar a Requerida no pagamento das custas do processo.
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VALOR DO PROCESSO
De harmonia com o disposto nos artigos 306.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 161.754,15 (cento e sessenta e um mil setecentos e cinquenta e quatro euros e quinze cêntimos) indicado pelas Requerentes e sem oposição da Requerida.
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CUSTAS
Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em 3.672,00 €, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerida.
Lisboa, 30 de abril de 2024
O Tribunal Arbitral Coletivo
(Fernando Araújo)
(Jorge Bacelar Gouveia)
(David Oliveira Silva Nunes Fernandes)
[1] Disponível para consulta integral em http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/4492120f88295d4d802588100064c401?OpenDocument&ExpandSection=1
[2] Assinalando-se que a esses autos foram ainda apensos os autos n.º C-207/22 e C-267/22, desencadeados por pedidos de reenvio prejudicial formulados por tribunais arbitrais tributários, por decisões proferidas, respetivamente, a 24 de fevereiro de 2022 e a 12 de abril de 2022.
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