Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 705/2023-T
Data da decisão: 2024-04-15  IRC  
Valor do pedido: € 72.861,04
Tema: IRC e LGT– Artigo 18.º (princípio da especialização do exercício) do CIRC; artigo 74.º (ónus da prova) e artigo 75.º (declaração e outros elementos dos contribuintes) da LGT.
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            Sumário:

1) Por aplicação do artigo 75.º n.º 2 da LGT, cessa a presunção de verdade da declaração modelo 22 e da contabilidade do sujeito passivo, passando a caber-lhe o ónus da prova dos factos constitutivos do direito que invoca, na situação em que ele próprio assume (i) que registou erros na sua contabilidade; (ii) que concluiu que esses erros resultaram no aumento do resultado contabilístico e tributável relativo a anos anteriores; (iii) que optou” por corrigir os alegados erros utilizando um método este que ele próprio “criou”.

2) A Requerente (i) não identificou concretamente os exercícios (anteriores a 2019) nos quais registou o alegado erro; (ii) não quantificou, relativamente a cada exercício em causa, o IRC que terá liquidado e pago a mais; (ii) não demonstra que o método por si escolhido foi adequado para corrigir o alegado erro apurado (por permitir o correto apuramento da matéria tributável real obtida nos exercícios em causa, e assim assegurar a justiça na tributação).

3) Sem que seja respeitado o ónus da prova destes elementos, é manifestamente impossível ao Tribunal determinar se efetivamente os alegados erros existem, se o método encontrado pela Requerente permite corrigir os alegados erros, se existiu injustiça na tributação da Requerente e, mesmo concluir pela existência de qualquer prejuízo (ou benefício) para o Estado.

 

DECISÃO ARBITRAL

 

Os Signatários, Prof. Doutor Rui Duarte Morais (Presidente), Dr. José Joaquim Monteiro Sampaio e Nora (Vogal), e Elisabete Flora Louro Martins Cardoso (Vogal), foram designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formar o Tribunal Arbitral Coletivo, o qual foi constituído em 14 de dezembro de 2023.

 

 

 

  1. Relatório

   

1. A..., S.A., , com o número de identificação fiscal (“NIF”) ..., com sede na Rua..., ... ..., ...-..., ...), apresentou, em 4 de outubro de 2023, pedido de pronúncia arbitral (PPA), nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º e dos artigos 10.º e seguintes do Decreto‑Lei n.º 10/2011 de 20 de janeiro, Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante, Requerida).

O presente pedido de pronúncia arbitral tem por objeto a liquidação adicional de IRC n.º 2023..., relativa ao período de tributação de 2019, e respetiva liquidação de juros compensatórios e de mora, da qual resultou a demonstração de acerto de contas com o número 2023..., com o valor total a pagar de Euro 62.964,46 e com data de limite de pagamento de 12.07.2023 (cf., cópia da demonstração de acerto de contas, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais e se junta como Documento n.º 2) (doravante, ato Impugnado).

A Requerente pede Nestes termos, e nos demais de direito que V.ª Exas. doutamente suprirão, requer-se que se dignem a julgar totalmente procedente o presente pedido de pronúncia arbitral, por fundado e provado, e, em consequência, que se dignem a: a) Declarar e a ordenar a anulação da liquidação adicional de IRC ora impugnada, relativas ao exercício de 2019; b) Ordenar o reembolso dos montantes de imposto e juros compensatórios e de mora indevidamente pagos pela Requerente; e c) Reconhecer o direito dos Requerentes aos juros indemnizatórios, calculados sobre os montantes a restituir e computados desde o pagamento indevido até à emissão da nota de crédito.

Sumariamente, a Requerente insurge-se contra as conclusões do relatório de inspeção tributária que levaram à emissão do ato impugnado. Defende a Requerente que:

Após a entrada em funções do novo Contabilista Certificado (CC), e no âmbito da aludida revisão de procedimentos, foi constatado que os rendimentos derivados dos mapas de obras, segundo o método da percentagem de acabamento, referentes aos exercícios anteriores tinham sido erradamente sobrevalorizados e com valores acumulados substancialmente superiores à sua correta quantificação (principalmente em relação a duas obras – “...” e “...”).

Em resultado, relativamente ao ano de 2019, foi apurado um valor de € 180.011,88 referente a valores a receber e não faturados de acordo com o grau de acabamento, sendo que, erradamente, no ano anterior, o valor considerado havia sido de € 1.094.168,75, daí decorrendo uma variação no montante de € 914.156,87.

Do referido valor (i.e., € 914.156,87), € 215.688,67 reportam-se ao acerto (negativo) pela aplicação do método da percentagem de acabamento do rendimento do próprio ano de 2019 (diferença entre faturação emitida e grau de acabamento). A respeito do montante € 215.688,27 foi partilhada com a AT a seguinte explicação: «(…) O valor de 215.688,67€ (…) resulta da diferença do rendimento de 3.543.228,59 € (…) e o valor que se encontrava considerado e lançado em rendimento na contabilidade em 31/12/2019 referente a faturação emitida durante o ano. Como se perceberá os cálculos foram estimados através da média histórica conhecida mais recente e de grandeza significativa das 2 obras encerradas nesse mesmo ano (que resultou numa percentagem de 85% dos custos diretos em relação ao valor total das 2 obras). Em 2019, conhecendo os custos totais diretos lançados na contabilidade (…) foi utlizada essa % como chave teórica numa perequação (ou “regra dos 3 simples”) para conseguir estimar qual o rendimento espectável mais real para esse ano. Relembra-se que era conhecida a diferença entre o valor total real e o contabilizado em 2018 (914.156,87€), mas desconhecia-se qual a parte que caberia em concreto a 2019. Para tal utilizou-se este modelo de cálculo para essa estimativa dada a sua razoabilidade.»

Ora, considerando o acima exposto, a Requerente concluiu que a inapropriada aplicação do método da percentagem de acabamento, em anos anteriores, no âmbito do processo de determinação dos resultados, resultou no aumento do resultado contabilístico e tributável.

Em consequência, por forma a corrigir o(s) erro(s) identificados (em concreto a respeito dos exercícios anteriores a 2019), relativamente aos quais, diga-se, apenas prejudicaram a Requerente, a mesma optou por contabilizar o respetivo ajustamento negativo, no montante de € 698.468,20, a débito, na rubrica contabilística de “Resultados Transitados” (#561) e, subsequentemente, considerar o mesmo como uma “Variação Patrimonial Negativa” , dedutível para efeitos fiscais, no que respeita ao apuramento do lucro tributável do exercício de 2019.

Em paralelo, no que respeita ao ajustamento (negativo) do rédito imputado ao exercício de 2019 (i.e., € 215.688,76), o mesmo foi contabilizado, a débito, na respetiva rubrica de rendimentos da Demonstração de Resultados (i.e., 72115).

Ora, concretizando, em 26.10.2020, a Requerente procedeu à entrega da Declaração Modelo 22 do IRC, por referência ao exercício de 2019, e à qual foi atribuído o número de identificação ... (cf., cópia da declaração Modelo 22 do IRC, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais e se junta como Documento n.º 4).

Para melhor referência, a Requerente inscreveu, a respeito dos réditos reconhecidos em anos anteriores relativos a contratos de construção, o montante de € 698.468,20, no campo 704 do Quadro 07 da Declaração Modelo 22, respeitante a variações patrimoniais negativas não refletidas no resultado líquido do período, a que se refere o artigo 24.º do Código do IRC.

Em defesa da posição por si assumida, e insurgindo-se contra as conclusões do relatório de inspeção tributária (RIT) que deu origem à liquidação impugnada, a Requerente defende:

 

(i) Do princípio da especialização de exercícios:

do erro de contabilização não resultou qualquer prejuízo para o Estado, uma vez que, se os custos não são imputáveis a determinado exercício, sempre seriam a outro exercício, sendo que, nesse exercício, tais custos atenuariam a carga tributária da Requerente, na mesma medida do agravamento da carga tributária que imprimem no exercício em que, neste caso em concreto, não foram, por erro, considerados.

Com efeito, a não consideração das correções efetuadas pela Requerente à luz do princípio da especialização dos exercícios, geraria um injustificado enriquecimento da Fazenda Pública, materializado no agravamento da carga tributária no exercício ao qual são desconsiderados os custos fiscais, por serem imputáveis a outros exercícios, sem desagravamento da carga tributária nos exercícios a que são imputáveis, o que é de todo injusto, ilegítimo e injustificado.

Neste contexto, e analisando a jurisprudência existente sobre esta matéria, em particular a produzida pelo STA, tem vindo a ser admitida a prevalência do princípio da justiça sobre a legalidade estrita relativa ao princípio da especialização dos exercícios nas situações em que da não observância desse princípio não advém qualquer prejuízo para o erário público, nomeadamente nas situações em que o sujeito passivo não obteve vantagens ficais ou até foi prejudicado pelo erro que praticou na aplicação do princípio da especialização dos exercícios.

Assim, é forçoso concluir que nos casos em que da alteração da imputação correta de gastos não advém qualquer vantagem fiscal, deverá presumir-se que a errada imputação aos exercícios não é intencional, sendo, desta forma, admissível ao abrigo do princípio da justiça.

Ora, efetivamente, e conforme anteriormente se referiu, a Requerente identificou discrepâncias resultantes da utilização inapropriada em anos anteriores do método da percentagem de acabamento para efeitos de apuramento do rendimento a imputar referente a obras em curso.

No que se refere ao ano 2019, foi apurado um valor de € 180.011,88 referente a valores a receber e não faturados de acordo com o grau de acabamento.

Em 2018, o valor considerado havia sido de € 1.094.168,75, daí decorrendo uma variação de € 914.156,87.

Do referido valor (i.e., € 914.156,87), € 215.688,67 reportam-se ao acerto pela aplicação do método da percentagem de acabamento do rendimento do próprio ano de 2019 (diferença entre faturação emitida e grau de acabamento).

Ora, a AT limita-se a referir no RIT que a Requerente não cumpriu o princípio da especialização dos exercícios previsto no artigo 18.º do Código do IRC, porquanto o ajustamento fiscal respeita a acontecimentos alegadamente ocorridos e imputáveis a exercícios anteriores.

Importa recordar que o artigo 74.º n.º 1 da LGT estabelece que «o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque", em consonância com o artigo 342.º n.º 1 do Código Civil que prevê que «Àquele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado."

Acresce que sobre a questão do ónus da prova, existe ampla jurisprudência, sustentando que cabe à AT o ónus da prova da verificação dos pressupostos legais vinculativos legitimadores da sua atuação e que cabe ao contribuinte provar os factos que operam como suporte das pretensões e direitos que invoca (vide Processo Arbitral do CAAD nº 236/1014-T de 4 de maio de 2015).

Contudo, a AT, conhecendo a jurisprudência e a doutrina existente sobre a matéria, não logrou demonstrar as suas presunções e alegações de que as correções à contabilidade da Requerente por si promovidas resultaram de omissões voluntárias ou intencionais com o objetivo de reduzir os prejuízos de determinados exercícios para retirar benefícios do seu reporte a um outro exercício.

Assim, é forçoso concluir que a AT se olvidou de demonstrar que o erário público foi diretamente prejudicado pelos eventuais atos da Requerente.

Em conformidade, não podia a Requerente deixar de regularizar os erros e incorreções que foram detetadas na sua contabilidade, sob pena de violação das normas legais em vigor, em particular os artigos 17.º, n.º 3, 123.º, n.º 1 e 2, ambos do Código do IRC.

Adicionalmente, a Requerente não pode deixar de sinalizar que a AT tece no RIT diversas considerações e presunções a respeito da suposta atuação da Requerente, designadamente, quando aí refere que «(…) um dos eventuais motivos para a manipulação de resultados da empresa poderá ter sido a necessidade de apresentar resultados positivos, por forma a dar uma imagem de empresa sólida, credível e sem indícios de possível insolvência, condição essencial para conseguir crédito junto da banca.»

Neste plano, refira-se que a AT não apresentou quaisquer provas do que alega, limitando-se a produzir juízos de valor e a presumir supostas manipulações de resultados por parte da Requerente.

Ainda que assim não fosse, os argumentos aduzidos no RIT não dizem respeito a quaisquer razões de ordem fiscal a estribam-se em considerações depreciativas para a Requerente sem qualquer apoio factual.

Portanto, também por esta via a Requerente não logrou demonstrar, como era seu ónus, o efetivo prejuízo para o erário público em resultado das correções contabilísticas realizadas, suscetível de abalar in casu a prevalência do princípio da justiça em detrimento do princípio da especialização dos exercícios.

Face a todo o exposto supra, é forçoso concluir que in casu deve prevalecer o princípio da justiça em detrimento do princípio da especialização dos exercícios, uma vez que a única intenção da Requerente consistiu na reparação anómala dos registos contabilísticos referentes em anos anteriores, pelo que a liquidação posta em crise enferma de vícios determinativos da sua ilegalidade, por erro nos pressupostos de direito e de facto e, por consequência, anuláveis, nos termos do artigo 163.º do CPA.

 

(ii) Do rédito imputado exercício de 2019:

No que diz respeito ao cálculo do rédito referente ao exercício de 2019, refira-se que o ajustamento negativo efetuado pela Requerente no valor de € 215.688,67 resultou da diferença do rendimento de € 3.543.228,59 apurado (cf., cópia de mapa de cálculo, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais e se junta como Documento n.º 7) e o valor que se encontrava considerado e lançado em rendimento na contabilidade em 31.12.2019, referente a faturação emitida durante aquele exercício.

Saliente-se que era conhecida a diferença entre o valor total real e o contabilizado em 2018 (i.e., € 914.156,87), contudo, foi necessário determinar a parte desse montante imputável ao exercício de 2019.

Para o efeito, conforme referido, com base na Norma Contabilística e de Relato Financeiro (“NCRF”) 19 (Contratos de Construção), a Requerente efetuou uma estimativa simples e de fácil perceção através da média histórica conhecida mais recente e de grandeza significativa das 2 obras encerradas nesse mesmo ano.

Em resultado, a Requerente apurou uma percentagem correspondente a 85,38% dos custos diretos em relação ao valor total das aludidas obras.

Em 2019, conhecendo os custos totais diretos lançados na contabilidade, foi aplicada a aludida percentagem apurada numa perequação (comumente designada por “regra dos 3 simples”) para determinar o rendimento estimado para aquele ano, por constituir um método razoável e que obedece às normas jurídico-contabilísticas em vigor (e.g., NCRF 19 e NCFR 4 - Políticas contabilísticas, alterações nas estimativas contabilísticas e erros).

Ora, a respeito das alegações da AT em relação a este ponto, julgamos relevante destacar que, não obstante o valor apurado por Organismo em relação a 2019 (i.e., € 53. 470,97) divergir do valor apurado pela Requerente (e sobre o qual nos debruçaremos adiante), a própria AT, mais uma vez, demonstra concordar que a Requerente, efetivamente, identificou incongruências relacionadas com os réditos contabilizados nos anos anteriores.

Retira-se, com alguma facilidade, esta conclusão das várias expressões utilizadas pela AT no RIT em relação a este ponto (embora, não exclusivamente):

• «Em suma, percebe-se que o SP, detetando incongruências relacionadas com o saldo dos réditos alegadamente já contabilizados em anos anteriores, necessitava de aferir se os rendimentos/faturação contabilizada em 2019 eventualmente respeitava a réditos já reconhecidos em anos anteriores, ou, pelo contrário, seriam réditos gerados no próprio ano.»;

• «Entende-se que, perante as imprecisões e falta de credibilidade dos valores transitados de anos anteriores, se afigurava que o mais correto seria, mesmo partindo da mesma base de raciocínio utilizada pelo SP (…)»;

• «Em resumo, apura-se que do ajustamento negativo de € 914.156,87 calculado pela A... em 2019 por diferença entre valores de rendimentos de 2019 e de 2018, apenas os €  53.470,97 respeitantes às obras iniciadas no ano são imputáveis ao exercício de 2019, sendo todo o montante restante (€ 860.685,90) imputável a anos(s) anterior(es), logo não dedutível fiscalmente para efeitos de apuramento do Resultado Tributável do exercício de 2019, por força do princípio da periodização económica plasmado no artº 18º do CIRC.»

Ora, fica aqui, portanto, explícito que a própria AT admite que, efetivamente, a Requerente teria valores a ajustar em relação aos réditos contabilizados em exercícios anteriores, i.e., na prática, admite a AT que, no passado, a Requerente viu tributado um valor de rédito superior ao que deveria ter sido sujeito a tributação (se assim não fosse, não teria disso a própria AT a fazer referência a um valor que considera dizer respeito a 2019 e a outro que considera dizer respeito a exercícios anteriores).

A AT refere no RIT que o valor que resultaria do método descrito supra ascenderia a € 3.558.853,96, e não € 3.543.228,59 conforme alegadamente determinado pela Requerente.

Contudo, note-se que a alegada diferença de valores resulta apenas de a AT ter aplicado a percentagem incorreta de 85%, e não 85,38%, conforme determinado pela Requerente.

Com efeito, e considerando que a própria a AT optou por usar a referida percentagem para os ajustamentos calculados no RIT para o exercício de 2019, então deveria ter sido aplicada a percentagem correta de 85,38%, calculada pela Requerente (e não 85%).

Assim, sempre deveria o valor da alegada diferença no montante de € 15.625,37 ser adicionado ao valor apurado pela AT no RIT de € 53.470,97.

Em conformidade, entende a Requerente que a liquidação em referência enferma de vícios determinativos da sua ilegalidade, por erro nos pressupostos de direito e de facto e, por consequência, anuláveis, nos termos do artigo 163.º do CPA.

 

(iii) Do princípio da tributação pelo lucro real:

Em face do exposto supra, é questão isenta de dúvidas que a manutenção no ordenamento jurídico da liquidação adicional de IRC em crise constituiria uma dupla tributação da Requerente, o que forçosamente configuraria uma clara violação dos princípios da tributação pelo lucro real e da justiça, considerando que os rendimentos que a AT sujeitou agora a tributação foram já tributados em exercícios anteriores, pelo que a liquidação posta em crise enferma de vícios determinativos da sua ilegalidade, por erro nos pressupostos de direito e de facto e, por consequência, anuláveis, nos termos do artigo 163.º do CPA.

 

(iv) Do princípio da tributação pelo lucro real:

os Requerentes procederam ao pagamento do montante de € 62.964,46, que resultou das demonstrações de acerto de contas n.º 2023.....

Assim, considera a Requerente ter direito ao recebimento de juros indemnizatórios, calculados sobre os valores pagos indevidamente no montante de € 62.964,46, computados desde o pagamento indevido até à emissão da nota de crédito.

Termos em que se conclui que deve a AT ser condenada ao pagamento de juros indemnizatórios à Requerente, e, bem assim, no pagamento das custas, tudo com as demais consequências legais.

 

2. O pedido de pronúncia arbitral (PPA) foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD em 6 de outubro de 2023 e foi automaticamente notificado à Requerida.

 

3. A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, em 24 de novembro de 2023, ao abrigo do disposto no artigo 6.º n.º 2 alínea a) do RJAT, o Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou os Signatários como Árbitros do Tribunal Arbitral Coletivo, tendo os Signatários comunicado a aceitação do encargo no prazo aplicável.

 

4. Ainda em 24 de novembro de 2023, as partes foram devidamente notificadas dessa designação, não tendo as mesmas manifestado vontade de recusar a designação do árbitro, nos termos conjugados das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD.

 

5. Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral Coletivo foi constituído em 14 de dezembro de 2023.

 

6. Em 15 de dezembro de 2023, o Tribunal proferiu despacho nos termos do disposto no artigo 17.º n.ºs 1 e 2 do RJAT a ordenar a notificação do dirigente máximo da Administração Tributária para apresentar Resposta (no prazo de 30 dias) e, caso queira, solicitar a produção de prova adicional, acrescentando que deve ser remetido ao tribunal arbitral cópia do processo administrativo dentro do mesmo prazo.

 

7. Em 30 de janeiro de 2024, a Requerida veio aos autos juntar o processo administrativo e apresentar Resposta, na qual reitera a legalidade do ato impugnado, alegando em síntese:

A NCRF4 dá-nos também a definição de ERROS DE PERÍODOS ANTERIORES:

“são omissões, e declarações incorretas, nas demonstrações financeiras da entidade de um ou mais períodos anteriores decorrentes da falta de uso, ou uso incorreto, de informação fiável que:

a) Estava disponível quando as demonstrações financeiras desses períodos foram autorizadas para emissão; e

b) Poderia razoavelmente esperar -se que tivesse sido obtida e tomada em consideração na preparação e apresentação dessas demonstrações financeiras.

Tais erros incluem os efeitos de erros matemáticos, erros na aplicação de políticas contabilísticas, faltas de cuidado ou interpretações incorretas de factos e fraudes” (§5).

A NCRF4 faz referência que “[a]s demonstrações financeiras não estão em conformidade com as NCRF se contiverem erros materiais ou erros imateriais feitos intencionalmente para alcançar uma determinada apresentação da posição financeira, desempenho financeiro ou fluxos de caixa de uma entidade. […] Contudo, os erros materiais por vezes só são descobertos num período posterior, e estes erros de períodos anteriores são corrigidos na informação comparativa apresentada nas demonstrações financeiras desse período posterior” (§32).

Acrescenta, “uma entidade deve corrigir os erros materiais de períodos anteriores retrospetivamente ao primeiro conjunto de demonstrações financeiras aprovadas após a sua descoberta […]” (§33), mas dita que “[a] correção de um erro de um período anterior é excluída dos resultados do período em que o erro é descoberto”.

Todavia impõe uma condição para aplicação retrospetiva de uma nova política contabilística ou correção de um erro de um período anterior, que resulta na exigência que seja distinguida a informação que: “a) Proporcione provas de circunstâncias que existiam na(s) data(s) em que tiver ocorrido a transação, outro acontecimento ou condição; e b) Teria estado disponível quando as demonstrações financeiras desse período anterior foram autorizadas para emissão” (§42).

Repare-se, que há ainda que distinguir entre uma alteração de estimativa e um reconhecimento do erro, e resulta do facto de estarmos ou não diante de novos factos ou novos conhecimentos/novas informações.

Ora, no caso em apreço, afigura-se-nos ser de afastar o facto de estarmos diante uma alteração de estimativa ou de uma alteração nas politicas contabilísticas, mas sim, perante um erro, porquanto no decorrer daqueles períodos económicos anteriores, a Requerente estava munida de toda a informação para aplicar devidamente as regras dispostas na ncrf19, e consequentemente, para aplicar o método da percentagem do acabamento no reconhecimento do rédito e gastos correspondente aos contratos de construção.

Assim, resta-nos concluir como a Requerente, a mesma cometeu um erro por não ter apresentado as suas demonstrações financeiras em conformidade com as NCRF (cfr.§32 da NCRF4), nomeadamente a NCRF19.

Voltando ao caso dos autos, onde se encontra a ser discutida a imputação dos réditos relacionados com contratos de construção ao resultado tributável, considerando o já referido modelo de dependência parcial entre a fiscalidade e a contabilidade, somos levados a ter presente não só as NCRF anteriormente mencionadas como também as disposições fiscais a aplicar em especial aos contratos de construção, o art.º 19.º do CIRC e as demais normas relacionadas com o facto de estar em causa uma variação patrimonial negativa, consequente de um erro praticado no apuramento dos resultados contabilísticos referentes a anos anteriores decorrentes daqueles contratos de construção, os art.º 18.º e 24.º ambos do CIRC.

Fiscalmente, a determinação dos resultados de contratos de construção deve seguir o critério da percentagem de acabamento expresso no n.º 1 e 2 do art.º 19.º do CIRC.

Para aplicação da presente disposição, é necessário serem conhecidos, à data de encerramento das contas e para contrato de construção, os gastos suportados até essa data e os gastos totais estimados (gastos incorridos ou suportados + gastos estimados para conclusão do contrato) e a partir destas variáveis é assim determinada a percentagem de acabamento no final de cada período de tributação, que permite apurar o consequente apuramento do resultado de contratos de construção a reconhecer naquele período.

Estas variáveis são do conhecimento do sujeito passivo quer a partir da documentação relacionada com a adjudicação da obra (os gastos totais estimados) quer a partir da sua contabilidade (os gastos suportados).

No caso em apreço, quando a Requerente procedeu ao apuramento contabilístico e fiscal do resultado de contratos de construção para períodos de tributação anteriores a 2019, tinha conhecimento da quantificação daquelas variáveis. Podia ter cumprido, naqueles períodos de tributação, o disposto no art.º 19.º do CIRC, mas não cumpriu.

Em 2019, a Requerente entendeu ter havido um erro contabilístico nos períodos de tributação anteriores.

Como já realçamos anteriormente, a entender-se ter havido um erro, o mesmo não resultou do desconhecimento da sua quantificação e da necessidade de se apurar o resultado dos contratos de construção em curso, pois a Requerente teve a preocupação de, naqueles períodos de tributação, proceder à elaboração de mapas de imputação de rédito por contratos de construção e apurar o respetivo resultado (cfr. Apresenta aos SIT e que são juntos como Anexos 2 e 4 do RIT).

Razão que se justifica estar-se perante um erro contabilístico.

Todavia, daqui decorre que a Requerente, diante da NCRF4 (§§33 e 37), reconheceu o eventual erro na sua contabilidade, não o reconhecendo em resultados contabilísticos do período de 2019, mas em resultados transitados, daí o uso da rubrica contabilística #56.1.

E só assim faria sentido, em respeito ao regime do acréscimo (o também designado princípio da especialização dos exercícios).

Paralelamente, a Requerente, para efeitos fiscais, olvida por completo o referido princípio da especialização dos exercícios, que também se encontra previsto no art.º 18.º do CIRC e pretende reconhecer como componente negativa do resultado tributável de 2019, o ajustamento correspondente ao erro por si reconhecido na contabilidade e que teve impacto nos resultados transitados.

De imediato se conclui que se deu uma clara violação do disposto no n.º 1 do art.º 18.º do CIRC.

Importa aqui ter presente, que o facto de a Requerente ter reconhecido contabilisticamente apenas no ano de 2019 (com impacto nos resultados transitados e não no resultado do exercício) um erro ocorrido em períodos de tributação anteriores, não o obrigava a declarar e apurar esse erro no resultado tributável de 2019.

À data daquele reconhecimento contabilístico, estava ao seu alcance proceder ao reconhecimento fiscal daquele erro contabilístico no período tributável correspondente, porquanto tinha ao seu dispor garantias que lhe permitiam, se quisesse, apresentar pedido de reclamação dos atos de autoliquidação referentes a períodos anteriores para os quais ainda se encontrava a decorrer o prazo para a sua apresentação (seguramente para o exercício de 2017 e 2018), contudo optou por não o fazer.

Também importa salientar, que não se encontrava ao alcance dos SIT a possibilidade de proceder às respetivas correções simétricas nos períodos de tributação correspondentes, porquanto apesar de a Requerente ter apurado tais divergências e ter ao seu alcance elementos que lhe permitiam reconhecer o erro contabilístico, foram incapazes de dar a conhecer aos SIT (embora tenha sido diversas vezes solicitado ao longo do procedimento inspetivo) a origem e o momento (período de tributação) em que ocorreram os referidos erros contabilísticos (cfr. pág.17 e 18 do RIT).

Na verdade, a Requerente ao reconhecer fiscalmente aquela componente negativa no lucro tributável de 2019 (consequente da correção do erro contabilístico, erro que se traduz em ter, alegadamente, contabilizado e declarado em anos anteriores rendimentos superiores aos devidos), foi em sentido diverso daquele que é propugnado pelo CIRC, desrespeitando o princípio da periodização.

Salienta-se que a correção a efetuar pelos SIT, por violação do disposto no n.º 1 do art.º 18.º do CIRC, não obriga a demonstração por parte da AT de que o errado reconhecimento daquela componente negativa resulta “de omissões voluntárias ou intencionais com o objetivo de reduzir os prejuízos de determinados exercícios para retirar benefícios do seu reporte a um outro exercício” (§73.º do PPA) ou que o erário público tenha sido diretamente prejudicado (§74.º do PPA).

É uma omissão voluntária porquanto resultou de uma determinação contabilística por parte da Requerente – a de reconhecer, naqueles exercícios, réditos com contratos de construção em valor superior aqueles que resultariam do correto apuramento a efetuar nos termos da NCRF19.

Mais importa referir, ainda que, sem conceder, se uma outra condição para a derrogação do regime de periodização económica decorresse do impacto que pudesse causar no erário público, tal impacto teria de ser calculado não só a partir dos resultados tributáveis naqueles períodos de tributação anteriores a 2019 (os efeitos retroativos), mas também do cálculo no impacto nos resultados tributáveis de períodos futuros (efeitos prospetivos), considerando a (eventual) constituição e o prazo que decorre para o reporte do prejuízo fiscal apurado pela Requerente, que deixa de se iniciar em períodos anteriores a 2019.

Mais entende a AT:

A Requerente não imputou os réditos em função do método da percentagem de acabamento prevista naquela norma contabilística. A Requerente optou, como referem e bem os SIT, por aplicar “um coeficiente de imputação específico definido e criado por si, justificando com o desconhecimento da parcela respeitante ao ano de 2019 na diferença negativa entre o valor contabilizado em 2018 e o valor total do rédito apurado nas obras no final de 2019” [2] (pág.39 do RIT). Destaques nossos.

A verdade é que diante das observações relatadas no RIT, a Requerente não veio aos presentes autos demonstrar que a aplicar corretamente aquela norma contabilística, os valores por si apurados não se afastavam daqueles que resultariam dos valores que se apurariam aplicando as regras dispostas na NCRF19.

A Requerente assumiu que, em anos anteriores a 2019, os valores referentes às obras em curso, que transitaram para 2019 não se apresentavam corretos, daí terem procedido à revisão daqueles valores.

Mas na revisão levada avante pela Requerente não houve qualquer cuidado e preocupação, a partir dos documentos que detinha e dos valores reconhecidos na contabilidade em anos anteriores, em apurar um cálculo correto relativamente aos resultados (gastos e réditos) a reconhecer naqueles períodos de tributação, respeitando o disposto no normativo contabilístico (e o princípio da especialização dos exercícios).

Relativamente ao montante €914.156,87, que traduz o valor deduzido a réditos referentes aos contratos de construção, sendo €698.468,20 redução de réditos reconhecidos em anos anteriores e €215.688,67 redução de réditos no ano de 2019, importa referir que tal valor resulta da diferença entre o valor apurado a partir do mapa de imputação de gastos e réditos por contrato de construção de 2018 (€1.094.168,75) e o apurado no mesmo mapa mas referente a 2019 (€180.011,88).

O mesmo é dizer, que o montante €914.156,87 é apurado com base em valor (€1.094.168,75) que resulta do mapa de imputação rendimentos para 2018 (anexo 2 do RIT e pág.40 do RIT) que a própria Requerente reconhece padecer de erros (daí entender ser de proceder à aludida revisão).

Por outro lado, para apuramento do valor a desconsiderar como rendimento no ano de 2019 (€215.688,67), a Requerente apura um coeficiente por si criado e relativo a duas obras (cfr. pág.39 do RIT) em valor percentual 85,37% (OU SEJA, UM COEFICIENTE QUE NÃO TRADUZ A PERCENTAGEM DE ACABAMENTO PREVISTA NA NCRF19), aplicando-o através de “uma regra de 3 simples”, sobre os custos diretos reconhecidos na contabilidade (€3.025.025,87) referente a TODAS AS OBRAS de forma a apurar um valor de “estimativa de rendimento de 2019” que quantificou em €3.543.228,59 (ver anexo 6 do RIT). Posteriormente pela confrontação desta última estimativa com o valor reconhecido com rendimento em 2019 (€3.758.916,08) – cfr. pág.19 do RIT, apurou um ajustamento negativo a estes últimos rendimentos no montante de (€215.688,67).

Os SIT diante das incongruências (assumidas pela Requerente) nos mapas de imputação relativos a gastos e réditos referentes aos anos anteriores e da falta de informação (que a Requerente nunca veio trazer ao conhecimento da AT), entenderam que os ajustamentos negativos referentes aos rendimentos contabilizados no ano de 2019, teriam de ser analisados de forma separada, em função de se tratar de obras que já vinham de anos anteriores (cujos valores padeciam de tais incongruências) ou de obras que se tinham iniciado em 2019 (cujos valores foram apurados no decorrer daquele ano e que a Requerente tinha ao seu alcance reconhece-los de acordo com a NCRF19).

Assim, a análise concretizada pelos SIT, foi efetuada considerando as duas situações.

Para as obras iniciadas em 2019 (duas obras): os SIT ao poderem validar as variáveis a imputar em relação às obras que se iniciaram em 2019, assumiram como correto o valor do correspondente ajustamento negativo do rédito, apurado pela requerente, no valor total de €53.470,97 (€53.679,57 [obra: ...- Estoril] e -€208,60 [Obra: ...]).

Acresce referir que, como é bom de ver (pág.40 do RIT e anexo 4 do RIT), tais valores decorrem da aplicação da percentagem de acabamento da obra, conforme determina a ncrf19, tendo-se apurado que a Requerente reconheceu contabilisticamente (durante o ano de 2019) como rendimento (valor faturado) foi superior àquele que deve ser reconhecido como valor de rédito correspondente àqueles contratos de construção das obras iniciadas em 2019.

Para as obras iniciadas em anos anteriores a 2019 (três obras): os SIT, não obstante, discordarem com o método aplicado pela Requerente (coeficiente criado pela requerente), todavia dada a falta de elementos (que nunca vieram ser trazidos pela Requerente), consideraram ser adequado seguir a “linha” da Requerente.

Assim, quanto às obras que transitaram dos anos anteriores, os SIT calcularam o referido coeficiente (margem média) da mesma forma que a Requerente, contudo utilizando somente valores que respeitavam àquelas três obras (cfr. pág.41 do RIT). Da aplicação deste novo coeficiente (margem média) quantificado em 84,12%, apuraram um valor de rendimento “estimado” para 2019 superior àquele que se encontrava reconhecido na contabilidade, o que não justificava um ajustamento negativo naquele resultado contabilístico de 2019.

Bem entenderam aqueles SIT, que a haver um ajustamento negativo aos réditos daquelas obras que transitaram de anos anteriores, o mesmo terá de dizer respeito a períodos de tributação anteriores.

Daqui decorre que o ajustamento negativo, efetuado pela Requerente, aos réditos de 2019 no montante de €215.688,67 estão sobreavaliados, devendo-se manter a correção efetuada pelos SIT no valor de €162.217,70 (€215.688,67-€53.470,97).

Acresce referir que ao valor €53.470,97 não deve ser acrescido o valor €15.625,37, como pretende a Requerente, uma vez que este último valor resultou de aplicação (indevida) do “coeficiente de imputação” apurado pela Requerente, e que não repercutiu no valor aceite pelos SIT (€53.470,97) QUE, conforme referido anteriormente, resultou da apropriada aplicação da percentagem de acabamento, por ser referente a obras que se iniciaram em 2019.

Em suma,

Ainda que a Requerente tenha identificado “discrepâncias resultantes da utilização inapropriada em anos anteriores do método da percentagem de acabamento para efeitos de apuramento do rendimento a imputar referente a obras em curso”, em bom rigor, não teve o cuidado em apurar a origem daquelas discrepâncias e aplicar devidamente o disposto na NCRF19, que exige a determinação de uma percentagem de acabamento por cada contrato de construção, para efeitos de imputação a cada exercício, os respetivos réditos.

A Requerente optou, a partir de valores que ela própria considerou padecerem de divergências (valores referentes a anos anteriores), por aplicar um “coeficiente de imputação” por si criado apurado a partir de valores referentes a 2 das 5 obras em curso, que se afasta de todo do cálculo da percentagem de acabamento previsto na NCRF19.

Os SIT, diante destas discrepâncias assumidas pela Requerente e algumas por si detetadas, na falta de informação/justificação cedida pela Requerente, que lhe permitisse aplicar o disposto na NCRF19 e o art.º 19.º do CIRC, optou por aplicar o “coeficiente de imputação” utilizado pela Requerente, apurado e aplicado somente a partir dos valores relacionados com as obras transitadas de anos anteriores.

Para as obras que se iniciaram em 2019, os SIT, a partir dos valores passiveis de serem validados, calcularam e consideraram a percentagem de acabamento constante nos mapas de imputação dos resultados referentes às obras em curso em 2019, em respeito ao normativo contabilístico e às regras dispostas no CIRC.

Em face do exposto, considera-se ser de manter a liquidação impugnada.

Conclui a AT defendendo não haver lugar à condenação ao pagamento de juros indemnizatórios, por entender a AT que o ato impugnado respeita a lei.

 

8. Em 22 de fevereiro de 2024, o Tribunal proferiu o seguinte despacho:

Dispensa-se, por falta de objeto, a realização da reunião a que se refere o art. 18º do RJAT. Não havendo lugar a produção de mais prova e tendo as partes deixado bem expressas, nos articulados, as suas posições quanto às questões de direito, dispensa-se a produção de alegações. Notifica-se a Requerente para, até 30 de Março, proceder ao pagamento da taxa arbitral subsequente, dando de tal conhecimento ao processo. Após essa data será proferida a decisão arbitral, dentro do prazo legal.

 

9. Em 25 de março de 2024, a Requerente veio juntar aos autos a taxa arbitral subsequente.

 

  1. Saneamento

    

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas e encontram‑se regularmente representadas (artigos 4.º e 10.º n.º 2 do RJAT, e artigo 1.º da Portarias n.º 112‑A/2011 de 22 de Março).

O tribunal é competente e encontra-se regularmente constituído.

O processo não enferma de nulidades.

Cumpre apreciar e decidir.

    

  1. Matéria de Facto

III.1    Factos Provados

  1. A Requerente é uma sociedade anónima, com capital social no montante de € 315.000,00, e com o seguinte objeto social: «Construção civil de obras públicas e particulares; promoção imobiliária; compra e venda de imóveis e revenda dos adquiridos para esse fim.», no décimo quinto dia posterior ao do registo de disponibilização da mesma na caixa postal eletrónica;
  2. Em sede de IRC, a Requerente é um sujeito passivo nos termos do artigo 2.º, n.º 1, alínea a), do Código do IRC, não isento, enquadrado no regime geral de determinação do lucro tributável, sendo tributado à taxa prevista no artigo 87.º, n.º 1, do Código do IRC;
  3. Em 28.01.2020, foi deliberada a designação do Conselho de Administração da Requerente para o quadriénio 2019/2022 nos seguintes termos: (i) B... (“B...”), na qualidade de Presidente; (ii) C... (“C...”), na qualidade de Vogal; e (iii) D... (“D...) na qualidade de Vogal;
  4. Em 31.01.2020, foi deliberada, por renúncia, a cessação de funções de B... e C...;
  5. Naquela mesma data, foi deliberada a designação do Conselho de Administração da Requerente para o quadriénio em curso de 2019/2022 nos seguintes termos: (i) E... (“E...”), na qualidade de Presidente; (ii) F... (“F...”), na qualidade de Vogal;
  6. Assim, à data relevante dos factos, o Conselho de Administração da Requerente tinha a seguinte composição: (iii) E..., na qualidade de Presidente; (iv) D..., na qualidade de Vogal; (v) F..., na qualidade de Vogal;
  7. Face às alterações ao nível do Conselho de Administração referidas supra, e ainda no decorrer do exercício de 2020, ocorreram alterações estruturais na preparação e gestão da contabilidade da Requerente, tendo nesse período cessado funções o anterior contabilista e assumido, para estas funções, um novo Contabilista Certificado (“CC”);
  8. Neste âmbito, e devido às alterações verificadas ao nível da gestão e contabilidade, foram revistos, em detalhe, os processos de apuramento dos valores necessários à utilização do método da percentagem de acabamento para apuramento do rendimento anual, incluindo processos internos de custeio, fórmulas, ficheiros informáticos de cálculo e regras contabilísticas aplicáveis;
  9. Foi, ainda, elaborado um mapa de apuramento de rendimentos relativo ao exercício de 2019;
  10. A respeito do montante € 215.688,27 foi partilhada com a AT a seguinte explicação: «(…) O valor de 215.688,67€ (…) resulta da diferença do rendimento de 3.543.228,59 € (…) e o valor que se encontrava considerado e lançado em rendimento na contabilidade em 31/12/2019 referente a faturação emitida durante o ano. Como se perceberá os cálculos foram estimados através da média histórica conhecida mais recente e de grandeza significativa das 2 obras encerradas nesse mesmo ano (que resultou numa percentagem de 85% dos custos diretos em relação ao valor total das 2 obras). Em 2019, conhecendo os custos totais diretos lançados na contabilidade (…) foi utlizada essa % como chave teórica numa perequação (ou “regra dos 3 simples”) para conseguir estimar qual o rendimento espectável mais real para esse ano. Relembra-se que era conhecida a diferença entre o valor total real e o contabilizado em 2018 (914.156,87€), mas desconhecia-se qual a parte que caberia em concreto a 2019. Para tal utilizou-se este modelo de cálculo para essa estimativa dada a sua razoabilidade.»;
  11. A Requerente concluiu que a inapropriada aplicação do método da percentagem de acabamento, em anos anteriores, no âmbito do processo de determinação dos resultados, resultou no aumento do resultado contabilístico e tributável;
  12. Em consequência, por forma a corrigir o(s) erro(s) identificados (em concreto a respeito dos exercícios anteriores a 2019), a mesma optou por contabilizar o respetivo ajustamento negativo, no montante de € 698.468,20, a débito, na rubrica contabilística de “Resultados Transitados” (#561) e, subsequentemente, considerar o mesmo como uma “Variação Patrimonial Negativa”, dedutível para efeitos fiscais, no que respeita ao apuramento do lucro tributável do exercício de 2019;
  13. Em paralelo, no que respeita ao ajustamento (negativo) do rédito imputado ao exercício de 2019 (i.e., € 215.688,76), o mesmo foi contabilizado, a débito, na respetiva rubrica de rendimentos da Demonstração de Resultados (i.e., 72115);
  14. Em 26.10.2020, a Requerente procedeu à entrega da Declaração Modelo 22 do IRC, por referência ao exercício de 2019, e à qual foi atribuído o número de identificação ...;
  15. Para melhor referência, a Requerente inscreveu, a respeito dos réditos reconhecidos em anos anteriores relativos a contratos de construção, o montante de € 698.468,20, no campo 704 do Quadro 07 da Declaração Modelo 22, respeitante a variações patrimoniais negativas não refletidas no resultado líquido do período, a que se refere o artigo 24.º do Código do IRC;
  16. Em 18.11.2022, a Requerente foi notificada do início do procedimento de inspeção tributária, credenciado pela Ordem de Serviço n.º OI2022... (Art. 46.º do RCPITA) Serviços de Inspeção Tributária, Direção de Finanças de Aveiro— Procedimento de Inspeção interno, de âmbito parcial, em sede de IRC, referente ao ano de 2019 (Procedimento de comprovação e verificação, visando a confirmação do cumprimento das obrigações dos sujeitos passivos e demais obrigados tributários);
  17. Em 04.04.2023, a Requerente foi notificada do Projeto de Relatório de Inspeção Tributária (“PRIT”) emitido pelos Serviços de Inspeção Tributária, Direção de Finanças de Aveiro, bem como para, querendo, exercer no prazo de 15 dias, o direito de audição relativamente ao conteúdo mesmo;
  18. As conclusões do PRIT são as seguintes:

Conclusão

O método que foi sendo utilizado pela empresa em anos anteriores a 2019 para a contabilização dos réditos a imputar a cada um dos exercícios relativamente a cada uma das obras adjudicadas e em execução, tem por base os mapas que apresentou no âmbito do presente procedimento.

Nesses mapas, cuja execução foi da única e exclusiva responsabilidade do SP A... (independentemente de a quem incumbia a gestão à data) e não de qualquer entidade externa, foram mencionados valores por si apurados, nomeadamente no que concerne à % de acabamento e faturação de certas obras que, à data, foram aqueles que foram considerados para o apuramento do rédito a reconhecer no período.

Tendo por base esses mapas, o SP foi apurando em cada um dos períodos até 2018 apenas ajustamentos ao rédito reconhecido em anos anteriores [por exemplo € -64.295,34 entre 2017 (€ 1.158.464,09) e 2018 (€ 1.094.168,75)], o que pressupõe, que, sendo um ajustamento, os valores do(s) ano(s) anteriores refletiriam a realidade, principalmente numa das componentes essenciais do mapa que respeita ao valor já faturado das obras até ao momento do ajustamento.

Estes ajustamentos produziram os devidos efeitos nas contas da sociedade, nomeadamente nos resultados apurados, tendo as respetivas contas dos exercícios em causa e os demais documentos de prestação de contas sido apresentados à assembleia-geral e por esta apreciados e aprovados.

Concluiu-se da análise efetuada que, até nesse item “faturação”, há significativas incoerências, pelo que nem este pode ser validado pela AT, para que se possa dar alguma credibilidade às razões invocadas pelo SP de que a tributação dos valores objeto de dedução em 2019 já teriam sido tributados em anos anteriores. Do mesmo modo, nem a AT, nem o próprio SP consegue determinar com exatidão a que períodos se reportam esses erros e eventual “antecipação de receita para o Estado”.

Torna-se assim claro que, havendo eventualmente valores erradamente presumidos e apurados, estes se reportam a anos anteriores a 2019, sendo a sua origem da responsabilidade do SP, desconhecendo-se (mas suspeitando-se) a razão para tal, conforme já referido anteriormente. Face à grandeza do ajustamento/dedução apurada em 2019, esses eventuais erros em anos anteriores terão contribuído decisivamente e, eventualmente positivamente, para o resultado do exercício em anos e valores que nem a AT nem o SP consegue precisar. Se assim não fosse, e face aos valores declarados pelo SP em anos anteriores, este apresentaria avultados prejuízos que, muito certamente, seriam objeto de alerta para a AT, algo que, eventualmente, a gestão à data quis evitar, o que levaria a uma provável dedicada análise à atividade desenvolvida nesses anos para aferir da (a haver) justificação dos alegados prejuízos, algo a que a AT não pode recorrer neste momento, face à caducidade do direito à liquidação de anos 2018 e anteriores (em sede de IRC), pelo que no caso em concreto, torna-se por demais imperioso o recurso à norma do art.º 18.º do CIRC, visto não ser inócuo o efeito em termos tributários da consideração de um ajustamento aos anos anteriores a 2019 (sem precisar quais) ou a dedução ao resultado fiscal de 2019. Também, da dedução ao resultado fiscal de 2019 da referida Variação Patrimonial Negativa, resultou o apuramento de prejuízo fiscal que seria passível de reporte para anos muito após 2019, diferimento esse que, previsivelmente, não ocorreria se os referidos ajustamentos ao rédito fossem imputados aos devidos períodos de tributação, como vimos, bastante anteriores a 2019, sendo certo que se aplicariam a estes as limitações impostas pelo artº 52º do CIRC, quer no que respeita ao valor passível de dedução, quer ao número de anos passível de reporte.

Assim, face ao exposto e perante:

o A verificação de diversas fragilidades, irregularidades, incoerências e imprecisões no apuramento dos réditos a imputar a cada período relativamente às obras em curso através, do método da percentagem de acabamento, que emprestam falta de credibilidade às demonstrações financeiras;

o A constatação de que com grande probabilidade terá ocorrido manipulação voluntária e intencional com vista a operar transferência de resultados entre exercícios;

o A insuficiência da documentação disponibilizada que não permite atestar os valores contabilizados e deduzidos fiscalmente;

o O não cumprimento do princípio da especialização dos exercícios prescrito no artº  18º do CIRC, porquanto o ajustamento fiscal respeita a acontecimentos alegadamente ocorridos e imputáveis a exercícios anteriores;

o O não cumprimento das regras de determinação do lucro tributável definidas no artº 17º do CIRC, nomeadamente por se concluir que a Variação Patrimonial Negativa deduzida em 2019 não respeita a esse período;

o A impossibilidade de enquadramento da Variação Patrimonial Negativa deduzida em 2019 no artº 24º do CIRC por não respeitar ao período de tributação;

 

A Variação Patrimonial Negativa no valor de € 698.468,20 deduzida no campo 704 do quadro 07 da Modelo 22 referente ao exercício de 2019 não é dedutível para efeitos de apuramento do Resultado Tributável da entidade.

 

V.2. CORREÇÃO AO RÉDITO DO EXERCÍCIO DE 2019 EM RESULTADO DA UTILIZAÇÃO DO MÉTODO DA PERCENTAGEM DE ACABAMENTO

 

Verificou-se que o SP efetuou no final do exercício de 2019 uma correção negativa ao rendimento contabilizado no valor de € 215.688,67, por débito da conta 72115, alegando tratar-se do ajustamento ao rédito em resultado da utilização do método da percentagem de acabamento com respeito às obras em curso.

Contudo, conforme foi já anteriormente referido neste relatório, o SP utilizou para o efeito um coeficiente de imputação específico definido e criado por si, justificando com o desconhecimento da parcela respeitante ao ano de 2019 na diferença negativa apurada entre o valor contabilizado em 2018 e o valor total do rédito apurado nas obras no final de 2019. Diferença essa que ascendeu a € 914.156,87 (€ 180.011,88 - € 1.094.168,75), tendo considerado o valor de € 698.468,20 como Variação Patrimonial Negativa deduzida para efeitos de apuramento do Resultado Tributável e contabilizado os restantes € 215.688,87 como um ajustamento negativo ao rendimento já contabilizado em 2019.

Como já foi também referido, afigura-se que este método, além de lhe faltar objetividade e rigor, falha ainda ao nível do suporte em bases adequadas.

Veja-se que o SP utilizou como base de trabalho os gastos totais apurados em 2019, aplicando-lhe, para efeitos da estimativa do rendimento espectável para o ano, uma “margem” apurada com base unicamente nos dados correspondentes às duas obras terminadas naquele ano (... e...).

Pelo que não será o critério mais adequado na medida em que dos gastos totais do exercício, mais de metade respeita a outras obras, inclusive a obras apenas iniciadas em 2019 (caso da obra “...– Estoril” e “...”), sendo que relativamente a estas é muito simples calcular o rédito a imputar ao ano.

Em suma, percebe-se que o SP, detetando incongruências relacionadas com o saldo dos réditos alegadamente já contabilizados em anos anteriores, necessitava de aferir se os rendimentos/faturação contabilizada em 2019 eventualmente respeitava a réditos já reconhecidos em anos anteriores, ou, pelo contrário, seriam réditos gerados no próprio ano. Para isso utilizou um critério, tendo por base os gastos incorridos em 2019, para determinar/estimar qual o rédito que esses gastos gerariam, e perceber se a faturação contabilizada nesse ano 2019 se aproximava do rédito “estimado”. Ou seja, se o rendimento contabilizado em 2019 dizia respeito a custos incorridos no próprio ano (2019), caso em que o rédito deve ser reconhecido nesse ano, ou, eventualmente, relacionado com gastos de anos anteriores em que o rédito alegadamente já teria sido reconhecido (faltando apenas a faturação). Isto em face dos erros de que assumiram padecer os apuramentos efetuados nos anos transatos.

O que não faz sentido, em nosso entender, foi a forma utilizada para o efeito.

Entende-se que, perante as imprecisões e falta de credibilidade dos valores transitados de anos anteriores, se afigurava que o mais correto seria, mesmo partindo da mesma base de raciocínio utilizada pelo SP, separar as obras entre as que já transitavam de anos anteriores e aquelas que foram apenas iniciadas em 2019, nomeadamente em termos de gastos, sendo relativamente a estas últimas bastante simples de calcular o rédito a imputar ao período.

Nestes termos, faz-se a seguir um exercício de análise, apuramento e separação de valores no sentido de demonstrar que, partindo da mesma linha de raciocínio utilizada pelo SP, é possível apurar com muito mais rigor e objetividade o rédito a imputar ao exercício de 2019.

Voltamos aqui a expor o resumo dos mapas de apuramento dos rendimentos das obras respeitantes a 2018 e 2019 facultados pelo SP para melhor perceção da origem dos valores utilizados na exposição e quadros que depois se seguem.

 

Em primeiro lugar, impõe-se fazer a separação entre obras iniciadas em anos anteriores e obras iniciadas apenas durante o ano de 2019 e, deste modo, perceber do mencionado valor apurado por diferença entre rendimentos calculados em 2019 e em 2018 e que ascendeu a €  914.156,87, qual o rédito a imputar a 2019 por respeitar a gastos incorridos no próprio ano, e qual a parte daquele valor que corresponde a rendimentos a imputar a ano(s) anterior(s) por dizer respeito a gastos já incorridos em anos transatos.

No quadro seguinte faz-se essa separação de obras e respetivos rendimentos tendo em conta o período em que foram iniciadas, recorrendo aos valores obtidos da conjugação dos dois mapas precedentes, referentes a 2018 e 2019.

 

Conclui-se, então, que do ajustamento negativo de € 914.156,87 apurado pela A... em 2019 por diferença entre valores de rendimentos de 2019 e de 2018, apenas € 53.470,97 respeitam às obras iniciadas durante o exercício de 2019 (“...– Estoril” e “...”), sendo que o montante restante, € 860.685,90 se refere a obras iniciadas já em anos anteriores.

Calculando agora, à semelhança do efetuado pelo SP, a “margem” histórica resultante das obras já iniciadas em anos anteriores (... , ... e Moradia ...) partindo dos valores adjudicados versus custos estimados, obtém-se o seguinte, conforme se apresenta:

 

De onde resulta uma margem média de 84,12% (total de custos estimados / total de valor adjudicado) relativamente a estas empreitadas.

No quadro seguinte são apresentados os gastos diretos totais de 2019, repartidos entre obras iniciadas antes e em 2019, e bem assim, os rendimentos totais já contabilizados no ano também subdivididos da mesma forma.

Refira-se que o valor dos gastos totais e rendimentos totais contabilizados consta do balancete facultado pelo SP (Anexo 11), tendo-se apurado por diferença os valores referentes, quer a gastos, quer a rendimentos, referentes às obras iniciadas em anos anteriores, recorrendo aos dados constantes do mapa de apuramento de 2019 (acima já apresentado) com respeito às obras iniciadas neste exercício.

 

Por fim, importa então estimar, com base na “margem” encontrada e usando para esse efeito também o mesmo método da “regra de 3 simples” utilizada pela empresa (mas considerando como base os gastos diretos do ano referentes apenas às obras já iniciadas antes de 2019), se os rendimentos já contabilizados no ano respeitantes a estas obras igualam ou superam o rendimento estimado através deste apuramento para então aferir de eventual ajustamento negativo a registar.

Temos assim:

 

O que resulta, do cálculo do valor da incógnita X, num valor de rendimentos “estimado” que ascende a € 2.333.147,78. Ou seja, ainda superior ao valor dos rendimentos já contabilizados no ano respeitantes a obras iniciadas em anos transatos (€ 2.292.518,68), pelo que há coerência entre o rendimento contabilizado em 2019 e o que se estima pela aplicação aos custos diretos da “margem” apurada tendo por base o critério que o SP utilizou, não sendo o rendimento/faturação de 2019 relacionado com réditos eventualmente já reconhecidos em anos anteriores.

Assim sendo nenhum ajustamento negativo haverá a efetuar no que toca a estas 3 obras, nos termos do disposto no artº 19º do CIRC.

Repare-se que mesmo que dos cálculos da “margem” antes efetuados retirássemos a obra “Moradia ...”, uma vez que a mesma não foi concluída em 2019, considerando, tal como o fez o SP, apenas as duas obras da ... para efeitos desta estimativa, ainda assim o valor dos rendimentos estimados seria superior aos rendimentos já contabilizados no ano com respeito a empreitadas iniciadas em anos anteriores, como se pode confirmar pelo a seguir apresentado.

 

 

Estimando rendimentos de € 2.294.235,97, também superiores aos já contabilizados, mas, repare-se, muito semelhantes aos contabilizados no ano referentes às obras iniciadas antes de 2019, concluindo-se, assim, que a percentagem de acabamento apurada estará bem calculada.

Em resumo, apura-se que do ajustamento negativo de € 914.156,87 calculado pela A... em 2019 por diferença entre valores de rendimentos de 2019 e de 2018, apenas os € 53.470,97 respeitantes às obras iniciadas no ano são imputáveis ao exercício de 2019, sendo todo o montante restante (€ 860.685,90) imputável a anos(s) anterior(es), logo não dedutível fiscalmente para efeitos de apuramento do Resultado Tributável do exercício de 2019, por força do princípio da periodização económica plasmado no artº 18º do CIRC.

Parte deste valor (€ 698.468,20) corresponde à Variação Patrimonial Negativa deduzida ao Resultado pelo SP já analisada e objeto de proposta de correção, conforme consta do ponto V.1. deste relatório. O restante, no montante de € 215.688,67, foi deduzido ao rendimento contabilizado, considerado pelo SP como o ajustamento negativo a efetuar com base no rendimento estimado para o ano, o que já se comprovou padecer de inexatidões.

Perante tudo o que foi anteriormente exposto, conclui-se que a A... efetuou incorretamente um ajustamento negativo aos réditos já contabilizados no ano no valor de € 215.688,67, quando o correto, conforme se comprovou, seria apenas afetar negativamente a conta de rendimentos em € 53.470,97, para efeitos do disposto no artº 19º do CIRC.

Pelo que terá que ser efetuada uma correção fiscal aos rendimentos declarados pela A... em 2019 no montante dessa diferença, ou seja, em € 162.217,70, por força do disposto no artº 18º do CIRC.

Esta diferença, mesmo que em teoria tivesse sido contabilizada, relacionando-a com períodos anteriores, à semelhança dos € 698.468,20 em resultados transitados (ou até mesmo correções a exercícios anteriores), não seria passível de dedução ao resultado tributável do ano 2019, nos termos do art.º 24.º do CIRC (ou n.º 2 do art.º 18.º do CIRC), com os mesmos fundamentos amplamente explanados no ponto V.1. deste relatório.

  1. A Requerente optou por não exercer o seu direito de audição prévia;
  2. Em 08.05.2023, a Requerente foi notificada do Relatório de Inspeção Tributária (“RIT”) que contém o seguinte Parecer Emitido a 2023-05-05 pelo Chefe de Equipa:

O procedimento inspetivo interno, a que se refere o presente relatório teve a sua origem num procedimento de comprovação e verificação, visando a validação das deduções fiscais no Quadro 07 da modelo 22 de IRC para o ano 2019. Verificou-se que, nesse ano, no apuramento do resultado fiscal, o SP deduziu ao resultado líquido do exercício o valor de 698.468,20 euros, referente a Variações Patrimoniais Negativas não refletidas no RLE (campo 704 da mod.22). Concluiu-se da análise efetuada que aquele valor resultou de uma revisão promovida em 2019 pela própria empresa aos réditos reconhecidos em anos anteriores relativos a contratos de construção, determinados através do critério da percentagem de acabamento (art.º 19.º CIRC), tendo apurado um ajustamento negativo, o qual foi contabilizado em resultados transitados e integralmente deduzido em 2019. Conforme consta devidamente justificado neste relatório, conclui-se que, este ajustamento não é passível de influenciar o resultado tributável de 2019, por um lado por se imputável a anos anteriores em valor anual que não se consegue determinar, e baseado em factos que não eram à data manifestamente desconhecidos, e por se ter concluído não ser inócuo o facto de a dedução ser feita em 2019 ou em períodos anteriores. Verificou-se ainda que, relativamente aos réditos reconhecidos em 2019 relativos a contratos de construção, o SP procedeu a um ajustamento negativo de 215.688,67 euros, por ter considerado que esse rédito já teria sido reconhecido em anos anteriores, quando, apurámos que esse ajustamento apenas deveria ascender a 53.470,97 euros.

Assim, concordo com as correções meramente aritméticas em sede de IRC ao ano 2019.

1 Correções de natureza meramente aritmética:

- EM SEDE DE IRC – matéria tributável:

* Exercício de 2019

1.1. Dedução relativa a “Variação patrimonial negativa” não aceite na determinação do resultado tributável (não enquadrável nos art.ºs 17º, 18º, 19º e 24º do CIRC) … 698.468,20

1.2. Correção ao ajustamento do rédito no âmbito do método da percentagem de acabamento … 162.217,70 euros (art.º 17.º, 18.º e 19.º do CIRC)

O sujeito passivo foi notificado para, querendo, exercer no prazo de 15 dias, o direito de audição (artigos 60.º da LGT e artigo 60.º do RCPITA) relativamente ao respetivo Projeto de Relatório de Inspeção. Uma vez expirado o prazo limite estabelecido, conclui-se que o SP Não exerceu o direito de audição, nem manifestou a intenção de proceder à regularização da sua situação tributária, nos termos do n.º 1 e n.º 2 do artigo 58-A do RCPITA.

Assim, reiteram-se as conclusões do projeto de relatório e, nesses termos foi preenchido o documento de correção em sede de IRC para o exercício 2019, bem como, levantado o competente auto de notícia por contraordenação pelas infrações verificadas puníveis pelo n.º 1 do art.º 119.º do RGIT;

  1. A Requerente não exerceu o direito de audição prévia;
  2. Em 08.05.2023, a Requerente foi notificada do Relatório de Inspeção Tributária (“RIT”) que contém o seguinte Despacho do Chefe de Divisão:

Concordo.

Este relatório conclui o procedimento de inspeção nos termos do artº 62 º do RCPITA.

O SP não exerceu o direito de audição, previsto no artigo 60.º da LGT e no artigo 60.º do RCPITA, nem manifestou a intenção de proceder à regularização da sua situação tributária, nos termos do n.º 1 e n.º 2 do artigo 58.º do RCPITA. Conclui-se, portanto, pela manutenção das correções de natureza meramente aritméticas propostas no projeto de relatório, em sede de IRC, conforme consta do capítulo V do relatório.

Deste modo, altero, relativamente ao exercício em referência, nos montantes propostos neste relatório o resultado tributável (IRC), nos termos do n.º 3, do art.º 16.º do CIRC.

Dê-se andamento ao documento de correção emitido, bem como ao auto de notícia levantado.

O contribuinte deverá ser notificado nos termos do artigo 77º da LGT e do artigo 62º do RCPITA”.

  1. Em conformidade, a AT veio a emitir a liquidação adicional de IRC n.º 2023..., por referência ao período de tributação de 2019, e respetivos juros compensatórios e de mora, da qual resultou a demonstração de acerto de contas com o número 2023... com o valor total a pagar de € 62.964,46 e com data limite de pagamento de 12.07.2023;
  2. A Requerente efetuou, em 10 de julho de 2023, o pagamento integral da liquidação adicional de IRC.

 

III.2    Factos não Provados

 

Não existe outra factualidade alegada que não tenha sido considerada provada e que seja relevante para a composição da lide.

 

III.3    Fundamentação da matéria de facto

 

Relativamente à matéria de facto, o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (conforme artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3, do Código de Processo Civil [CPC], aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).

 

Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de direito (conforme anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao atual artigo 596.º, aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

 

Os factos foram dados como provados com base nos documentos juntos com o pedido de pronúncia arbitral e com o processo administrativo, nomeadamente o constante do PRIT e do RIT, não havendo controvérsia sobre eles.

 

  1. DA APRECIAÇÃO JURÍDICA

Está em causa nos presentes autos avaliar a conformidade com a lei, designadamente com o princípio da especialização do exercício previsto no artigo 18.º do CIRC, da correção efetuada pela Requerente no exercício de 2019, alegadamente motivada pela constatação de que os rendimentos derivados dos mapas de obras, segundo o método da percentagem de acabamento, referentes aos exercícios anteriores tinham sido erradamente sobrevalorizados e com valores acumulados substancialmente superiores à sua correta quantificação (principalmente em relação a duas obras – “...” e “...”).

 

Alega a Requerente que o princípio da especialização do exercício tem de ser matizado pelo princípio da justiça, previsto no artigo 266.º n.º 2 da Constituição e no artigo 55.º da LGT, defendendo que (i) “do erro de contabilização” não resultou qualquer prejuízo para o estado, (ii) a não consideração das correções geraria um injustificado enriquecimento da AT,                                   (iii) nos casos em que da alteração da imputação correta de gastos não advém qualquer vantagem fiscal, deverá presumir-se que a errada imputação não é intencional, sendo assim admissível. Alega ainda que a AT não demonstrou (como era seu ónus) que o erário público tenha sido diretamente prejudicado em resultado das correções contabilísticas realizadas.

 

As regras do ónus da prova previstas no artigo 74.º da LGT (que transpõem para o procedimento tributário as regras do ónus da prova previstas no artigo 342.º do Código Civil) devem ser conjugadas com as regras do artigo 75.º da LGT, que no seu n.º 1 determina: “Presumem-se verdadeiras e de boa-fé as declarações dos contribuintes apresentadas nos termos previstos na lei, bem como os dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade ou escrita, quando estas estiverem organizadas de acordo com a legislação comercial e fiscal, sem prejuízo dos demais requisitos de que depende a dedutibilidade dos gastos”.

 

Nos termos do artigo 75.º n.º 2 alínea (a) e alínea (b) da LGT, a presunção de verdade não se verifica quando “a) As declarações, contabilidade ou escrita revelarem omissões, erros, inexatidões ou indícios fundados de que não refletem ou impeçam o conhecimento da matéria tributável real do sujeito passivo; b) O contribuinte não cumprir os deveres que lhe couberem de esclarecimento da sua situação tributária, salvo quando, nos termos da presente lei, for legítima a recusa da prestação de informações;”.

 

No caso concreto, a própria Requerente alega que (i) registou erros na sua contabilidade, (ii)concluiu” que esses erros (a alegada inapropriada aplicação do método da percentagem de acabamento) resultaram no aumento do resultado contabilístico e tributável relativo a anos anteriores, e que (iii) “optou” por corrigir os alegados erros utilizando o método descrito no artigo 24.º da PI (método este que a própria Requerente criou).

Assim sendo, por aplicação do artigo 75.º n.º 2 da LGT cessa a presunção de verdade da declaração modelo 22 e da contabilidade da Requerente, passando a caber à Requerente o ónus da prova dos factos constitutivos do direito que invoca, no caso concreto, os factos constitutivos do seu direito (i) de aplicar, no exercício de 2019, a correção da alegada inapropriada aplicação do método da percentagem de acabamento nos anos anteriores a 2019, e (ii) de aplicar o método por si escolhido, por ser esse método o que permite o correto apuramento da matéria tributável real, e por permitir assegurar a justiça na tributação dos resultados obtidos pela Requerente nos diversos exercícios em causa.

 

Vide, no que respeita ao tema do ónus da prova, o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo proferido em 16­11­2016, no processo n.º 0600/15; que embora sendo de um tema distinto, o raciocínio aplicado pelo Tribunal é aplicável à situação em causa nos autos:

 

II ­ Para que a AT proceda à correcção do lucro tributável por desconsideração dos custos suportados por facturas existentes na escrita do contribuinte e relativamente às quais considera não se terem efectivamente realizado as operações nelas consubstanciadas, não tem de fazer prova da existência de acordo simulatório (existência de divergência entre a declaração e a vontade negocial das partes por força de acordo entre o declarante e o declaratário, no intuito de enganar terceiros – cfr. art. 240.o do CC) para satisfazer o ónus de prova que sobre si impende.

III ­ Basta à AT provar a factualidade que a levou a não aceitar esses custos, factualidade essa que tem de ser susceptível de abalar a presunção de veracidade das operações constantes da escrita do contribuinte e dos respectivos documentos de suporte, só então passando a competir ao contribuinte o ónus de prova do direito de que se arroga (o de exercer o direito de deduzir os custos ao lucro tributável) e que não é reconhecido pela AT, ou seja, o ónus de prova de que as operações se realizaram efectivamente e ocorrem os pressupostos de que depende o seu direito àquela dedução.

 

No caso concreto, a AT considerou (no RIT) que a Requerente não cumpriu o ónus de esclarecimento dos erros concretamente apurados (foram incapazes de dar a conhecer aos SIT (embora tenha sido diversas vezes solicitado ao longo do procedimento inspetivo) a origem e o momento (período de tributação) em que ocorreram os referidos erros contabilísticos (cfr. pág.17 e 18 do RIT)) e da correção do método encontrado para corrigir as incongruências apuradas; e na verdade, a Requerente não cumpriu igualmente esse ónus no PPA, dado que:

 

(i) não identifica concretamente os exercícios (anteriores a 2019) nos quais registou o alegado erro,

(ii) não quantifica, em cada exercício em causa, o ganho que a AT obteve (o IRC que a Requerente liquidou e pagou a mais, e que não deveria ter liquidado e pago); e

(ii) não demonstra que o método por si escolhido foi adequado para corrigir o alegado erro apurado (por permitir o correto apuramento da matéria tributável real obtida nos exercícios em causa, e assim assegurar a justiça na tributação da Requerente).

 

Sem que seja respeitado o ónus da prova destes elementos, é manifestamente impossí0vel determinar se efetivamente os alegados erros existem, se o método encontrado pela Requerente permite corrigir alguma injustiça, ou mesmo concluir pela existência de qualquer prejuízo (ou benefício) para o Estado. É, contudo, de realçar conforme refere a AT na sua Resposta, que em 2019 era possível à Requerente corrigir pelo menos os exercícios de 2017 e de 2018 e apresentar Reclamação Graciosa das liquidações de IRC relativas a 2017 e a 2018 (artigo 137.º do CIRC e artigo 131.º n.º 1 do CPPT), sendo este o meio processual adequado para a Requerente pedir o reembolso do IRC pago indevidamente.

 

Também conforme refere a AT na sua Resposta, o artigo 18.º n.º 2 do CIRC prevê: “2 — As componentes positivas ou negativas consideradas como respeitando a períodos anteriores só são imputáveis ao período de tributação quando na data de encerramento das contas daquele a que deviam ser imputadas eram imprevisíveis ou manifestamente desconhecidas”. Na situação em causa nos autos, não sabemos exatamente em que exercícios se registou o alegado erro e não sabemos também se na data do encerramento de cada um dos exercícios as componentes que a Requerente pretende considerar em 2019 como “Variação Patrimonial Negativa” “eram imprevisíveis ou manifestamente desconhecidas”. Sabemos, contudo, que a própria Requerente assume que se tratou de um erro (não de uma situação imprevisível ou manifestamente desconhecida), e que só foi detetado na sequência da mudança da gerência e da mudança do contabilista da Requerente.

 

Nas palavras do Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 25/06/2008, proferido no processo 0291/08:

O princípio da especialização económica dos exercícios traduz-se justamente em que devem ser considerados como custos de determinado exercício os encargos que economicamente lhe sejam imputáveis, sendo, em consequência, irrelevante o exercício em que se efectua o seu pagamento.

Assim, tal princípio, no seu extremo rigor, leva a que só possam ser imputados a cada ano os proveitos e custos nele verificados, independentemente dos respectivos recebimentos e pagamentos.

O princípio não pode, todavia, ser entendido com uma tal rigidez.

Como logo resulta do próprio texto legal.

Dispõe efectivamente o n.º 2 do predito artigo 18.º que “as componentes positivas ou negativas consideradas como respeitando a exercícios anteriores só são imputáveis ao exercício quando na data de encerramento das contas daquele a que deveriam ser imputadas eram imprevisíveis ou manifestamente desconhecidas”.

Ao contrário do que pretende a recorrente, não é esse, todavia, o caso dos autos.

Aí, como ela própria reconhece, o diferimento dos custos resultou de erro devido ao seu sistema informático pelo que, como refere a sentença, “sibi imputet”.

Pois que erros humanos não são imprevisíveis nem podem ser manifestamente desconhecidos.

Como bem refere o Exmo. Magistrado do Ministério Público, tal n.º 2 não pode cobrir erros contabilísticos ou actos do próprio contribuinte: “a norma há-de interpretar-se no sentido de que essa impossibilidade e/ou esse desconhecimento, para serem relevantes, hão-de decorrer de situações externas que o contribuinte não pode controlar. (...) Há, nesta situação, dois deveres a ponderar, ambos com cobertura legal: um é o de repor a verdade sobre a determinação da matéria colectável dos exercícios referidos, dando execução ao princípio da especialização, reposição essa que a administração fiscal deve efectuar mesmo que não lhe traga qualquer vantagem; outro é o de evitar que a actividade administrativa se traduza na criação de uma situação de injustiça.

Entre esses dois valores, designadamente nos casos em que a administração fiscal não teve qualquer prejuízo com o erro praticado pelo contribuinte, deve optar-se por não efectuar a correcção, limitando aquele dever de correcção por força do princípio da justiça.

 

Ainda no que respeita à conjugação do princípio da justiça com o princípio da especialização dos exercícios, o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, proferido em 07/09/2022, no processo n.º 0304/15.8BELLE diz-nos o seguinte:

 

Depois de, no n.º 1 do art. 18.º do CIRC (Tem-se, aqui, em conta a redação em vigor no ano/exercício de 2007. Em todo caso, no ano de 2013, embora com a atualização dos termos utilizados, o segmento coligido mantinha o mesmo espírito e alcance.) com a epígrafe (perene) da “Periodização do lucro tributável”, positivar, estabelecendo os respetivos contornos, “o princípio da especialização dos exercícios”, em cédula de IRC, que exige a imputação, nomeadamente, dos proveitos ao “exercício a que digam respeito”, nas duas alíneas do n.º 3 do mesmo normativo, o legislador disponibilizou critérios legais e adequados à aplicação, casuística, de tal princípio, com relação aos proveitos derivados de vendas e/ou de prestações de serviços; os dois núcleos centrais do exercício de atividade relevante por parte dos sujeitos passivos do versado imposto. Porém, mediante motivos ponderosos, sempre devidamente escrutinados e comprovados, como, por exemplo, os do tipo daqueles que são referenciados na parte final do n.º 2 do mesmo dispositivo legal (imprevisibilidade ou manifesto desconhecimento), é sustentável que tal regra, geral, suporte desvios e seja legitimamente possível reputar outras datas como as mais adequadas/conformes aos desígnios (O princípio da especialização dos exercícios, consagrado … no artigo 18.º, n.º 1 do CIRC e baseado no critério da imputação económica e não da imputação financeira dos proveitos e dos custos, diz-nos, como tem sido reiterado pela jurisprudência do STA, que “só podem ser imputados a cada ano os proveitos e custos nele verificados, independentemente dos respectivos recebimentos e pagamentos” (…), e ainda que o seu propósito é “tributar a riqueza gerada em cada exercício e daí que os respectivos proveitos e custos sejam contabilizados à medida que sejam obtidos e suportados, e não à medida que os respectivos recebimentos ou pagamentos ocorram” (...). Este princípio é o “informador material”, i. e., o pressuposto legitimador das opções normativas e das operações administrativas - baseadas no pressuposto rígido da necessidade de efectuar um corte temporal (anual) na sequência dinâmica que é o fluxo económico empresarial, tendo em vista o apuramento da situação económica do sujeito passivo para efeitos de liquidação do imposto sobre o rendimento – que hão-de permitir a imputação dos elementos positivos e negativos a quantificar no contexto da determinação do lucro tributável em IRC. A rigidez da regra – proveitos e custos cujos efeitos económicos se produziram naquele período, independentemente de serem ou não acompanhados dos correspectivos fluxos financeiros (por exemplo, contabilizam-se, como proveitos, vendas cujos pagamentos ainda não foram recebidos e, como custos, despesas que ainda não foram pagas) – é a única forma praticável de, com a segurança jurídica necessária, imprimir um tratamento igualitário a todos os sujeitos passivos, cumprindo, igualmente, o princípio da tributação objectiva pelo rendimento real. (…) – cf. acórdão, do STA, de 27 de outubro de 2021 (610/15.1BELRA). prosseguidos com a consagração do princípio inicialmente coligido, para se considerarem como as da realização de proveitos suscetíveis de tributação em IRC.

Expressos estes pressupostos e sem deixar de ter presente que a disciplina jurídica acabada de delinear, nos seus traços essenciais, deve resplandecer da mesma forma na perspetiva/atuação da AT e de cada sujeito passivo/contribuinte, em função da factualidade apurada e conformadora da concreta situação versada nestes autos, julgamos apropriado levar a cabo o seguinte tratamento jurídico. (...)

Aliás, esta transversalidade permite que entendamos o princípio em apreço como, fundamentalmente, uma ideia de justiça, no sentido de algo imanente a qualquer relação jurídico-tributária e que deve/tem de operar como último garante da obtenção de um resultado justo, que, com objetividade, defenda, salvaguarde, os interesses, público e privado, potencialmente, conflituantes, supra coligidos, tanto em ambiente gracioso, como contencioso. Assim, a circunstância de, in casu, a AT não haver, expressamente, aduzido o princípio da justiça (Mas, sem deixar de apelar a uma ideia de justiça, quando, por exemplo, no relatório de inspeção tributária se expende: «Podemos então concluir a este respeito que, em ambas as situações anteriormente mencionadas, a comissão objeto da presente análise seria sempre considerada como uma componente positiva do resultado líquido do exercício de 2013, pelo que o seu não reconhecimento constitui um benefício ilegítimo em sede de tributação de IRC. ») em apoio da correção que propôs e conduziu à liquidação adicional impugnada, apresenta-se-nos incapaz de provocar os efeitos invocados, pela rte, na conclusão 15). O tribunal recorrido, ainda que, no âmbito de um “contencioso de mera legalidade” não estava cerceado na capacidade de enquadrar, juridicamente, da forma mais acertada e pertinente, a realidade factual com que foi confrontado, objetivando alcançar a justiça material, do caso concreto; isto é, aqui, foi respeitado o limite, intransponível, de ser tratada a situação/realidade, com repercussões tributárias, encontrada pelos serviços da AT, com a concretização de que a solução avançada para corrigir os desvios registados (tributação adicional) merecia a cobertura do, nominado, princípio da justiça, igualmente, presente e norteador da atuação dos órgãos jurisdicionais nacionais (Quanto à violação, pela sentença, do disposto no art. 77.º n.º 1 da LGT, é de reputar improcedente, desde logo, pela consideração, singela, de que o normativo invocado visa regular a fundamentação das decisões de procedimento (administrativo-tributário).

Antes de decidir, importa manifestar a nossa incapacidade (que a alegação, da rte, não favorece) em identificar como a interpretação dos arts. 266.º n.º 2 da CRP e 55.º da LGT, efetivada na sentença recorrida, “permite legitimar uma liquidação de imposto, em derrogação das normas do artº 18º do CIRC e do artº 45º da LGT” e se traduz na violação dos princípios constitucionais elencados na conclusão 14). Efetivamente, o julgador limitou-se ao apontamento, sem qualquer pronúncia sobre o correspondente conteúdo jurídico-constitucional, da previsão constitucional/legal do princípio da justiça, que entendeu aplicável nesta situação, como suporte para impedir a pretensão, da impugnante, de a enquadrar nos identificados normativos e obter resultado (a não tributação de um proveito), flagrantemente, injusto. Por outras palavras, a operação do princípio da justiça, presentes os específicos aspetos da situação versada, constituiu não uma derrogação daquelas normas, mas, o derradeiro recurso para evitar o seu funcionamento como legitimador de uma, objetiva, evasão fiscal

 

Pelos fundamentos expostos, a Requerente não trouxe aos autos elementos suficientes que permitam a este Tribunal concluir pela necessidade de uma correção do princípio da especialização do exercício (previsto no artigo 18.º do CIRC) pelo princípio da justiça.

 

No mesmo sentido, e pelos mesmos fundamentos, o Tribunal não pode avaliar a correção do cálculo do rédito imputado ao exercício de 2019. Para que o Tribunal pudesse concluir pela correção ou incorreção do método escolhido pela Requerente, o Tribunal teria de ter pelo menos informação sobre os exercícios em que o alegado erro se registou e sobre a quantificação do alegado erro em cada um dos exercícios a considerar.

 

A Requerente não forneceu esses elementos no âmbito do procedimento de inspeção tributária, nem no PPA; sendo de estranhar que tendo a Requerente na sua posse todo o histórico da contabilidade das obras que desenvolve, tenha de recorrer a uma “estimativa simples e de fácil perceção através da média histórica conhecida mais recente e de grandeza significativa das 2 obras encerradas nesse mesmo ano” para apurar a parte da diferença entre o valor total real e o contabilizado em 2018, imputável a 2019.

 

No que respeita ao último argumento (violação do princípio da tributação do lucro real), sem dúvida que o legislador reconhece aos contribuintes o direito de corrigir os erros apurados na sua contabilidade, logo que esses erros sejam detetados. Contudo, essa correção terá de ser feita com respeito pelas regras e pelos procedimentos legais, devendo o contribuinte (i) lançar mão dos meios processuais adequados para repor a legalidade da sua situação, e (ii) cumprir o ónus da prova da factualidade que pretende alegar, designadamente identificando os exercícios em que o erro se registou, quantificando esse erro e a tributação indevida a que deu origem — por forma permitir à AT, e posteriormente ao Tribunal, comprovar a efetiva existência do erro e das respetivas consequências, por forma a concluir da adequação (ou não) do método escolhido para a necessária correção.

 

No caso concreto, a Requerente não cumpriu o ónus referido supra no procedimento de inspeção tributária, nem no PPA. Assim sendo, sem prova efetiva de que os alegados rendimentos tributados em 2019 já haviam sido tributados em anos anteriores (com prova do ano em questão e da tributação suportada), o Tribunal não pode concluir pela existência efetiva de uma dupla tributação.

 

Termos em que, o PPA deve ser julgado totalmente improcedente por não provado, caindo por conseguinte também o pedido da Requerente a juros indemnizatórios, mantendo-se o ato impugnado no ordenamento jurídico com as demais consequências legais.

   

  1. DECISÃO

   

Termos em que, decide este Tribunal:

  1. Declarar totalmente improcedente o presente PPA, e
  2. Condenar a Requerente no pagamento das custas do processo.

    

  1.     VALOR DO PROCESSO

  

Em conformidade com o disposto no artigo 306.º n.º 2 do CPC, no artigo 97.º-A n.º 1 alínea a) do CPPT, e no artigo 3.º n.º 2 do Regulamento das Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, é fixado ao processo o valor de EUR 72 861,04.

   

  1. CUSTAS

  

O montante das custas (a cargo da Requerente) é fixado em EUR 2 448,00 (nos termos do disposto no artigo 12.º n.º 2 e no artigo 22.º n.º 4 do RJAT, e na Tabela I anexa do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária).

  

Notifique-se.

   

15 de abril de 2024.

 

Rui Duarte Morais

(Presidente)

 

 

José Joaquim Sampaio e Nora

(Vogal)

 

Elisabete Flora Louro Martins Cardoso

(Vogal e Relatora)