Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 814/2023-T
Data da decisão: 2024-04-15  IRS  
Valor do pedido: € 28.760,54
Tema: IRS. Residentes não habituais. Rendimentos de capitais. Revogação do ato tributário. Juros indemnizatórios.
Versão em PDF

Consultar versão completa em PDF

SUMÁRIO:

 

I – Não dando a revogação do ato tributário impugnado plena satisfação à pretensão dos Requerentes, impõe-se a apreciação do pedido de juros indemnizatórios.

 

 

DECISÃO ARBITRAL

  1. RELATÓRIO

 

Em 14 de novembro de 2023, A..., com o NIF ... e B..., com o NIF..., com o estatuto de residentes não habituais em Portugal e aqui representados fiscalmente por C..., LDA, com sede na ..., n.º ..., ..., ...-..., Lisboa (doravante designados conjuntamente por Requerentes), vieram, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 10.º, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), requerer a constituição de Tribunal Arbitral, em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (adiante AT ou Requerida), informando não pretender utilizar a faculdade de designar árbitro.

 

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Exm.º Senhor Presidente do CAAD em 16 de novembro de 2023 e automaticamente notificado à AT na mesma data e, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico designou a signatária como árbitro do tribunal arbitral singular, encargo aceite no prazo aplicável, sem oposição das Partes.

 

 

A. Objeto do pedido:

Os Requerentes pretendem a declaração de ilegalidade e a consequente anulação da decisão de indeferimento tácito da reclamação graciosa deduzida em 18 de abril de 2023 contra a liquidação de IRS n.º 2022..., de 11 de novembro de 2022,  liquidações de juros compensatórios n.º 2022... e n.º 2022..., e demonstração de acerto de contas n.º 2022..., referentes ao ano de 2018 (objeto imediato), bem como das mesmas liquidações de imposto e juros compensatórios (objeto mediato), de que  resultou um valor a pagar de € 28 760,54 (vinte e oito mil, setecentos e sessenta euros e cinquenta e quatro cêntimos), “com as devidas consequências legais”.

 

 

 B.          Fundamentação do pedido:

O pedido de pronúncia arbitral vem fundamentado nos termos que, sucintamente, se enunciam:

  1. Os Requerentes encontravam-se inscritos, no ano de 2018, como Residentes Não Habituais, nos termos e para os efeitos do artigo 16.º, n.ºs 8 e 9, do Código do IRS.
  2. Por ofício da Direção de Finanças de Lisboa, de 21.03.2022, os Requerentes foram notificados da existência de divergências na declaração de rendimentos Modelo 3 referente ao ano de 2018, por alegada “falta de declaração de rendimentos de capitais declarados na Suíça”, tendo-lhes sido concedido o prazo de 15 dias para exercerem o direito de audição ou regularizarem a situação em falta.
  3. Em 07.04.2022, os Requerentes exerceram, por via eletrónica, o seu direito de audição, referindo que iriam proceder à apresentação de declaração de substituição, explicando que os rendimentos em causa (juros e dividendos obtidos na Suíça) se encontravam abrangidos pela isenção aplicável aos residentes não habituais, nos termos do artigo 81.º, n.º 5, alínea a), do Código do IRS, e juntando documento emitido pela entidade gestora dos capitais em questão, do qual resulta estarem efetivamente em causa juros e dividendos.
  4. Em 11.04.2022, os Requerentes apresentaram declaração de substituição, através da qual declararam os rendimentos omissos, no valor total de € 90 559,07, no campo 8 (Rendimentos de Capitais) do Anexo J (Rendimentos obtidos no estrangeiro), indicando, no campo C (Rendimentos obtidos no Estrangeiro) do Anexo L (Residentes Não Habituais) a opção pelo método da isenção dos referidos rendimentos de capitais que se encontravam inicialmente em falta.
  5. Posteriormente, foram os Requerentes notificados do despacho da Senhora Diretora da Direção de Finanças de Lisboa, de 19.10.2022, nos termos do qual se determinou o “encerramento da divergência e consequentemente o arquivamento do presente processo”.
  6. Foi, assim, com absoluta surpresa que os Requerentes foram notificados dos atos de liquidação adicional de IRS e de juros compensatórios aqui impugnados, que não tiveram por base qualquer relatório de inspeção tributária ou qualquer outra fundamentação que determine correções ao seu IRS do ano de 2018.
  7. Os atos de liquidação de IRS e de juros compensatórios impugnados padecem em absoluto de falta de fundamentação, tendo em consideração que os Requerentes nunca foram notificados dos fundamentos de facto e de direito que subjazem aos mesmos.
  8. Nem estes atos de liquidação se encontram ancorados na declaração de substituição apresentada pelos Requerentes em abril de 2022, uma vez que tal declaração não geraria qualquer tributação, mas, ao invés, um valor a reembolsar.
  9. Com efeito, importa referir que os únicos rendimentos adicionados na declaração de substituição foram os rendimentos de capitais (juros e dividendos) auferidos na Suíça, os quais, em virtude do artigo 81.º, n.º 5, alínea a), do Código do IRS, se encontram isentos de tributação tendo em conta que os Requerentes se encontravam inscritos no regime dos Residentes Não Habituais.
  10. A total ausência de fundamentação dos atos aqui impugnados constitui uma violação do dever de fundamentação consagrado no artigo 268.º, n.º 3, da Constituição da República Portuguesa, nos termos do qual “os actos administrativos (…) carecem de fundamentação expressa e acessível quando afectem direitos ou interesses legalmente protegidos” e, quanto ao procedimento tributário, no artigo 77.º, da LGT.
  11. A ausência de fundamentação dos atos tributários constitui uma falha grave da Autoridade Tributária que tem necessariamente como consequência a ilegalidade desses mesmos atos, que devem ser anulados em conformidade.
  12. Para além do vício de falta de fundamentação, que é por si só gerador da ilegalidade dos atos de liquidação aqui impugnados, sempre se deverá, também, reconhecer que a Autoridade Tributária não notificou os Requerentes para exercerem o direito de audição relativamente aos atos de liquidação impugnados, situação que configura um vício de forma dos atos tributários.
  13. Assim, não se baseando os atos de liquidação impugnados nas declarações apresentadas pelos Requerentes, torna-se evidente que a Autoridade Tributária se encontrava obrigada a notificá-los para efeitos de exercício do direito de audição prévia (artigo 60.º, n.º 1, alínea a), da LGT) relativamente à interpretação, de facto e de direito, que conduziu à emissão dos atos de liquidação sub judice.
  14. Não decorrendo as liquidações impugnadas de qualquer declaração dos Requerentes, a tributação que lhes é imposta viola o princípio da presunção de veracidade previsto no artigo 75.º da LGT.
  15. Com efeito, a Autoridade Tributária não invocou qualquer erro na declaração de substituição apresentada pelos Requerentes, sendo que lhe cabia tal invocação e demonstração, em conformidade com o ónus da prova que sobre si impende, nos termos do artigo 74.º, n.º 1, da LGT.
  16. Em face do exposto, e para além dos vícios anteriormente imputados, encontram-se os atos de liquidação também eivados dos vícios de violação do artigo 75.º, n.º 1, da LGT, que consagra o princípio da presunção de veracidade das declarações dos Requerentes, e do artigo 74.º, n.º 1, da LGT, que estabelece as regras de distribuição do ónus da prova.
  17. Em 18 de abril de 2023, os Requerentes deduziram reclamação graciosa tendo em vista a anulação das liquidações de IRS e juros compensatórios referentes ao ano de 2018 sem que, até à data da apresentação do pedido de pronúncia arbitral, tenham sido notificados de qualquer decisão expressa que sobre a mesma tivesse incidido, presumindo-se o seu indeferimento tácito.

 

 

C. Da resposta Requerida:

Notificada nos termos e para os efeitos previstos no artigo 17.º do RJAT, a AT apresentou, em 15 de fevereiro de 2024, requerimento de junção do Despacho da Senhora Subdiretora-Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira para a Área de Gestão Tributária – IR, de 6 de fevereiro de 2024, nos termos do qual se procedeu à revogação dos atos tributários impugnados, em concordância com a Informação prestada pela Direção de Serviços do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares.

 

*

Pelo Despacho Arbitral de 16 de fevereiro de 2024, foram os Requerentes notificados para, no prazo de 8 dias, se pronunciarem, querendo, sobre o teor do Despacho da Senhora Subdiretora-Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira, antes mencionado.

 

Por requerimento de 23 de fevereiro de 2024, vieram os Requerentes informar não se oporem à revogação do ato tributário impugnado, peticionando o pagamento de juros indemnizatórios sobre os valores indevidamente pagos em fase de cobrança coerciva da liquidação de IRS do ano de 2018. Mais alegaram os Requerentes que o pedido de juros indemnizatórios não foi incluído no pedido de pronúncia arbitral apresentado em 14 de novembro de 2023, por, àquela data, ainda não ter sido efetuado o pagamento da liquidação impugnada, o que apenas ocorreu em 5 de dezembro de 2023, conforme documento que juntam, constituindo facto superveniente.

 

Através do Despacho Arbitral de 27 de fevereiro de 2024, foi a Requerida notificada para, nos termos do artigo 63.º, do CPTA, se pronunciar, querendo, no prazo de 10 dias, sobre o direito dos Requerentes a juros indemnizatórios.

 

A Requerida pronunciou-se no sentido de não haver lugar ao pagamento dos peticionados juros indemnizatórios, por entender que a liquidação de IRS objeto dos autos só foi efetuada porque os Requerentes não cumpriram com a sua obrigação declarativa, não sendo o erro de que a liquidação enferma imputável aos serviços; contudo, ainda que sejam sancionados os motivos justificativos do direito a juros indemnizatórios, alerta a AT para o facto de os mesmos apenas serem devidos a contar da data do pagamento da liquidação controvertida, nos termos do n.º 5 do artigo 61.º, do CPPT.

 

 

 

II. SANEAMENTO

1. O Tribunal Arbitral Singular foi regularmente constituído em 30 de janeiro de 2024, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro.

2. As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e encontram-se legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º, do RJAT, e do artigo 1.º, da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.

3. O processo não padece de vícios que o invalidem.

4. Não tendo sido requerida a produção de prova adicional e encontrando-se assegurado o exercício do contraditório, nada obsta a que seja proferida a decisão final.

 

 

III.         FUNDAMENTAÇÃO

III.1 MATÉRIA DE FACTO

 

Na sentença, o juiz discriminará a matéria provada da não provada, fundamentando as suas decisões (artigo 123.º, n.º 2, do CPPT, subsidiariamente aplicável ao processo arbitral tributário, por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT).

 

A matéria factual relevante para a compreensão e decisão da causa fixa-se como segue.

  1. Factos Provados:
  1. Os Requerentes encontravam-se inscritos, no ano de 2018, como Residentes Não Habituais (facto confirmado pela Requerida);
  2. Através do Ofício n.º ..., de 21.03.2022, a Direção de Finanças de Lisboa notificou os Requerentes da existência de divergências na declaração de rendimentos Modelo 3 de IRS referente ao ano de 2018, por “falta de declaração de rendimentos de capitais declarados na Suíça”, tendo-lhes sido concedido o prazo de 15 dias para o exercício do direito de audição prévia, podendo, no mesmo prazo, regularizar a situação, mediante entrega de declaração de substituição (Cfr. Doc. n.º 3 junto ao PPA);
  3. Em 07.04.2022, os Requerentes exerceram, por via eletrónica, o direito de audição, juntando documento emitido pela entidade gestora dos capitais em causa, comprovativo de estarem em causa juros e dividendos (Cfr. Docs. n.ºs 4 e 5 juntos ao PPA);
  4. Em 11.04.2022, os Requerentes procederam à entrega da declaração de substituição para o ano de 2018, em cujo anexo J (Rendimentos obtidos no estrangeiro) – quadro 8 (Rendimentos de capotais (Categoria E)) – campo 801, inscreverem o rendimento com o código E11 (Dividendos ou lucros – sem retenção em Portugal), da quantia de € 20 141,41 e no campo 802, o rendimento com o código E21 (Juros sem retenção em Portugal), no montante de € 70 417,66 (Cfr. Doc. n.º 6 junto ao PPA);
  5. No anexo L (Residente não habitual) da declaração de substituição referida no ponto precedente, quadro 6 C1 (Opções por regimes de tributação – Rendimentos obtidos no estrangeiro – Eliminação da dupla tributação internacional), os Requerentes assinalaram a opção pelo “Método de isenção” (Cfr. Doc. n.º 6 junto ao PPA);
  6. Na sequência do exercício do direito de audição, os Requerentes foram notificados do despacho da Senhora Diretora da Direção de Finanças de Lisboa de 19 de outubro de 2022, nos termos do qual se determinou o “encerramento da divergência e consequentemente o arquivamento do presente processo”. (cfr. Doc. n.º 7 junto ao PPA);
  7. A decisão de arquivamento do processo de divergências n.º ...2022...– Divergência R10 – Rendimentos de fonte estrangeira 2018 – Anexo J, teve por base a informação datada de 18 de outubro de 2022, de cuja parte final consta o seguinte (cfr. Doc. n.º 7 junto ao PPA):

 

 

  1. Em 11 de novembro de 2022, a Autoridade Tributária e Aduaneira emitiu aos Requerentes a liquidação de IRS n.º 2022..., referente ao ano de 2018, com demonstração de acerto de contas de 15 de novembro de 2022, de que resultou o montante a pagar de € 28 760,54, com data limite de pagamento em 21 de dezembro de 2022 (cfr. Doc. n.º 1 junto ao PPA);
  2. Em 19 de abril de 2023, os Requerentes apresentaram, no Serviço de Finanças de Lisboa 10, reclamação graciosa em que peticionaram a anulação da liquidação de IRS ora impugnada (Doc. n.º 2 junto ao PPA);
  3. Os Requerentes não foram, até à data da apresentação do pedido de constituição do tribunal arbitral, notificados da decisão do procedimento de reclamação graciosa antes referido (facto não contestado pela Requerida);
  4. Em 5 de dezembro de 2023, os Requerentes procederam ao pagamento da liquidação n.º 2022 ... e do acrescido do processo de execução fiscal n.º ...2023... em que aquela liquidação lhes era exigida, no montante global de € 30 905,56 (Doc. superveniente, não contestado pela Requerida);
  5. Por Despacho da Senhora Subdiretora Geral da AT, de 9 de fevereiro de 2024, foi revogada a liquidação de IRS identificada no PPA (com entrada nos autos em 15 de dezembro de 2024 – cfr. registo do CAAD);
  6. O Despacho de revogação do ato tributário impugnado foi proferido sobre a Informação n.º 34/2024, da Direção de Serviços do IRS, de 31 de janeiro de 2024 (processo n.º ...2023...), da qual consta, designadamente, o seguinte:

“ (…)

 

 

 

 

(…)”.

 

 

B. Factos não provados:

Não existem factos com interesse para a decisão da causa que devam considerar-se como não provados.

 

 

C. Fundamentação da matéria de facto provada:

Relativamente à matéria de facto, o Tribunal não tem de se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada.

Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. o artigo 596.º do Código de Processo Civil, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

 

Os factos dados como provados decorreram da análise crítica dos documentos juntos ao PPA, bem como do requerimento junto aos autos pela Requerida.

 

 

 

III.2 DO DIREITO

  1. A questão decidenda

Tendo a Requerida procedido à anulação administrativa (revogação anulatória) da liquidação de IRS do ano de 2018 objeto dos presentes autos, antes da prolação da decisão arbitral, e tendo os Requerentes,  na sequência do pagamento da prestação tributária, ocorrido em data posterior à da apresentação do pedido de pronuncia arbitral, vindo peticionar a condenação da Requerida no pagamento de juros indemnizatórios, a questão que ora se coloca é a de saber se deve o Tribunal Arbitral proceder à apreciação do mérito deste último pedido, ficando deste modo prejudicado o conhecimento das questões atinentes à legalidade da liquidação e do indeferimento tácito da reclamação graciosa tendente à sua anulação.

 

Se a revogação anulatória do ato tributário impugnado após constituição do Tribunal Arbitral der satisfação à pretensão formulada, constitui causa de extinção da instância, por inutilidade superveniente da lide, nos termos do artigo 277.º, alínea e), do Código de Processo Civil (CPC), subsidiariamente aplicável ao processo arbitral tributário, ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT, que, de acordo com a doutrina e a jurisprudência, se verifica quando, “por facto ocorrido na pendência da instância, a pretensão do autor não se pode manter, por ter encontrado satisfação fora do esquema da providência pretendida[1] .

 

No caso vertente, não se encontrando paga a prestação tributária à data do pedido de pronúncia arbitral, não foi inicialmente peticionado o pagamento de juros indemnizatórios, o que apenas viria a acontecer aquando do exercício do contraditório sobre o teor do Despacho da Senhora Subdiretora-Geral dos Impostos, de 6 de fevereiro de 2024, que revogou o ato tributário objeto da presente ação arbitral, assim motivando a ampliação da instância.

 

Notificada para se pronunciar sobre o direito dos Requerentes a juros indemnizatórios, a Requerida não reconheceu tal direito, alegando que o erro de que a liquidação de IRS do ano de 2018 padece se deveu ao incumprimento, por parte daqueles, das suas obrigações declarativas; contudo, alerta para que, caso o Tribunal Arbitral venha a reconhecer aos Requerentes tal direito, os juros indemnizatórios apenas serem devidos a contar da data do pagamento da liquidação controvertida, nos termos do n.º 5 do artigo 61.º, do CPPT.

 

Ora, não tendo a revogação do ato tributário impugnado,  nem a subsequente pronúncia da Requerida em sede de ampliação da instância, dado plena satisfação à pretensão dos Requerentes, não se poderão dar por verificados os pressupostos de que depende a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide, pois, tal como referido pelo Supremo Tribunal Administrativo no já citado Acórdão, “Só se verifica a inutilidade superveniente da lide quando essa inutilidade for uma inutilidade jurídica. A utilidade da lide correlaciona-se, assim, com a possibilidade da obtenção de efeitos úteis da mesma pelo que a sua extinção só deve ser declarada quando se conclua que o seu prosseguimento não poderá trazer quaisquer consequências vantajosas para o autor/recorrente”.

 

Neste caso, a verificação da possibilidade de obtenção de um efeito útil aos Requerentes exige a apreciação do pedido de juros indemnizatórios[2].

 

 

  1. Do pedido de juros indemnizatórios

O processo arbitral tributário foi concebido como meio alternativo ao processo de impugnação judicial (cfr. a autorização legislativa concedida ao Governo pelo artigo 124.º, n.º 2 – primeira parte, da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de abril – Lei do Orçamento do Estado para 2010), devendo entender-se incluídos na competência dos tribunais arbitrais que funcionam sob a égide do CAAD os poderes que, na impugnação judicial, são atribuídos aos tribunais tributários, entre os quais o de apreciar pedidos de juros indemnizatórios.

 

O regime dos juros indemnizatórios consta do artigo 43.º, da Lei Geral Tributária (LGT), cujo n.º 1 estabelece que os mesmos são devidos quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

 

São, pois, requisitos do direito a juros indemnizatórios (i) a existência de um erro, de facto ou de direito imputável aos serviços, isto é, que não possa ser imputado ao contribuinte, designadamente por o erro do ato tributário assentar na errada declaração por este apresentada; (ii) que a existência desse erro seja determinada no procedimento de reclamação graciosa ou de impugnação judicial do ato de liquidação e que, (iii) da liquidação tenha resultado o pagamento de uma prestação tributária de valor superior ao legalmente devido.

 

Alega a Requerida que não se encontram reunidos os requisitos de que depende o pagamento de juros indemnizatórios, por entender que o erro na liquidação de IRS do ano de 2018 emitida em nome dos Requerentes se ter ficado a dever à omissão declarativa quanto aos rendimentos de capitais auferidos pelo sujeito passivo B no ano a que o imposto respeita.

 

Contudo, não é de aceitar a justificação dada pela Autoridade Tributária e Aduaneira, na medida em que a mesma não pode ser confirmada pela factualidade dada como provada.

 

Efetivamente, resulta dos elementos de facto levados ao probatório que:

  1. Foi inicialmente aberto aos Requerentes o processo de divergências n.º ...2022... – Divergência R10 – Rendimentos de fonte estrangeira 2018 – Anexo J, por falta de declaração dos rendimentos de capitais obtidos no estrangeiro;
  2. Na sequência da notificação para o exercício do direito de audição, os Requerentes remeteram à Direção de Finanças de Lisboa, em 07.04.2022, documento emitido pela entidade gestora dos capitais em questão, comprovativo de estarem em causa juros e dividendos, tendo, em 11.04.2022, procedido à entrega de uma declaração de substituição integrando o anexo J em nome do Requerente marido em que inscreveram o montante dos rendimentos obtidos no estrangeiro e o anexo L, em que assinalaram a opção pela eliminação da dupla tributação internacional pelo método de isenção;
  3. Face aos esclarecimentos prestados e à declaração apresentada, os Requerentes foram notificados do Despacho da Senhora  Diretora Adjunta da Direção de Finanças de Lisboa de 19 de outubro de 2022, nos termos do qual se determinou o encerramento da divergência e o arquivamento do processo de divergências, motivados pelo facto de “a conta n.º ... [associada aos rendimentos de capitais obtidos pelos Requerentes] pertence aos dois sujeitos passivos, encontrando-se a informação constante do SITI duplicada (Total dos rendimentos em nome de cada um dos titulares da conta). (…) Considerando que foi apresentada declaração de substituição com anexo J, tendo sido justificado documentalmente o facto de a conta bancária pertencer a ambos os cônjuges e o valor dos rendimentos da categoria J pertencerem aos dois sujeitos passivos, propõe-se o encerramento da divergência e consequentemente o arquivamento do presente processo” (…);
  4.  A liquidação de IRS objeto dos autos foi precedida de notificação aos Requerentes, emitida pela Senhora Chefe do Serviço de Finanças de Finanças de Cascais ..., através do ofício n.º GI-..., do seguinte teor: “Da análise efetuada aos documentos/alegações apresentados em sede de audição prévia, relativamente à notificação da(s) divergência(s) identificada(s) na declaração de rendimentos Modelo 3 do ano de 2018 com a identificação..., não foram comprovados os elementos declarados pelo que por minha decisão de 2022-11-03 foi determinada a efetivação da(s) seguinte(s) correção(ões):” (…).

O que resulta da factualidade dada como provada é que a liquidação de IRS ora impugnada, emitida pela AT em nome dos Requerentes em  11 de novembro de 2022, não teve por base a declaração de substituição por estes apresentada em 11 de abril de 2022, tratando-se antes de uma liquidação oficiosa, em cuja emissão não foi tida em conta a decisão de arquivamento do processo de divergências proferida pela Senhora Diretora Adjunta de Finanças de Lisboa em 19 de outubro de 2022, que lhes havia sido previamente notificada.

 

Estamos, assim, contrariamente ao que se refere na informação que serviu de base à decisão de revogação da liquidação oficiosa referente aos rendimentos do ano de 2018, não apenas perante a ilegalidade da liquidação objeto de anulação administrativa, mas também perante um erro sobre os pressupostos de facto em que assentou aquele ato de liquidação, a que os Requerentes não deram causa, erro esse imputável aos serviços, do qual resultou o pagamento de prestação tributária de valor superior ao legalmente devido e que constitui a Requerida no dever de indemnizar.

 

Reconhece-se, portanto, o direito dos Requerentes a juros indemnizatórios nos termos do artigo 43.º, n.º 1, da LGT, a calcular sobre o valor da prestação indevidamente paga, desde a data do respetivo pagamento até à data do processamento da correspondente nota de crédito.

 

 

 

IV. DECISÃO

Com base nos fundamentos de facto e de direito enunciados supra, decide-se:

  1. Julgar extinta a instância quanto à liquidação de IRS n.º 2022..., referente ao ano de 2018, dada a sua anulação administrativa;
  2. Condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira no pagamento de juros indemnizatórios aos Requerentes, sobre o valor da prestação tributária indevidamente paga, desde a data do pagamento até ao processamento da respetiva nota de crédito.

 

 

VALOR DO PROCESSO: De harmonia com o disposto no artigo 306.º, n.ºs 1 e 2, do CPC, 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 28 760,54 (vinte e oito mil, setecentos e sessenta euros e cinquenta e quatro cêntimos) indicado pelos Requerentes e não contestado pela Requerida.

 

 

CUSTAS: Calculadas de acordo com o artigo 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e da Tabela I a ele anexa, no valor de € 1 530,00 (mil, quinhentos e trinta euros), a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 15 de abril de 2024.

 

O Árbitro,

 

 

Mariana Vargas

 

Texto elaborado em computador, nos termos do n.º 5 do artigo 131.º, do CPC, aplicável por remissão da alínea e) do n.º 1 do artigo 29.º, do D.L. n.º 10/2011, de 20 de janeiro.

A redação da presente decisão rege-se pelo acordo ortográfico de 1990.

 



[1] Cfr. entre outros, o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 08.06.2022, Processo 02321/17.4BEPRT.

[2] Cfr. o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 25.01.2017, processo n.º 01693/15, de acordo com cujo sumário: “I - Ocorre erro de julgamento (…) se a decisão de primeira instância declarou totalmente extinta a instância por inutilidade superveniente da lide quando devia ter considerado o pedido de juros indemnizatórios efetuado na petição de impugnação. II – (…) vindo peticionados juros (…) impõe-se que o tribunal de 1ª instância proceda ao conhecimento desta questão. (…)”.