Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 894/2023-T
Data da decisão: 2024-04-15  IRS  
Valor do pedido: € 30.891,65
Tema: IRS de 2022. Residente não habitual. Inscrição no Portal da AT. Nº 10 do artigo 16º do CIRS.
Versão em PDF

Sumário

 

  1. A  inscrição, no Portal das Finanças, dos “residentes não habituais”, tem natureza declarativa, pelo que não tem efeitos constitutivos do direito a ser tributado como tal. (nº 10 do artigo 16º do CIRS)
  2. O direito a ser tributado como “residente não habitual”, em cada ano, resulta automaticamente e “ope legis” do sujeito passivo ser residente em território português e desde que não tenha sido residente em Portugal nos 5 anos anteriores. (nº 8 do artigo 16º do CIRS)

 

I – Relatório

 

  1. A..., NF ..., e B..., NF ..., ambos residentes na Rua ..., n.º ... –..., ...-... Lisboa, adiante designados por “Requerentes”, vieram, nos termos do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º e na alínea  a) do n.º 1 do artigo 10.º, ambos do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (“RJAT”), em conjugação com a alínea a) do artigo 99.º e do n.º 2 do artigo 102.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (“CPPT”), apresentar Pedido de Pronúncia Arbitral (PPA) contra a liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (“IRS”) do ano de 2022, pedindo que seja “declarada a ilegalidade da liquidação de IRS do ano de 2022, no valor total de € 30.891,65, com a consequente anulação da liquidação e restituição do imposto pago, acrescido de juros indemnizatórios à taxa legal, desde a data do respectivo pagamento até integral reembolso”.

 

  1. É demandada a Autoridade Tributária e Aduaneira, adiante designada por Requerida ou AT.

 

  1. Os Requerentes fundamentam o pedido de pronúncia arbitral (PPA) nos seguintes termos:

 

  1. São cidadãos de nacionalidade espanhola e belga, respectivamente;
  2. O 1º Requerente, A..., NF ..., residiu entre 2016 a 2020 na Bélgica; em Janeiro de 2021 alterou a sua morada para Portugal; em 24 de Março de 2021 obteve certidão de registo de cidadão da UE e em 02 de Novembro de 2021 comunicou à AT o seu domicílio fiscal em Portugal em suporte de papel;
  3. Em 17 de Maio de 2022, data em que tomou conhecimento de que poderia beneficiar do regime fiscal dos “residentes não habituais”, tentou submeter no site da AT o pedido de inscrição como “residente não habitual”, com efeitos desde o ano de 2021 o que não conseguiu “... pois o prazo fixado para os pedidos relativos ao ano de 2021 tinha expirado no dia 31 de março de 2022”;
  4. Acrescentam que “face à impossibilidade de apresentação do pedido de inscrição como RNH para o ano de 2021 através do Portal das Finanças, o Requerente apresentou pedido de inscrição, junto da Direção de Serviços de Registo de Contribuintes, no dia 30 de janeiro de 2023, ... o qual se encontra pendente naquela Direção de Serviços até à presente data”;
  5. Apresentaram a Declaração Modelo 3 de IRS do ano de 2022, na qual foram declarados no Anexo J, rendimentos do trabalho dependente com origem no estrangeiro (Suíça) auferidos pelo 1.º Requerente, no montante total de € 141.084,00, (a que corresponde o valor de CHF 143.659,25, pagos pela sua entidade patronal C... AG) assim como de imposto retido no estrangeiro no montante de € 6.516,00;
  6. A Declaração Modelo 3 de IRS submetida deu origem à demonstração de liquidação de IRS n.º 2023..., de 29 de junho de 2023, de que resultou o valor de imposto a pagar de € 30.891,65, com a qual não concordam porque não teve em conta que “o 1.º Requerente reúne os pressupostos legais para beneficiar do regime dos RNH”.

 

  1. A Requerida respondeu em 02.10.2023 referindo o seguinte:
  1. Defesa por excepção – refere que do “pedido deduzido decorre, inequivocamente, que os Requerentes pretendem que o Tribunal Arbitral: (1º) Ordene a inscrição do Requerente marido no registo de contribuintes da AT como residente não habitual com efeitos ao ano de 2021, anulando o ato administrativo de indeferimento do pedido formulado nesse sentido;  (2º) E só, consequentemente, no decurso da anulação daquele ato administrativo em matéria tributária, anule o ato tributário de liquidação de IRS para os anos de 2022”.
  2. Conclui que “não obstante o Requerente solicitar a anulação da liquidação de IRS do ano de 2022, importa sublinhar que a causa de pedir em apreço nos presentes autos, centra-se na condição de residente não habitual do Requerente” sendo que é “apenas de forma incidente e consequente que se peticiona a anulação da liquidação de IRS, uma vez que a esta liquidação não se imputa nenhum vício próprio”, ou seja, trata-se de “questão tributária que não comporta a apreciação da legalidade do ato de liquidação invocado” pelo que ocorre a excepção de “ incompetência absoluta em razão da matéria configura uma exceção dilatória que obsta ao prosseguimento do processo, conducente à absolvição da instância quanto ao pedido respetivo, de acordo com o previsto nos artigos 576.º, n.º 2, 577.º, alínea a) e 278.º, n.º 1, alínea a) do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, alínea e) do RJAT
  3. Defesa por impugnação – refere que “a inscrição como residente não habitual tem de ser solicitada por via eletrónica, posteriormente à inscrição como residente fiscal ou, em momento ulterior, até 31 de março, inclusive, do ano seguinte aquele em que se tornou residente em Portugal (n.º 10 art.º 16.º do CIRS)” e que “obtido este estatuto, o sujeito passivo adquire o direito a ser tributado em IRS como residente não habitual, pelo período de 10 anos consecutivos a partir do ano, inclusive, em que se tornou residente fiscal em Portugal (n.º 9 do art.º 16.º)”  e conclui “definido o enquadramento da figura, é manifesto que estamos perante um benefício fiscal”.
  4. Pelo que “importa atender ao procedimento de reconhecimento dos benefícios fiscais” sendo que “é visível que a condição de residente não habitual, em face do sobredito disposto no artigo 16º, nº 10 do CIRS, versa sobre um benefício fiscal, dependente de reconhecimento por parte da administração fiscal, por iniciativa do contribuinte.  Neste âmbito, é mister ressalvar a discussão acerca dos efeitos do reconhecimento dos benefícios fiscais”, pois considera que “... não é controvertida a natureza declarativa do reconhecimento destas figuras”.
  5. E explicita que “uma análise inteira da temática, impõe compulsar tanto os efeitos como a natureza do ato de reconhecimento” tendo em conta que “não é objetado que o reconhecimento da RNH, reporta os respetivos efeitos, à ocasião em que o respetivo beneficiário, reúne os pressupostos exigidos para a conferência dessa condição, contudo, esses efeitos assentam, claro está, na circunstância do reconhecimento aferido pela administração fiscal, a pedido do contribuinte”.
  6. Refere ainda que “sendo a inscrição como RNH um requisito prévio necessário à aquisição do direito ao regime de benefício fiscal de RNH, e não tendo este sido concedido, não se verifica qualquer ilegalidade das liquidações contestadas”.
  7.  Sendo que “... mesmo que se pretenda, como defendem os Requerentes, que basta a verificação dos requisitos impostos no artigo 16º do CIRS, para automaticamente beneficiar o estatuto de residente não habitual, estes obviamente não se verificam para o ano controvertido de 2022, visto que, desde 2021, que é residente em Portugal, ou seja, mesmo ultrapassando a obrigatoriedade de inscrição prévia no dito regime” uma vez que “afigura-se imprescindível que o Requerente marido, não tenha sido residente em Portugal nos cinco anos anteriores a 2022 (artigo 16º, nº 8 do CIRS)”.
  8. Em síntese refere “que a atribuição do regime de RNH e de uma forma sistematizada, assenta em três requisitos e não em dois como é pretensão do Requerente, isto, na medida em que qualquer sujeito passivo interessado, tem de reunir para esse fim:

 (1) Obter residência em território português, nos termos do Artº 16º, nºs 1 e 2 do CIRS;

 (2) Não tenha(m) sido fiscalmente residente em território português nos cinco anos anteriores ao ano de início do efeito do regime de RNH, Artº 16º nº 8 do CIRS;

(3) Deve(m) pedir a sua inscrição como RNH, até 31 de março, inclusive, do ano seguinte àquele em que se torne residente em território português, por via eletrónica, no Portal das Finanças, Artº 16º, nº 10 do CIRS

O pedido de inscrição como residente não habitual é atribuído automaticamente desde que o interessado reúna os requisitos acima mencionados, uma vez que o prazo previsto naquela norma é de natureza perentória, ao não ser exercido em tempo, preclude esse direito”.

  1. Termina pugnando pela improcedência do PPA e pela sua absolvição de todos os pedidos.

 

  1. Por despacho do Tribunal Arbitral Singular (TAS) de 06.02.2024 foi a Requerida notificada para contestar, tendo respondido em 08.03.2024 e juntou o PA.

 

  1. Por despacho do TAS de 11.03.2024 foram convidados os Requerentes a exercer o contraditório quanto à excepção aduzida e quanto à junção de documentos que integram o PA com data posterior ao da entrega do PPA no CAAD.

 

  1. Em 2024.03.28 os Requerentes apresentaram resposta à excepção aduzida pela AT, referindo, em resumo, que neste processo apenas alegaram a desconformidade com a lei da liquidação e não peticionaram que o TAS ordenasse a inscrição do Requerente como RNH.

 

  1. Em 2024.04.01 os Requerentes juntaram ainda a tradução do Documento nº 9 e vieram referir que não se opunham à dispensa da realização da reunião de partes.

 

  1. Por despacho de 03.04.2024 foi dispensada a realização da reunião de partes do artigo 18º do RJAT e ainda de apresentação de alegações escritas.

 

  1. O pedido de constituição do tribunal arbitral (PPA) foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira nos termos regulamentares.

De acordo com o disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228. ° da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitro do tribunal arbitral singular (TAS) o signatário desta decisão, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável.

As partes foram oportuna e devidamente notificadas da designação, não tendo manifestado vontade de a recusar, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT e dos artigos 6. ° e 7.º do Código Deontológico.

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral singular (TAS) foi regularmente constituído em 06 de Fevereiro de 2024.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT e 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).

O processo não enferma de nulidades.

 

Cabe apreciar e decidir.

 

II - Fundamentação

Matéria de facto

 

  1. Os factos relevantes para a decisão da causa são os seguintes:
  1. Os Requerentes são cidadãos de nacionalidade espanhola e belga, respectivamente, e entre o ano de 2016 e até 2020 o 1.º Requerente residiu na Bélgica, na Rue ..., n.º 23, ... Bruxelas - conforme artigos 1º e 2º do PPA e Documento n.º 1 junto com o PPA;
  2. Em 18 de Janeiro de 2021 o 1.º Requerente alterou junto da Autoridade Fiscal da Bélgica, a sua residência para Portugal, na Rua ..., n.º ... – ..., em Lisboa – conforme artigo 3º do PPA e Documento n.º 2 junto com o PPA;
  3. Em 29 de Janeiro de 2021 o 1.º Requerente celebrou um contrato de trabalho com a C... AG, com sede em ..., ..., na Suíça, para desempenhar as funções de Diretor de Projeto – conforme artigo 4º do PPA e Documento n.º 3 junto com o PPA;
  4. Em 24 de Março de 2021, o 1.º Requerente obteve a certificado de registo de cidadão da União Europeia, emitido pela Câmara Municipal de Lisboa, ao abrigo da Lei n.º 37/2006, de 9 de agosto, onde consta ser residente na Rua ..., n.º ... –..., em Lisboa – conforme artigo 4º do PPA e Documento nº 5 junto com o PPA;
  5. Em 2 de Novembro de 2021 o 1.º Requerente procedeu à comunicação à Autoridade Tributária e Aduaneira (“AT”) da alteração do seu domicílio fiscal para a morada atrás referida - conforme artigo 5º do PPA e Documento n.º 5 em anexo ao PPA;
  6. Em 30 de Janeiro de 2023, face à impossibilidade de apresentação do pedido de inscrição como RNH para o ano de 2021 através do Portal das Finanças, o Requerente apresentou em suporte de papel um pedido de inscrição, junto da Direção de Serviços de Registo de Contribuintes – conforme artigo 11º do PPA, terceiro parágrafo do ponto 6 da Resposta da AT e Documento nº 6 em anexo ao PPA
  7. Os Requerentes apresentaram a Declaração Modelo 3 de IRS do ano de 2022, na qual foram declarados no Anexo J, rendimentos do trabalho dependente com origem na Suíça auferidos pelo 1.º Requerente, no montante total de € 141.084,00, assim como de imposto retido no estrangeiro no montante de € 6.516,00 – conforme artigo 12º do PPA, página 3/6 do Documento n.º 7 e Documento nº 9 junto com o PPA
  8. Durante o ano de 2022, o 1.º Requerente auferiu rendimentos do trabalho dependente com origem na Suíça, no montante total de € 141.084,00 (a que corresponde o valor de CHF 143.659,25), pagos pela sua entidade patronal C... AG - conforme documento nº 8 e 9 juntos com o PPA
  9. A Declaração Modelo 3 de IRS submetida deu origem à demonstração de liquidação de IRS n.º 2023..., de 29 de junho de 2023, de que resultou o valor de imposto a pagar de € 30.891,65 que foi pago no dia 11 de agosto de 2023 - conforme artigos 14º e 15º do PPA e documentos nºs 10 e 11 juntos com o PPA
  10. Os Requerentes apresentaram o presente pedido de pronúncia arbitral em 2023.11.28 – conforme registo no SGP do CAAD.
  11. Em 08 de Março de 2024 a AT juntamente com a Resposta juntou o PA que incluiu um ofício de 14.02.2024 dirigido à mandataria dos Requeridos e uma informação com o seguinte teor visando o indeferimento da solicitação de inscrição referida em G):

• “O contribuinte devia ter solicitado a inscrição como RNH para o ano de 2021, por via eletrónica, no Portal das Finanças, posteriormente ao ato de inscrição como residente em território português (2021.11.02) e até 31 de março, inclusive, do ano seguinte àquele em que se torne residente nesse território (2022.03.31).

• Tendo entregue esse pedido em suporte papel em 2023.01.26, o mesmo deve ser indeferido por incumprimento dos requisitos formais do pedido (artigo 16º nº 10 do CIRS).

• O contribuinte não comprovou qualquer justo impedimento ao cumprimento do prazo para solicitar a inscrição como RNH, com o requisito formal legalmente estabelecido.

Caso a presente informação mereça acolhimento superior, dever-se-á notificar a mandatária do contribuinte, para, querendo, exercer o direito de audição prévia, nos termos do artigo 60º da Lei Geral Tributária (LGT)”.

 

Factos não provados

Não há factos não provados que possam ser considerados relevantes para a decisão da causa.

Muito embora se trate de documentação que titula actos praticados pela AT após a entrada do PPA no CAAD após 2023.11.28 não se provou que em 2018.09.25 o contribuinte se inscreveu como não residente em território português (informação da AT de 14.02.2024 – terceira página – nº 1 da “descrição dos factos”), porquanto nenhum documento foi junto com essa finalidade probatória.

 

Motivação da fixação da matéria de facto

O Tribunal formou a sua convicção quanto à factualidade provada com base nos factos articulados no PPA e na Resposta da AT que estão em conformidade com a posição assumida de forma expressa ou tácita por ambas as partes e bem assim com base nos documentos juntos com o PPA que não mereceram reparo.

A AT não impugnou especificadamente os factos narrados pelos Requerentes (nem o teor dos documentos apresentados) que aqui foram considerados assentes e porque se configuram plausíveis foram aqui considerados face ao nº 7 do artigo 110º do CPPT, visando a aquisição processual da verdade empírica, histórica ou material (a que converge com o que efetivamente sucedeu).

 

 

III - Matéria de direito

 

As disposições legais aqui em causa

 

Artigo 16.º do Código do IRS

Residência

1 - São residentes em território português as pessoas que, no ano a que respeitam os rendimentos:

a) Hajam nele permanecido mais de 183 dias, seguidos ou interpolados, em qualquer período de 12 meses com início ou fim no ano em causa;

b) Tendo permanecido por menos tempo, aí disponham, num qualquer dia do período referido na alínea anterior, de habitação em condições que façam supor intenção atual de a manter e ocupar como residência habitual;

c) Em 31 de dezembro, sejam tripulantes de navios ou aeronaves, desde que aqueles estejam ao serviço de entidades com residência, sede ou direção efetiva nesse território;

d) Desempenhem no estrangeiro funções ou comissões de carácter público, ao serviço do Estado Português.

2 - Para efeitos do disposto no número anterior, considera-se como dia de presença em território português qualquer dia, completo ou parcial, que inclua dormida no mesmo.

...

8 - Consideram-se residentes não habituais em território português os sujeitos passivos que, tornando-se fiscalmente residentes nos termos dos nºs 1 ou 2, não tenham sido residentes em território português em qualquer dos cinco anos anteriores.

9 - O sujeito passivo que seja considerado residente não habitual adquire o direito a ser tributado como tal pelo período de 10 anos consecutivos a partir do ano, inclusive, da sua inscrição como residente em território português.

10 - O sujeito passivo deve solicitar a inscrição como residente não habitual, por via eletrónica, no Portal das Finanças, posteriormente ao ato da inscrição como residente em território português e até 31 de março, inclusive, do ano seguinte àquele em que se torne residente nesse território. (Redação do Decreto-Lei n.º 41/2016, de 1 de agosto)

(10 - O sujeito passivo deve solicitar a inscrição como residente não habitual no ato da inscrição como residente em território português ou, posteriormente, até 31 de março, inclusive, do ano seguinte àquele em que se torne residente nesse território (redacção anterior ao Decreto-Lei nº 41/2016 de 01 de Agosto))

11 - O direito a ser tributado como residente não habitual em cada ano do período referido no n.º 9 depende de o sujeito passivo ser considerado residente em território português, em qualquer momento desse ano.

12 - O sujeito passivo que não tenha gozado do direito referido no número anterior em um ou mais anos do período referido no n.º 9 pode retomar o gozo do mesmo em qualquer dos anos remanescentes daquele período, a partir do ano, inclusive, em que volte a ser considerado residente em território português.

 

Jurisprudência

 

A AT cita as decisões CAAD Processo n.º 514/2025 – T e 796/2022-T sobre casos de indeferimento da inscrição como residente não habitual.

Os Requerentes citam as decisões CAAD P 188/2020-T, P 777/2020-T e P 815/2021-T sobre a questão de fundo aqui em discussão: que é a de apurar a natureza da obrigação constante no nº 10 do artigo 16º do CIRS (solicitação via Portal das Finanças da inscrição como RNH).

A AT invoca ainda as seguintes decisões adoptadas: Processo nº 692/18.6BESNT, do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra; Processo nº 364/22.5BEMDL, do Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela; Processo nº 2972/15.1BELRS, do Tribunal Tributário de Lisboa; e Processo nº 406/14.8BELRS, do Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra, sem indicação da data do trânsito em julgado ou indicação da pendência em sede de recurso.

 

 

Apreciando

 

  • O ofício e informação juntos ao processo em 08 de Março de 2024

 

Na pendência do PPA, veio a AT juntar ao processo os documentos referidos na alínea K) dos factos provados.

Ora, não tendo a AT, antes da apresentação no CAAD do presente PPA, decidido o pedido dos Requerentes a que se alude a alínea F) dos factos provados e não tendo os Requerentes usado a prerrogativa legal constante dos n.ºs 1 e 5 do artigo 57º da Lei Geral Tributária (LGT), uma vez que não invocam esse desiderato (porque configuraram que se tratava de um benefício fiscal automático que opera “ope legis”), não pode este Tribunal acolher esta factualidade na medida em que se entenda constituir alteração da fundamentação do acto de liquidação aqui recorrido.

É irrelevante a fundamentação a posteriori, tendo os actos cuja legalidade é questionada de ser apreciados tal como foram praticados, não podendo o tribunal, perante a constatação da invocação de um fundamento ilegal como suporte da decisão administrativa, apreciar se a sua actuação poderia basear-se noutros fundamentos (vide acórdãos do STA de 10-11-98, do Pleno, proferido no recurso n.º 32702, publicado em Apêndice ao Diário da República de 12-4-2001, página 1207, de 19/06/2002, processo n.º 47787, publicado em Apêndice ao Diário da República de 10-2-2004, página 4289, de 09/10/2002, processo n.º 600/02, de 12/03/2003, processo n.º 1661/02).

Mesmo que assim não fosse citando a decisão CAAD P. 319/2022-T: “a pendência de discussão sobre a inscrição do contribuinte como residente não habitual, independente da fase em que se encontre (administrativa ou judicial), permite a impugnação direta do ato de liquidação de IRS com fundamento na não aplicação do regime fiscal dos residentes não habituais, inexistindo qualquer incompatibilidade com o Acórdão n.º 718/2017, de 15 de Novembro, do Tribunal Constitucional”.

 

  • Da incompetência material do Tribunal Arbitral para a apreciação do pedido de aplicação á Requerente do regime jurídico-tributário dos residentes não habituais

 

Invoca a AT a excepção de incompetência material do Tribunal Arbitral para a apreciação do pedido de aplicação aos Requerentes do regime jurídico-tributário dos residentes não habituais.

Refere no artigo 9º que “do pedido deduzido decorre, inequivocamente, que os Requerentes pretendem que o Tribunal Arbitral: (1.º) ordene a inscrição do requerente marido no registo de contribuintes da AT como residente não habitual com efeitos ao ano de 2021, anulando o ato administrativo de indeferimento do pedido formulado nesse sentido; e (2.º) e só, consequentemente, no decurso da anulação daquele ato administrativo em matéria tributária, anule o ato tributário de liquidação de IRS para os anos de 2022.”

Os Requerentes terminam o PPA formulando o seguinte pedido “deve o presente pedido de pronúncia arbitral ser julgado procedente e ser declarada a ilegalidade da liquidação de IRS do ano de 2022, no valor total de € 30.891,65, com a consequente anulação da liquidação e restituição do imposto pago, acrescido de juros indemnizatórios à taxa legal, desde a data do respectivo pagamento até integral reembolso”.

            Não se verifica, pois, a circunstância referida pela AT como fundamento para invocar a excepção.

            Do teor do PPA apresentado resulta, sem margem para quaisquer dúvidas e interpretações, que o peticionado pelos Requerentes se reconduz apenas à anulação da liquidação de IRS de 2022 com todas as consequências dessa anulação advenientes.

 

 

 

  • Impropriedade do meio contencioso usado pelos Requerentes

 

Refere a AT nos artigos 31º a 84º o PPA que o meio usado pelos Requerentes é impróprio porque, na verdade, do que aqui se trata é do reconhecimento de um benefício fiscal.

A este propósito expressa-se na Decisão CAAD P 319/2022-T o seguinte, a que aderimos:

35. Assim, importa apreciar a questão invocada pela Requerida quanto à alegada inimpugnabilidade nesta sede de vícios que se reconduzam ao não reconhecimento pela AT de tal benefício fiscal, entendendo a Requerida ser aplicável o decidido no acórdão do TC n.º 718/2017 e nessa senda não ser tal causa de pedir enquadrável no âmbito competência material deste tribunal arbitral.

36. Efetivamente, veio o Tribunal Constitucional através do acórdão n.º 718/2017, de 15-11-2017 a considerar como não inconstitucional a interpretação do artigo 54º do CPPT. Com “…o sentido de que a não impugnação judicial de atos de indeferimento de pedidos de reconhecimento do estatuto de residente não habitual impede a impugnação judicial das decisões finais de liquidação do imposto com fundamento em vícios daqueles.”

37. Não obstante o sentido da não inconstitucionalidade resultante do aresto supra identificado, importa relevar que a decisão não recolheu unanimidade, tendo votado vencido o Juiz Conselheiro Gonçalo de Almeida Ribeiro, o qual conclui “Se, pelo contrário, e como julgo mais correto, não chegasse a semelhante conclusão ─ aceitando como não manifestamente errada a qualificação do ato acolhida na decisão recorrida ─, cabia-lhe revisitar a questão decidida pelo Acórdão n.º 410/2015. Nessa hipótese, julgo que o Tribunal deveria ter reiterado essa jurisprudência, por me parecer que a convivência de um ónus normal de impugnação unitária com um ónus excecional de impugnação autónoma, delimitada por um conceito de elevado grau de complexidade e imprecisão ─ «ato imediatamente lesivo de direitos» ─, constitui um fator de insegurança jurídica que condiciona o exercício do direito à impugnação contenciosa das decisões tributárias, sem que se consigam discernir quaisquer razões constitucionalmente relevantes que o justifiquem. Como se afirmou naquele aresto: «ao impedir que a impugnação do ato de liquidação do imposto se funde em vícios próprios do ato de cessação do benefício fiscal, a interpretação que a decisão recorrida fez do artigo 54.º do CPPT desprotege gravemente os direitos do contribuinte, assim ofendendo princípio da tutela judicial efetiva e o princípio da justiça, inscritos nos artigos 20.º e 268.º, n.º 4, da CRP.» Em suma, o Tribunal deveria ter julgado o recurso improcedente.”

38. Sobre similar matéria atinente à interpretação do artigo 54º do CPPT quanto à possibilidade de, em sede de impugnação de liquidação, apreciar vícios atinentes a atos

interlocutórios ou autónomos entretanto já consolidados na ordem jurídica, se havia já pronunciado o Tribunal Constitucional em 2015 em sentido inverso, ou seja, propendendo para a possibilidade de apreciação de tais vício próprios do ato interlocutório ou autónomo, o que o faz através do acórdão 410/2015, de 29-09, no qual se acordou: “Julgar inconstitucional a interpretação do artigo 54.º do Código de Procedimento e Processo Tributário que, qualificando como um ónus e não como uma faculdade do contribuinte a impugnação judicial dos atos interlocutórios imediatamente lesivos dos seus direitos, impede a impugnação judicial das decisões finais de liquidação do imposto com fundamento em vícios daqueles, por violação do princípio da tutela judicial efetiva e do princípio da justiça, inscritos nos artigos 20.º e 268.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa;”

39. Ora, se esta questão relativa à interpretação da norma do artigo 54º do CPPT ao nível da sua conformidade constitucional pode não ser consensual, afigura-se que para a decisão da questão erigida nestes autos pela Requerida, a fundamentação para a sua dilucidação não contende sequer, no entender deste Tribunal Arbitral, com a decisão invocada pela Requerida (acórdão do TC n.º 718/2017) em suposto abono da exceção erigida, por inaplicabilidade ao caso dos autos, como se expenderá.

40. Na verdade, se bem analisado o teor da decisão proferida pelo TC trazida à colação  pela Requerida, tal decisão tem subjacente uma realidade factual (e jurídica) absolutamente distinta daquela que resulta dos presentes autos, porquanto se no primeiro o contribuinte não havia reagido, designadamente, impugnando a decisão de indeferimento de inscrição enquanto residente não habitual, já nos autos que nos atêm a Requerente requereu a sua inscrição ao abrigo de tal regime, encontrando-se este pedido pendente de decisão por parte da AT.

41. Isto é, se no primeiro caso, apreciado pelo TC e invocado pela Requerida, o contribuinte havia omitido qualquer reação impugnatória quanto à decisão de indeferimento relativa à sua inscrição como residente não habitual e assim deixara consolidar na ordem jurídico-tributária tal decisão, já nos presentes autos a questão quanto à inscrição da Requerente enquanto RNH permanece em aberto, isto é, encontra-se pendente de apreciação e decisão por parte da AT.

42. Que o mesmo equivale a afirmar que, independentemente da consideração e qualificação que se pretenda efetuar quanto à natureza de eventual decisão de indeferimento – interlocutória ou autónoma – e às eventuais repercussões ao nível impugnatório daí decorrentes no que ao princípio da tutela jurisdicional efetiva e segurança dizem respeito, certo e seguro é que no caso ora em apreciação, a Requerente não viu indeferido, até à data da entrada do PPA no CAAD, o pedido de inscrição por esta formulado, logo dessa circunstância factual não se podendo extrair qualquer consequência ao nível de uma hipotética omissão impugnatória, leia-se, da dedução de eventual ação administrativa.”

...

Não foi o que ocorreu no caso em apreço como se provou na alínea F) dos factos provados, uma vez que os Requerentes não invocaram a formação da presunção de indeferimento por falta de decisão, e diga-se, no caso, correctamente, pois que tratando-se como se trata de:

  • Benefício automático de funcionamento directo e imediato por força da lei (nº 1 do artigo 5º do EBF);
  • Temporário (nº 2 do artigo 14º do EBF);
  • Irrenunciável (nº 8 do artigo 14º do EBF);
  • Cujo regime de cessação por não verificação dos pressupostos da lei opera nos termos do nº 6 do artigo 14º do EBF;

configuraram que lhes assistia esse direito ao benefício que consta na ordem jurídica e opera “ope legis”, o qual só poderá ser afastado por acto expresso da AT subsequente conforme artigo 44º nº 1 – d) do CPPT, alínea d) do nº 1 do artigo 54º da LGT e nº 6 do artigo 14º do EBF.

 

Retomando o que se refere na Decisão CAAD P 319/2022-T:

“44. E desta forma, era legítimo à Requerente, ficcionando o indeferimento expresso do pedido de inscrição enquanto RNH, optar, logo que transcorrido tal prazo, impugnar tal decisão de indeferimento tácito.

45. Ora, sucede que tal prerrogativa legalmente consagrada no âmbito do procedimento tributário se deve ler como uma faculdade, traduzida num mecanismo garantístico acrescido que permite ao contribuinte desbloquear a inércia decisória da administração tributária, não implicando a não utilização de tal garantia uma qualquer desoneração desta última em dar cumprimento ao princípio da decisão a que se encontra legalmente vinculada, nos termos dos artigos 268º da Constituição da República Portuguesa (“CRP”) e do artigo 56º da LGT, não obstante o incumprimento do prazo estabelecido no n.º 1 do artigo 57º da LGT.

46. De resto, tem sido jurisprudência reiterada dos tribunais superiores e nomeadamente do Supremo Tribunal Administrativo, segundo o qual “constitui jurisprudência corrente que a lei não deve ser interpretada com o sentido de impor ao interessado a reacção contenciosa contra o indeferimento presumido, sob pena de tal indeferimento gerar caso decidido ou resolvido. Antes, o que a lei confere é uma mera faculdade, que o interessado pode usar ou abster-se de usar, sem que a sua inércia exima a Administração da sua obrigação de decidir ou a situação fique definitivamente decidida pelo indeferimento presumido. Ainda recentemente – 12 de Janeiro de 2006 – a Secção de Contencioso Administrativo deste Tribunal reafirmou, no processo nº 347/04, que «(...) a presunção de indeferimento, face ao silêncio da Administração, é uma mera ficção legal para protecção do administrado, com finalidades exclusivamente adjectivas».

...

47. Ou seja, resulta do entendimento do Supremo Tribunal Administrativo, o qual se secunda, que a ficção de indeferimento não é mais do que uma faculdade que assiste ao administrado/contribuinte, não se retirando do seu não uso qualquer consequência ao nível da diminuição dos meios de reação ao seu dispor logo que a decisão omitida venha a ser proferida.

48. O que no caso em apreciação, equivale por afirmar que a não dedução, face ao decurso do prazo para a conclusão do procedimento tributário relativo ao pedido de inscrição enquanto residente não habitual não desonera, por um lado, a AT de proferir decisão sobre o requerido, nem em nada tolhe o direito da Requerente, uma vez notificada de uma eventual decisão de indeferimento sobre tal pedido, em lançar mão dos respetivos meios de defesa que então tenha por pertinentes.

49. Perante este conspecto factual de base e o entorno jurídico-tributário a que vimos aludindo, não se afigura de todo subsumível ao caso dos autos o sentido da jurisprudência invocada pela Requerida (Acórdão do TC n.º 718/2017).

50. Concretizando: a pendência de discussão sobre a inscrição do contribuinte como residente não habitual, independente da fase em que se encontre (administrativa ou judicial), permite a impugnação direta do ato de liquidação de IRS com fundamento na não aplicação do regime fiscal dos residentes não habituais, inexistindo qualquer incompatibilidade com o Acórdão n.º 718/2017, de 15 de Novembro, do Tribunal Constitucional.

51. De resto, o caso em análise nestes autos arbitrais deixa bem patenteado que, por força da omissão decisória da AT quanto ao pedido de inscrição da Requerente enquanto residente não habitual, o primeiro ato suscetível de ser considerado como lesivo do direito da Requerente em lhe ver aplicado tal estatuto fiscal se externalizou na liquidação ora colocada em crise e assim mesmo, não é compaginável qualquer outra solução em matéria de meios de defesa que contenda com a possibilidade de ver esgrimido em sede impugnatória vícios dessa mesma liquidação que se reconduzam à apreciação sobre o direito a ser tributada (nessa liquidação) ao abrigo do versado estatuto de residente não habitual.

52. Entendimento inverso permitiria, de resto, uma solução e um resultado prático que se entende contender frontalmente com o espírito da lei, porquanto permitiria bloquear a apreciação de eventual ilegalidade de liquidação emitida à Requerente por não lhe ser considerado o regime dos residentes não habituais, bloqueio esse que poderia ter na sua génese (como se afigura ser aqui o caso) a inércia da própria AT ao se abster de apreciar e decidir o pedido de inscrição anteriormente formulado pela Requerente.

53. Inexistindo como inexiste qualquer decisão relativa ao pedido de inscrição enquanto residente não habitual e muito menos qualquer consolidação na ordem jurídica da mesma, dado esta última não ter sido sequer tomada pela AT, resulta insofismavelmente inaplicável o disposto no artigo 54º do CPPT ao caso dos autos, visto no caso em análise inexistir, por ora, qualquer ato, mau grado a qualificação que a ele se prenda atribuir - natureza interlocutória ou autónoma - suscetível de impugnação autónoma pela Requerente, até porque não usou esta da faculdade de presumir indeferido o pedido de inscrição requerido, razão pela qual continua o requerimento efetuado pendente de decisão.

54. À míngua de qualquer decisão sobre a matéria da inscrição da Requerente enquanto residente não habitual, esvaziada de aplicabilidade fica a norma ínsita no artigo 54º do CPPT e consequentemente, toda a problemática sobre esta centrada, nomeadamente ao nível constitucional, quanto à interpretação a colher desse normativo em matéria de garantias impugnatórias.

55. Por outro lado, nos termos da alínea a) do artigo 99º do CPPT: “Constitui fundamento de impugnação qualquer ilegalidade, designadamente: a) Errónea qualificação e quantificação dos rendimentos, lucros, valores patrimoniais e outros factos tributários;”

56. No que à ilegalidade apontada à liquidação por não aplicação do regime fiscal dos residentes não habituais concerne, tal causa de pedir não poderá deixar de ter como inscrita no leque de fundamentos suscetíveis de, em caso de provimento, determinar a errada quantificação dos rendimentos por esta declarados e consequentemente, a ilegalidade do ato tributário de liquidação.

57. Inexistindo in casu, à data da entrada do PPA no CAAD qualquer ato ou decisão interlocutória ou autónoma, suscetível de ser enquadrada no artigo 54º do CPPT e constituindo fundamento da impugnação da liquidação qualquer ilegalidade, designadamente a “errónea qualificação e quantificação dos rendimentos, lucros, valores patrimoniais e outros factos tributários” - al. a) do artigo 99º do CPPT - não se vislumbra a existência de qualquer entrave no ordenamento legal tributário, que impeça a apreciação da declaração de ilegalidade da liquidação que se reconduza, no que à causa de pedir concerne, ao direito da Requerente em ver apreciada a questão relativa à apontada ilegalidade tangente à não tributação de acordo com o regime de residentes não habituais, cujo pedido de inscrição, de valor meramente declarativo (como adiante se expenderá), se encontra ainda pendente de decisão.

58. Ante o exposto, visando o pedido arbitral a ilegalidade de ato tributário de liquidação (do IRS de 2022), com acolhimento na al. a) do n.º 1 do artigo 2º do RJAT e não qualquer pedido de reconhecimento de benefício fiscal, tendo por causa de pedir fundamentos integráveis no disposto no artigo 99º do CPPT, não pode deixar de improceder a exceção de incompetência material deste tribunal arbitral pela Requerente invocada”.

           

E acrescente-se que se configura como apropriado, no caso, o recurso a procedimento arbitral no CAAD, para impugnar a liquidação de IRS de 2022.

 

  • Extemporaneidade do pedido de inscrição como RNH

 

Invoca a AT que é extemporânea a solicitação de inscrição a que se alude a alínea F) dos factos provados (artigo 102º da Resposta).

 

A obrigação declarativa referida no nº 10 do artigo 16º do CIRS tem natureza exclusivamente declarativa e não tem efeitos constitutivos do direito a ser tributado nos termos do respetivo regime, aliás porque é similar à obrigação declarativa prevista no artigo 19.º, n.º 3, da LGT que não constitui uma formalidade ad substanciam. Assim, a sua preterição não tem, em princípio, também, impacto em termos de tributação. 

 

Como acima se referiu citando a decisão CAAD P. 319/2022-T: “a pendência de discussão sobre a inscrição do contribuinte como residente não habitual, independente da fase em que se encontre (administrativa ou judicial), permite a impugnação direta do ato de liquidação de IRS com fundamento na não aplicação do regime fiscal dos residentes não habituais, inexistindo qualquer incompatibilidade com o Acórdão n.º 718/2017, de 15 de Novembro, do Tribunal Constitucional”.

 

Citando ainda a decisão CAAD P 36/2022-T a que se aderedestarte, temos, pois, que o critério previsto na alínea a) do n.º 1 do artigo 16.º do Código do IRS se cinge à presença física (corpus), em Portugal, considerando residentes, de forma automática, os indivíduos que permaneçam mais de 183 dias, seguidos ou interpolados, num período de 12 meses, no território nacional. Por seu turno, a alínea b) do n.º 1 do artigo 16.º do Código do IRS, exigindo uma ligação física menos qualificada, impõe uma análise casuística que permita, ainda assim, assegurar que existe uma conexão efetiva com o território; esta conexão tem-se por verificada através de um elemento subjetivo mediato, a intenção de ser residente (animus), que deve ser analisado de uma perspetiva objetiva, ou seja, através de elementos imediatos que permitam a reconstrução da vontade do indivíduo a partir dos indícios por si revelados.” .

 

Ora, o que aqui se apurou foi que:

  1. O 1º Requerente residiu na Bélgica nos anos de 2016 a 2020 – A) dos factos provados;
  2. Em 18.01.2021 alterou junto da Autoridade Tributária belga a sua residência para Portugal – B) dos factos provados;
  3. Em 02.11.2021 alterou o seu domicílio fiscal em Portugal no registo da AT – E) dos factos provados.

Os Requerentes lograram provar a factualidade que acomoda os pressupostos (a previsão da norma) do nº 8 do artigo 16º do CIRS: (1) tornou-se o 1º Requerente residente em Portugal, pelo menos desde 02.11.2021 e (2) não teve residência em Portugal nos anos de 2016 a 2020 porque residiu na Bélgica.

 

  • Comprovação da residência no estrangeiro por certificado de residência no estrangeiro emitido pelas autoridades fiscais

 

Refere a AT nos artigos 97º a 100º da Resposta que os Requerentes não comprovaram a residência no estrangeiro por certificado de residência no estrangeiro emitido pelas autoridades fiscais.

Em primeiro lugar o Documento nº 1 em anexo ao PPA (em 4 línguas) foi emitido pelas Autoridade Fiscal da Bélgica e a AT não o impugnou.

Sobre esta questão já se pronunciou, pelo menos, um Tribunal constituído no CAAD, como se retira da decisão adoptada no Processo nº 36/2022-T, a que aqui aderimos. Aí se escreveu “inexiste qualquer norma legal, nomeadamente no Código do IRS, que condicione/limite os meios de prova de que o contribuinte se pode servir para comprovar a sua residência fiscal, designadamente exigindo a apresentação de um certificado de residência fiscal emitido pelas autoridades fiscais de outro país”. 

Conclui-se, pois, que não há qualquer norma legal que limite os meios de prova a que os contribuintes podem lançar mão para provar a sua residência ou não residência fiscal, face aos critérios constantes do artigo 16º do CIRS.

 

  • Questão de fundo: a inscrição como RNH no Portal das Finanças – nº 10 do artigo 16º do CIRS

 

Existe unanimidade das decisões arbitrais citadas (acrescendo ainda a decisão CAAD P 319/2022-T) quanto à natureza da inscrição no registo de “residentes não habituais”. Todas elas consideram que tem natureza exclusivamente declarativa e não tem efeitos constitutivos do direito a ser tributado nos termos do respetivo regime.

            Será oportuno referir que o elemento literal da norma é sempre um elemento muito relevante, por ser delimitador da actividade interpretativa.

Não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso.

A letra é um elemento irremovível da interpretação, ou um “limite da busca do espírito”.

Uma interpretação que não se situe já no âmbito do sentido literal possível, já não é interpretação, mas modificação de sentido” (Larenz).

“(...) há-de ser um sentido (uma motivação, um conjunto de objectivos) que caiba razoavelmente no sentido literal da declaração do legislador. Sob pena de, se isto não acontecer, se estar a criar uma nova norma, em vez de interpretar uma norma já existente” (Hespanha).

 

            A propósito da questão de fundo aqui a decidir este TAS adere ao que foi escrito na decisão CAAD P 319/2022-T que parcialmente se passa a transcrever (intercalando aspectos específicos deste caso concreto):

 

66. Como oportunamente se referiu a propósito da motivação da matéria de facto dada por provada, também o posicionamento das partes foi sopesado enquanto elemento relevante para a convicção deste tribunal arbitral, sendo que a Requerente não pode deixar de beneficiar, nos termos do n.º 1 do artigo 75º da LGT da presunção de veracidade no tocante ao teor da declaração de rendimentos por esta entregue e em que assenta o conteúdo do pedido de ilegalidade do ato tributário arbitralmente impugnado.

67. Nos termos deste último normativo “Presumem-se verdadeiras e de boa-fé as declarações dos contribuintes apresentadas nos termos previstos na lei, bem como os dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade ou escrita, quando estas estiverem organizadas de acordo com a legislação comercial e fiscal, sem prejuízo dos demais requisitos de que depende a dedutibilidade dos gastos.”

68. Ora, tendo presente que o teor dos rendimentos declarados pela Requerente – constantes do Anexo J – foram objeto de validação pela própria AT, a qual,” ... deu origem à liquidação impugnada sem qualquer óbice ...  os reputou igualmente por corretos e verdadeiros, inexistem razões para colocar em crise todo o conteúdo de tais Anexos J constante, a saber: natureza, origem e valor de todos e de cada um dos rendimentos aí relevados.

69. Efetuado este enquadramento de base quanto à factualidade subjacente aos presentes autos, importa ater-nos no sustentado pela Requerente em abono da ilegalidade e anulação da liquidação ora posta em crise e a qual passa pela desconsideração por aquele ato tributário do regime de tributação dos residentes não habituais, sustentando que ao abrigo de tal regime fiscal não poderia deixar de se aplicar o método da isenção sobre os rendimentos de” ... trabalho dependente (categoria A) ... “obtidos no estrangeiro (Suíça)  por este declarados.

70. Contrapõe a Requerida, entendendo que tal não é legalmente possível, conforme por exceção se defendeu e cuja apreciação supra se deixou expendida, afigurando fundar-se na circunstância de a Requerente não ter procedido à inscrição enquanto residente não habitual no prazo legalmente cominado no n.º 10 do artigo 16º do CIRS.

71. Atentemos, pelo exposto e antes de mais, no enquadramento legal de tal regime e desde logo, no preceituado no artigo 16º do CIRS em vigor à data dos factos (20022), nos termos do qual:

8 - Consideram-se residentes não habituais em território português os sujeitos passivos que, tornando-se fiscalmente residentes nos termos dos nºs 1 ou 2, não tenham sido residentes em território português em qualquer dos cinco anos anteriores.

9 - O sujeito passivo que seja considerado residente não habitual adquire o direito a ser tributado como tal pelo período de 10 anos consecutivos a partir do ano, inclusive, da sua inscrição como residente em território português.

10 - O sujeito passivo deve solicitar a inscrição como residente não habitual, por via

eletrónica, no Portal das Finanças, posteriormente ao ato da inscrição como residente em território português e até 31 de março, inclusive, do ano seguinte àquele em que se torne residente nesse território. (Redação do Decreto-Lei n.º 41/2016, de 1 de agosto)

11 - O direito a ser tributado como residente não habitual em cada ano do período referido no n.º 9 depende de o sujeito passivo ser considerado residente em território português, em qualquer momento desse ano. (sublinhados nossos)

72. Do cotejo dos n.ºs 8 a 11 do artigo 16º do Código do IRS é possível apreender que os pressupostos para a aplicação deste regime são os seguintes:

- O sujeito passivo se torne fiscalmente residente em Portugal, em conformidade com qualquer dos critérios estabelecidos nºs n.º 1 e 2 do artigo 16º do CIRS;

- O sujeito passivo não tenha sido considerado residente em território nacional em qualquer dos cinco anos anteriores ao ano em que se deva considerar residente nos termos do n.º 1 e 2 da referida norma.

73. Face ao exposto, indelével resulta concluir que o legislador fez depender, para efeitos da aplicação deste benefício fiscal, do preenchimento dos pressupostos previstos no artigo 16º, n.º 8, do CIRS, e não da inscrição formal como residente não habitual.

74. O teor da norma – n.º 11 do artigo 16º do CIRS – é, a este propósito, lapidar ao fazer depender para a aplicação de tal regime da circunstância factual de o sujeito passivo se ter inscrito (e assim ser considerado) como residente em território português e não da sua inscrição formal enquanto residente não habitual.

75. Destarte, a inscrição formal enquanto residente não habitual não poderá deixar de se ter como uma mera obrigação declarativa, obrigação essa que, quando eventualmente não cumprida no prazo definido no n.º 10 do artigo 16º do CIRS constituirá infração a esse mesmo comando legislativo.

76. Infração essa suscetível de ser punida nos termos do artigo 116º do RGIT, mas ainda assim neutra quanto à suscetibilidade do sujeito passivo poder ou não beneficiar desse mesmo regime, porquanto, como supra exposto, os pressupostos dos quais a lei faz depender a aplicação do regime em causa não compreendem o atempado cumprimento de tal procedimento de inscrição enquanto residente não habitual.

77. Neste sentido, veja-se o decidido no processo arbitral no âmbito do processo n.º 188/2020-T, cujo entendimento acompanhamos, segundo o qual:

“…como por regra ocorre, a interpretação da lei fiscal não pode, nem deve, ficar-se pelo teor literal dos normativos imediatamente aplicáveis, devendo, antes, e mais não seja pela imposição da realização dos princípios da tributação da capacidade contributiva e da justiça material, decorrentes dos artigos 4.º, n.º 1, e 5.º, n.º 2, da LGT, identificar-se a finalidade material do regime a aplicar, através da compreensão da natureza das normas convocáveis, das finalidades por si visadas, e do contexto sistemático das mesmas.

Sob esta perspectiva, a norma do n.º 10 do artigo 16.º do CIRS, que disciplina a data limite até à qual os sujeitos passivos que reúnam os pressupostos materiais de que depende a tributação de acordo com o regime dos residentes não habituais podem requerer a inscrição como residente não habitual - até 31 de Março, inclusive, do ano seguinte àquele em que se torne residente em território nacional -, deverá entender-se como uma norma essencialmente procedimental, de organização do sistema operacional de tributação, que visa assegurar sua efectividade e o seu normal funcionamento, sendo, especialmente e desde logo de notar que a norma em causa, não tem subjacentes quaisquer finalidades de evitar a fraude ou a evasão fiscal.

E, nem se diga, como faz a AT, que não tendo o Requerente respeitado o prazo previsto no n.º 10 do artigo 16.º do Código do IRS para requerer a sua inscrição como residente não habitual, não pode beneficiar desse regime em qualquer um dos dez anos a que teria direito se tivesse apresentado o pedido dentro do prazo.

Tratando-se a obrigação de apresentar o pedido de inscrição como residente não habitual, de uma obrigação meramente declarativa e, portanto, não constitutiva do

direito a beneficiar daquele regime, o atraso na entrega de declarações constitui uma contraordenação tributária prevista e punida nos termos do artigo 116.º do RGIT, e não deverá ter como consequência, sem mais, o não enquadramento no regime do residente não habitual.

Do exposto resulta – em suma – que o pedido de inscrição como residente não habitual não tem efeito constitutivo, mas meramente, declarativo, tudo o que, como adiante se verá, será de relevar na solução jurídica a formular no caso concreto

78. Em idêntico sentido, veja-se a decisão coletiva proferida no processo arbitral tributário junto do CAAD, sob o n.º 777/2020-T, no qual se concluiu:

Para que o sujeito passivo possa “ser considerado residente não habitual”, a lei não exige o registo. Pelo contrário, o n.º 6 é perfeitamente expresso e inequívoco ao dizer que “Consideram-se residentes não habituais em território português os sujeitos passivos que, tornando-se fiscalmente residentes nos termos dos nºs 1 ou 2, não tenham sido residentes em território português em qualquer dos cinco anos anteriores.”

Ou seja, para que o sujeito passivo possa “ser considerado residente não habitual”, basta que se verifiquem dois requisitos, não sendo nenhum deles o registo como residente não habitual.

São esses requisitos:

  • Ter-se o sujeito passivo tornado fiscalmente residente num determinado ano;
  • Não ter o sujeito passivo sido residente em território português em qualquer dos cinco anos anteriores.

Afigura-se assim evidente que a letra das disposições relevantes não permite a conclusão de que o registo como residente habitual é requisito para a aplicação do regime.”

79. Em face do enquadramento do regime fiscal em apreço e das decisões a que supra nos reportamos e sobre as quais não antevemos qualquer razão para do sentido das mesmas dissentir, não é possível deixar de concluir que o pedido de inscrição como residente não habitual no respetivo prazo a que se alude no n.º 10 do artigo 16º do CIRS encerra efeito meramente declarativo e não constitutivo do direito a ser tributado em tal regime fiscal.

80. Vistos os pressupostos dos quais o legislador faz depender a aplicação do regime fiscal dos residentes não habituais e o efeito que o pedido de inscrição enquanto RNH reveste no ordenamento jurídico, importa aferir se no caso da Requerente, a mesma reúne os pressupostos para a aplicação de tal regime de residente não habituais relativamente aos rendimentos do ano de 2022.

81. Como resulta da matéria de facto dada por provada, a Requerente passou a ser residente para efeitos fiscais em Portugal a partir de 18.01.2021, sendo que igualmente se provou que a mesma não se encontrou inscrita como residente fiscal em Portugal nos cinco anos imediatamente anteriores a 2021 (posto que residiu na Bélgica entre 2016 e 2020).

82. Em face da matéria de facto provada e do respetivo direito aplicável supra explanado, inexorável se torna concluir no sentido de a Requerente cumprir os necessários requisitos previstos no nº 8, do artigo 16.º, do CIRS, os quais são os únicos requisitos exigidos pela lei para que o sujeito passivo possa beneficiar do regime dos residentes não habituais.

83. Tendo presente o teor da declaração de rendimentos apresentada pela Requerente ... é possível concluir pela inexistência de qualquer dissensão quanto aos valores, origem e natureza dos rendimentos aí inscritos.

84. Assim, resulta que a Requerente, relativamente ao ano de 2022, auferiu rendimentos obtidos na Suíça, resultantes de rendimentos do trabalho dependente (categoria A) ...”.

 

Ora, o artigo 81.º, n.º 4, do CIRS (redacção em vigor até 31.12.2023) sobre a «eliminação da dupla tributação jurídica internacional», estabelece, no que a este processo releva:

“4 - Aos residentes não habituais em território português que obtenham, no estrangeiro, rendimentos da categoria A, aplica-se o método da isenção, bastando que se verifique qualquer das condições previstas nas alíneas seguintes:

a) Sejam tributados no outro Estado contratante, em conformidade com convenção para eliminar a dupla tributação celebrada por Portugal com esse Estado; ou

b) Sejam tributados no outro país, território ou região, nos casos em que não exista convenção para eliminar a dupla tributação celebrada por Portugal, desde que os rendimentos, pelos critérios previstos no n.º 1 do artigo 18.º, não sejam de considerar obtidos em território português”.

Quanto ao requisito da alínea a) do nº 4 do artigo 81º do CIRS desde logo resulta do artigo 15º nº 1 da ADT Portugal-Suíça aprovada por Decreto n.º 716/74 (Diário da República I Série, nº 289, de 12/12/1974) que os rendimentos declarados pelos Requerentes no Anexo J foram tributados na Suíça, conforme alínea G) dos factos provados.

 

Voltando ao foi escrito na decisão CAAD P 319/2022-T:

 

101. Em razão do assim normativamente determinado, tem a Suíça o poder de tributar, nos termos da CDT em apreço, estes “os salários, ordenados e remunerações obtidos de um emprego” do 1º Requerente e nesta conformidade, atento o disposto na alínea a) do n.º 4 do artigo 81º do CIRS, não podia a Requerida deixar de aplicar o método de isenção enquanto método de eliminação da dupla tributação jurídica internacional.

102. Em suma e do que se vem supra assentando, inquestionável é concluir que o ato de liquidação que não conferiu aos Requerentes a tributação dos seus rendimentos através do regime dos residentes habituais é ilegal por erro nos pressupostos de direito, erro este que objetivamente afeta a quantificação espelhada em tal ato tributário”.

 

***

 

            Procede, pois, o PPA, porquanto a liquidação padece de desconformidade face aos nºs 8 a 11 do artigo 16º e artigo 81º nº 4, todos do CIRS, na leitura aqui propugnada.

 

***

 

IV - Reembolso de importâncias pagas a mais e juros indemnizatórios

 

Os Requerentes pedem ainda a condenação da Autoridade Tributária no reembolso do imposto indevidamente pago, acrescido de juros indemnizatórios.

De harmonia com o disposto na alínea b) do artigo 24.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a Administração Tributária, nos exatos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo, cabendo-lhe “restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito”. O que está em sintonia com o preceituado no artigo 100.º da LGT, aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT.

Por efeito da reconstituição da situação jurídica em resultado da anulação do ato tributário, há assim lugar ao reembolso do imposto indevidamente pago.

Ainda nos termos do n.º 5 do artigo 24.º do RJAT “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previstos na Lei Geral Tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário”, o que remete para o disposto nos artigos 43.º, n.º 1, e 61.º, n.º 5, de um e outro desses diplomas, implicando o pagamento de juros indemnizatórios desde a data do pagamento indevido do imposto até à data do processamento da respetiva nota de crédito.

Revertendo o que se referiu para o caso concreto deste processo, será de considerar o que refere v.g. o acórdão do STA de 8 de Março de 2017, proferido no proc. 01019/14, em sintonia com jurisprudência constante do mesmo Tribunal, o seguinte:

Sobre o denominado “erro imputável aos serviços” tem a jurisprudência desta secção uniforme e reiteradamente afirmado que o respectivo conceito compreende não só o lapso, o erro material ou o erro de facto, como também o erro de direito, e que essa imputabilidade é independente da demonstração da culpa dos funcionários envolvidos na liquidação afectada pelo erro (vide, entre outros, os seguintes Acórdãos da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo: de 12.02.2001, recurso nº 26.233, de 11.05.2005, recurso 0319/05, de 26.04.2007, recurso 39/07, de 14.03.2012, recurso 01007/11 e de 18.11.2015, recurso 1509/13, todos in www.dgsi.pt.).”

Esclarece o artigo 43.º, n.º 1, da LGT que “são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido”.

No caso em apreço,  a ilegalidade do acto de liquidação, é imputável à AT, porque  por sua iniciativa procedeu à liquidação impugnada (pois em Junho de 2023 emitiu a liquidação após o 1º Requerente ter enviado o pedido de inscrição como RNH em Janeiro de 2023), pelo que os Requerentes têm direito, em conformidade com os artigos 24.º, n.º 1, al. b) do RJAT e 100.º da LGT, ao reembolso do imposto pago em excesso e aos juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43.º, n.º 1 da LGT e 61.º, n.ºs 2 e 5 do Código do Processo e Procedimento Tributário (“CPPT”), calculados sobre os valores pagos a mais e desde a data do seu pagamento, à taxa resultante do n.º 4 do artigo 43.º da LGT, até à data da emissão da respectiva nota de crédito.

 

V - Decisão

 

De harmonia com o exposto, este TAS decide:

  1. Julgar improcedente a exceção de incompetência material suscitada pela Requerida;
  2. Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral e anular a liquidação de IRS a que se alude na alínea I) dos factos provados;
  3. Julgar procedente o pedido de reembolso do valor liquidado a mais e aqui impugnado e o pedido de juros indemnizatórios a contar da data do pagamento (11.08.2023).

 

Valor da causa

Os Requerentes indicaram como valor da causa o montante de € 30 891,65, que não foi contestado pela Requerida, pelo que nos termos da alínea a) do nº 1 do artigo 97ºA do CPPT, fixa-se em € 30 891,65 o valor da causa.

 

Custas

Nos termos dos artigos 12.º, n.º 3, do RJAT, e 5.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e Tabela II anexa a esse Regulamento, fixa-se o montante das custas em € 1 836,00, ficando a cargo da Requerida em função do decaimento.

 

Notifique.

 

Lisboa, 15 de Abril de 2024

Tribunal Arbitral Singular (TAS), 

Augusto Vieira