SUMÁRIO:
I – Estando em causa liquidações de IRC por retenção na fonte a título definitivo, relativamente às quais se colocam questões exclusivamente de Direito, conclui-se pela desnecessidade de recurso à reclamação graciosa prevista nos artigos 131.º a 133.º, do CPPT, como condição sine qua non da ação arbitral.
II – “O artigo 63.º TFUE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação de um Estado-Membro por força da qual os dividendos distribuídos por sociedades residentes a um organismo de investimento coletivo (OIC) não residente são objeto de retenção na fonte, ao passo que os dividendos distribuídos a um OIC residente estão isentos dessa retenção”.
III – A amplitude do direito a juros indemnizatórios em caso de pedido de revisão oficiosa não é tão abrangente como a que decorre do n.º 1 do artigo 43.º, da LGT, enquadrando-se na alínea c) do n.º 3 do mesmo artigo, caso tenha decorrido mais de um ano sobre a data do pedido de revisão oficiosa.
DECISÃO ARBITRAL
Os árbitros, Fernando Araújo (presidente), Mariana Vargas e Ana Rita do Livramento Chacim (vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral Coletivo, acordam no seguinte:
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RELATÓRIO
A..., organismo de investimento coletivo em valores mobiliários (OIC) constituído e a operar no Grão-Ducado do Luxemburgo, com sede em ..., L..., Grão-Ducado do Luxemburgo, com o NIF..., representado pela sua entidade gestora B..., SA, com sede na mesma morada, Grão-Ducado do Luxemburgo, contribuinte fiscal luxemburguês n.º ...(doravante designado por Requerente) veio, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 10.º, n.ºs 1, alínea a) e 2, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), requerer a constituição de Tribunal Arbitral, em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (adiante AT ou Requerida), não tendo utilizado a faculdade de designar árbitro.
O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Ex.mo Senhor Presidente do CAAD em 11 de setembro de 2023 e automaticamente notificado à AT, na mesma data.
Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º, do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º, da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico designou os signatários como árbitros do Tribunal Arbitral Coletivo, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável, sem oposição das Partes.
A. Objeto do pedido:
O Requerente pretende a declaração de ilegalidade e a consequente anulação do indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa das liquidações de IRC – retenção na fonte –, da quantia de € 196 350,00, efetuadas em 2019 aquando da colocação à sua disposição de dividendos decorrentes de participações detidas em sociedades residentes em território português e entregues pelo substituto tributário nos cofres do Estado através da guia de pagamento n.º ..., de 21 de junho de 2019, bem como das mesmas liquidações, com a inerente restituição do imposto indevidamente retido, acrescido de juros indemnizatórios.
B. Fundamentação do pedido:
O pedido vem alicerçado nos factos e razões jurídicas que, sucintamente, se reproduzem:
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O Requerente, com sede e direção efetiva no Grão-Ducado do Luxemburgo, é um OIC constituído e a operar naquele Estado Membro da União Europeia ao abrigo da legislação que transpõe para a ordem jurídica luxemburguesa a Diretiva 2009/65/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de julho de 2009.
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O Requerente cumpre, no seu Estado de residência e constituição, exigências equivalentes às estabelecidas na legislação portuguesa que regula a atividade dos OIC, também em transposição da referida Diretiva – a Lei n.º 16/2015, de 24 de fevereiro.
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Em 2019, o Requerente auferiu dividendos distribuídos por sociedades comerciais com residência fiscal em território português, os quais foram sujeitos a tributação em sede de IRC, através de retenção na fonte liberatória, por força do disposto nos artigos 4.º, n.º 2, 94.º, n.º 1, alínea c), 3, alínea b), e 87.º, n.º 4, do CIRC.
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No dia 13 de fevereiro de 2023, o Requerente apresentou pedido de revisão oficiosa das referidas liquidações de IRC, nos termos do disposto nos artigos 78.º, n.º 1, da LGT, e 137.º, do CIRC, sustentando que os dividendos de fonte portuguesa por si auferidos não devem ser tributados em sede de IRC, ao abrigo do disposto no artigo 22.º, n.ºs 1, 3 e 10, do EBF, sob pena de a sua tributação consubstanciar uma discriminação injustificada entre OIC residentes e não residentes em Portugal, contrária ao princípio da livre circulação de capitais (artigo 63.º do TFUE) e ao princípio do primado do Direito da União Europeia (artigo 8.º, n.º 4, da CRP).
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Tanto mais que, estando isento de imposto luxemburguês sobre os rendimentos das pessoas coletivas, não foi possível ao Requerente neutralizar a tributação dos referidos dividendos em Portugal através do crédito de imposto previsto no artigo 24.º, n.º 2, da CEDT Portugal/Luxemburgo.
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Considera o Requerente que o regime estabelecido no artigo 22.º, n.ºs 1, 3 e 10, do EBF, ao restringir a dispensa de retenção na fonte e a exclusão de tributação em sede de IRC aos dividendos auferidos por OIC residentes em Portugal, discrimina os OIC residentes noutros Estados Membros da União Europeia, não obstante tais entidades não residentes serem constituídas e operarem em condições equivalentes às previstas na legislação portuguesa, ao abrigo da Diretiva 2009/65/CE.
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Assim, esta diferença de tratamento fiscal constitui uma discriminação em violação da livre circulação de capitais prevista no artigo 63.º do TFUE, uma vez que o Requerente se encontra numa situação objetivamente comparável à dos OIC residentes.
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Efetivamente, considera que a situação na qual uma sociedade portuguesa paga dividendos a um OIC residente em Portugal é comparável à situação que está na origem dos presentes autos, em que esses dividendos foram pagos ao Requerente, na sua qualidade de OIC acionista de sociedades residentes em Portugal, constituído e a operar ao abrigo da Diretiva 2009/65/CE, residente no Grão-Ducado do Luxemburgo.
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Entende o Requerente ser o pedido de revisão oficiosa das liquidações de IRC – retenção na fonte –, o meio idóneo para apreciação, pela via administrativa, da legalidade das mesmas, abrindo o indeferimento tácito daquele procedimento tributário lugar à via contenciosa.
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Por isso, o Requerente sustentou no pedido de revisão oficiosa das referidas liquidações, apresentado em13 de fevereiro de 2023, que os dividendos de fonte portuguesa por si auferidos não devem ser tributados em sede de IRC, ao abrigo do disposto no artigo 22.º, n.ºs 1, 3 e 10, do EBF, sob pena de violação do princípio da livre circulação de capitais ínsito no artigo 63.º do TFUE e, consequentemente, do princípio do primado do Direito da União Europeia consagrado no artigo 8.º, n.º 4, da CRP.
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Decorridos mais de quatro meses sobre a data de apresentação do referido pedido de revisão oficiosa das liquidações de IRC – retenção na fonte sobre os dividendos que lhe foram pagos no ano de 2019, o Requerente não tinha, à data do pedido de pronúncia arbitral, sido ainda notificado da decisão final do procedimento, entendendo, assim, verificar-se uma situação de indeferimento tácito.
Termina o Requerente por pedir que seja declarada a ilegalidade das liquidações de IRC por retenção na fonte efetuadas em 2019, por vício de violação de lei, consubstanciado na violação do princípio da livre circulação de capitais previsto no artigo 63.º do TFUE e, consequentemente, do artigo 8.º, n.º 4, da CRP, com a condenação da Requerida no pagamento de juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43.º, n.º 1, alínea d), da LGT, a calcular sobre o montante de € 196 350,00 indevidamente pago, bem assim nas custas do processo arbitral, tudo com as demais consequências legais.
C. Resposta da Requerida:
Notificada nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 17.º, do RJAT, a Requerida, em 8 de janeiro de 2024, apresentou Resposta em que se defendeu por exceção e por impugnação, com os seguintes fundamentos:
Defesa por exceção:
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Nos termos do disposto no artigo 2.º, alínea a) da Portaria nº 112/2011, de 22 de março, a AT vinculou-se à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD que tenham por objeto a apreciação de pretensões relativas a impostos cuja administração lhe esteja cometida, referidas no n.º 1 do artigo 2.º, do RJAT, “com excepção de pretensões relativas à declaração de ilegalidade de actos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa, nos termos dos artigos 131º a 133º do Código de Procedimento e de Processo Tributário.”.
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O Requerente – na qualidade de substituído tributário, pede que o Tribunal Arbitral aprecie, pela primeira vez, as retenções na fonte efetuadas pelo substituto tributário. sem que tenha desencadeado procedimento de reclamação graciosa nos termos do artigo 132.º do CPPT, situação esta que está fora da vinculação da AT à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD.
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O procedimento administrativo de revisão oficiosa não pode substituir a reclamação graciosa prevista no artigo 132.º, do CPPT, ainda para mais quando o recurso ao mesmo é feito para além do prazo de dois anos previsto no n.º 1 daquele artigo.
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Não tendo o pedido de anulação das retenções na fonte sido precedido, em prazo, de reclamação graciosa necessária, o Tribunal Arbitral carece de competência para apreciar sobre a (i)legalidade das mesmas, ainda que a Requerente tenha apresentado um pedido de revisão oficiosa no prazo de 4 anos, o que se impõe por força dos princípios constitucionais do Estado de direito e da separação dos poderes (cf. artigos 2.º e 111.º, ambos da CRP), bem como da legalidade (cf. artigos 3.º, n.º 2 e 266.º, n.º 2, ambos da CRP), como corolário do princípio da indisponibilidade dos créditos tributários ínsito no artigo 30.º, n.º 2 da LGT, que vinculam o legislador e toda a atividade da AT.
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Ainda que assim não se entenda, mantém-se a impossibilidade, por incompetência material, do Tribunal Arbitral para o conhecimento in casu, da (i)legalidade das retenções na fonte.
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As retenções na fonte não foram efetuadas pela AT e a AT nunca se pronunciou sobre a (i)legalidade de tais retenções.
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Estando-se perante um indeferimento tácito, sobre o qual a AT não tomou posição expressa, não se retira do pedido de revisão oficiosa que a requerente tenha invocado erro de direito imputável à AT, ou que, tendo-o invocado, o comprove, invocando, designadamente, que as retenções na fonte se deveram a orientações ou instruções da AT.
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O que se retira do pedido apresentado é que as retenções na fonte terão sido feitas conformes à lei e que o cumprimento desta importa, no entender da Requerente, uma restrição discriminatória ao princípio da livre circulação de capitais, contrária ao artigo 63.º, do TFUE.
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Nos termos do artigo 78.º, da LGT, são diferentes os prazos e os fundamentos da revisão do ato tributário, consoante esta seja efetuada pelo sujeito passivo ou pela AT: no caso da revisão dos atos tributários ser efetuada por iniciativa do sujeito passivo, o pedido terá que ser apresentado no prazo da reclamação administrativa, sendo de quatro anos quando a iniciativa cabe à AT, servindo apenas para os casos de erro imputável aos serviços.
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Assim, sempre que o contribuinte opte pelo pedido de revisão, como ocorre no caso presente, não tem quatro anos para o fazer, mas o prazo da reclamação graciosa.
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Por outro lado, a decisão proferida em sede de procedimento de revisão pode, ou não, comportar a apreciação da legalidade do ato de liquidação e, no caso concreto, o ato de indeferimento do pedido de revisão oficiosa é um ato silente, na medida em que foi apenas por efeito da passagem do tempo que se ficcionou a existência de um indeferimento tácito, para efeitos de impugnação arbitral.
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Ora, tal indeferimento pode consubstanciar e, no caso, teria obrigatoriamente que se reportar a um indeferimento por extemporaneidade.
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O Tribunal Arbitral deverá analisar dos pressupostos de aplicação do mecanismo da revisão oficiosa, uma vez que este não é interposto para a apreciação direta e nem indireta de uma liquidação adicional, mas apenas para a apreciação de um indeferimento de um pedido de revisão oficiosa.
Por impugnação:
A Requerida impugna todos os factos invocados pelo Requerente e, quanto ao pedido de juros indemnizatórios, alega que estes nunca serão devidos nos termos peticionados, porquanto a alínea c) do n.º 3 do artigo 43.º, da LGT, determina que são devidos juros indemnizatórios quando a revisão do ato tributário por iniciativa do contribuinte se efetuar mais de um ano após o pedido deste, salvo se o atraso não for imputável à administração tributária.
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Pelo Despacho arbitral de 9 de janeiro de 2024, foi o Requerente notificado para, no prazo de dez dias, se pronunciar, querendo, sobre a matéria de exceção contida na resposta da Autoridade Tributária e Aduaneira.
Em 22 de janeiro de 2024, deu entrada no CAAD o requerimento em que o Requerente respondeu à matéria de exceção, defendendo, com amparo em jurisprudência dos Tribunais Superiores e dos Tribunais Arbitrais, não se verificar a exceção invocada pela Requerida, e concluindo pela competência deste Tribunal Arbitral para conhecer do subjacente aos presentes autos.
Nos termos do Despacho Arbitral de 29 de janeiro de 2024, não havendo lugar à produção de prova adicional e assegurado o contraditório sobre a matéria de exceção, foi dispensada a reunião a que se refere o artigo 18.º, do RJAT, convidando-se as Partes à produção de alegações escritas no prazo de 10 dias sucessivos, com início no Requerente, notificando-se esta para, até 20 de maio de 2024, data previsível para prolação da decisão final, pagar o remanescente da taxa de arbitragem até essa data, dando cumprimento ao disposto no artigo 4.º, n.º 4 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.
O Requerente apresentou em 14 de fevereiro de 2024 alegações escritas, nas quais reiterou os argumentos aduzidos, quer em sede do pedido de pronúncia arbitral, quer no contraditório exercido sobre a matéria de exceção suscitada.
A Requerida não contra-alegou.
II. SANEAMENTO
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O Tribunal Arbitral Coletivo foi regularmente constituído em 20 de novembro de 2023, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro.
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As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e do artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.
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O processo não padece de vícios que o invalidem.
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Na sua Resposta, vem a Autoridade Tributária e Aduaneira defender-se por exceção, invocando a incompetência do Tribunal Arbitral para apreciação da legalidade das liquidações de Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC) – Retenções na fonte, face disposto no artigo 2.º, alínea a), da Portaria nº 112/2011, de 22 de março, nos termos do qual a AT se vinculou à jurisdição dos tribunais arbitrais, que tenham por objeto a apreciação de pretensões relativas a impostos cuja administração lhe esteja cometida, referidas no n.º 1 do artigo 2.º do RJAT, “com excepção de pretensões relativas à declaração de ilegalidade de actos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa, nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário.”
Mais defende a AT que, ainda que assim se não entenda, tendo o presente pedido de pronúncia arbitral sido apresentado na sequência da presunção de indeferimento tácito de um pedido de revisão oficiosa das referidas liquidações de IRC, sempre caberá invocar a intempestividade do pedido de revisão oficiosa desencadeado pelo Requerente, após o decurso do prazo de reclamação, previsto nos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário.
Cumpre apreciar e decidir.
No que respeita à competência dos Tribunais Arbitrais que funcionam sob a égide do CAAD, foi decidido, entre outros, no Acórdão Arbitral proferido no processo n.º 124/2018-T, conforme o extrato que, com a devida vénia, se transcreve:
“A competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD é, em primeiro lugar, limitada às matérias indicadas no artigo 2.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (RJAT).
Numa segunda linha, a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no
CAAD é também limitada pelos termos em que Administração Tributária foi vinculada àquela jurisdição pela Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, pois o artigo 4.º do RJAT estabelece que «a vinculação da administração tributária à jurisdição dos tribunais constituídos nos termos da presente lei depende de portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da justiça, que estabelece, designadamente, o tipo e o valor máximo dos litígios abrangidos».
Em face desta segunda limitação da competência dos tribunais arbitrais que
funcionam no CAAD, a resolução da questão da competência depende essencialmente dos termos desta vinculação, pois, mesmo que se esteja perante uma situação enquadrável naquele artigo 2.º do RJAT, se ela não estiver abrangida pela vinculação estará afastada a possibilidade de o litígio ser jurisdicionalmente decidido por este Tribunal Arbitral.
Na alínea a) do artigo 2.º desta Portaria n.º 112-A/2011, excluem-se expressamente do âmbito da vinculação da Administração Tributária à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD as «pretensões relativas à declaração de ilegalidade de actos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário».
A referência expressa ao precedente «recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário» deve ser interpretada como reportando-se aos casos em que tal recurso é obrigatório, através da reclamação graciosa, que é o meio administrativo indicado naqueles artigos 131.º a 133.º do CPPT, para que cujos termos se remete. Na verdade, desde logo, não se compreenderia que, não sendo necessária a impugnação administrativa prévia «quando o seu fundamento for exclusivamente matéria de direito e a autoliquidação tiver sido efectuada de acordo com orientações genéricas emitidas pela administração tributária» (artigo 131.º, n.º 3, do CPPT, aplicável aos casos de retenção na fonte, por força do disposto no n.º 6 do artigo 132.º do mesmo Código), se fosse afastar a jurisdição arbitral por essa impugnação administrativa, que se entende ser desnecessária, não ter sido efectuada.
(…)
Assim, importa, antes de mais, esclarecer se a declaração de ilegalidade de actos de indeferimento de pedidos de revisão do acto tributário, previstos no artigo 78.º da LGT, se inclui nas competências atribuídas aos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD pelo artigo 2.º do RJAT.
Na verdade, neste artigo 2.º não se faz qualquer referência expressa a estes actos, ao contrário do que sucede com a autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, que refere os «pedidos de revisão de actos tributários» e «os actos administrativos que comportem a apreciação da legalidade de actos de liquidação».
No entanto, a fórmula «declaração de ilegalidade de actos de liquidação de
tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta», utilizada na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do RJAT não restringe, numa mera interpretação declarativa, o âmbito da jurisdição arbitral aos casos em que é impugnado directamente um acto de um daqueles tipos. Na verdade, a ilegalidade de actos de liquidação pode ser declarada jurisdicionalmente como corolário da ilegalidade de um acto de segundo grau, que confirme um acto de liquidação, incorporando a sua ilegalidade.
A inclusão nas competências dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD dos casos em que a declaração de ilegalidade dos actos aí indicados é efectuada através da declaração de ilegalidade de actos de segundo grau, que são o objeto imediato da pretensão impugnatória, resulta com segurança da referência que naquela norma é feita aos actos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta, que expressamente se referem como incluídos entre as competências dos tribunais arbitrais.
(…)
Obtida a conclusão de que a fórmula utilizada na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do RJAT não exclui os casos em que a declaração de ilegalidade resulta da ilegalidade de um acto de segundo grau, ela abrangerá também os casos em que o acto de segundo grau é o de indeferimento de pedido de revisão do acto tributário, pois não se vê qualquer razão para restringir, tanto mais que, nos casos em que o pedido de revisão é efectuado no prazo da reclamação graciosa, ele deve ser equiparado a uma reclamação graciosa.
(…)
Neste contexto, permitindo a lei expressamente que os contribuintes optem pela reclamação graciosa ou pela revisão oficiosa de actos de autoliquidação e retenção na fonte e sendo o pedido de revisão oficiosa formulado no prazo da reclamação graciosa perfeitamente equiparável a uma reclamação graciosa, como se referiu, não pode haver qualquer razão que possa explicar que não possa aceder à via arbitral um contribuinte que tenha optado pela revisão do acto tributário em vez da reclamação graciosa.
Por isso, é de concluir que os membros do Governo que emitiram a Portaria n.º 112-A/2011, ao fazerem referência aos artigos 131.º a 133.º do CPPT, disseram
imperfeitamente o que pretendiam, pois, pretendendo impor a apreciação administrativa prévia à impugnação contenciosa de actos dos tipos referidos, acabaram por incluir referência aos artigos 131.º a 133.º que não esgotam as possibilidades de apreciação administrativa desses actos.
(…)
Por isso, para além da proibição geral de interpretações limitadas à letra da lei que consta do artigo 9.º, n.º 1, do Código Civil, no específico caso da alínea a) do artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011 há uma especial razão para não se justificar grande entusiasmo por uma interpretação literal, que é o facto e a redacção daquela norma ser manifestamente defeituosa.
Para além disso, assegurando a revisão do acto tributário a possibilidade de
apreciação da pretensão do contribuinte antes do acesso à via contenciosa que se pretende alcançar com a impugnação administrativa necessária, a solução mais acertada, porque é a mais coerente com o desígnio legislativo de «reforçar a tutela eficaz e efectiva dos direitos e interesses legalmente protegidos dos contribuintes» manifestado no n.º 2 do artigo 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril, é a admissibilidade da via arbitral para apreciar a legalidade de actos de liquidação previamente apreciada em procedimento de revisão.
E, por ser a solução mais acertada, tem de se presumir ter sido normativamente adoptada (artigo 9.º, n.º 3, do Código Civil).
Por outro lado, contendo aquela alínea a) do artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011 uma fórmula imperfeita, mas que contém uma expressão abrangente «recurso à via administrativa», que potencialmente referencia também a revisão do acto tributário, encontra-se no texto o mínimo de correspondência verbal, embora imperfeitamente expresso, exigido por aquele n.º 3 do artigo 9.º para a viabilidade da adopção da interpretação que consagre a solução mais acertada.
É de concluir, assim, que o artigo 2.º alínea a) da Portaria n.º 112-A/2011,
devidamente interpretado com base nos critérios de interpretação da lei previstos no artigo 9.º do Código Civil e aplicáveis às normas tributárias substantivas e adjectivas, por força do disposto no artigo 11.º, n.º 1, da LGT, viabiliza a apresentação de pedidos de pronúncia arbitral relativamente a actos de retenção na fonte que tenham sido precedidos de pedido de revisão oficiosa.
(…)
Improcede, assim, esta excepção de incompetência, derivada de não ter sido apresentada reclamação graciosa dos actos de retenção na fonte.”
Estando em causa nos presentes autos liquidações de IRC por retenção na fonte a título definitivo, relativamente às quais se colocam questões exclusivamente de Direito, conclui-se pela desnecessidade de recurso à reclamação graciosa prevista nos artigos 131.º a 133.º, do CPPT, como condição sine qua non da ação arbitral.
Contudo, salienta a AT que o facto de, no caso concreto, o pedido de revisão oficiosa das liquidações de IRC – retenções na fonte do ano de 2019 – , não ter sido objeto de qualquer decisão administrativa, antes consubstanciando um ato silente, “na medida em que foi apenas por efeito da passagem do tempo que se ficcionou a existência de um indeferimento tácito”, obriga a que o Tribunal Arbitral deva aferir da verificação dos pressupostos de aplicação do mecanismo da revisão oficiosa, uma vez que o Requerente não prova a existência de qualquer erro de direito imputável à AT, que justificasse a revisão da liquidação.
Sobre esta temática se pronunciou já, reiteradamente, o Supremo Tribunal Administrativo, designadamente no Acórdão proferido em 9 de novembro de 2022 no processo n.º 087/22.5BEAVR, em que se decidiu:
“I - Mesmo depois do decurso dos prazos de reclamação graciosa e de impugnação judicial, a Administração Tributária tem o dever de revogar actos de liquidação de tributos que sejam ilegais, nas condições e com os limites temporais referidos no art. 78.º da L.G.T.
II - O dever de a Administração efectuar a revisão de actos tributários, quando detectar uma situação de cobrança ilegal de tributos, existe em relação a todos os tributos, pois os princípios da justiça, da igualdade e da legalidade, que a administração tributária tem de observar na globalidade da sua actividade (art. 266.º, n.º 2, da C.R.P. e 55.º da L.G.T.), impõem que sejam oficiosamente corrigidos, dentro dos limites temporais fixados no art. 78.º da L.G.T., os erros das liquidações que tenham conduzido à arrecadação de quantias de tributos que não são devidas à face da lei.
III - A revisão do acto tributário com fundamento em erro imputável aos serviços deve ser efectuada pela Administração tributária por sua própria iniciativa, mas, como se conclui do n.º 7 do art. 78º da L.G.T., o contribuinte pode pedir que seja cumprido esse dever, dentro dos limites temporais em que Administração tributária o pode exercer.
IV - O indeferimento, expresso ou tácito, do pedido de revisão, mesmo nos casos em que não é formulado dentro do prazo da reclamação administrativa, mas dentro dos limites temporais em que a Administração tributária pode rever o acto com fundamento em erro imputável aos serviços, pode ser impugnado contenciosamente pelo contribuinte [art. 95.º, n.ºs 1 e 2, alínea d), da L.G.T.].
V - A formulação de pedido de revisão oficiosa do acto tributário pode ter lugar relativamente a actos de retenção na fonte, independentemente de o contribuinte ter deduzido reclamação graciosa nos termos do artº 132.º do CPPT, pois esta é necessária apenas para efeitos de dedução de impugnação judicial.
VI - O meio procedimental de revisão do acto tributário não pode ser considerado como um meio excepcional para reagir contra as consequências de um acto de liquidação, mas sim como um meio alternativo dos meios impugnatórios administrativos e contenciosos (quando for usado em momento em que aqueles ainda podem ser utilizados) ou complementar deles (quando já estiverem esgotados os prazos para utilização dos meios impugnatórios do acto de liquidação).
VII – Assim, nos casos como o dos autos, em que há lugar a retenção da fonte, a título definitivo, de quantias por conta de imposto de selo, cobrado no âmbito de operações de concessão de crédito, e suportado pelas Recorrentes, o erro sobre os pressupostos de facto e de direito dessa retenção é susceptível de configurar “erro imputável aos serviços”, para efeitos de apresentação, no prazo de 4 anos, do pedido de revisão dos atos tributários, nos termos do nº1 do artigo 78º da Lei Geral Tributária.”.
Entendeu o Venerando Supremo Tribunal Administrativo no Acórdão citado e na esteira da sua anterior jurisprudência firmada que
“desde que o erro não seja imputável a conduta negligente do sujeito passivo, será imputável à Administração Tributária” e que
“Assim, há que ter em conta que in casu estamos perante uma situação de substituição tributária, realizada através do mecanismo de retenção na fonte, em que não há intervenção do contribuinte, e em que o substituto actua por imposição legal.
(…)
Por fim, não advém da sentença recorrida que os actos de retenção e cobrança do imposto tenham sido despoletados ou originados com base em elementos erróneos indicados pelo sujeito passivo.
Neste conspecto, propendemos a considerar que em tal situação se justifica que os erros praticados no acto de retenção sejam imputáveis à Administração Tributária, para efeitos do disposto no nº1 do artigo 78º da LGT, pois se afigura inviável responsabilizar o contribuinte pela actuação do substituto, sob pena de violação dos seus direitos garantísticos.”.
Também no caso dos autos e não obstante o pedido de revisão oficiosa ter sido apresentado para além do prazo da reclamação administrativa, mas dentro do prazo em que a AT poderia ter revisto os atos de retenção na fonte indevida, estamos perante uma situação de substituição tributária, concretizada através de retenção na fonte a título definitivo, em que não houve intervenção do Requerente, e em que o substituto atuou por imposição legal, devendo o erro na retenção na fonte ser imputado aos serviços.
Em face de todo o exposto, é de concluir pela admissibilidade do pedido de revisão oficiosa das liquidações de IRC – retenção na fonte, dentro do prazo e com os fundamentos previstos no n.º 1 – 2.ª parte, do artigo 78.º, da LGT, independentemente de tal pedido ter sido expressa ou tacitamente indeferido, bem como pela arbitrabilidade da pretensão do Requerente e, consequentemente, pela improcedência da exceção da incompetência deste Tribunal Arbitral para dirimir o litígio em análise, invocada pela Requerida.
III. FUNDAMENTAÇÃO
III.1 MATÉRIA DE FACTO
A matéria factual relevante para a compreensão e decisão da causa, após exame crítico da prova documental junta ao pedido de pronúncia arbitral (PPA), fixa-se como segue:
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Factos Provados:
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O Requerente é um OIC, constituído e a operar no Grão-Ducado do Luxemburgo sob supervisão da Commission de Surveillance du Secteur Financier, inscrito no Registo Comercial do Luxemburgo sob o n.º..., com sede e direção efetiva no Grão-Ducado do Luxemburgo, constituído e a operar ao abrigo da legislação que transpõe para a ordem jurídica luxemburguesa a Diretiva 2009/65/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de julho de 2009 (cfr. Docs. n.ºs 2 a 4 juntos ao PPA);
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O Requerente é administrado pela sociedade B..., S.A., entidade igualmente com residência no Grão-Ducado do Luxemburgo, em ..., L... (cfr. Docs. n.ºs 2 a 4 juntos ao PPA);
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Em 2019, o Requerente auferiu dividendos distribuídos por sociedades comerciais com residência fiscal em território português, no montante total de € 561 000,00, os quais foram aí sujeitos a tributação em sede de IRC, através de retenção na fonte liberatória, no montante total de € 196 350,00, conforme o quadro infra (cfr. Doc. n.º 5 junto ao PPA):
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O pagamento dos dividendos e as retenções na fonte que sobre os mesmos incidiram foram efetuadas e entregues nos cofres do Estado pelo C..., pessoa coletiva com o número de identificação fiscal português ..., na qualidade de entidade registadora e depositária de valores mobiliários, através da guia de retenção na fonte n.º ..., de 21 de junho de 2019 (cfr. Doc. n.º 5 junto ao PPA);
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Em 13 de fevereiro de 2023, o Requerente apresentou pedido de revisão oficiosa das liquidações de IRC – retenção na fonte, referentes a 2019, nos termos dos artigos 78.º, n.º 1, da LGT e 137.º do CIRC (cfr. Doc. n.º 1 junto ao PPA);
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O pedido de pronúncia arbitral foi apresentado em 8 de setembro de 2023 (cfr. o registo do CAAD);
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À data da entrada do pedido de pronúncia arbitral o Requerente ainda não tinha sido notificado da decisão final do procedimento de revisão oficiosa das liquidações de IRC identificadas (facto não controvertido).
B. Factos não provados:
Não existem factos com interesse para a decisão da causa que devam considerar-se como não provados.
C. Fundamentação da matéria de facto provada e não provada:
Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada.
Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. o artigo 596.º, do Código de Processo Civil, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).
Os factos dados como provados resultaram da análise crítica dos documentos juntos ao PPA e ao PA, bem como das posições assumidas pelas Partes nos respetivos articulados.
III.2 DO DIREITO
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A questão decidenda:
Está em causa na presente ação arbitral aferir da compatibilidade com as disposições do Tratado de Funcionamento da União Europeia (TFUE), máxime, com o disposto no seu artigo 63.º, que consagra a liberdade de circulação de capitais, dos normativos nacionais que, nos termos do artigo 22.º, do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF), isentam de tributação, em sede de IRC, os dividendos distribuídos por sociedades residentes a OIC com sede em Portugal, constituídos e a operar de acordo com a legislação portuguesa, ao passo que tributam à taxa de 25%, por retenção na fonte a título definitivo, nos termos dos artigos 3.º, n.º 1, alínea d), 4.º, n.ºs 2 e n.º 3, alínea c), 87.º, n.º 4 e 94.º, n.º 1, alínea c), n.º 3, alínea b), n.º 5 e n.º 6, todos do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC), os dividendos distribuídos por entidades residentes a OIC com sede em outro Estado Membro (EM) da União Europeia (UE), no caso, o Luxemburgo e, portanto, não constituídos de acordo com a legislação nacional.
O Requerente defende, em síntese, que do regime previsto no artigo 22.º, do EBF, resulta um tratamento discriminatório para os OIC não residentes em relação aos residentes, que é incompatível com o artigo 63.º do TFUE.
A Requerida AT não se pronunciou sobre o mérito da causa, centrando a sua resposta na (in)competência dos Tribunais Arbitrais para apreciação da legalidade das liquidações de IRC – Retenções na fonte, face disposto no artigo 2.º, alínea a), da Portaria nº 112/2011, de 22 de março, questão já acima tratada, em sede de saneamento.
O artigo 22.º, do EBF, na redação que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 7/2015, de 13 de janeiro e pela Lei n.º 42/2016, de 28 de dezembro, aplicável à situação dos autos, estabelece um regime claramente mais favorável para os OIC com sede em Portugal, constituídos e a operar de acordo com a legislação portuguesa, face ao regime geral de tributação em IRC, aplicável aos OIC não residentes, visto que, nos termos do seu n.º 3, não considera os rendimentos referidos nos artigos 5.º, 8.º e 10.º do CIRS (juros, dividendos, rendas, mais-valias) para efeitos do apuramento do lucro tributável – exceto quando esses rendimentos provenham de entidades com residência ou domicílio em país, território ou região sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável, constante de lista aprovada em portaria do membro do Governo responsável pela área das finanças –, os gastos ligados àqueles rendimentos ou previstos no artigo 23.º-A do CIRC, bem como os rendimentos, incluindo os descontos, e gastos relativos a comissões de gestão e outras comissões que revertam para as entidades referidas no n.º 1, e a isenção de derramas, estadual e municipal. O n.°10 do mesmo artigo dispensa as empresas que distribuem dividendos aos OIC residentes da obrigação de reter e de entregar esse imposto à Fazenda Pública.
Esta questão da (des)conformidade do regime de tributação aplicável aos OIC não residentes, sujeitos a retenção na fonte liberatória, com o Direito da União Europeia, já foi, por diversas vezes, trazida à apreciação dos Tribunais Arbitrais que funcionam no CAAD, no âmbito de ações tendentes à declaração de ilegalidade e consequente anulação de atos de retenção na fonte de IRC e, dentro do mesmo quadro normativo acima indicado e ainda vigente, objeto de reenvio prejudicial sobre o qual o TJUE, a cuja jurisprudência os tribunais nacionais se encontram juridicamente vinculados, se pronunciou em 17 de março de 2022, no processo n.º C-545/19, citado pelo Requerente e que, nesta decisão, se passa a seguir.
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Apreciação da questão
Como referido supra, o TJUE apreciou a questão da compatibilidade, ou não, do regime previsto no artigo 22.º, n.º 1, do EBF com o Direito da União Europeia, no citado acórdão de 17 de março de 2022, proferido no processo n.º C-545/19, tendo concluído que
“O artigo 63.º TFUE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação de um Estado-Membro por força da qual os dividendos distribuídos por sociedades residentes a um organismo de investimento coletivo (OIC) não residente são objeto de retenção na fonte, ao passo que os dividendos distribuídos a um OIC residente estão isentos dessa retenção”.
De acordo com a respetiva fundamentação e, no seguimento da jurisprudência constante dos Acórdãos de 2 de junho de 2016, Pensioenfonds Metaal en Techniek, C‑252/14, EU:C:2016:402, n.º 27 e de 30 de janeiro de 2020, Köln‑Aktienfonds Deka, C‑156/17, EU:C:2020:51, n.º 49, decidiu o TJUE que, “Ao proceder a uma retenção na fonte sobre os dividendos pagos aos OIC não residentes e ao reservar aos OIC residentes a possibilidade de obter a isenção dessa retenção na fonte, a legislação nacional em causa no processo principal procede a um tratamento desfavorável dos dividendos pagos aos OIC não residentes”, que “pode dissuadir, por um lado, os OIC não residentes de investirem em sociedades estabelecidas em Portugal e, por outro, os investidores residentes em Portugal de adquirirem participações sociais em OIC e constitui, por conseguinte, uma restrição à livre circulação de capitais proibida, em princípio, pelo artigo 63.º TFUE (v., por analogia, Acórdão de 21 de junho de 2018, Fidelity Funds e o., C‑480/16, EU:C:2018:480, n.ºs 44, 45 e jurisprudência referida).”.
Averiguou também o TJUE da possibilidade de uma eventual derrogação ao disposto no
artigo 63.º, do TFUE, tendo em conta que, nos termos do artigo 65.º, n.º 1, alínea a), do
TFUE, aquele não prejudica o direito de os Estados Membros “Aplicarem as disposições pertinentes do seu direito fiscal que estabeleçam uma distinção entre contribuintes que
não se encontrem em idêntica situação no que se refere ao seu lugar de residência ou ao
lugar em que o seu capital é investido”.
A este propósito, lembrou o TJUE que, de acordo com a jurisprudência firmada, “a
derrogação prevista no artigo 65.º, n.º 1, alínea a), TFUE é ela própria limitada pelo
disposto no artigo 65.º, n.º 3, TFUE, que prevê que as disposições nacionais a que se
refere o n.º 1 desse artigo «não devem constituir um meio de discriminação arbitrária,
nem uma restrição dissimulada à livre circulação de capitais e pagamentos, tal como
definida no artigo 63.º [TFUE]» (…) e que “para que uma legislação fiscal
nacional possa ser considerada compatível com as disposições do Tratado FUE relativas
à livre circulação de capitais, é necessário que a diferença de tratamento daí decorrente
diga respeito a situações que não sejam objetivamente comparáveis ou se justifique por
uma razão imperiosa de interesse geral [Acórdão de 29 de abril de 2021, Veronsaajien
oikeudenvalvontayksikkö (Rendimentos distribuídos por OICVM), C‑480/19,
EU:C:2021:334, n.º 30 e jurisprudência referida]”.
Quanto à comparabilidade das situações dos OIC residentes e não residentes, bem
como dos detentores das respetivas participações sociais, concluiu o TJUE que “Resulta
de jurisprudência constante que, a partir do momento em que um Estado, de modo
unilateral ou por via convencional, sujeita ao imposto sobre o rendimento não só os
contribuintes residentes mas também os contribuintes não residentes, relativamente aos
dividendos que auferem de uma sociedade residente, a situação dos referidos
contribuintes não residentes assemelha‑se à dos contribuintes residentes (Acórdão de 22
de novembro de 2018, Sofina e o., C‑575/17, EU:C:2018:943, n.º 47 e jurisprudência
referida).” (parágrafo 49).
A este respeito, não obstante as alegações do Governo português de que a tributação
dos dividendos recebidos por estas duas categorias de OIC (residentes e não residentes)
é regulada por diferentes técnicas de tributação – sujeitos a IRC, por retenção na fonte,
quando pagos a um OIC não residente e a imposto do selo e à tributação autónoma
prevista no n.º 11 do artigo 88.º, do CIRC, se pagos a um OIC residente e que, ficando os
dividendos distribuídos pelos OIC residentes a detentores das suas participações sociais,
pessoas singulares residentes ou não residentes com estabelecimento estável, sujeitos a
IRS à taxa de 28% e, no caso das pessoas coletivas residentes a IRC à taxa de 25%,
enquanto os dividendos pagos a detentores de participações sociais não residentes no
território português e que não têm estabelecimento estável neste último estão, em
princípio, isentos do imposto sobre o rendimento das pessoas singulares e do imposto
sobre o rendimento das pessoas coletivas, o que leva a uma estreita coerência entre a
tributação dos rendimentos dos OIC e dos detentores de participações sociais,
imprescindível à coerência do sistema tributário –, sem esquecer a situação de
transparência fiscal do Requerente, que livremente optou por não operar em Portugal
através de um estabelecimento estável e cujos detentores de participações sociais podem
imputar ou creditar o imposto retido na fonte em Portugal ao imposto por eles devido no
país da sua residência, o TJUE concluiu que um OIC não residente se encontra numa
situação objetivamente comparável à de um OIC residente em Portugal.
Quanto ao argumento da tributação dos dividendos pagos por sociedades nacionais
a OIC residentes e a OIC não residentes por técnicas de tributação diferentes, considerou
o TJUE, que a legislação em causa no processo principal não se limita a prever diferentes modalidades de cobrança de imposto em função do local de residência do OIC beneficiário de dividendos de origem nacional, mas prevê, na realidade, uma tributação sistemática dos referidos dividendos que onera apenas os organismos não residentes.
Salienta ainda que embora o imposto do selo, de natureza patrimonial, incidente
sobre o rendimento do capital acumulado, pudesse ser equiparado a um imposto sobre os dividendos, um OIC residente sempre poderia escapar a tal tributação dos dividendos procedendo à sua distribuição imediata, possibilidade que não está aberta a um OIC não residente.
Por outro lado, a tributação autónoma prevista no n.º 11 do artigo 88.º, do CIRC,
apenas incide sobre os dividendos recebidos por OIC residentes quando as partes sociais
a que respeitam os lucros não tenham permanecido na titularidade do mesmo sujeito
passivo, de modo ininterrupto, durante o ano anterior à data da sua colocação à disposição
e não venham a ser mantidas durante o tempo necessário para completar esse período, só
ocorre em casos limitados, não podendo ser equiparado ao imposto geral de que são objeto
os dividendos de origem nacional recebidos pelos OIC não residentes, não colocando
estes numa situação objetivamente diferente em relação aos OIC residentes no que se
refere à tributação dos dividendos de origem portuguesa.
Ora, apesar de os OIC residentes poderem ser tributados em sede de imposto do
selo, caso optem pela não distribuição de lucros aos titulares das respetivas UP, mas antes
pela sua acumulação, bem como pela tributação autónoma prevista no n.º 11 do artigo
88.º, do CIRC, apenas se reunidas as condições ali indicadas, impostos a que não estão
sujeitos os OIC não residentes, estes estão sempre sujeitos a IRC, por retenção na fonte a
título definitivo, sem possibilidade de beneficiar de qualquer isenção deste imposto.
Considerou ainda o TJUE que “o Estado de residência da sociedade distribuidora deve assegurar que, em relação ao mecanismo previsto no seu direito nacional para evitar ou atenuar a tributação em cadeia ou a dupla tributação económica, as sociedades não residentes sejam submetidas a um tratamento equivalente ao tratamento de que beneficiam as sociedades residentes” (parágrafo 66) e que “Tendo a República Portuguesa optado por exercer a sua competência fiscal sobre os rendimentos auferidos pelos OIC não residentes, estes encontram‑se, por conseguinte, numa situação comparável à dos OIC residentes em Portugal no que respeita ao risco de dupla tributação económica dos dividendos pagos pelas sociedades residentes em Portugal” (parágrafo 67).
Relativamente à necessidade de preservar a coerência do regime fiscal nacional, entendeu o Tribunal de Justiça, na esteira dos Acórdãos de 8 de novembro de 2012,
Comissão/Finlândia, C‑342/10 e de 13 de novembro de 2019, College Pension Plan of
British Columbia, C‑641/17, que “para que um argumento baseado nessa justificação
possa ser acolhido, é necessário que esteja demonstrada a existência de uma relação
direta entre o benefício fiscal em causa e a compensação desse benefício por uma
determinada imposição fiscal” (parágrafo 78).
No caso dos autos, não estando a isenção da retenção na fonte dos dividendos em
benefício dos OIC residentes “sujeita à condição de os dividendos recebidos pelos
organismos serem redistribuídos por estes e de a sua tributação na esfera dos detentores
de participações sociais permitir compensar a isenção da retenção na fonte”, não se
verifica “uma relação direta (…) entre a isenção da retenção na fonte dos dividendos de
origem nacional auferidos por um OIC residente e a tributação dos referidos dividendos
enquanto rendimentos dos detentores de participações sociais nesse organismo” que
permita invocar a necessidade de preservar a coerência do regime fiscal nacional como
justificação para a restrição à liberdade de circulação de capitais.
Por outro lado, entendeu também o TJUE que não é de acolher a justificação
baseada na preservação da repartição equilibrada do poder de tributar entre Portugal e o Estado da residência, pois, tal como já decidido, entre outros, no seu Acórdão de 21 de junho de 2018, Fidelity Funds e o., C‑480/16, “quando um Estado‑Membro tenha optado, como na
situação em causa no processo principal, por não tributar os OIC residentes
beneficiários de dividendos de origem nacional, não pode invocar a necessidade de
garantir uma repartição equilibrada do poder de tributar entre os Estados‑Membros
para justificar a tributação dos OIC não residentes beneficiários desses rendimentos.”.
Como corolário da obrigatoriedade de reenvio prejudicial prevista no artigo 267.º,
do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, as decisões do Tribunal de Justiça
da União Europeia têm carácter vinculativo para os Tribunais nacionais, ao permitirem a
uniformidade na aplicação do direito da União no território dos Estados-Membros em
aplicação do princípio do primado ou prevalência do direito da União sobre o direito
nacional, acolhido pelo n.º 4 do artigo 8.º, da Constituição da República Portuguesa,
segundo o qual “As disposições dos tratados que regem a União Europeia e as normas
emanadas das suas instituições, no exercício das respetivas competências, são aplicáveis
na ordem interna, nos termos definidos pelo direito da União, com respeito pelos
princípios fundamentais do Estado de direito democrático.”.
Concluindo-se pela incompatibilidade do artigo 22.º, n.º 1, do EBF, na redação que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 7/2015, de 13 de janeiro, com o disposto no artigo 63.º, do TFUE, na medida em que limita o regime nele previsto aos OIC constituídos segundo a legislação nacional, excluindo os OIC constituídos segundo a legislação de outros Estados Membros da União Europeia, impõe-se a não aplicação do referido normativo nacional à situação objeto dos presentes autos, em tudo similar à que foi tratada no processo C-545/19, bem como a declaração de ilegalidade, por vício de violação de lei, dos atos de retenção na fonte objeto do pedido de pronúncia arbitral, com a sua consequente anulação, nos termos do n.º 1 do artigo 163.º, do Código do Procedimento Administrativo, subsidiariamente aplicável, ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea d), do RJAT.
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Dos pedidos de restituição do indevido e juros indemnizatórios
Em consequência da procedência do pedido de anulação dos atos de retenção na
fonte, fica a AT vinculada, nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 24.º, do RJAT,
e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais
judiciais tributários, a “restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da
decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários
para o efeito”, o que inclui, para além da restituição do indevido, “o pagamento de juros,
independentemente da sua natureza, nos termos previsto na Lei Geral Tributária e no
Código de Procedimento e de Processo Tributário.”.
De igual modo, o n.º 1 do artigo 100.º, da Lei Geral Tributária (LGT), aplicável ao
processo arbitral tributário por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do
RJAT, estabelece que “1 - A administração tributária está obrigada, em caso de
procedência total ou parcial de reclamações ou recursos administrativos, ou de processo
judicial a favor do sujeito passivo, à plena reconstituição da situação que existiria se não
tivesse sido cometida a ilegalidade, compreendendo o pagamento de juros
indemnizatórios, nos termos e condições previstos na lei.”.
O regime dos juros indemnizatórios consta do artigo 43.º, da LGT, que fixa o
momento a partir do qual os mesmos são devidos, por erro imputável aos serviços (n.ºs 1
e 2) ou por “outras circunstâncias” (n.º 3), bem como a respetiva taxa (n.º 4) e a
consequência do atraso na execução da sentença transitada em julgado (n.º 5).
O Requerente, invocando a ilegalidade das liquidações de IRC por retenção na fonte em referência, por vício de violação de lei, consubstanciado na violação do princípio da livre circulação de capitais previsto no artigo 63.º do TFUE e, consequentemente, do artigo 8.º, n.º 4, da CRP pede que lhe sejam pagos juros indemnizatórios ao abrigo do disposto na alínea d) do n.º 3 do artigo 43.º, da LGT.
Esta alínea d) do n.º 3 do artigo 43.º, da LGT, aditada pela Lei n.º 9/2019, de 1 de fevereiro, com efeitos retroativos às decisões judiciais de inconstitucionalidade ou ilegalidade relativas a prestações tributárias que tenham sido liquidadas após 1 de janeiro de 2011, veio estabelecer que “Em caso de decisão judicial transitada em julgado que declare ou julgue a inconstitucionalidade ou ilegalidade da norma legislativa ou regulamentar em que se fundou a liquidação da prestação tributária e que determine a respetiva devolução.”.
A Requerida contrapõe que, em caso de procedência do pedido de pronúncia arbitral, os juros indemnizatórios nunca serão devidos nos termos peticionados, porquanto a alínea c) do n.º 3 do artigo 43.º, da LGT, determina que são devidos juros indemnizatórios quando a revisão do ato tributário por iniciativa do contribuinte se efetuar mais de um ano após o pedido deste, salvo se o atraso não for imputável à administração tributária.
Vejamos.
Até à data da entrada em vigor da Lei n.º 9/2019, de 1 de fevereiro, que aditou a alínea d) do n.º 3 do artigo 43.º, da LGT, a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo entendia não serem devidos juros indemnizatórios nas situações em que o ato tributário fosse anulado com fundamento em inconstitucionalidade da norma aplicada, por não se verificar um erro imputável aos serviços da Administração Tributária[1].
Já não assim nos casos de violação do Direito da União Europeia, em que se entendia que tal violação configurava erro de direito imputável à Administração Tributária, quer para efeitos de admissibilidade de pedidos de revisão oficiosa e subsequente impugnação judicial, em caso de indeferimento do pedido, quer para efeitos de pagamento de juros indemnizatórios ao contribuinte, já que “o facto de a ilegalidade determinante da procedência da impugnação se concretizar em violação de norma comunitária, não implica tratamento similar àquele que equaciona a aplicação de normas que venham a ser declaradas inconstitucionais, pois que a AT «não dispõe de qualquer margem para desaplicar normas ainda não declaradas inconstitucionais, enquanto que no caso dos preceitos de direito comunitário do que se trata é da aplicação de normas que vigoram directamente na ordem jurídica interna e, mais do que isso, prevalecem sobre as normas do direito interno, não podendo os Estados-Membros aplicar qualquer regra de direito interno que colida com as regras do direito da UE»”.[2]
Após a entrada em vigor da Lei n.º 9/2019, de 1 de fevereiro, passou o Supremo Tribunal Administrativo a decidir que, nos casos de declaração de inconstitucionalidade da norma em que se fundou a liquidação da prestação tributária, são “devidos juros indemnizatórios nos precisos termos estatuídos no artigo 43.º/3/d) da LGT, desde o pagamento indevido do tributo, nos termos do estatuído no artigo 61.º/5 do CPPT.”[3].
Contudo, se nos casos de declaração de inconstitucionalidade tal declaração constitui condição objetiva de que decorre diretamente o direito do contribuinte a juros indemnizatórios, independentemente de erro imputável aos serviços, já assim não será se a ilegalidade da liquidação se ficar a dever a tal erro.
Assim é que, tal como tem vindo a ser decidido pelo Supremo Tribunal Administrativo em casos idênticos ao presente, “Em caso de retenção na fonte e havendo lugar a reclamação graciosa do acto tributário em causa, o erro passa a ser imputável à AT depois do indeferimento tácito ou, se anterior, do indeferimento expresso do mesmo procedimento gracioso, sendo a partir da data desse indeferimento que se contam os juros indemnizatórios que sejam devidos, nos termos do art. 43.º, n.ºs 1 e 3, da LGT.”.[4]
O Requerente apresentou um pedido de revisão oficiosa das liquidações de IRC por retenção na fonte, referentes ao ano de 2019; porém, a amplitude do direito a juros indemnizatórios em caso de pedido de revisão oficiosa não é tão abrangente como a que decorre do n.º 1 do artigo 43.º, da LGT, enquadrando-se na alínea c) do n.º 3 do mesmo artigo, caso tenha decorrido mais de um ano sobre a data do pedido de revisão oficiosa [5].
Tendo o pedido de revisão oficiosa sido apresentado em 13 de fevereiro de 2023, o Requerente tem direito, para além da restituição do montante do imposto indevidamente pago, a juros indemnizatórios a partir de um ano a contar da data em que foi apresentado o pedido de revisão oficiosa, isto é, a partir de 13 de fevereiro de 2024.
IV. DECISÃO
Com base nos fundamentos de facto e de direito acima enunciados e, nos termos do artigo 2.º do RJAT, decide-se em, julgando improcedente a exceção da incompetência do Tribunal Arbitral e procedente o pedido de pronúncia arbitral:
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Declarar a ilegalidade e determinar a anulação das liquidações de IRC – Retenções na fonte –, referentes ao ano de 2019, no montante de € 196 350,00, bem como da decisão tácita de indeferimento do pedido de revisão oficiosa das mesmas liquidações;
-
Condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira na restituição ao Requerente da quantia indevidamente paga, acrescida de juros indemnizatórios, a calcular nos termos do artigo 43.º, n.º 3, alínea c), da LGT.
-
Condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira no pagamento das custas do processo.
VALOR DO PROCESSO: De harmonia com o disposto no artigo 306.º, n.ºs 1 e 2, do CPC, 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 196 350,00 (cento e noventa e seis mil, trezentos e cinquenta).
CUSTAS: Calculadas de acordo com o artigo 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e da Tabela I a ele anexa, no valor de € 3 672,00 (três mil, seiscentos e setenta e dois euros), a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.
Notifique-se.
Lisboa,19 de março de 2024.
Os Árbitros,
Fernando Araújo
(Presidente)
Mariana Vargas
(Vogal)
Ana Rita do Livramento Chacim
(Vogal)
Texto elaborado em computador.
A redação da presente decisão rege-se pelo acordo ortográfico de 1990.
[1] Cfr., a título exemplificativo, o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 05/04/2017, processo n.º 0399/15: “I - A AT, porque está sujeita ao princípio da legalidade (cfr. art. 266.º, n.º 2, da CRP e art. 55.º da LGT), não pode deixar de aplicar uma norma com fundamento em inconstitucionalidade, a menos que o Tribunal Constitucional já tenha declarada a inconstitucionalidade da mesma com força obrigatória geral (cfr. art. 281.º da CRP) ou se esteja perante o desrespeito por normas constitucionais directamente aplicáveis e vinculativas, como as que se referem a direitos, liberdades e garantias (cfr. art. 18.º, n.º 1, da CRP).
II - Para efeitos de pagamento de juros indemnizatórios ao contribuinte ao abrigo do art. 43.º da LGT, não pode ser assacado aos serviços da AT qualquer erro que, por si, tenha determinado o pagamento de dívida tributária em montante superior ao legalmente devido, se não estava na sua disponibilidade decidir de modo diferente daquele que decidiu.”.
[2] Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 08/02/2017, processo n.º 0678/16.
[3] Cfr. o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 13/01/2021, processo n.º 0735/19.4BEBRG.
[4] Cfr. o Acórdão do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo de 22/11/2023, processo n.º 0125/23.4BALSB, em que esteve em causa uma situação de retenções na fonte de IRC em violação do direito da UE.
[5] Cfr. neste sentido, entre outros, o Acórdão do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal
Administrativo de 11/12/2019, processo 058/19.9BALSB: “Pedida pelo sujeito passivo a revisão oficiosa do ato de liquidação (cfr. art. 78.º, n.º 1, da LGT) e vindo o ato a ser anulado (parcialmente), mesmo que em impugnação judicial do indeferimento daquela revisão, os juros indemnizatórios são devidos depois de decorrido um ano após a apresentação daquele pedido, e não desde a data do indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa apresentado [cfr. art. 43.º, n.ºs 1 e 3, alínea c), da LGT].”