Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 474/2023-T
Data da decisão: 2024-03-26  IVA  
Valor do pedido: € 67.170,35
Tema: IVA – Legitimidade activa – Operações realizadas por terceiros em suposto erro de direito relativamente aos quais não há prova nos autos de que foram interpelados no sentido de regularização do imposto liquidado (e pago) em conformidade com o disposto no art.º 78.º-A do CIVA.
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DECISÃO ARBITRAL

 

I. Relatório:

 

  1. A...- Sociedade Gestora de Organismos de Investimento Coletivo, S.A., pessoa colectiva n.º..., com sede na ..., n. º ..., ...-... Lisboa, apresentou, em 29.6.2023, pelas 13:08 horas, um pedido de pronúncia arbitral, invocando o regime previsto na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º e do n.º 1 e do artigo 10.º, ambos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária ou “RJAT”) e considerando a vinculação da Autoridade Tributária e Aduaneira à sua jurisdição por força do disposto na Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março e em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira.
  2. No pedido de pronúncia arbitral, a Requerente optou por não designar árbitro.
  3. Nos termos da alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º do RJAT, o Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem designou o árbitro presidente e os árbitros vogais que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.
  4. Em 23.8.2023, foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, por aplicação conjugada da alínea a) e b) do n.º 1 do art.º 11º do RJAT e dos art.º 6º e 7º do Código Deontológico.
  5. Em conformidade com o estatuído na alínea c) do n.º 1 do art.º 11º do RJAT, na redacção que lhe foi introduzida pelo art.º 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Tribunal Arbitral Coletivo foi constituído em 12.9.2023 para apreciar e decidir o objecto do processo.
  6. Em 16.10.2023, a Requerida apresentou Resposta, defendendo-se por excepção e por impugnação, procedendo à junção do Processo Administrativo a que se refere o no n.º 2 do art.º 17º do Decreto-Lei n.º 10/2021, de 20 de Janeiro, doravante PA.
  7. Em 06.12.2023, foi proferido e inserido no Sistema de Gestão Processual do CAAD (doravante SGP) o seguinte despacho: “1. Notifique-se a Requerente para exercer o direito de resposta quanto à matéria da exceção. 2. Quanto ao documento superveniente junto aos autos, este Tribunal fará a apreciação sobre a ponderação do mesmo a final, considerando que já foi exercido direito ao contraditório pela Requerida. 3. Pretende este Tribunal Arbitral, ao abrigo do princípio da autonomia na condução do processo, previsto no artigo 16.º, alínea c) do RJAT, dispensar a reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT, por desnecessária, atendendo a que a questão em discussão é apenas de direito e a prova produzida é meramente documental. 4. Por outro lado, estando em causa matéria de direito, que foi claramente exposta e desenvolvida, quer no Pedido arbitral, quer na Resposta, dispensa-se a produção de alegações escritas devendo o processo prosseguir para a prolação do acórdão. 5. Informa-se que a Requerente deverá proceder ao pagamento da taxa arbitral subsequente, até a data limite da prolação da decisão final. 6. Em nome do princípio da colaboração das partes solicita-se o envio das peças processuais em versão word. Notifiquem-se as partes do presente despacho. 06-12-2023. O Árbitro-Presidente”.
  8. Em 11.03.2024, foi proferido e inserido no SGP do CAAD o despacho que segue: “1.  Notifique-se as partes para, no prazo de 5 dias, se pronunciarem sobre um ponto que pode ser invocado pelo Tribunal por ser de conhecimento oficioso, de forma que o Tribunal possa tomar posição quanto à tempestividade da interposição do PPA, se apresentada no prazo previsto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a) do RJAT, de acordo com a remissão operada para o artigo 102.º, n.º 1 do Código de Procedimento e de Processo Tributário (“CPPT”), uma vez que a verificação do pressuposto processual da impugnabilidade da decisão de indeferimento que recaiu sobre o pedido de revisão apresentado pressupõe ainda a avaliação da tempestividade da apresentação do pedido de revisão, o que só pode ocorrer caso seja possível imputar à AT o erro de direito que alegadamente está a enfermar os atos de autoliquidação de IVA aqui em causa. 2. Não obstante o processo encontrar-se em fase final de elaboração de sentença e tendo em conta a ponderação desta notificação juntamente com os vários elementos juntos pelas partes, prorroga-se o prazo de prolação da sentença por mais dois meses, nos termos do n.º 2 do artigo 21.º do RJAT. 11-03-2024. O Árbitro-Presidente(...).”
  9. A Requerida, por e-mail de 19.3.2024, 17:09 horas, enviou ao CAAD requerimento superveniente que pugna pela intempestividade do pedido de revisão oficiosa por não ser viável a imputação de qualquer erro aos serviços, atenta até a revogação do n.º 2 do art.º 78.º da LGT operada pela alínea h) do n.º 1 do art.º 215º da lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março, que continha uma presunção de imputabilidade aos serviços nos casos de erro na autoliquidação e, consequentemente, defende que deveria ser julgada provada a caducidade do direito de acção, com todas as consequências legais, nomeadamente, a absolvição da requerida do pedido.
  10. Subsequentemente à notificação do despacho de 11.03.2024, a Requerente fez a sua pronúncia por e-mail de 20.3.2024, no sentido de que “conclusão distinta não poderá resultar senão a de que à Requerente, na qualidade de repercutida legal, assiste o direito de, junto da AT, reclamar o reembolso dos montantes de IVA indevidamente pagos aos seus fornecedores, quando os mesmos se encontram viciados por erro de direito, porquanto lhes devia ter sido aplicada uma isenção e, não tendo tal ocorrido, tal erro é reconduzível aos serviços, habilitando a Requerente a lançar mão do prazo legal de quatro anos para interposição de revisão oficiosa previsto no n.º 1 do artigo 78.º da LGT que, in casu, se mostra tempestivo.
  11. A pretensão objecto do pedido de pronúncia arbitral consiste: i) Na anulação parcial da autoliquidação de IVA efetuada pelas entidades que prestaram à Requerente serviços de disponibilização de software informático e serviços de tesouraria, faturação e contabilidade destinados exclusivamente à gestão de fundos de investimento imobiliário, durante o período compreendido entre Janeiro de 2018 e Dezembro de 2020, concretizados através da apresentação das Declarações Periódicas referentes a tais períodos pelas entidades prestadores dos referidos serviços, no âmbito dos quais a Requerente suportou um montante de IVA superior ao legalmente devido, no montante global de 67.170,35 €; ii) Na anulação da respetiva decisão de indeferimento do Pedido de Revisão Oficiosa porque manifestamente ilegal; iii) Na condenação da AT à restituição à Requerente do valor do IVA pago em excesso aos seus prestadores e refletido nas supra referidas Declarações Periódicas de imposto, no montante global de 67.170,35 €; iv) Na condenação da AT a pagar à Requerente os juros indemnizatórios legalmente devidos, por estarem preenchidos os pressupostos do artigo 43.º da LGT.
  12. Fundamentando o seu pedido, a Requerente alegou, em síntese, o seguinte:

 

I.A) Alegações da Requerente:

 

  1. No Pedido de Pronúncia Arbitral (doravante PPA), começa a Requerente por dizer que não se conforma com os actos tributários de (auto)liquidação de IVA sub judicio e “(...) concretizados através das Declarações Periódicas entregues pelas entidades que prestaram à Requerente serviços de administração e gestão de fundos de investimento, referentes aos meses de janeiro de 2018 a dezembro de 2020, em virtude de os mesmos se encontrarem viciados de ilegalidade, por erro relativamente aos pressupostos de facto e de direito que regem a situação tributária da Requerente, vem esta suscitar a apreciação da legalidade, junto deste Tribunal, dos referidos atos tributário de (auto)liquidação de IVA dos meses de janeiro de 2018 a dezembro de 2020, requerendo, consequentemente, a respetiva declaração de ilegalidade e anulação parcial destes atos tributários, bem como a anulação do acto de indeferimento do Pedido de Revisão Oficiosa (...)”, entretanto submetido à apreciação da Autoridade Tributária a Aduaneira em conformidade com o disposto no artigo 131.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (“CPPT”) e do artigo 98.º do Código do IVA, mas rejeitado liminarmente, considerando aquela improcedentes os argumentos invocados pela Requerente naquele sede.
  2. E assim sendo, prossegue a Requerente dizendo que “(...) constitui objeto mediato da presente petição, os atos tributários de (auto)liquidação de IVA referente aos meses de janeiro de 2018 a dezembro de 2020, concretizado pelas Declarações Periódicas de IVA referentes a este período temporal entregues pelas entidades que prestaram à Requerente serviços de disponibilização de software informático destinado à gestão de fundos de investimento imobiliário e serviços de tesouraria, faturação e contabilidade, nos termos do qual, por motivo de erro de direito quanto ao enquadramento jurídico-tributário aplicável aos serviços adquiridos pela Requerente, esta procedeu ao pagamento, em excesso, do montante de imposto de 67.170,35. E partindo daí, sustenta a Requerente, não deixando de trazer à colação referências jurisprudências e doutrinais que aqui se revem considerar reiteradas, quanto à competência do CAAD para apreciação da (i)legalidade de actos de primeiro, segundo e terceiro grau “(...) que a jurisdição arbitral é competente para arbitrar pretensões relativas à declaração da legalidade de atos de liquidação/autoliquidação de tributos – atos de primeiro grau - quando, num ato de segundo grau, a AT se tenha pronunciado relativamente à legalidade de tal ato.
  3. Sustenta ainda que o CAAD tem competência para a arbitrabilidade de pretensões relativas à legalidade de actos de autoliquidação de tributos, precedidos da apresentação de Pedido de Revisão Oficiosa, trazendo à colação a alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do RJAT e ainda o n.º 1 do art.º 4º do RJAT, bem como a Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março (Portaria que regulamenta a vinculação da AT à jurisdição arbitral) que refere: “(...) Os serviços e organismos referidos no artigo anterior [a AT] vinculam-se à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD que tenham por objecto a apreciação das pretensões relativas a impostos cuja administração lhes esteja cometida referidas no n.º 1 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, com excepção das seguintes: a) Pretensões relativas à declaração de ilegalidade de actos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário.(...).”
  4. Inferindo daqui que  o CAAD tem competência para apreciar pretensões atinentes à legalidade de atos de autoliquidação de tributos, quando tais pretensões tenham sido precedidas da apresentação de Pedido de Revisão Oficiosa e quando a decisão de indeferimento do referido Pedido tenha comportado a apreciação do acto de autoliquidação em causa. Transcrevendo boa parte da decisão de indeferimento que recaiu sobre o pedido de revisão oficiosa, sustenta a Requerente que aquando da sua apreciação, aquela se debruçou sobre a legalidade da pretensão de correcção da (auto)liquidação de imposto referente aos meses de Janeiro de 2018 e Dezembro de 2020. Concluindo pela competência do Tribunal Arbitral para a apreciação do PPA, em virtude de este “(...) respeitar, a título imediato, à apreciação da (i)legalidade da decisão de indeferimento que versou sobre o Pedido de Revisão Oficiosa da autoliquidação apresentada pela Requerente e, a título mediato, à apreciação da (i)legalidade dos atos tributários de (auto)liquidação de IVA referentes ao período compreendido entre janeiro de 2018 e dezembro de 2020, tendo a AT, naquela mesma decisão de indeferimento, apreciado a legalidade destes atos de (auto)liquidação de imposto.”
  5. De seguida, pronuncia-se sobre a tempestividade do PPA, defendendo-a ao referir que se presumiu notificada daquela decisão de indeferimento no dia 4 de Abril de 2023, data a partir da qual se conta o prazo de 90 dias para constituição de tribunal arbitral, nos termos do n.º 1 do artigo 10.º do RJAMT, pelo que, na medida em que desde o referido dia 4 de Abril de 2023 e até à data de apresentação do PPA, em 29.6.2023, não decorreu o prazo de 90 dias acima referido, considera o PPA tempestivo, nos termos do n.º 1 do artigo 10.º do RJAT.
  6. Quanto ao pressuposto processual da legitimidade da Requerente para estar presente na presente lide, começa por trazer à discussão os n.ºs 1, 3 e 4 do art.º 18º; o n.º 2 do art.º 54º e o art.º 65º, todos, da LGT, bem como o art.º 9.º do CPPT, que transcreve (todos), intuindo da letra daqueles normativos que “(...) o repercutido tem um interesse legalmente protegido, pelo que, também nos termos do artigo 9.º do CPPT, terá direito de agir em processo.” Não deixando ainda de referir que “Quanto à composição da relação jurídica tributária, sempre será de aceitar que, apesar de a Requerente não ser sujeito passivo dos serviços em apreço, suporta o IVA por repercussão legal, pelo que, nos termos das normas acima transcritas, terá direito de ação, dispondo, portanto, do direito de impugnar, de reclamar, de recorrer e de lançar mão de todas as garantias processuais para defesa dos seus direitos e legítimos interesses que tenham sido lesados por aplicação do mecanismo da repercussão.”
  7. Concluindo-se no sentido de que justificada está a legitimidade processual activa da Requerente no presente processo, por ter suportado indevidamente IVA na aquisição de serviços, cujos fornecedores incorreram em erro na determinação do enquadramento jurídico-tributário conferido aos mesmos.
  8. De seguida dá a Requerente nota de que foi recentemente publicada decisão do Tribunal de Justiça da União Europeia, no âmbito do seu Acórdão de 17 de Junho de 2021, prolatado nos processos apensos C-58/20 e C-59/20, que veio esclarecer a aplicabilidade da isenção prevista na alínea g) do n.º 27) do artigo 9.º do Código do IVA às prestações de serviços realizadas pela B... e, bem assim, pela C..., à Requerente, sendo que, até à data do conhecimento da referida decisão do TJUE, não tinha a ora Requerente como ter conhecimento de que seria esse o enquadramento a conferir aos serviços, externalizados, destinados à gestão e administração de fundos de investimento, pese-embora o erro tenha sido materializado na fatura emitida pelos respetivos prestadores. E assim sendo e atendendo a que a AT nunca se tinha anteriormente pronunciado sobre o enquadramento a conferir a estes serviços quando realizados por entidades prestadoras terceiras, não podia o referido erro de enquadramento jurídico-tributário em sede de IVA, no que respeita à não aplicação da aludida isenção, ser imputado ao adquirente/repercutido e aqui Requerente, pelo que, o mesmo terá de o ser forçosamente imputado aos serviços, sustentando também como tempestiva a apresentação do pedido de revisão oficiosa.
  9. No que agora tange às alegações de direito, começa a Requerente por traçar o regime jurídico-tributário aplicável em IVA aos serviços de administração e gestão de fundos de investimento. Explicita o direito comunitário aplicável, nomeadamente o n.º 1 do art.º 135º da Directiva IVA e ainda o direito interno que o transpõe, i.e., alínea g), do n.º 27) do art.º 9.º do Código do IVA.
  10. Traz ainda à discussão o conceito de "fundos de investimento" que diz surgir, para efeitos do ordenamento jurídico português, no Regime da Gestão de Ativos, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 27/2023, de 28 de Abril.
  11. A Requerente extrai as seguintes características essenciais do conceito de fundo de investimento: “(...) i) Em primeiro lugar, são patrimónios autónomos, isto é, os fundos de investimento só respondem pelas suas próprias dívidas e pelas suas dívidas só o fundo de investimento responde, não podendo estas afetar o património geral do seu titular ou da entidade gestora, nos termos do artigo 12.º do Regime da Gestão de Ativos; ii) Em segundo lugar, os fundos de investimento, assumindo a forma contratual, nos termos da alínea b) do artigo 3.º do Regime da Gestão de Ativos, carecem de personalidade jurídica, sendo nesse sentido insuscetíveis de serem titulares de direitos e obrigações. Desta característica resulta, nomeadamente, que a sua gestão é confiada a um terceiro, a entidade gestora (conforme sucede in casu); iii) Por último, o estatuto jurídico do participante é representado por uma quota-parte ideal sobre o património do organismo, denominada de «unidade de participação», nos termos do artigo 14.º do Regime da Gestão Ativos.”
  12. Dá nota de que a CMVM, entidade reguladora, define fundos de investimento como “instrumentos financeiros que reúnem, por regra, capital de vários investidores, constituindo um património autónomo, gerido por profissionais (sociedades gestoras)
  13. E acrescenta que “[O] conceito de “fundos comuns de investimento” para efeitos de aplicação da isenção vertida na Diretiva IVA, foi objeto de análise pelo TJUE, no âmbito do Processo C‑595/13, de 9 de Dezembro de 2015, no qual o Tribunal concluiu que “devem ser considerados fundos comuns de investimento isentos na aceção dessa disposição, por um lado, os investimentos abrangidos pela diretiva OICVM e sujeitos, nesse âmbito, a uma supervisão específica por parte do Estado e, por outro, os fundos que, não sendo organismos de investimento coletivo na aceção dessa diretiva, têm características semelhantes a estes e efetuam as mesmas operações, ou, pelo menos, têm características de tal forma comparáveis que se encontram numa relação de concorrência com eles.”(...) Nesta senda, reiterou aquele Tribunal que “apenas os investimentos sujeitos a supervisão específica por parte do Estado podem estar sujeitos às mesmas condições de concorrência e dirigir‑se ao mesmo círculo de investidores. Portanto, estes outros tipos de fundos de investimento podem, em princípio, beneficiar da isenção prevista no artigo 13.°, B, alínea d), ponto 6, da Sexta Diretiva se os Estados‑Membros também previrem a seu respeito uma supervisão específica por parte do Estado.
  14. Inferindo daqui que “(...) de acordo com o conceito emanado pelo TJUE, sempre será de considerar que os organismos de investimento coletivo geridos pela Requerente (i.e. Fundos de investimento imobiliário e SICAFI´s), enquanto Fundos de Investimento Imobiliário são subsumíveis ao mesmo, estando sujeitos às normas do Regime da Gestão de Ativos, bem como sujeito à supervisão por parte da CMVM.”, sendo que, sustenta a Requerente, atendendo às características e formulação jurídica dos Fundos de Investimento Imobiliário sob sua gestão e administração, patente no respetivo Regulamentos de Gestão, os mesmos preenchem de forma clara e evidente os requisitos supra elencados, resultantes do ordenamento jurídico português.
  15. Concluindo, defende a Requerente que os fundos de investimento imobiliário, sob a sua gestão, revestem, de forma inequívoca, a qualidade de fundo de investimento para efeitos de aplicação da isenção a que se reporta a alínea g), do n.º 27) do art.º 9.º do Código do IVA, o que, inerentemente, qualifica a Sociedade Gestora dos mesmos (e aqui Requerente) enquanto tal, nos termos e para efeitos do artigo 2.º da Diretiva OICVM, na medida em que efetua a gestão dos organismos sob a sua alçada e prossegue os objetivos estabelecidos no Anexo II da Diretiva 2009/65/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de Julho de 2009 (Diretiva OICVM), conforme poderá ser aferido nos Regulamentos de Gestão dos Fundos geridos por aquela. O  n.º 2 do art.º 2º da Directiva OICVM dispõe: «Para efeitos da alínea b) do n.º 1, a atividade habitual de uma sociedade gestora inclui as funções referidas no anexo II”. O referido Anexo II da Diretiva OICVM, que sob a epígrafe “Funções incluídas na actividade de gestão colectiva de carteiras”, dispõe as seguintes atribuições: «—Gestão de investimento —Administração: a) Serviços jurídicos e de contabilidade de gestão do fundo; b) Consultas dos clientes; c) Avaliação da carteira e determinação do valor das unidades de participação (incluindo declarações fiscais); d) Controlo da observância da regulamentação; e) Registo dos participantes; f) Distribuição de rendimentos; g) Emissão e resgate de unidades de participação; h) Procedimento de liquidação e compensação (incluindo o envio de certificados); i) Registo e conservação de documentos. Comercialização.” Intuindo da Requerente daqui que “(...) atentando no compêndio legal vertido supra, nada mais poderá ser concluído senão que o legislador comunitário previu expressamente as tipologias de despesas incorridas pela Requerente quando considerados os serviços específicos resultantes da respetiva contratualização, i.e,, aquisição de serviços de Asset management, serviços de tesouraria, faturação, contabilidade, auditoria e revisão legal de contas e serviços de assessoria jurídica e legal tendentes à gestão e administração dos Fundos de Investimento Imobiliário, encontram previsão expressa no Anexo II da Diretiva OICVM, respetivamente, enquanto serviços de Gestão de Investimento; serviços jurídicos e de contabilidade de gestão do fundo; Avaliação da carteira e determinação do valor das unidades de participação (incluindo declarações fiscais) e Controlo da observância da regulamentação.”
  16. E isto dito, parte a Requerente para a defesa da aplicabilidade da isenção prevista na alínea g) do n.º 1 do artigo 135.º da Diretiva IVA (transposta para o ordenamento jurídico nacional através da subalínea g) da alínea 27) do artigo 9.º do Código do IVA) às prestações de serviços de “administração ou gestão de fundos comuns de investimento”, como as que estão em causa nos presentes autos, efetuadas por entidades “terceiras” àquela.
  17. A questão que de seguida coloca é a de saber em que medida tal isenção terá aplicabilidade aos serviços contratados a entidades “terceiras”, relativamente aos custos incorridos pela Requerente na obtenção desses serviços, propondo-se analisar qual o âmbito subjetivo da isenção em apreço.
  18. E a tal propósito aduz a Requerente que “[É] hoje amplamente claro que a isenção de IVA objeto da presente análise se aplica tanto às sociedades que se dedicam diretamente à gestão dos fundos de investimento (como é o caso da Requerente enquanto Sociedade Gestora), como aos próprios prestadores dos serviços externalizados (in casu, as entidades como a B... e a C...), contratados pelas sociedades gestoras para cumprirem parte das suas obrigações de gestão e administração dos fundos de investimento sob a sua alçada.”, trazendo à discussão e ancorando tal hermenêutica a decisão prolatada pelo TJUE de 4 de maio de 2006, no âmbito do processo C-169/04, e ainda o seu Acórdão de 17 de Junho de 2021, prolatado nos processos apensos C-58/20 e C-59/20, onde a dado passo da sua fundamentação jurídica consta: “(...) resulta do exposto que prestações de serviços, como tarefas fiscais que consistem em assegurar que os rendimentos do fundo obtidos pelos participantes são tributados de acordo com a lei nacional e a cedência de um direito de utilização de um software destinado a efetuar cálculos essenciais à gestão do risco e à avaliação do desempenho, são abrangidas pela isenção prevista no artigo 135.º, n.º 1, alínea g), da Diretiva IVA, desde que tenham um nexo intrínseco com a gestão de fundos comuns de investimento e sejam exclusivamente fornecidas para efeitos da gestão desses fundos.”
  19. E partindo da jurisprudência do TJUE acima explicitada, conclui a Requerente como segue: “(...) 1) A isenção em análise relativa à gestão dos fundos de investimento não depende da identidade/da natureza dos prestadores de serviços, mas tão somente da natureza dos serviços prestados; 2) O regime não impede a aplicação da isenção na eventualidade de a gestão dos fundos ser dividida em serviços distintos, mesmo prestados (direta ou indiretamente) por entidades diferentes, como sucede in casu; 3) Atendendo ao princípio da neutralidade, os sujeitos passivos possuem o poder de escolher o modelo de organização que, do ponto de vista estritamente económico, melhor lhes convém (incluindo a externalização dos serviços de gestão dos seus fundos), sem correrem o risco de verem as suas operações excluídas do âmbito da isenção.”
  20. Volvendo para o âmbito objetivo da isenção, defende a Requerente que o TJUE tem reiterado uniformemente que estão isentas de IVA as operações específicas ligadas à atividade dos organismos de investimento coletivo, onde estarão incluídas não só as funções de gestão de carteira de títulos, mas também os deveres de gestão dos próprios OIC. Neste sentido, aponta a doutrina que dimana do Acórdão do TJUE de 21 de Outubro de 2004, BBL, C‑8/03, Colect., p. I‑10157, n.º 42 e ainda a que se pode extrair do parágrafo 61 do Acórdão do TJUE de 4 de Maio de 2006, prolatado no âmbito do processo C-169/04.
  21. Retirando a seguinte asserção: “[E]m linha com o entendimento vertido por aquele Tribunal, forçosamente será de extrair que todos os serviços de gestão e administração de carteira de fundos de investimento e administração dos mesmos – com especial enfoque naqueles que se encontrarem cobertos por obrigações legais ou contratuais – deverão ser considerados operações isentas ao abrigo do disposto na alínea g) do n.º 1 do artigo 135.º da Diretiva IVA em linha com a alínea g) do n.º 27) do artigo 9.º do Código do IVA, como é o caso das despesas incorridas com serviços de disponibilização de software informático, serviços de tesouraria, faturação e contabilidade prestados à ora Requerente.” E ainda: “[A]ssim, podemos afirmar que no caso concreto do referido acórdão, o Douto Tribunal considerou que os serviços em apreço configuravam funções específicas de gestão de organismos de investimento coletivo, mais concretamente funções de administração.”
  22. E prosseguindo na vinda de explicitar tarefa interpretativa diz a Requerente: “[N]o entanto, tal não bastará, referindo o Tribunal de Justiça, no seu Acórdão de 17 de junho de 2021, prolatado nos processos apensos C-58/20 e C-59/20 que “(…) para saber se prestações de serviços fornecidas por terceiros a sociedades de gestão de fundos comuns de investimento são abrangidas pela isenção prevista no artigo 135.º, n.º1, alínea g), da Diretiva IVA, importa apreciar se esses serviços formam um conjunto distinto, apreciado de modo global”.” E não se detendo, continua a afirmar: “[D]e facto, perante a apreciação do cumprimento do requisito supra elencado, sustentou o Douto Tribunal que “(…) o requisito relativo ao caráter «distinto» não pode ser interpretado no sentido de que, para ser abrangida pela isenção prevista no artigo 135.º, n.º 1, alínea g), da Diretiva IVA, uma prestação de serviços, específica e essencial à gestão de fundos comuns de investimento, deve ser totalmente externalizada”.” Dizendo mais: “[O]ra, nesta esteira, considera o próprio Tribunal que, se tal fosse exigível, a isenção perderia o seu efeito útil e o regime favoreceria – sem justificação e em violação do princípio da neutralidade – as sociedades gestoras que assumem o encargo jurídico, mas não participam materialmente na gestão dos fundos, assim como as sociedades gestoras que não externalizam qualquer parte dessa gestão.” (cf. Acórdão do TJUE de 17 de junho de 2021, prolatado nos processos apensos C-58/20 e C-59/20, parágrafos 37 a 42 e Jurisprudência aí invocada).
  23. E fundada no supra exposto, retira a Requerente a asserção de que o facto de a Requerente adquirir os serviços aqui em causa a um prestador externo, por si só, não obsta à aplicação da isenção em sede de IVA.
  24. Prossegue a Requerente com a análise ao teor do Acórdão do TJUE de 17 de junho de 2021, prolatado nos processos apensos C-58/20 e C-59/20, aduzindo no sentido de que aquele areópago “(...) reiterou que, como já resultava da jurisprudência anterior, a exigência de um carácter distinto ou autónomo dos serviços prestados por terceiros, não afasta a externalização parcial de um serviço ou do conjunto dos serviços de gestão, desde que os mesmos serviços cumpram as funções específicas e essenciais da gestão dos fundos de investimento. Referindo ainda que “[A] este respeito, pronunciou-se também o mesmo Tribunal no âmbito do mesmo processo, afirmando que “(…) para determinar se prestações de serviços fornecidas por terceiros a sociedades de gestão de fundos comuns de investimento, (…) são abrangidas pela isenção prevista no artigo 135.º, n.º 1, alínea g), da Diretiva IVA, importa apreciar se esses serviços são específicos e essenciais à gestão de fundos comuns de investimento.” E mais: afirmando o TJUE no sentido de que “(…) para determinar se as prestações fornecidas por um terceiro a uma sociedade de gestão são abrangidas pela isenção prevista no artigo 135.º, n.º 1, alínea g), da Diretiva IVA, há que investigar se o serviço prestado por esse terceiro tem um nexo intrínseco com a atividade específica de uma sociedade de gestão, de tal forma que tenha o efeito de preencher as funções específicas e essenciais da gestão de um fundo comum de investimento.” e de que “(…) são abrangidos pelo conceito de «gestão» de um fundo comum de investimento na aceção do artigo 135.º, n.º 1, alínea g), da Diretiva IVA não apenas a gestão de investimentos que implica a escolha e a cessão de ativos que são objeto dessa gestão mas também as prestações de administração e de contabilidade (…).”
  25. E exposta a jurisprudência comunitária que, segundo a Requerente, é aplicável ao dissídio aqui em causa, volta-se aquela para a concreta questão submetida a julgamento, aduzindo no sentido de que tem de atentar-se “(...) aos contractos celebrados entre a Requerente e as entidades B... e C..., onde os serviços prestados de desenvolvimento e disponibilização de software informático de suporte à administração e gestão de fundos de investimento e prestação de serviços de contabilidade, faturação e tesouraria, no âmbito da gestão dos ativos imobiliários que compõem os fundos de investimento, acarretam uma índole essencial e específica à atividade de gestão dos fundos de investimento imobiliário administrados pela Requerente.” Referindo mais: “(...) através dos serviços supra elencados, a B... e a  C... presta, à ora Requerente, serviços de tal forma essenciais e possuidores de um nexo intrínseco com a atividade de gestão e administração de fundos de investimento imobiliário levada a cabo pela Requerente, que, sem os mesmos, tal atividade não seria possível ser prosseguida.”
  26. Face à configuração dos serviços prestados por terceiros à Requerente e aqui em causa, aliás, sobejamente detalhados no Doc. n.º 2 e Doc. n.º 3 juntos aos autos,  conclui aquela que os mesmos assumem “(...) de forma clara e inequívoca, o cumprimento de funções específicas e essenciais, apresentando um notório nexo intrínseco com as funções legais e contratualmente obrigatórias para a atividade de gestão de carteira ou fundos de investimento, sendo eles serviços específicos prestados apenas no contexto da gestão de fundos de investimento, e não de uma outra qualquer tipologia de fundo.”
  27. Ficando claro que tais serviços se podem subsumir no âmbito de aplicação da isenção de IVA prevista na alínea g) do n.º 27) do art.º 9.º do Código do IVA, já que formam um conjunto distinto e têm um nexo intrínseco com as funções legal ou contratualmente obrigatórias para a gestão e administração da carteira e/ou dos fundos de investimento.
  28. Resolvida a questão da aplicabilidade da isenção prevista na alínea g) do n.º 27 do art.º 9º do CIVA às prestações de serviços aqui em causa, aborda seguidamente a Requerente a temática da alegada, pela AT, necessidade de regularização das faturas por aplicação do regime da inexatidão nos termos do n.º 1 e 3 do artigo 78.º do CIVA.
  29. Começa por trazer à colação o entendimento propugnado pelo TJUE, no âmbito do seu Acórdão de 8 de Dezembro de 2022, prolatado no processo C-378/21, concluindo ali o TJUE que “(...) o artigo 203.º da Diretiva IVA deve ser interpretado no sentido de que um sujeito passivo, que prestou um serviço e que mencionou na sua fatura um montante de IVA calculado com base numa taxa errada, não é devedor, por força desta disposição, da parte do IVA faturado erradamente se não houver um risco de perda de receitas fiscais pelo facto de os beneficiários desse serviço serem exclusivamente consumidores finais que não beneficiam do direito à dedução do IVA pago a montante.” E sendo a Requerente sujeito passivo de IVA que só realiza operações isentas, sem direito à dedução, ao abrigo do art.º 9º do CIVA e, assim sendo, sem possibilidade de se desonerar do IVA suportado, sustenta aquela que inexiste qualquer possibilidade de se verificar um risco de perda de receita fiscal.
  30. A Requerente defende ainda que “(...) a constituição do ónus na esfera da Requerente de, junto dos referidos prestadores dos serviços, de despoletar a correção das faturas e das declarações periódicas de imposto por estes apresentadas, ficando assim à mercê das suas decisões a este respeito, colide, também, com os princípios da eficácia e da efetividade.” e ainda, quanto ao prazo para a efectivação de regularização, de 2 anos ou de 4 anos, que estaríamos perante uma situação não subsumível no n.º 3 do artigo 78.º do Código do IVA, mas, sendo o aqui em causa um erro de direito, antes subsumível no n.º 2 do artigo 98.º do Código do IVA.
  31. A Requerente discorre ainda sobre a (in)aplicabilidade da Decisão Arbitral proferida a 30 de março de 2023, no âmbito do processo nº 484/2022-T à situação da ora Requerente e sobre os princípios da neutralidade, efetividade e eficácia que regem o sistema comum do IVA.
  32. Concluindo como segue: “[P]elo que, compulsado tudo o que foi supra exposto, ter-se-á necessariamente que concluir que a anulação (parcial) das liquidações que subjazem ao presente pedido e restituição do imposto indevidamente suportado pela Requerente, no montante de 67.170,35, configura a única forma de dar cumprimento ao direito da União Europeia, em concreto, aos princípios da neutralidade e da efetividade que regem o sistema comum do IVA.”
  33. Peticiona a Requerente: “[T]ermos em que, à face dos fundamentos expostos, se requer a Vossas Excelências a procedência do presente pedido de pronúncia arbitral e, em consequência: a) Anular parcialmente a autoliquidação de IVA efetuada pelas entidades que prestaram à Requerente serviços de disponibilização de software informático e serviços de tesouraria, faturação e contabilidade destinados exclusivamente à gestão de fundos de investimento imobiliário, durante o período compreendido entre janeiro de 2018 e dezembro de 2020, concretizados através da apresentação das Declarações Periódicas referentes a tais períodos pelas entidades prestadores dos referidos serviços, no âmbito dos quais a Requerente suportou um montante de IVA superior ao legalmente devido, no montante global de € 67.170,35; b) Anular a respetiva decisão de indeferimento do Pedido de Revisão Oficiosa sub judice porque manifestamente ilegal; c) Condenar a AT à restituição à Requerente do valor do IVA pago em excesso aos seus prestadores e refletido nas supra referidas Declarações Periódicas de imposto, no montante global de € 67.170,35; d) Condenar a AT a pagar à Requerente os juros indemnizatórios legalmente devidos, por estarem preenchidos os pressupostos do artigo 43.º da LGT. (...).”
  34. Quanto à exceção a Requerente, em réplica, invoca o seguinte:
  35. A título preliminar, começa a Requerente por dizer que “(...) os argumentos apresentados pela Requerida colidem com o sistema contencioso e tributário e, bem assim, com o sistema subjacente ao imposto em apreço, mormente no que respeita aos princípios da neutralidade e, bem assim, da efetividade, pelos quais o mesmo se deve pautar imperativamente.”
  36. Quanto à questão da legitimidade activa, traz a Requerente à discussão os n.ºs 1, 3 e 4 do art.º 18º; o n.º 2 do art.º 54º e o art.º 65º, todos, da LGT, bem como o art.º 9.º do CPPT (aplicável ex vi do disposto na alínea a) do nº 1 do art.º 29.º do RJAT), que transcreve.
  37. Aduzindo logo de seguida como segue: “(...) o n.º 1 dos artigos 20.º e 205.º da Constituição da República Portuguesa, em conjugação com os artigos 9.º, 18.º e 95.º LGT, e com o n.º 1 do artigo 9.º CPPT, conferem a possibilidade ao repercutido e habilitam-no para reclamar, recorrer ou impugnar, contanto que este possua um direito ou interesse legalmente protegido, in casu, a carga tributária que a Requerente suportou indevidamente, não devendo o mesmo ver-se vedado de o fazer, cabendo respeitar o princípio constitucionalmente reconhecido de acesso ao direito e tutela jurisdicional efetiva.” E mais: “(...) no que concerne à composição da relação jurídica tributária, sempre será de aceitar que, apesar de a Requerente não ser sujeito passivo dos serviços em apreço, suporta o IVA a estes inerente por repercussão legal, pelo que, nos termos das normas acima transcritas, terá direito de ação, dispondo, portanto, do direito de impugnar, de reclamar, de recorrer e de lançar mão a todas as garantias processuais para defesa dos seus direitos e legítimos interesses que tenham sido lesados por aplicação do mecanismo da repercussão.” E ainda: “(...) não é, de todo, correto afirmar que o repercutido não assume qualquer ligação com a relação tributária subjacente, sendo certo que se estabelece um dever na esfera do sujeito passivo, de repercussão do imposto, e consequentemente se impõe ao repercutido o dever de o suportar, estando a relação de repercussão intrinsecamente conexa com a obrigação tributária em causa.”
  38. E daqui retira a requerente que “(...) não é, ab initio, o sujeito passivo da relação tributária em apreço, atuando na mesma enquanto repercutido legal do IVA a esta subjacente o que, por si só, não preclude o seu direito de impugnação nos termos das normas tributárias supra elencadas, porquanto o sujeito abrangido pelas regras de incidência do IVA transferiu para a ora Requerente o encargo económico a este inerente enquanto “consumidor final” do serviço em questão.”
  39. Concluindo no sentido de que: “(...) a segunda parte da alínea a) do n.º 4 do artigo 18.º da LGT atribui ao repercutido o direito de impugnar a liquidação do imposto repercutido e que a parte final do n.º 1 do artigo 9.º, em conjugação com o seu n.º 4, lhe atribui legitimidade processual ativa na impugnação judicial correspondente.”
  40. No sentido de melhor sustentar a sua legitimidade activa e com respaldo no ponto 36 da Instrução de Serviço n.º 60131/2019 – Reclamações Graciosas – Verba 17 da TGIS – Legitimidade e meio procedimental adequado, onde se diz que : “[o] repercutido que seja titular de um interesse legalmente protegido que tenha sido ofendido por uma liquidação (indevida) de imposto do selo, deve efectuar uma reclamação graciosa necessária antes de deduzir a impugnação judicial, nos termos do artigo 131.º, n.º1, do CPPT.”, diz a Requerente ficar justificada a sua legitimidade processual ativa.
  41. Adicionalmente, entende a Requerente ser da maior relevância trazer à colação o entendimento propugnado pelo TJUE, no âmbito do seu Acórdão de 7 de setembro de 2023, prolatado no processo C-453/22, dizendo haver afirmado aquele areópago que “se o reembolso do IVA se tornar impossível ou excessivamente difícil (…), o princípio da efetividade pode exigir que o adquirente do bem em questão possa requerer o reembolso diretamente às autoridades tributárias. Por conseguinte, os Estados‑Membros devem prever os instrumentos e as vias processuais necessárias para permitir ao referido adquirente recuperar o imposto indevidamente faturado, de modo a que o princípio da efetividade seja respeitado.” (Cfr. parágrafo 23 da Decisão do TJUE no âmbito do Acórdão de 7 de setembro de 2023, prolatado no processo C-453/22). Dizendo mais: “(...) tendo em conta o lugar que o princípio da neutralidade do IVA ocupa no sistema comum do IVA, uma sanção que consiste em recusar de forma absoluta o direito ao reembolso do IVA incorretamente faturado e indevidamente pago é desproporcionada quando não for demonstrada nenhuma fraude ou prejuízo para o orçamento do Estado, mesmo em caso de negligência comprovada por parte do sujeito passivo. (Cfr. parágrafo 24 da Decisão do TJUE no âmbito do Acórdão de 7 de setembro de 2023, prolatado no processo C-453/22). E ainda que: “(...) se for impossível ou excessivamente difícil para o adquirente obter, junto dos fornecedores, o reembolso do IVA indevidamente faturado e pago, este adquirente, não lhe sendo imputado nenhum abuso, fraude ou negligência, tem o direito de dirigir o seu pedido de reembolso diretamente à Autoridade Tributária.” (Cfr. parágrafo 26 da Decisão do TJUE no âmbito do Acórdão de 7 de setembro de 2023, prolatado no processo C-453/22).
  42. De seguida, informa a Requerente que “(...) logrou encetar os esforços necessários para que, junto dos fornecedores em apreço, este procedesse à substituição das faturas previamente emitidas (...).” “Todavia, e apesar de (...) a Requerente ter levado a cabo as diligências necessárias para o efeito, inclusivamente ter dirigido uma carta individual e tendo, adicionalmente, efetuado contatos telefónicos junto dos fornecedores cujos serviços constituem objeto do processo em apreço (cópia das referidas cartas (...) juntas enquanto Documento 1), tal pretensão não acolheu concordância junto dos mesmos que, por sua vez, expressaram veemente recusa em fazê-lo, conforme resposta (...) junta enquanto Documento 2.”
  43. Aventa ainda a Requerente a “(...) possibilidade de existência de um duplo reembolso, a verificar-se na eventualidade de o fornecedor retificar as faturas ab initio dirigidas ao beneficiário dos serviços posteriormente ao reembolso deste pela AT, em simultâneo com o ato de requisição do reembolso oriundo do fornecedor (...)” aduzindo a tal propósito no sentido de que o TJUE notou que “(...) tal risco estará, à partida, excluído, na medida em que o mesmo poderá ser recusado caso se comprove que tal direito se encontra a ser invocado de forma abusiva.” (Cfr. parágrafos 30 a 33 da Decisão do TJUE no âmbito do Acórdão de 7 de setembro de 2023, prolatado no processo C-453/22).
  44. Retirando a Requerente a asserção de que não deve “(...) ver-se coartada do reembolso dos montantes de IVA por si (indevidamente) suportados com a aquisição de serviços tendentes à gestão e administração de fundos de investimento na medida em que aos mesmos deveria ter sido aplicada a isenção de imposto consagrada na subalínea g) da alínea 27) do artigo 9.º do Código do IVA, na medida em que o mesmo aufere, de forma clara e inequívoca, de legitimidade material enquanto repercutido do referido IVA.”
  45. Face ao exposto propugna “(...) não deverá proceder a exceção invocada pela Requerida na sua Resposta, pelo que a decisão da Revisão Oficiosa em apreço deverá ser anulada para todos os efeitos legais e, igualmente, deverão os atos de (auto)liquidação de IVA subjacentes à Revisão Oficiosa em crise ser considerados ilegais, devendo os mesmos ser anulados e o imposto pago pela Requerente ser-lhe integralmente reembolsado, acrescido de juros indemnizatórios.”
  46. No dia 25.10.2023, a Requerente fez chegar ao SGP do CAAD requerimento a coberto do qual vinha Pedido de Informação Vinculativa (PIV) que foi sancionado por despacho de 26.9.2023 proferido pela Exma. Sra. Diretora dos Serviços do IVA (em subdelegação), conforme notificação que se encontrava ali junta como Doc. n.º 1.  Ora, na resposta ao dito PIV, veio a AT considerar, em suma, que, enquanto serviços externalizados e prestados por um prestador terceiro, desde que formem um conjunto distinto, possuindo um nexo intrínseco com as funções legal ou contratualmente obrigatórias para a gestão e administração da carteira e/ou dos fundos de investimento, deverão beneficiar da isenção prevista na subalínea g) da alínea 27) do artigo 9.º do Código do IVA. A resposta ao PIV vinha junta ao requerimento superveniente como Doc. n.º 2.
  47. A Requerente diz haver tomado conhecimento do entendimento propugnado pelo Supremo Tribunal Administrativo (“STA”), no âmbito do Acórdão de 11 de setembro de 2022 referente ao processo n.º 087/22.5BEAVR e mediante requerimento superveniente entrado no SGP do CAAD em 28.2.2024, peticionou a sua junção aos autos, na medida em que ele se afigurava relevante para a justa composição do dissídio sub judicio.
  48. A Requerida apresentou Resposta, na qual alega:

 

I.B) Alegações da Requerida:

 

  1. Na Resposta, a Requerida começa por se defender por excepção, arguindo com a ilegitimidade material da requerente.
  2. Trazendo à colação a doutrina dimanada do Acórdão Arbitral proferido no Processo n.º 513/2021-T e donde dizem poder inferir-se que para que a Requerente tenha legitimidade, deve ter legitimidade formal, mas também, legitimidade material, transcrevendo aquela decisão como segue: “Aqui chegados, importa recordar novamente a distinção entre legitimidade processual, que constitui um pressuposto adjetivo de que depende o conhecimento do mérito da causa, que se afere pelo interesse do autor em demandar e o do réu em contradizer, e legitimidade substantiva, que é um requisito de procedência do pedido, uma vez que tem que ver com a efetividade da relação material, interessando já ao mérito da causa. Assim, in casu, apesar da Requerente ter legitimidade processual, dado o seu interesse directo em contradizer, o qual decorre do reembolso de imposto que advenha da procedência da acção (artigo 30.º, n.º 2 do CPC), não tem legitimidade material, substantiva ou ad actum, na relação controvertida em análise, dado ser-lhe inaplicável a invocada possibilidade de proceder à dedução de despesas profissionais, atendendo à efectiva relação material controvertida. Considerando que “A legitimidade material, substantiva ou “ad actum” consiste num complexo de qualidades que representam pressupostos da titularidade, por um sujeito, de certo direito que o mesmo invoque ou que lhe seja atribuído, respeitando, portanto, ao mérito da causa” – Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, Proc. 5297/12.0TBMTS.P1.S2 – entende-se que não estando a B..., que é o titular do direito violado, nesta acção, julga-se verificada excepção peremptória inominada, de conhecimento oficioso, de ilegitimidade material da Requerente (artigos 576.º, n.ºs 1 e 3 e 579.º do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1 e) do RJAT).
  3. E dizendo a Requerida descer ao caso concreto, sustenta aquela que “(...) a Requerente é a pessoa a quem o imposto foi repercutido, mas não é sujeito na relação jurídico tributária da qual resultaram os actos em apreço.”
  4. Aduzindo ainda como segue: “(...) verificando-se no caso, como se verifica que, a alegação da Requerente se reduz a um erro na liquidação de imposto aquando da emissão de facturas que foram emitidas, registadas e, que determinaram que a Requerente enquanto destinatária dos serviços, suportasse o imposto daquelas constante, a retificação do imposto liquidado nas facturas, a verificar-se o direito a tal retificação (o que não se concede), sempre seria através do art.º 78.º e ss. do CIVA."
  5. Prosseguindo aduz: “[E], tal retificação, porquanto não seria a favor do Estado, mas antes e sim, do sujeito passivo, não é obrigatória, sendo pelo contrário facultativa.” Dizendo mais : "(…) o direito de decidir pela regularização ou não de tal imposto (se se verificar o direito à regularização), cabe ao sujeito passivo do imposto e não, àquele a quem o imposto foi repercutido."
  6. E isto dito e em matéria de excepção, conclui a Requerida como segue: “[A]ssim, em suma e, salvo melhor opinião, atenta a Jurisprudência acima referida, deve ser julgada verificada a excepção peremptória inominada, de conhecimento oficioso, de ilegitimidade material da Requerente (artigos 576.º, n.ºs 1 e 3 e 579.º do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1 e) do RJAT), com todas as consequências legais, o que desde já se Requer."
  7. No que tange à defesa por impugnação, começa a Requerida por dizer que a Requerente alega ter pago IVA em excesso aos fornecedores B..., Lda., NIPC..., e C..., Lda., NIPC...., "(…) com referência, respetivamente, aos serviços de disponibilização de “software” informático e serviços de tesouraria, faturação e contabilidade, que lhe foram faturados, nos anos de 2018, 2019 e 2020.” E ainda que “[A]o invés de solicitar a correção das faturas que lhe foram emitidas, (…) veio apresentar revisão oficiosa contra o pagamento em excesso de IVA. (…) Inconformada com a decisão de rejeição, a Requerente veio apresentar o presente pedido de pronúncia arbitral (PPA), procurando reaver o IVA pago indevidamente, acrescido de juros indemnizatórios. (…)."
  8. De seguida traz a Requerida à colação o disposto nos n.ºs 1 e 2 do art.º 98º do CIVA, intuindo daí o seguinte: “[A]inda que o artigo 98.º do Código do IVA estabeleça um prazo de caducidade do direito à dedução e/ou reembolso do imposto pago em excesso e que seja invocado erro de direito, tal não se mostra suficiente para habilitar a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) a efetuar a revisão dos atos tributários fora dos termos e prazos legalmente estabelecidos para o efeito, no artigo 78.º da Lei Geral Tributária (LGT).” E a este respeito, transcreve ainda parte da fundamentação jurídica tirada na Decisão Arbitral prolatada no Processo n.º 9/2021-T, com data de 2021-09-13.
  9. Prossegue a Requerida, invocando a Informação n.º 1919, de 2017-11-13, da Direcção de Serviços do IVA, sancionada superiormente por despacho do Subdiretor-Geral para a Área de Gestão Tributária do IVA, que a dado passo diz : “(…) o meio procedimental do art.º 78.º da LGT não tem por objeto a retificação e restituição do IVA liquidado em faturas emitidas pelos sujeitos passivos, até porque esta garantia impugnatória não se sobrepõe às normas especiais do direito à regularização previstas no art.º 78.º do CIVA (…)”.
  10. Aduz no sentido de que “[P]or regra, a liquidação e a cobrança do IVA é feita pelo sujeito passivo, através da declaração periódica, nos termos dos artigos 27.º e 41.º do Código do IVA, tendo por base os seus registos contabilísticos, os quais, de acordo com o preceituado no artigo 44.º, n.º 2, alínea c), e n.º 3, do mesmo Código, devem refletir o valor tributável e o IVA liquidado que constam das faturas que lhe sejam emitidas. (...). O n.º 1 do artigo 59.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) estatui que “[o] procedimento de liquidação instaura-se com as declarações dos contribuintes ou, na falta ou vício destas, com base em todos os elementos de que disponha ou venha a obter a entidade competente”. (...) .Sendo pacífico que não foi exercido o direito à dedução relativamente ao IVA mencionado nas faturas em causa, não há erro nas correspondentes autoliquidações do IVA. (...). Note-se que, a Requerente é isenta de IVA ao abrigo do artigo 9.º do Código do IVA, exercendo uma atividade que não confere o direito à dedução, por força do disposto no artigo 20.º, n.º 1 do Código do IVA, em que, por regra, não procede à (auto)liquidação do IVA. (...). Ademais, o requerido pedido de reembolso pressupõe necessariamente que se trate de imposto suportado pela Requerente.”
  11. A Requerida repristina ainda a questão da falta de legitimidade da Requerente para estar presente na lide dirigida à discussão de autoliquidações de IVA emitidas em nome de outra(s) entidade(s), ainda que esta(s) lhe forneça(m) bens ou serviços.
  12. Trazendo também à discussão uma outra questão: a de que, para se poder proceder à revisão oficiosa dos atos tributários, teria de ser invocada e demonstrada a existência de “erro imputável aos serviços”, o que não se verifica.
  13. Concluindo no sentido de que “(...) ao invés de apresentar a revisão oficiosa, a Requerente deveria ter exigido, junto dos fornecedores dos bens e prestadores dos serviços, a emissão dos respetivos documentos retificativos de fatura, de modo a reaver o IVA pago em excesso."
  14. Aduzindo com o disposto nos nºs 2 e 3 do art.º 97.º do Código do IVA (que transcreve) e não deixando de trazer à colação os ensinamentos de Jesuíno Alcântara Martins, in Código do IVA e RITI – Notas e Comentários, Coordenação e Organização: Clotilde Celorico Palma e António Carlos dos Santos, 2014, p. 504, quando a dado passo daquela obra se diz que o n.º 3 do art.º 97.º do Código do IVA “(…) visa garantir a observância do princípio da neutralidade que caracteriza o IVA e simultaneamente acautelar os interesses do Estado, sob pena do erário público ser prejudicado”, ao determinar que “a anulação das liquidações de IVA só pode ser efetuada quando estiver provado que o imposto em causa não foi incluído na fatura do adquirente dos bens ou serviços, visto que, caso contrário, este poderia beneficiar do direito à dedução e o Estado corria o risco de restituir ao reclamante/impugnante o imposto anulado e simultaneamente deduzido.”
  15. De seguida a requerida transcreve o n.º 7 do art.º 29º do CIVA e bem assim como o art.º 78.º do mesmo normativo. 
  16. Transcreve ainda a parte que se segue do Oficio-Circulado 30082/2005, de 17 de Novembro, da Direção de Serviços do IVA, quando se reporta à circunstância das regularizações previstas no artigo 78.º do Código do IVA se destinarem “(…) a corrigir, a favor do sujeito passivo ou a favor do Estado, o imposto já entregue ou já deduzido num determinado período de imposto, por força de diversas circunstâncias ocorridas após o envio da declaração periódica e que não estejam contempladas noutros normativos legais.”
  17. E dito isto, defende a Requerida: “[A]inda que se invoque erro de direito, tratando-se de IVA indevidamente liquidado na fatura, tem-se entendido que deve ser emitido o documento retificativo de fatura e provado que o respetivo cliente tomou conhecimento da anulação do imposto ou que foi reembolsado do imposto indevidamente liquidado. Dizendo ainda: "[A] Requerente é, no caso vertente, o adquirente, que alega não ter deduzido o IVA, mas a lei não distingue a forma de correção das faturas em função da qualidade do adquirente. E mais: "[P]or outro lado, o facto de a Requerente não deduzir IVA não obsta ao direito de reembolso do IVA pago em excesso, a que se refere o artigo 98.º, n.º 2 do Código do IVA, que assiste aos prestadores dos serviços que emitiram as faturas em causa. (…). Em tal situação, não se pode, aliás, compensar a regularização de IVA a favor do sujeito passivo, na esfera do prestador de serviços, com a correção da dedução, na esfera do adquirente, mediante regularização de IVA a favor do Estado. (…). Ou seja, contrariamente ao que defende a Requerente, não se mostra assegurado que, do aqui requerido reembolso de IVA, não resulte a perda de receitas fiscais. (...). Acresce que, não se alega (muito menos se comprova) ser impossível ou excessivamente difícil para a Requerente obter, junto dos prestadores de serviços, a correspondente retificação das faturas e a restituição do imposto indevidamente liquidado.
  18. Concluindo, diz a Requerida : "[E]m tais circunstâncias, prevendo a lei mecanismos de correção do IVA na esfera dos prestadores, que exigem a emissão do correspondente documento retificativo, incluindo nos casos de erro de direito, com enquadramento no artigo 98.º, n.º 2 do Código do IVA, entende-se que carecem de base legal pedidos de reembolso do IVA pago em excesso como o que vem invocado. (…). Ademais, não se pode olvidar que o erro no enquadramento das operações ativas por parte das entidades emitentes tem implicações no direito à dedução destas. (…). A alegada isenção dos serviços, ao abrigo do artigo 9.º, alínea 27), subalínea g) do Código do IVA, sendo aplicável, deve constar das respetivas faturas, estando vedado o correspondente direito à dedução, na esfera da B... e da C..., por força do artigo 20.º, n.º 1 do Código do IVA.”, pugnando pela  improcedência do pedido de pronúncia arbitral, defendendo mostrar-se prejudicada a validação da isenção invocada, ao abrigo do artigo 9.º, n.º 27), alínea g), do Código do IVA, bem como a verificação do montante de imposto a reembolsar e a apreciação do pedido de juros indemnizatórios. 
  19. Sustenta ainda a Requerida que não se comprova a aplicabilidade da alínea g) do n.º 27 do art.º 9º do CIVA à questão sub judicio. Para tanto faz uma incursão pelos normativos que traçam o regime jurídico aplicável aos organismos de investimento coletivo (OIC), referindo a Lei n.º 16/2015, de 24 de Fevereiro, entretanto revogada e o Decreto-Lei n.º 27/2023, de 28 de Abril. Refere ainda a matriz comunitária daquela disposição do CIVA, ou seja, a alínea g) do n.º 1 do art.º 135.º da Directiva IVA e algumas decisões do TJUE (que em parte transcreve), nomeadamente: i) o Acórdão de 4 de Maio de 2006, caso Abbey National, processo C-169/04, n.º 60 ; ii) o Acórdão de 13 de Março de 2014, caso ATP, processo C‑464/12, n.º 40 e jurisprudência aí citada; iii)  o Acórdão de 28 de junho de 2007, caso JP Morgan, processo C-363/05, n.º 26, e jurisprudência aí citada. Não deixa a Requerida de transcrever, quase na integra, a Informação Vinculativa n.º 1776, com despacho do subdiretor- Geral, substituto legal do Diretor-Geral, de 2011-04-08.
  20. Peticionando seja julgado improcedente o PPA por não provado e, consequentemente, devendo ser absolvida a Requerida de todos os pedidos, tudo com as devidas e legais consequências. 
  21. Mediante requerimento entrado no SGP do CAAD em 9.11.2023, a Requerida pronunciou-se sobre o requerimento superveniente apresentado pela Requerente em 25.10.2023 que junta aos autos decisão que recaiu sobre PIV apresentado pela Requerente e respectiva resposta prolatada pela AT.  
  22. Alegando interesse para a boa decisão da causa, a Requerida apresentou, em 22.12.2023, requerimento superveniente que dava a conhecer ao Tribunal haver sido proferida Decisão Arbitral no processo 471/2023-T, processo aquele que diz em tudo idêntico ao em apreço nos presentes autos, que decidiu pela procedência da excepção da ilegitimidade activa da Requerente.

 

IV. DECISÃO:

 

IV.A) Factos que se consideram provados:

 

  1. Com relevo para a apreciação e decisão da excepção suscitada e também dos restantes pressupostos processuais, dão-se como assentes e provados os seguintes factos:

 

  1. A Requerente é uma sociedade anónima, tendo sido constituída em 22 de Fevereiro de 2017 e encontra-se registada na Comissão dos Mercados dos Valores Mobiliários (“CMVM”) na qualidade de intermediário financeiro autorizado desde 19 de julho de 2018. (Cfr. art.º 58º do PPA. Facto não controvertido);
  2. Enquanto responsável pela administração de quatro fundos de investimento imobiliário, compete-lhe, nomeadamente, adquirir, construir, arrendar, transacionar e valorizar bens imóveis e demais ativos suscetíveis de integrarem o património dos respetivos Fundos, e comprar, vender, subscrever ou trocar valores mobiliários, e bem assim, praticar os demais atos necessários à correta administração e desenvolvimento dos mesmos. (Cfr. art.º 59º do PPA. Facto não controvertido);
  3. No contexto da sua atividade de gestão e administração dos referidos Fundos de investimento Imobiliário, a Requerente externalizou parte dos serviços necessários e indispensáveis à gestão e administração do portfólio de ativos que integram o património dos referidos organismos de investimento. (Cfr. art.º 59º do PPA. Facto não controvertido);
  4. A Requerente adquiriu serviços necessários e indispensáveis à referida atividade de gestão de fundos de investimento, designadamente: i) Serviços de disponibilização de software informático; ii) Serviços de tesouraria, faturação e contabilidade. (Cfr. art.º 62º do PPA. Facto não controvertido);
  5. Quanto aos serviços referidos em i) do ponto D) do probatório, destinam-se à gestão de fundos de investimento imobiliário e são prestados pela B..., Lda., uma empresa especializada no desenvolvimento de software e prestação de serviços para a gestão de património imobiliário e de fundos de investimento, o qual se é destinado única e intrinsecamente à gestão e administração de fundos de investimento imobiliário, pelo que o presente software não poderá ser utilizado para outra tipologia de organismos. (Doc. n.º 2 junto ao PPA);
  6. A B... cobra à Requerente uma remuneração por tais serviços. (Facto não controvertido);
  7. A B... enquadrou a prestação dos serviços referidos em i) do ponto D) do probatório, para efeitos de IVA, enquanto operações sujeitas e não isentas, emitindo as respectivas faturas e liquidando o imposto à Requerente, durante os anos 2018, 2019 e 2020, à taxa normal de 23% (Cfr. Doc. nº 3 junto ao PPA);
  8. No que tange aos serviços referidos em ii) do ponto D) do Probatório e por forma a cumprir as obrigações necessárias à gestão e administração dos Fundos, a Requerente recorre a uma empresa especializada em serviços de tesouraria, faturação e contabilidade – a C... (Cfr. Doc. nº 3 junto ao PPA);
  9. No quadro da gestão e administração dos fundos de investimento, a C... presta à Requerente os seguintes serviços: Emissão de faturas e cumprimento das demais obrigações de faturação; Cálculo de juros referentes a empréstimos; Verificação dos pressupostos legais e fiscais da documentação emitida; Cumprimento de obrigações fiscais e declarativas; Elaboração de operações e movimentos de regularização; Consolidação de contas; Acompanhamento de auditorias externas. (Cfr. art.º 64º do PPA. Facto não controvertido);
  10. A C... cobra, mensalmente, à Requerente uma remuneração pela prestação dos referidos serviços. (Facto não controvertido);
  11. A C... enquadrou a prestação dos serviços referidos em ii) do ponto D) do Probatório, para efeitos de IVA, enquanto operações sujeitas e não isentas, emitindo as correspondentes faturas à Requerente e liquidando o imposto à Requerente, durante os anos 2018, 2019 e 2020, à taxa normal de 23% (Cfr. Doc. n.º 5 junto ao PPA);
  12. Relativamente aos vários períodos de tributação compreendidos entre Janeiro de 2018 e Dezembro de 2020, os fornecedores B... e C... faturaram à Requerente os referidos serviços de gestão e administração dos Fundos de Investimento Imobiliário, no montante global de € 292.045,00 (i.e. base tributável), tendo as entidades em apreço liquidado o respetivo IVA, à taxa normal de 23%, imposto este que ascendeu a 67.170,35 €. (Cfr. art.º 75º do PPA. Facto não controvertido);
  13. Em 2.1.2023, foi aberto procedimento de Revisão Oficiosa, n.º ...2023..., na sequência de petição apresentada pela Requerente em 30.12.2022, ao abrigo do disposto no artigo 98.º do Código do IVA e alínea c) do n.º 1 do art.º 54º e do artigo 78.º da LGT, que tinha por objecto a autoliquidação de imposto referente ao período que medeia entre Janeiro de 2018 e Dezembro de 2020, insurgindo-se contra os atos de liquidação do IVA efetuados nas faturas referidas em G) e K) do Probatório. (Cfr. fls. 1 e 2/173 do PA).
  14. Mediante Ofício n.º ...-DJT/2023, de 03.03.2023, foi dado a conhecer à Requerente o Projecto de decisão que recaiu sobre o Pedido de Revisão Oficiosa referido no ponto M) do Probatório e que ia no sentido da rejeição do pedido, com os fundamentos que se dão aqui por integralmente reproduzidos. (Cfr. fls.138 a 152 do PA).
  15. Mediante Ofício n.º ...-DJT/2023, de 31.03.2023, foi dado a conhecer à Requerente a decisão final que recaiu sobre o Pedido de Revisão Oficiosa referido no ponto M) do Probatório e que ia no sentido da sua rejeição liminar (Cfr. Doc. n.º 1, junto ao PPA e fls.155 a 170 do PA)
  16. Em 29.06.2023, pelas 13:08 horas, a Requerente apresentou o pedido de constituição do tribunal arbitral que deu origem ao presente processo (Cfr. Sistema de Gestão Processual do CAAD);
  17. O pedido foi aceite em 03.07.2023, pelas 15:22 horas (Cf. Sistema de Gestão Processual do CAAD).

 

IV.B) Factos não provados:

 

  1. A Requerente afirma ter requerido a regularização do IVA liquidado nas facturas referidas no ponto G) e K) do Probatório.  A Requerente refere haver logrado encetar os esforços necessários para que, junto dos fornecedores identificados no probatório, estes procedessem à substituição das faturas previamente emitidas.
  2. Para o efeito indicou as diligências que levou a cabo, referindo ter dirigido uma carta individual e tendo, adicionalmente, efetuado contatos telefónicos junto dos fornecedores cujos serviços estão identificados no Probatório.
  3. Afirma ainda que tal pretensão da substituição das facturas não acolheu concordância junto dos fornecedores, que, por sua vez, expressaram veemente recusa em fazê-lo.
  4. No Requerimento superveniente apresentado em 21.12.2023, diz que faz ali a junção das cópias das cartas referidas acima enquanto Doc. n.º 1; e ainda cópia das respostas dos fornecedores que foram interpelados a rectificar as facturas e o declinaram, afirmando que a  sua junção estava no aludido requerimento enquanto Doc. n.º 2.
  5. O Requerimento superveniente apresentado em 21.12.2023 não vinha acompanhado de qualquer documento, ou seja, nem do referido Doc. n.º 1; nem mesmo do ali referido Doc. n.º 2.
  6. A aqui Requerente não provou, assim, que solicitou às suas fornecedoras ou prestadoras dos serviços que em alegado erro de direito procederam à liquidação indevida de IVA que lhe foi dirigido e que aquela pagou, a rectificação do imposto, ou, rectius, a regularização desse mesmo imposto nos termos e em conformidade com o disposto no art.º 78.º do CIVA.
  7. Não se provaram outros factos com relevância para a decisão das questões submetidas a julgamento.

 

IV.C) Fundamentação da decisão sobre a matéria de facto:

 

  1. Relativamente à matéria de facto, importa, antes de mais, salientar que o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e distinguir a matéria provada da não provada, tudo conforme o artigo 123.º, n.º 2, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) e o artigo 607.º, n.ºs 3 e 4 do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT.
  2. Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. art.º 596.º do CPC).
  3. A convicção sobre os factos dados como provados e não provados (acima explicitados) assentou na análise crítica da prova e fundou-se nas posições assumidas pelas partes nos respetivos articulados que não foram impugnadas pela parte contrária e, nomeadamente, na prova documental junta aos autos pela Requerente e nas informações oficiais e nos documentos constantes do PA junto aos autos, conforme remissão feita a propósito de cada ponto do probatório, sendo indicado expressamente em cada um daqueles pontos o(s) documento(s) que contribuíram para a extração do correspondente facto.
  4. A valoração dos documentos atendeu ao seu valor probatório, ao seu teor e aos factos que os mesmos comprovam, em si mesmos ou em conjugação com os demais, sendo de salientar que as informações oficiais, fazem fé, quando devidamente fundamentadas e se se basearem em critérios objectivos. (Cfr. artigos 76º, n.º 1 da LGT e 115º, n.º 2 do CPPT).

 

IV.D) Pressupostos Processuais:

 

III.D1) DA (IN)COMPETÊNCIA MATERIAL DO TRIBUNAL ARBITRAL:

 

  1. O âmbito de competência material dos tribunais constitui matéria de ordem pública e o seu conhecimento precede o de qualquer outra matéria, cumprindo, por isso, antes de tudo o mais, proceder à sua apreciação (cfr. artigos 16.º do CPPT, 13.º do CPTA e 96.º e 98.º do CPC, subsidiariamente aplicáveis por remissão, respetivamente, das alíneas a), c) e e) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT).
  2. Assim sendo, e tendo em consideração que a excepção dilatória da incompetência material poderá obstar ao conhecimento do mérito da causa e/ou importar a absolvição da Requerida da instância, nos termos do disposto no n.º 4 do art.º 89.º do CPTA e ainda do disposto no art.º 576.º do Código do Processo Civil aplicáveis ex vi do disposto no art.º 29.º do RJAT, será, a mesma, de imediato apreciada. Vejamos,
  3. Como ensinava o Prof. Manuel Domingues de Andrade em «Noções Elementares de Processo Civil» p.p. 88 e ss., a competência dos tribunais “[é] a medida de jurisdição dos diversos tribunais; o modo como entre eles se fracciona e reparte o poder jurisdicional”, sendo que a “Competência abstracta dum tribunal é a medida da sua jurisdição; a fracção do poder jurisdicional que lhe é atribuída; a determinação das causas que lhe tocam” e a “Competência concreta dum tribunal, trata-se (…) da sua competência para certa causa. É o seu poder de julgar (exercer actividade processual) nesse pleito; a inclusão deste na fracção de jurisdição que lhe corresponde.”
  4. A competência material do tribunal afere-se pelos termos em que a acção é proposta e pela forma como o autor estrutura o pedido e os respectivos fundamentos. Por isso, para se aferir da competência material do tribunal importa apenas atender aos factos articulados pelo autor na petição inicial e à pretensão jurídica por ele apresentada, ou seja, à causa de pedir invocada e aos pedidos formulados. (Neste sentido veja-se Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 15.1.2015, Pº 117/14.4TTLMG.C1 que veio a ser confirmado pelo Acórdão do STJ de 16/06/2015).
  5. A competência material dos tribunais arbitrais que funcionam junto do CAAD é desde logo definida pelo artigo 2.º, n.º 1, do RJAT, que dispõe: “1 - A competência dos tribunais arbitrais compreende a apreciação das seguintes pretensões: a) A declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta; b) A declaração de ilegalidade de actos de fixação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de actos de determinação da matéria colectável e de actos de fixação de valores patrimoniais; c) (...)” - Revogada pela Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro.
  6. A competência material dos tribunais arbitrais que funcionam junto do CAAD é ainda limitada pela vinculação da Autoridade Tributária e Aduaneira que, nos termos do artigo 4.º, n.º 1, do RJAT, veio a ser definida pela Portaria n.º 112-A/2011, de 12 de Março, que estabelece o seguinte: “Os serviços e organismos referidos no artigo anterior vinculam-se à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD que tenham por objeto a apreciação das pretensões relativas a impostos cuja administração lhes esteja cometida referidas no n.º 1 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, com exceção das seguintes: a) Pretensões relativas à declaração de ilegalidade de atos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário; b) Pretensões relativas a actos de determinação da matéria colectável e actos de determinação da matéria tributável, ambos por métodos indirectos, incluindo a decisão do procedimento de revisão; c) Pretensões relativas a direitos aduaneiros sobre a importação e demais impostos indirectos que incidam sobre mercadorias sujeitas a direitos de importação; e d) Pretensões relativas à classificação pautal, origem e valor aduaneiro das mercadorias e a contingentes pautais, ou cuja resolução dependa de análise laboratorial ou de diligências a efectuar por outro Estado membro no âmbito da cooperação administrativa em matéria aduaneira.”
  7. Isto dito, importa então começar por atentar no pedido formulado pela Requerente que, visto o petitório, se materializa como segue: “[T]ermos em que, à face dos fundamentos expostos, se requer a Vossas Excelências a procedência do presente pedido de pronúncia arbitral e, em consequência: a) Anular parcialmente a autoliquidação de IVA efetuada pelas entidades que prestaram à Requerente serviços de disponibilização de software informático e serviços de tesouraria, faturação e contabilidade destinados exclusivamente à gestão de fundos de investimento imobiliário, durante o período compreendido entre janeiro de 2018 e dezembro de 2020, concretizados através da apresentação das Declarações Periódicas referentes a tais períodos pelas entidades prestadores dos referidos serviços, no âmbito dos quais a Requerente suportou um montante de IVA superior ao legalmente devido, no montante global de € 67.170,35; b) Anular a respetiva decisão de indeferimento do Pedido de Revisão Oficiosa sub judice porque manifestamente ilegal; c) Condenar a AT à restituição à Requerente do valor do IVA pago em excesso aos seus prestadores e refletido nas supra referidas Declarações Periódicas de imposto, no montante global de € 67.170,35; d) Condenar a AT a pagar à Requerente os juros indemnizatórios legalmente devidos, por estarem preenchidos os pressupostos do artigo 43.º da LGT. (...).”
  8. Intuindo-se daqui que decorre com meridiana clareza da literalidade do pedido que o que a Requerente efetivamente pretende é a declaração de ilegalidade e a anulação parcial dos actos de autoliquidação de IVA aqui em causa, por via da declaração de ilegalidade e anulação do acto que indeferiu a pedido de revisão entretanto apresentado.
  9. Como visto, a pretensão de anulação de actos de autoliquidação de tributos tem perfeito cabimento na norma competencial prevista na alínea a), do n.º 1, do art.º 2.º do RJAT.
  10. Ademais, a Portaria n.º 112-A/2011, de 12 de Março, através da qual a Requerida se vinculou à arbitragem em matéria tributária, não contém qualquer exclusão que pudesse abarcar a situação dos presentes autos (Cfr. n.º 2 do art.º 2.º da referida Portaria).
  11. Nessa medida, o pedido formulado pela Requerente está compreendido no âmbito das competências dos tribunais arbitrais constituídos sob a égide do CAAD, pois nele está incluída a apreciação de pretensões de “declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta”, como decorre do estatuído na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do RJAT.
  12. Há, assim, que concluir pela competência do presente Tribunal em razão da matéria por força do citado art.º 2.º, n.º 1, al. a), do RJAT e ainda por força da vinculação à arbitragem tributária institucionalizada do CAAD por parte da Autoridade Tributária e Aduaneira, tal como resulta da Portaria n.º 112-A/2011 de 12 de Março.
  13. Deste modo, considera-se o tribunal competente em razão da matéria com respaldo também em tudo quanto foi supra aduzido e ainda no prolatado na decisão arbitral tirada no Processo n.º 206/2022-T que pode ser lida in https://caad.org.pt/tributario/decisoes/decisao.php?listPageSize=100&listOrder=Sorter_data&listDir=DESC&id=6780 .
  14. Quanto à competência do CAAD para apreciação da (i)legalidade de actos de primeiro, segundo e terceiro grau, considera o tribunal que é actualmente entendimento pacífico tanto na Jurisprudência como na Doutrina que os actos de indeferimento de pretensões dos sujeitos passivos poderão ser arbitráveis junto do CAAD, na condição de, eles próprios, terem apreciado a legalidade de um acto de liquidação de imposto - i.e., de um acto de primeiro grau.
  15. Naquele sentido, adequado se mostra trazer à colação jurisprudência arbitral (concretamente a Decisão Arbitral proferida no processo n.º 272/2014-T do CAAD que pode ser lida in https://caad.org.pt/tributario/decisoes/decisao.php?listOrder=Sorter_data&listDir=DESC&listPage=180&id=614 ) e doutrina (Jorge Lopes de Sousa que, no seu “Comentário ao Regime Jurídico da Arbitragem Tributária” e Carla Castelo Trindade, in “Regime Jurídico da Arbitragem Tributária Anotado”), que sustenta que a jurisdição arbitral é competente para arbitrar pretensões relativas à declaração da legalidade de actos de liquidação de tributos - actos de primeiro grau - quando, num acto de segundo grau, a AT se tenha pronunciado relativamente à legalidade de tal acto.
  16. A Requerente, visando demonstrar que a AT se pronunciou sobre a legalidade dos actos de autoliquidação entretanto controvertidos e aqui sindicados, aduz como segue nos artigos 24.º a 27.º do seu PPA: “(...) 24.º Ora, na situação objeto do presente Pedido de Pronúncia Arbitral, entendeu a AT ser de indeferir o Pedido de Revisão Oficiosa apresentado pela Requerente com referência aos atos tributários de (auto)liquidação de IVA com referência ao período compreendido entre janeiro de 2018 e dezembro de 2020, uma vez que, de acordo com o seu entendimento, os mesmos não padecem de qualquer ilegalidade, estando conformes às normas que lhe são subjacentes. 25.º Assim, sustentou a AT, na decisão em apreço, que “[f]ace ao caso concreto, e tendo em consideração a situação fática descrita, os argumentos tecidos e os documentos disponibilizados pela Requerente, constata-se que estarmos perante uma situação enquadrável no âmbito do n.º 3 do artigo 78.º do CIVA, que se refere às regularizações decorrentes de inexatidão nas faturas” (cf. Documento 1). 26.º Ademais, considera a AT que “[n]esse sentido, impunha‐se que as faturas emitidas pela B... e C..., nas quais incluíram IVA à taxa de 23%, fossem corrigidas, nos termos legais, para que passasse a constar das mesmas a menção e justificação para a aplicação da isenção de imposto nos termos do disposto no n.º 5 do artigo 36.º do CIVA, que entende, a Requerente, ser o enquadramento legalmente correto (…) Não se verificando tais requisitos, inexistirá fundamento legal para a anulação das autoliquidações em questão, por as mesmas estarem em conformidade com as normas legais aplicáveis”. 27.º Deste modo, refere a AT na sua decisão de indeferimento sub judice: “(…) - Do exposto decorre que o que está em causa nos autos e o exercício do direito a regularização do imposto a favor dos sujeitos passivos, matéria que indubitavelmente está na sua disponibilidade, é manifesto que nenhum erro pode ser imputado a AT. - Nesse sentido, a omissão da alegada regularização do imposto liquidado, não configura sequer a prática de um erro, mas uma opção legitima dos sujeitos passives, não podendo a AT substitui‐se aos mesmos no seu exercício. - Nestes termos, inexistindo qualquer erro que possa ser imputado a AT, deve concluir‐se que não tendo a Requerente apresentado o requerimento de Revisão Oficiosa dentro do prazo de dois anos a contar da data da entrega das declarações periódicas relativas aos períodos de tributação compreendidos entre janeiro de 2018 e outubro de 2020, a mesma mostra‐se quanto aos mesmos intempestiva. - Sem prescindir, e mais uma vez no pressuposto de estarmos perante a existência de um erro, importa realçar que o mesmo jamais se poderia reportar as mencionadas autoliquidações, mas sim a atos prévios às mesmas ‐ as faturas emitidas pela B... e C..., onde se materializou a liquidação do imposto que a Requerente alega ser ilegal. - Com efeito, as autoliquidações não estão erradas porquanto devem refletir as faturas emitidas e os respetivos registos contabilísticos efetuados pelo sujeito passivo. - Pelo que, salvo melhor entendimento, estar‐se‐á perante uma situação de inexatidão de fatura relevante para efeitos de passível correção nos termos do n.º 1 e 3 do artigo 78.º do CIVA, quando o valor tributável da operação, ou o respetivo imposto nela mencionado, não forem os corretos, face aos factos apurados e ao direito aplicável. -  Pelo que, decorrendo o prazo de 2 anos, sem essa correção prévia, o referido erro considera‐se sanado, ficando vedada a possibilidade de se obter, por esta via, o mencionado efeito (a anulação do IVA liquidado em excesso). [concluindo que] - Face ao exposto, o pedido de Revisão Oficiosa carece de base legal, não se mostrando como meio processual idóneo para obter a sanação da incorreção verificada, não sendo, igualmente possível na presente data, a sua convolação em qualquer outro meio processual legalmente previsto.”.
  17. Na apreciação do pedido de revisão oficiosa, a AT não se limitou a analisar os aspetos processuais (embora o tenha feito com a apreciação da questão da tempestividade da apresentação do pedido de revisão oficiosa e da legitimidade activa da aqui Requerente para estar no referido procedimento), tendo também entrado na apreciação da legalidade das autoliquidações ali controvertidas e aqui sindicadas e, nesse sentido, no mérito da questão apresentada, pelo que a ação arbitral constitui meio processual idóneo de reação, conforme confirmado pela jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo. Nesse sentido vejam-se acórdãos tirados nos processos n.º 01958/13, de 14 de Maio de 2015 e n.º 01412/15, de 7 de Janeiro de 2016. A jurisprudência arbitral vem igualmente emitindo pronúncia naquele mesmo sentido. A este propósito, veja-se, por todos, a decisão prolatada no Processo n.ºs 937/2019-T, consultável in https://caad.org.pt/tributario/decisoes/decisao.php?listOrder=Sorter_data&listDir=DESC&id=5010
  18. O Tribunal acolhe a construção da Requerente acima transcrita e que vai no sentido de que a AT apreciou a legalidade dos actos de autoliquidação aqui sindicados na decisão de indeferimento do pedido de revisão apresentado, donde, considera-se competente para a apreciação da pretensão da Requerente, em virtude de esta respeitar também à apreciação da legalidade da decisão de indeferimento proferida no âmbito do pedido de revisão despoletado pela Requerente com referência aos actos tributários (de autoliquidação) de IVA, tendo a AT, nessa mesma decisão de indeferimento, apreciado a legalidade daqueles actos de autoliquidação.

 

III.D2) Da (In)tempestividade do pedido de revisão oficiosa e da inimpugnabilidade da decisão de indeferimento que sobre ele recaiu:    

 

  1. Quanto à tempestividade da interposição do PPA, a ação é tempestiva se apresentada no prazo previsto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a) do RJAT, de acordo com a remissão operada para o artigo 102.º, n.º 1 do Código de Procedimento e de Processo Tributário (“CPPT”).
  2. A verificação do pressuposto processual da impugnabilidade da decisão de indeferimento que recaiu sobre o pedido de revisão apresentado pressupõe ainda a avaliação da tempestividade da apresentação do pedido de revisão, o que só pode ocorrer caso seja possível imputar à AT o erro de direito que alegadamente está a enfermar os actos de autoliquidação de IVA aqui em causa.
  3. Da circunstância da Requerida, na sua Resposta, não haver invocado a excepção da intempestividade/inimpugnabilidade, estando nós perante a avaliação da verificação dos pressupostos processuais e configurando essa temática como questão de direito e do conhecimento oficioso, não retira daí o Tribunal Arbitral Colectivo qualquer consequência, defendendo igualmente que devemos, sem limitações, avaliar da verificação (ou não) de tais excepções; não devendo olvidar-se que a Requerente, também não discorre no seu PPA sobre a tempestividade da apresentação do pedido de revisão, não obstante se reportar ali à tempestividade da apresentação do PPA.
  4. Isto dito, importa levar em conta a hermenêutica que doravante se irá expender, sustentando-se, diga-se desde já, a verificação da extemporaneidade do pedido de revisão apresentado pela Requerente  e, consequentemente, advogando-se também a inimpugnabilidade da decisão de indeferimento que recaiu sobre o pedido de revisão apresentado. Vejamos,        
  5. A ação é tempestiva, repise-se, se apresentada no prazo previsto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a) do RJAT.
  6. O pedido de revisão oficiosa foi apresentado pela Requerente em 30.12.2022 (Cfr. fls. 2 de 173 do Processo Administrativo junto aos autos pela entidade demandada, nos termos e em conformidade com o disposto no n.º 2 do art.º 17º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro).
  7. Atendendo a que o indeferimento do pedido de revisão oficiosa apresentado reabre a via contenciosa, in casu a arbitral, o Tribunal Arbitral tem necessariamente de avaliar se estavam preenchidos os pressupostos processuais legalmente exigidos para que a AT conhecesse do mérito aquando da apresentação do pedido de revisão.
  8. Assim sendo, in casu, a questão de (in)tempestividade a apreciar reduzia-se a saber se estavam reunidos os requisitos para que a Requerente pudesse formular um pedido de revisão oficiosa ao abrigo do n.º 1, 2.ª parte, do artigo 78.º da LGT.
  9. O n.º 1 do artigo 78.º da LGT permite a revisão oficiosa com fundamento em qualquer ilegalidade dentro do prazo da reclamação administrativa (1.ª parte daquele n.º 1) e, se o tributo foi pago (como, in casu, ocorreu), no prazo de quatro anos, apenas com fundamento em erro imputável aos serviços (2.ª parte daquele n.º 1). Se o tributo não foi pago, a todo o tempo, sendo que, in casu, o tributo foi efectivamente pago tal como está no petitório que até requer o pagamento de juros indemnizatórios. 
  10. Sobre a questão do “erro imputável aos serviços”, é entendimento da doutrina e jurisprudência que a sua conceituação compreende qualquer ilegalidade, consubstanciada num erro de direito ou erro material que seja imputável à conduta da Autoridade Tributária. 
  11. Neste sentido, adequado se mostra trazer aqui à colação o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo,  de 14 de Março de 2012, tirado no Processo n.º 01007/11 e que a propósito do denominado “erro imputável aos serviços” diz a dado passo (estando perante jurisprudência uniforme e reiteradamente afirmada) o seguinte: “[...] o “erro imputável aos serviços” a que alude o artigo 78.º, n.º 1, in fine, da LGT compreende não só o lapso, o erro material ou o erro de facto, como, também, o erro de direito, e essa imputabilidade aos serviços é independente da demonstração da culpa dos funcionários envolvidos na liquidação afetada pelo erro.”
  12. Estando nós aqui no domínio da autoliquidação do IVA e não havendo previsão normativa que o prescreva ou presuma, fácil não será endereçar a imputabilidade do erro de direito que enfermasse tais autoliquidações à Autoridade Tributária; tanto mais que o alegado erro de direito não foi sequer praticado pela Requerente (a repercutida), mas sim por quem empreendeu as autoliquidações aqui sindicadas, ou seja, as prestadoras que realizaram os serviços que no entendimemnto da Requerente deveriam beneficiar da isenção prevista na alínea g) do n.º 27 do art.º 9.º do CIVA. Vejamos,
  13. Não obstante e uma vez que estamos perante a invocada violação da alínea g) do n.º 27º do art.º 9.º do CIVA e até de jurisprudência comunitária prolatada pelo TJUE no Acórdão de 17.6.2021, prolatado nos Processos Apensos C-58/20 e C-59/20, adequado se mostra trazer à discussão o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 19.11.2014, prolatado no Processo n.º 0886/14, apud, decisão arbitral de 30 de Abril de 2022, Processo n.º 135/2021-T e onde se refere: “ (...) tem desde há muito entendido este Supremo Tribunal de forma pacífica que “existindo um erro de direito numa liquidação efetuada pelos serviços da administração tributária[1], e não decorrendo essa errada aplicação da lei de qualquer informação ou declaração do contribuinte, o erro em questão é imputável aos serviços, pois tanto o n.º 2 do artigo 266° da Constituição como o artigo 55° da Lei Geral Tributária estabelecem a obrigação genérica de a administração tributária atuar em plena conformidade com a lei, razão por que qualquer ilegalidade não resultante de uma actuação do sujeito passivo[2] será imputável à própria Administração, sendo que esta imputabilidade aos serviços é independente da demonstração da culpa de qualquer um dos funcionários envolvidos na emissão do acto afetado pelo erro, conforme se deixou explicado, entre outros, no acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Administrativo em 12.12.2001, no recurso n.º 026233, pois “havendo erro de direito na liquidação, por aplicação de normas nacionais que violem o direito comunitário (...) e sendo ela efetuada pelos serviços, é à administração tributária que é imputável esse erro, sempre que a errada aplicação da lei não tenha por base qualquer informação do contribuinte. Por outro lado, esta imputabilidade aos serviços é independente da culpa de qualquer dos seus funcionários ao efetuar liquidação afetada por erro” já que “a administração tributária está genericamente obrigada a atuar em conformidade com a lei (arts. 266°, n.º 1 da CRP e 55° da LGT), pelo que, independentemente da prova da culpa de qualquer das pessoas ou entidades que a integram, qualquer ilegalidade não resultante de uma actuação do sujeito passivo será imputável a culpa dos próprios serviços.”(...)».
  14. E também adequado se mostra trazer aqui à colação os ensinamentos de Paulo Marques in “A Revisão do Acto Tributário: Requiem pela Autoliquidação?”, Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal do IDEFF, ano 9, n.º 1, Primavera, pp. 209 a 229, quando, a dado passo, aduz no sentido de que na autoliquidação a lei institui “uma delegação dos poderes administrativos tributários nos próprios contribuintes e a forçosa consideração do seu exercício como um verdadeiro acto tributário, credor da presunção legal da verdade declarativa a favor do contribuinte (artigo 75.º, n.º 1, da LGT). A escolha sobre a forma concreta de liquidação de imposto depende assim da vontade do Estado-legislador. Pelo que lançando mão de uma justificada e pertinente interpretação sistemática, em conformidade com o princípio da coerência e unidade do sistema jurídico (artigo 9.º, n.º 1, do Código Civil), podemos concluir que o contribuinte não está impedido de deduzir o pedido de revisão do acto tributário (artigo 78.º, da LGT) em relação à autoliquidação, apesar de já não beneficiar actualmente da ficção legal de «erro imputável aos serviços». Ou, dito de outro modo, pela eliminação do n.º 2, do artigo 78.º, da LGT, não nos parece arredada a autoliquidação do objecto do procedimento de revisão. A revogação do mencionado preceito legal apenas colocou termo, expressamente, à determinação legal que considerava imputável aos serviços o erro na autoliquidação, para efeitos de revisão oficiosa, introduzindo-se agora uma maior paridade entre o contribuinte e o fisco. Mas nada nos leva a entender que deva existir um desequilíbrio garantístico entre a liquidação efectuada pelo próprio contribuinte e a liquidação administrativa. Ambas poderão assim ser sindicadas mediante a revisão do acto tributário (artigo 78.º, da LGT) [...]”.
  15. Com a aventada revogação do n.º 2 do artigo 78.º da LGT, operada pela pelo art.º 215.º da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março e que entrou em vigor em 31.3.2016,  deixou de vigorar a regra de inversão do ónus da prova de que beneficiavam os actos de autoliquidação, que passam, assim, a estar sujeitos às regras gerais previstas no art.º 74.º da LGT.
  16. Diz Jorge Lopes de Sousa in “Código de Procedimento e de Processo Tributário – Anotado e Comentado”, Volume II, 6.ª Edição, Áreas Editora, Lisboa 2011, p. 412 que “(...) sendo o contribuinte quem faz a autoliquidação, o que é normal é que os erros lhe sejam imputáveis a ele próprio, que a fez, e não à administração tributária, que não a fez. Apenas se entrevê a possibilidade de erros na autoliquidação serem imputáveis à administração tributária nos casos em que esta procedeu a correção ou em que o contribuinte incorreu em erros, segundo instruções, gerais ou especiais, que aquela lhe forneceu.”
  17. Do acervo probatório junto aos autos não resulta que a AT tenha dado quaisquer instruções às prestadoras dos serviços aqui em causa, no sentido de, por inaplicabilidade da alínea g), do n.º 27, do art.º 9º do CIVA, aquelas procederem à liquidação do IVA que foi repercutido para a destinatária dessas mesmas prestações.
  18. Em conclusão e partindo da hermenêutica aqui plasmada, o Tribunal Arbitral Colectivo propende-se a decidir pela intempestividade do pedido de revisão oficiosa, cujo indeferimento é objeto de impugnação nos presentes autos, na medida em que considera que não está preenchida a condição de “erro imputável aos serviços” de que depende a aplicação do prazo de 4 anos previsto no artigo 78.º, n.º 1 da LGT.
  19. Não obstante, certo é que a Requerente poderia socorrer-se da revisão oficiosa como meio de discussão da legalidade dos actos de autoliquidação de IVA aqui em causa, conquanto o tivesse apresentado em tempo. 
  20. Vejamos se assim era uma vez esclarecida a circunstância do erro aqui não ser imputável aos serviços.
  21. Impende sobre a Administração Tributária o dever de decisão sobre todos os assuntos da sua competência que lhe sejam apresentados pelos sujeitos passivos (artigo 56.º, n.º 1, da LGT), dentro do prazo estabelecido pelo n.º 1 do artigo 57.º, da LGT. Deste princípio da decisão resulta a impugnabilidade da decisão que sobre o pedido venha a ser proferida. 
  22. Estando em causa a apreciação da legalidade de actos de autoliquidação de IVA, o meio processual adequado é a impugnação judicial precedida de apresentação de reclamação graciosa necessária nos termos e em conformidade com o disposto no art.º 131º do CPPT que não foi apresentada, usando antes a Requerente o pedido de revisão. A questão que a este respeito se pode colocar é a de saber se a lei se basta com a submissão à apreciação da AT de pedido de revisão oficiosa ao invés de efectiva reclamação administrativa. No acórdão do STA de 12.6.2006, proferido no âmbito do Processo n.º 0402/06, entre outros, foi tirada decisão que equipara, para aquele efeito, o pedido de revisão oficiosa à reclamação graciosa no que em concreto tange a actos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamentos por conta.  
  23. Como visto, tal pedido de revisão foi, nos termos do n.º 1 do art.º 78.º da LGT, apresentado em 30.12.2022.
  24. A AT tinha um prazo de 4 meses a contar da data de apresentação do pedido de revisão para decidir, ou seja, poderia fazê-lo até 30.4.2023.
  25. O que veio e ocorrer em 31.3.2023, sendo que, tal decisão, foi comunicada à Requerente através do Ofício n.º...-DJT/2023, de 31-3-2023, recebido por aquela em 4.4.2023 (Cfr. Doc. 1 junto ao PPA).
  26. Em caso de indeferimento de reclamação graciosa, recurso hierárquico ou pedido de revisão, poderá ser apresentada impugnação judicial, por força do disposto na alínea d), n.º 1 do artigo 102.º do CPPT; ou, alternativamente, pedido de pronúncia arbitral nos termos do n.º 1, alínea a) do art.º 10.º do RJAT, no prazo de 90 dias, “(...) contado a partir dos factos previstos nos n.ºs 1 e 2 do art.º 102.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, quanto aos actos susceptíveis de impugnação autónoma e, bem assim, da notificação da decisão ou do termo do prazo legal de decisão do recurso hierárquico;”
  27. O acto de indeferimento de um pedido de revisão oficiosa de actos tributários constitui um acto administrativo à face da definição fornecida pelo art.º 120.º do CPA [subsidiariamente aplicável em matéria tributária, por força do disposto no art.º 2.º, alínea d), da Lei Geral Tributária, 2.º, alínea d), do Código de Procedimento e de Processo Tributário], pois constitui uma decisão de um órgão da Administração que ao abrigo de normas de direito público visou produzir efeitos jurídicos numa situação individual e concreta.
  28. Trata-se de acto em matéria tributária pois nele é feita a aplicação de normas de direito tributário.
  29. Assim, o acto de indeferimento do pedido de revisão oficiosa constitui um “acto administrativo em matéria tributária”.
  30. Das alíneas d) e p) do n.º 1 e do n.º 2 do art.º 97.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) infere-se a regra de que a impugnação de actos administrativos em matéria tributária deve ser feita no processo judicial tributário, através de impugnação judicial ou acção administrativa (que sucedeu ao recurso contencioso, nos termos do art.º 191.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos) conforme esses actos comportem ou não comportem a apreciação da legalidade de actos administrativos de liquidação.
  31. Como excepção a esta regra poderão considerar-se os casos de impugnação de actos de indeferimento de reclamações graciosas, pelo facto de haver uma norma especial, que é o n.º 2 do art.º 102.º do CPPT, de que se pode depreender que a impugnação judicial é sempre utilizável. Neste sentido veja-se o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 2.4.2009, tirado no Processo n.º 0125/09. Outras excepções àquela regra poderão encontrar-se em normas especiais, posteriores ao CPPT, que expressamente prevejam o processo de impugnação judicial como meio para impugnar determinado tipo de actos. A título meramente exemplificativo se refere o n.º 13 do art.º 22º do CIVA que prevê a utilização da impugnação judicial para a impugnação de actos de indeferimento de pedidos de reembolsos de IVA.
  32. Mas, nos casos em que não há normas especiais, é de aplicar aquele critério de repartição dos campos de aplicação do processo de impugnação judicial e da acção administrativa.
  33. Face àquele critério de repartição, os actos proferidos em procedimentos de revisão oficiosa apenas serão arbitráveis ou objecto de impugnação através de processo de impugnação judicial quando comportem, na revisão, a apreciação da legalidade daqueles mesmos actos.
  34. Se o acto de indeferimento do pedido de revisão oficiosa não comporta a apreciação da legalidade dos actos tributários ali controvertidos não será arbitrável e será aplicável a acção administrativa que sucedeu ao recurso contencioso. Nesse sentido vejam-se, por todos, os Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 20.5.2003, Processo n.º 638/03; de 8.10.2003, Processo n.º 870/03; de 15.10.2003, Processo n.º 1021/03.
  35. Tal como acima demonstrado e acompanhando a Requerente nesta temática, entende o Tribunal que a decisão que subjaz ao pedido de revisão oficiosa apresentado apreciou, efectivamente, embora a latere, abordando principalmente a questão da tempestividade da apresentação do mesmo e a questão da ilegitimidade activa da aqui requerente para estar naquele procedimento, a legalidade dos actos de autoliquidação de IVA aqui em causa. 
  36. Assim sendo, o Tribunal Arbitral Colectivo considera-se competente para apreciação da pretensão formulada pela Requerente no PPA, já que o que ali se peticiona é a apreciação da legalidade da decisão administrativa de indeferimento do pedido de revisão oficiosa apresentado com referência aos actos de autoliquidação de IVA, constatando-se que a AT, nessa mesma decisão de indeferimento, apesar de tudo, apreciou a legalidade daqueles concretos actos de autoliquidação de IVA.
  37. No entanto, atendendo a que o indeferimento do pedido de revisão apresentado reabre a via contenciosa, in casu a arbitral, o Tribunal Arbitral terá necessariamente de avaliar se estavam preenchidos os restantes pressupostos processuais legalmente exigidos para que a AT conhecesse do mérito da questão que lhe estava a ser submetida.
  38. Assim sendo, in casu, a questão de (in)tempestividade a apreciar, reduzir-se-ia a saber se estavam reunidos os requisitos para a Requerente formular, em 30.12.2022, um pedido de revisão oficiosa ao abrigo do n.º 1 do artigo 78.º da LGT. 
  39. E partindo da hermenêutica acima empreendida quanto à questão da inaplicabilidade do prazo de quatro anos previsto no n.º 1 do art.º 78.º da LGT e analisadas as datas aqui em causa, tem de se concluir que não estavam: desde logo, porquanto, não estando provado o “erro imputável aos serviços”, o prazo previsto na 2.ª parte do art.º 78.º da LGT, ou seja, o prazo de 4 anos contado desde a data das autoliquidações de IVA aqui em causa, não tinha aqui aplicabilidade, concluindo-se assim, aliás com meridiana clareza, que o pedido de revisão oficiosa era claramente intempestivo. 
  40. E assim era, porquanto, reitera-se, o Tribunal Arbitral Colectivo considera inverificado o requisito do “erro imputável aos serviços”, em face de tudo quanto a tal propósito acima se deixou explicitado.
  41. Ademais a Requerente não fez prova de que as autoliquidações de IVA aqui em causa, empreendidas pelas suas fornecedoras, se ficaram a dever a erro que seja imputável à AT, donde, ficava, ipso facto, comprometido o enquadramento no prazo alargado de quatro anos previsto na 2.ª parte do art.º 78.º da LGT, mantendo-se aplicável o de dois anos, que resulta da conjugação do disposto nos artigos 131.º, n.º 1 do CPPT com o artigo 78.º, n.º 1 da LGT.
  42. Respeitando as autoliquidações de IVA a período que mediou entre Janeiro de 2018 e Dezembro de 2020 e tendo o pedido de revisão oficiosa sido apresentado em 30.12.2022, já se encontrava nesse momento esgotado o prazo de dois anos para a apresentação da reclamação graciosa necessária a que se reporta o n.º 1 do art.º 131º do CPPT, sendo que, é consabido, o procedimento de revisão era igualmente adequado a tal finalidade.
  43. E assim sendo, não estavam preenchidos os pressupostos legalmente exigidos para que a AT conhecesse do mérito das questões que lhe estavam a ser apresentadas no âmbito do pedido de revisão, considerando o Tribunal no sentido de que andou bem a AT ao rejeitar o pedido de revisão oficiosa por extemporaneidade.
  44. Volvendo agora para a questão de saber se o PPA era (ou não) tempestivo, adequado se mostra trazer à colação o que a tal propósito se diz na decisão arbitral tirada no Processo n.º 678/2021-T que pode ser lida in https://caad.org.pt/tributario/decisoes/decisao.php?s_selo=1&listpage=12&listPage=2&id=6635 : “[O] reflexo da intempestividade do pedido de revisão oficiosa, não é, porém, a subsequente intempestividade da ação arbitral, que só se verifica se o prazo de 90 dias previsto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a) do RJAT, contado a partir dos factos elencados no artigo 102.º do CPPT [no caso, a notificação do pedido de revisão oficiosa], não for respeitado, o que não sucedeu no presente caso. Nestas circunstancias, a extemporaneidade do pedido de revisão impede o Tribunal Arbitral de conhecer do mérito por haver “caso decidido ou caso resolvido”. Os atos de liquidação de Imposto do Selo consolidaram-se na ordem jurídica, verificando-se a exceção de inimpugnabilidade dos mesmos, enquadrada na categoria das exceções dilatórias, nos termos do artigo 89.º, n.º 2 e n.º 4, alínea i) do CPTA, e dos artigos 278.º, n.º 1, 576.º e 608.º do CPC, aplicáveis ao abrigo do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alíneas c) e e) do RJAT. Veja-se a respeito da impugnação judicial, em que se coloca questão idêntica, o entendimento sufragado no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 14 de outubro de 2020, processo n.º 0937/02.2BTLRS 0318/15, que se pronuncia nos seguintes termos: “Se a reclamação graciosa é intempestiva tudo se passa como se não tivesse sido apresentada, e o ato tributário (a liquidação) consolida-se na ordem jurídica. Logo, a concluir-se pela extemporaneidade da reclamação graciosa, a posterior impugnação judicial terá de improceder por inimpugnabilidade do ato e não por caducidade do direito de deduzir impugnação judicial (cf. o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 31/05/2017, recurso 01609/13).”
  45. Concluindo-se, assim, no sentido de que o PPA era manifestamente tempestivo, porquanto, o prazo para apresentação do mesmo deve contar-se do conhecimento do indeferimento do pedido de revisão, que, com visto, ocorreu em 4.4.2023, data a partir da qual se conta o prazo de 90 dias para a interposição do pedido de pronúncia arbitral nos termos do n.º 1 do art.º 10º do RJAT, por remissão para a alínea d) do n.º 1 do art.º 102.º do CPPT, pelo que, o mesmo se revela efectivamente tempestivo, na medida em que se iniciou a sua contagem em 5.4.2023 e o seu dies ad quem ocorreria em 3.7.2023, ou seja, quod erat demonstrandum, tendo sido apresentado em 29.6.2023, 13:08 horas, deve considerar-se tempestivamente interposto o PPA, mas não deixando o tribunal de considerar, com respaldo na jurisprudência acima explicitada que aqui se acompanha e segue de perto, que tem de proceder a excepção de inimpugnabilidade, resultante da intempestividade do pedido de revisão oficiosa deduzido contra os actos de autoliquidação do IVA aqui sindicados, o que, por si só, o impedia de conhecer do mérito da pretensão da Requerente, importando a absolvição da Requerida da instancia.

III.D3) Da Ilegitimidade da Requerente para estar na presente lide como autora:    

 

  1. Não obstante o Tribunal sustentar como verificada a excepção de inimpugnabilidade vinda de tratar, adequado se mostra ainda discorrer sobre a (i)legitimidade da Requerente para estar na presente lide como Requerente. Vejamos,
  2. Intui-se do disposto nos n.ºs 1 e 4 do artigo 9.º do CPPT (aplicáveis ex vi do art.º 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT) que “(...) têm legitimidade no procedimento tributário, além da administração tributária, os contribuintes, incluindo substitutos e responsáveis, outros obrigados tributários, as partes dos contratos fiscais e quaisquer outras pessoas que provem interesse legalmente protegido.” Por outro lado, diz-nos o n.º 4 do mesmo normativo que “[T]êm legitimidade no processo judicial tributário, além das entidades referidas nos números anteriores, o Ministério público e o representante da fazenda Pública.”
  3. Prosseguindo na enunciação do quadro normativo que estritamente conforma o pressuposto processual da legitimidade ativa, adequado se mostra ainda trazer aqui à colação o disposto no art.º 30.º do CPC (também aplicável ex vi do art.º 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT) que estatui como segue: “[1] - O autor é parte legítima quando tem interesse direto em demandar; o réu é parte legítima quando tem interesse direto em contradizer. 2 - O interesse em demandar exprime-se pela utilidade derivada da procedência da ação e o interesse em contradizer pelo prejuízo que dessa procedência advenha. 3 - Na falta de indicação da lei em contrário, são considerados titulares do interesse relevante para o efeito da legitimidade os sujeitos da relação controvertida, tal como é configurada pelo autor.”
  4. Sobre a temática da legitimidade activa na jurisprudência dos tribunais podem ver-se as seguintes decisões, apud, decisão arbitral proferida no Processo n.º 278/2017-T que pode ser consultada in https://caad.org.pt/tributario/decisoes/decisao.php?listPageSize=100&listPage=30&id=3133 e onde se trazem à colação os seguintes arrestos: i) Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, proferido em 05/05/1999, no processo n.º 023105 e cujo sumário diz: “I – A legitimidade dos contribuintes para impugnarem atos tributários está dependente da existência de um interesse direto, pessoal e legítimo na anulação dos atos impugnados (…). II – O interesse relevante para tal efeito será o benefício que a anulação do ato, complementada pela subsequente execução do julgado, traz ao recorrente. (…) IV – (…) deverá entender-se só poderão ser relevantes para aquele efeito os erros desfavoráveis aos contribuintes.”; ii) Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, proferido em 15/10/2010, no processo n.º 00049/10.5BECBR e cujo sumário refere: “I. A legitimidade é o pressuposto processual pelo qual a lei seleciona os sujeitos de cada lide judicial, e o interesse em agir o pressuposto pelo qual a parte, legítima, justifica a carência da tutela judiciária; II. A legitimidade terá a ver com o interesse substantivo, que decorre da posição da parte relativamente à relação jurídica litigada, enquanto o interesse em agir terá a ver com um interesse adjetivo, que decorre da situação, objetivamente existente, de necessidade de proteção judicial daquele interesse substantivo;” iii) Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, proferido em 22/01/2015, no processo n.º 08203/14 e cujo sumário refere: “(...) 2. A legitimidade das partes (“legitimatio ad causam”) é o pressuposto processual que, traduzindo uma correta ligação entre as partes e o objeto da causa, as faculta para a gestão do processo. Como regra (legitimidade direta), serão partes legítimas os titulares da relação material controvertida (cfr. art.º 30.º, n.º 3, do C.P.Civil, "ex vi" do art. 2.º, al. e), do C.P.P.Tributário; art.º 9.º do C.P.P.Tributário), assim se assegurando a coincidência entre os sujeitos que, em nome próprio, intervêm no processo e aqueles em cuja esfera jurídica a decisão judicial vai diretamente produzir a sua eficácia. Da análise do art.º 30.º, n.º 3, do C. P. Civil, conclui-se que o critério supletivo de aferição da legitimidade processual se deve basear no interesse em demandar ou contradizer, face ao objeto inicial do processo, individualizado pela relação material controvertida tal como o A. a configura. 3. Se qualquer das partes carecer de legitimidade o Tribunal deve abster-se de conhecer do mérito da causa e absolver o réu da instância (cfr. arts. 278.º, n.º 1, al. d), 576.º, n.º 2, e 577.º, al. e), todos do C.P. Civil, aplicáveis “ex vi” do art. 2.º, al. e), do C.P.P. Tributário), sendo tal exceção dilatória de conhecimento oficioso (cfr. art.º 578.º do C.P. Civil). 4. A legitimidade das partes deve ser determinada de acordo com a lei vigente no momento em que é proferida a decisão sobre a mesma.”
  5. Dito isto e sabendo-se que a aqui Requerente não era o contribuinte/sujeito passivo do imposto que interveio no procedimento de autoliquidação do IVA aqui em causa, mas sim, por via da repercussão do IVA, operada nos termos e em conformidade com o disposto no art.º 37º do CIVA, a destinatária do IVA liquidado e, portanto, tão-só, a repercutida naquela obrigação de liquidação do IVA, a questão que se coloca é a de saber se aquela, com fundamento no  acima transcrito art.º 9.º do CPPT, tem legitimidade processual activa para estar na presente acção como Autora que pretende a anulação parcial das autoliquidações de IVA produzidas pelas suas fornecedoras ou prestadoras de serviços, emergindo, tal legitimidade processual, por via da sua subsunção na última parte do n.º 1 do art.º 9º do CPPT, aplicável por remissão do n.º 4 do mesmo normativo, que refere: “(...)  quaisquer outras pessoas que provem interesse legalmente protegido.”
  6. O Tribunal Arbitral Colectivo começa por admitir, em tese, que, in casu, a legitimidade processual activa da Requerente pode estar verificada, subsumindo-se, exactamente, na parte da norma acima transcrita, do que cuidaremos doravante.
  7. É bem certo que da letra do n.º 1 do art.º 9º do CPPT, aplicável, como dito, por remissão do n.º 4 do mesmo normativo, se retira que têm desde logo legitimidade activa “os contribuintes”.
  8. A expressão “contribuintes” não pode deixar de ser interpretada no sentido de que estes são os sujeitos passivos da relação de imposto, tal como os conceitua o n.º 3 do art.º 18.º da LGT que dispõe: O sujeito passivo é a pessoa singular ou colectiva, o património ou a organização de facto ou de direito que, nos termos da lei, está vinculado ao cumprimento da prestação tributária, seja como contribuinte directo, substituto ou responsável.”
  9. Acrescendo dizer que o n.º 4 do art.º 18.º da LGT delimita negativamente o conceito de sujeito passivo ao dizer que “Não é sujeito passivo quem: a) Suporte o encargo do imposto por repercussão legal, sem prejuízo do direito de reclamação, recurso, impugnação ou de pedido de pronúncia arbitral nos termos das leis tributárias; b) Deva prestar informações sobre assuntos tributários de terceiros, exibir documentos, emitir laudo em processo administrativo ou judicial ou permitir o acesso a imóveis ou locais de trabalho.”
  10. Resultando meridianamente claro da letra daquele normativo que o repercutido não é sujeito passivo, sem prejuízo de a estes ser conferida legalmente legitimidade activa para estarem no procedimento ou no processo tributário desde que invoquem e provem interesse legalmente protegido.
  11. No Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, 2.ª Secção, de 28.10.2020, tirado no processo n.º 0581/17.0BEALM refere-se a dado passo o seguinte: “(...) A repercussão fiscal consiste na transferência do imposto que legalmente incide sobre um sujeito passivo, para um terceiro, alheio à relação jurídica tributária, com quem aquele tem relações económicas (cfr. art.º 37.º do C.I.V.A.). Nas palavras de alguns autores, o repercutido será um mero "contribuinte de facto" (titular da capacidade contributiva), por contraposição ao "contribuinte de direito", aquele a quem é juridicamente exigível o pagamento do tributo. Por sua vez, o sujeito activo da relação jurídica tributária não tem qualquer direito que possa exercer, directamente, contra o repercutido, sendo que os meios de que dispõe são contra o sujeito passivo da relação jurídica tributária e não contra o repercutido que, para esse efeito, está colocado num círculo exterior ao da mesma relação jurídica tributária (cfr. Soares Martinez, Direito Fiscal, 8ª. Edição, Almedina, 1996, pág.226 e seg.; Diogo Feio, A Substituição Fiscal e a Retenção na Fonte: o caso específico dos impostos sobre o rendimento, Coimbra Editora, 2001, pág.93 e seg.; Diogo Leite de Campos e Outros, Lei Geral Tributária comentada e anotada, 4ª. Edição, Encontro da Escrita, 2012, pág.187 e seg.; Joaquim Freitas da Rocha e Hugo Flores da Silva, Teoria Geral da Relação Jurídica Tributária, Almedina, 2017, pág.78; Bruno Botelho Antunes, Da Repercussão Fiscal no IVA, Almedina, 2008, pág.45 e 127 e seg.). Ainda de acordo com a doutrina pode fazer-se a distinção entre a repercussão obrigatória ou legal, a qual encontra consagração, por exemplo, em sede de I.V.A (daí o poder falar-se na neutralidade do imposto e da sua repercussão para a frente até ao consumidor final ou repercutido - cfr. por todos, Bruno Botelho Antunes, Da Repercussão Fiscal no IVA, Almedina, 2008, pág.77 e seg.).), por contraposição à repercussão voluntária (...), sendo que, em relação a esta última, resultando a transferência da carga tributária de acordo/relação entre privados, regerão as regras do direito civil. Ora, nas situações de repercussão voluntária, seguramente que se pode concluir que o repercutido, igualmente não tem qualquer direito que possa exercer, directamente, contra o sujeito activo da relação jurídica tributária, sendo que os meios de que dispõe, designadamente, para solicitar o reembolso de quantias indevidamente pagas, devem ser exercidos contra o sujeito passivo da concreta relação jurídico-tributária (cfr. artº.18, nº.4, al.a), da L.G.T. (tal não obsta a que o repercutido disponha do direito de reclamação, recurso ou impugnação judicial, nos termos da lei, uma vez que isso corresponda a um interesse digno de tutela jurídica).; Diogo Leite de Campos e Outros, ob. cit., pág.190; Diogo Feio, ob. cit., pág.97; Bruno Botelho Antunes, ob. cit., pág.177).”
  12. Retirando-se da letra e ratio dos artigos 9.º e 18.º , n.º 4, alínea a) da LGT, bem como do art.º 9.º do CPPT, que ao repercutido é legalmente conferido o direito “(...) de reclamação, recurso, impugnação ou de pedido de pronúncia arbitral nos termos das leis tributárias.” na medida em que não sendo ele contribuinte/sujeito passivo, é titular de interesse legalmente protegido, porquanto, em princípio, foi ele que procedeu ao pagamento do IVA liquidado e entregue nos cofres do Estado.
  13. É que a obrigação, prevista no n.º 1 do art.º 37º do CIVA, de o sujeito passivo de IVA estar forçado a adicionar a importância do imposto ao valor da factura que emitirá nos termos e em conformidade com o disposto no art.º 36º do CIVA, garante que são os adquirentes dos bens ou os destinatários dos serviços sujeitos e não isentos de IVA (os repercutidos) e já não os respectivos transmitentes dos bens ou prestadores dos serviços a suportar o valor do imposto.
  14. Ora, se os repercutidos suportaram o valor do IVA que foi liquidado nas respectivas facturas, tem de lhes ser conferida legitimidade activa para estarem no procedimento ou no processo tributário que vai discutir a legalidade da liquidação do IVA que suportaram e que entendem dever controverter ou sindicar, por se entender que da procedência ou não da discussão da legalidade daquelas liquidações de IVA controvertidas ou sindicadas pode advir um efectivo prejuízo para aqueles(as) [os(as) repercutidos(as), como, in casu, a  Requerente].
  15. E volvendo para o caso dos autos e na medida em que a Requerente parece comportar-se como sujeito passivo totalmente isento ao abrigo do art.º 9º do CIVA, porquanto, só pratica operações activas isentas sem direito à dedução, não se terá desonerado totalmente do IVA que lhe foi liquidado, donde, a concretização do aludido prejuízo e daí a legitimidade para, em princípio, discutir a legalidade da liquidação do IVA empreendida pelas suas fornecedoras ou prestadoras de serviços em conformidade com o disposto no art.º 30.º do CPC, n.ºs 1 e 4 do art.º 9.º do CPPT e n.º 4, alínea a), do art.º 18.º da LGT, aplicáveis, ex vi, do art.º 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT. Neste mesmo sentido ou, rectius, por interpretação a contrario sensu da doutrina ali exposta, se pode trazer aqui à discussão o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo prolatado no Processo n.º 0581/17.0BEALM que pode ser lido in  http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/dcdfb0006fb35ca780258615004bac59?OpenDocument&ExpandSection=1
  16. Intuindo-se daqui que se a Requerente se desonerasse integralmente do IVA liquidado, por via do direito à dedução previsto nos artigos 19.º e seguintes do CIVA, ou seja, caso estivéssemos perante sujeito passivo integral sem limitações no direito à dedução, não se vislumbrava a incorrência do aludido prejuízo, i.e., teria o Tribunal de considerar que não tinha a Requerente legitimidade activa para estar a discutir a legalidade daquelas autoliquidações  por ausência de interesse legalmente protegido, consubstanciado na manifesta ausência de prejuízo que aquela pudesse invocar, já que se havia desonerado in totum do imposto que supostamente lhe havia sido liquidado (e que aquela pagou) e que alegadamente enfermava de ilegalidade por erro de direito.
  17. Isto dito, em princípio e porque em presença de sujeito passivo totalmente isento que afectou os serviços aqui em causa à actividade isenta sem direito à dedução, o Tribunal não podia deixar de reconhecer à Requerente legitimidade activa para contestar aqui o imposto liquidado pelas suas fornecedoras e/ou prestadoras de serviços e alegadamente pago em excesso.
  18. Ainda assim e não obstante, importará levar na devida conta, a propósito do alcance que o legislador teve em vista ao permitir, como visto, que os repercutidos pudessem valer-se do direito “(...) de reclamação, recurso, impugnação ou de pedido de pronúncia arbitral nos termos das leis tributárias”, na medida em que não sendo eles contribuintes/sujeitos passivos, eram, ainda assim, titulares de interesse legalmente protegido, donde com legitimidade activa para controverter ou sindicar imposto por si pago e enfermado de ilegalidade donde resultava a incorrência de efectivo prejuízo para os repercutidos.
  19. Para o efeito, importa trazer aqui à discussão os ensinamentos de Bruno Botelho Antunes, igualmente citado no acima transcrito Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, 2.ª Secção, de 28.10.2020, tirado no processo n.º 0581/17.0BEALM, in “A Relação Jurídica Tributaria e a Repercussão Tributaria”, Coimbra, Almedina, p. 188, quando diz: “(...) o direito do repercutido previsto no art.º 18.º, n.º  4 al. a), da LGT foi consagrado para fazer face a situações em que, o sujeito passivo, após ter sido instado pelo repercutido para retificar o imposto que lhe foi liquidado em excesso, não agiu nesse sentido. Nessa base, consagrou-se a possibilidade de o repercutido reaver o seu dinheiro diretamente do Estado ( ... )".
  20. O que faz todo o sentido e quadra perfeitamente com a ideia de que o repercutido só tem legitimidade activa para discutir a legalidade de uma liquidação que não produziu se invocar e provar interesse legalmente protegido, nos termos do que dispõe o n.º 1 do art.º 9.º do CPPT, por remissão do n.º 4 do mesmo normativo, o que ocorre com a constatação da verificação do prejuízo em que aquele incorreria caso não empreendesse a correspondente discussão.
  21. Revertendo novamente para o caso sub judicio e não havendo nos autos prova de que foi suscitada a questão da regularização do IVA nos termos do art.º 78.º-A do CIVA, não se materializou tal prejuízo, porquanto, na incerteza sobre a existência de tais diligências, emerge a dúvida sobre se, acaso elas ocorressem, as fornecedoras e/ou prestadoras de serviços da Requerente não aceitariam regularizar, nos termos daquele normativo do CIVA, o erro de direito que aquela diz ter constatado. É bem certo que a Requerente afirma que levou a cabo diligências tendentes a que a regularização fosse conseguida junto dos seus prestadores de serviços, dizendo mesmo ter dirigido uma carta individual a cada um deles; tendo, adicionalmente, efectuado contatos telefónicos junto dos mesmos; como também, que a sua pretensão não acolheu concordância junto daqueles fornecedores que expressaram veemente recusa em fazê-lo, referindo até que os documentos que consubstanciavam tais diligências se encontravam juntos ao requerimento de resposta à excepção suscitada pela Requerida como Doc. n.º 1 e Doc. n.º 2, o que é facto é que esses documentos não se encontram juntos aos autos, entendendo o Tribunal que tais diligências não ficaram provadas, face ao decidido no ponto desta peça reportado aos factos dados como não provados.  
  22. Acrescendo dizer que aceitar-se a correcção do erro de direito sem a intervenção das contrapartes da Requerente, seria até abrir a porta a uma eventual dupla correcção do mesmo (o que seria para o tribunal de todo em todo inaceitável face à mecânica do imposto) que a AT dificilmente poderia controlar: i) atendendo a que os respectivos prestadores têm legitimidade para atacar as liquidações enfermadas de IVA, uma primeira correcção poderia advir do facto daqueles entenderem proceder a tal discussão; ii) uma segunda correcção poderia igualmente advir da circunstância de se admitir que a Requerente (e destinatária desses mesmos serviços) tinha igualmente legitimidade activa para atacar tais enfermadas liquidações de IVA. Não obstante estarmos perante sujeito passivo totalmente isento ao abrigo do art.º 9º do CIVA e, por isso, sem possibilidade de se desonerar do imposto que suporta a montante das actividades que realiza e ainda que não resultasse viável qualquer perda de receita capaz de legitimar a aplicabilidade do art.º 203º da Directiva IVA, fundada na jurisprudência tirada no âmbito do Acórdão do TJUE de 8 de Dezembro de 2022, prolatado no processo C‐378/21, considera o Tribunal que o argumentário esgrimido pela Requerente a tal propósito não pode colher.     
  23. Ora, tal como resulta da factualidade dada como não provada, ficou demonstrado que a aqui Requerente não provou haver solicitado às suas fornecedoras ou prestadoras dos serviços que em alegado erro de direito procederam à liquidação indevida de IVA que lhe foi dirigido e que aquela pagou, a aludida rectificação do imposto, ou, rectius, a regularização desse mesmo imposto nos termos e em conformidade com o disposto no art.º 78.º-A do CIVA, pelo que, entende o Tribunal Arbitral Colectivo que, ipso facto e não obstante tudo quanto acima se explicitou, não tem a Requerente legitimidade activa para vir agora nesta sede arbitral sindicar imposto que foi liquidado e entregue nos cofres do Estado por terceiro que face à prova produzida nos autos poderá não ter sido tido nem achado nesta questão do erro de direito em que alegadamente laborou quando realizou as operações agora sindicadas.  
  24. Quanto à falta de legitimidade activa da aqui Requerente, afirmamo-la também com respaldo na decisão arbitral prolatada no Processo n.º 471/2023-T (trazida à discussão pela Requerida) que decidiu pela procedência da excepção invocada pela Requerida com base no argumentário que aqui se acolhe e a seguir se transcreve e relativamente ao qual não vemos razões para divergir: “[A]o abrigo do disposto no artigo 29.º, n.º 7 do Código do IVA, quando “o valor tributável de uma operação ou o imposto correspondente sejam alterados por qualquer motivo, incluindo inexatidão, deve ser emitido documento retificativo de fatura”. No mesmo sentido, o artigo 78.º, n.º 1 do Código do IVA prevê que as “disposições dos artigos 36.º e seguintes [referentes aos prazos e às formalidades de emissão das faturas] devem ser observadas sempre que, emitida a fatura, o valor tributável de uma operação ou o respetivo imposto venham a sofrer retificação por qualquer motivo”, prevendo-se depois, nos restantes números desta norma legal, as exatas condições para o exercício deste direito por parte do sujeito passivo de imposto. A este respeito, Clotilde Celorico Palma in Introdução ao Imposto Sobre o Valor Acrescentado (N.º 1 da Colecção) – 6.ª Edição, p. 80 esclarece que “os sujeitos passivos deverão proceder à regularização do IVA” precisamente nos termos previstos nesta disposição legal sendo que, “caso não se cumpram os requisitos previstos no artigo 78.º, as rectificações são consideradas nulas, com os efeitos legais daí subjacentes”. Ora, no presente caso está em causa a questão de saber se a retificação/restituição do IVA incorrido em fatura pode ser diretamente solicitada à AT por alguém que, não sendo o sujeito passivo da relação jurídico-tributária, assume a posição de repercutido legal do valor liquidado por aquele sujeito passivo. Afigura-se-nos pacífico que, como refere Rui Duarte Morais in Manual de Procedimento e Processo Tributário, Almedina, 2016, p. 58, a verificação de uma situação em que seja liquidado imposto de montante superior ao devido terá para o repercutido “consequências económicas negativas (daí o serem, muitas vezes, designados por contribuintes de facto)”. Nesta medida, e em decorrência do princípio da tutela jurisdicional efetiva consagrado no artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa, o artigo 18.º, n.º 4, alínea a) da LGT, em conjugação com o artigo 9.º do CPPT, reconhece ao repercutido legal o direito de reclamar, recorrer, impugnar ou requerer pronúncia arbitral nas questões legais em que tenha um interesse legalmente protegido, isto é, em que tenha interesse direto em contradizer. Sucede que, por expressa previsão da norma da LGT acabada de referir, tal reclamação, recurso, impugnação ou pedido de pronúncia arbitral deve ser realizada “nos termos das leis tributárias”, sendo mister tomar ainda em consideração a posição assumida pela doutrina nacional e, principalmente, pela jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia (doravante, TJUE) a este respeito. Ora, sendo parcos os estudos, em território nacional, sobre os direitos processuais do repercutido legal, importa chamar à colação a posição defendida já em 2008 por Bruno Botelho Antunes in Da repercussão fiscal no IVA, Almedina. No âmbito do IVA, defende este Autor que “o direito do repercutido previsto no art. 18.º, n.º 4 al. a), da LGT foi consagrado para fazer face a situações em que, o sujeito passivo, após ter sido instado pelo repercutido para retificar o imposto que lhe foi liquidado em excesso, não agiu nesse sentido. Nessa base, consagrou-se a possibilidade de o repercutido reaver o seu dinheiro diretamente do Estado (…)”. E esta posição afigura-se concordante com a posição assumida pelo TJUE a este respeito. Com efeito, pode ler-se no Acórdão do Tribunal de Justiça da União Europeia (doravante, TJUE) de 26 de abril de 2017, Farkas, C‑564/15, EU:C:2017:302 que: “50. A este respeito, o Tribunal de Justiça já declarou que, não havendo regulamentação da União em matéria de pedidos de restituição de impostos, cabe ao ordenamento jurídico interno de cada Estado-Membro prever as condições em que esses pedidos podem ser exercidos, devendo estas condições respeitar os princípios da equivalência e da efetividade, isto é, não devem ser menos favoráveis do que as condições relativas a reclamações semelhantes baseadas em disposições de direito interno, nem organizadas de modo a impossibilitar na prática o exercício dos direitos conferidos pela ordem jurídica da União (v., neste sentido, acórdão de 15 de março de 2007, Reemtsma Cigarettenfabriken, C-35/05, EU:C:2007:167, n.º 37). 51. Uma vez que cabe, em princípio, aos Estados-Membros determinar as condições em que o IVA indevidamente faturado pode ser regularizado, o Tribunal de Justiça reconheceu que um sistema em que, por um lado, o vendedor do bem que pagou por erro o IVA às autoridades tributárias pode exigir o seu reembolso e, por outro, o adquirente do bem pode intentar uma ação cível para repetição do indevido contra esse vendedor respeita os princípios da neutralidade e da efetividade. Com efeito, esse sistema permite ao referido adquirente que suportou o encargo do imposto faturado por erro obter o reembolso dos montantes pagos indevidamente (v., neste sentido, acórdão de 15 de março de 2007, Reemtsma Cigarettenfabriken, C-35/05, EU:C:2007:167, n.ºs 38, 39 e jurisprudência referida). 52. Além disso, segundo jurisprudência constante, na falta de regulamentação da União na matéria, as vias processuais destinadas a garantir a proteção dos direitos que decorrem para os cidadãos do direito da União dependem da ordem jurídica interna de cada Estado-Membro, por força do princípio da autonomia processual dos Estados-Membros (v., designadamente, acórdãos de 16 de maio de 2000, Preston e o., C-78/98, EU:C:2000:247, n.º 31, e de 15 de março de 2007, Reemtsma Cigarettenfabriken, C-35/05, EU:C:2007:167, n.º 40). 53. No entanto, se o reembolso do IVA se tornar impossível ou excessivamente difícil, designadamente em caso de insolvência do vendedor, o princípio da efetividade pode exigir que o adquirente possa requerer o reembolso diretamente às autoridades tributárias. Por conseguinte, os Estados-Membros devem prever os instrumentos e as vias processuais necessárias para permitir ao referido adquirente recuperar o imposto indevidamente faturado, de modo a que o princípio da efetividade seja respeitado (v., neste sentido, acórdão de 15 de março de 2007, Reemtsma Cigarettenfabriken, C-35/05, EU:C:2007:167, n.º 41)”. (nosso negrito). Portanto, e de acordo com este entendimento do TJUE (já anteriormente sufragado no acórdão de 15 de março de 2007, Reemtsma Cigarettenfabriken, C 35/05, EU:C:2007:167), o repercutido legal pode requerer diretamente o reembolso do IVA à AT se e na medida em que a regularização do IVA por parte do sujeito passivo de imposto “se tornar impossível ou excessivamente difícil, designadamente em caso de insolvência do vendedor”. Mais recentemente, o TJUE voltou a reafirmar esta posição no acórdão de 13 de outubro de 2022, HUMDA, C 397/21, EU:C:2022:790, no qual se pode ler que “a Diretiva IVA, lida à luz dos princípios da efetividade e da neutralidade do IVA, deve ser interpretada no sentido de que se opõe a uma regulamentação de um Estado-Membro em aplicação da qual um sujeito passivo, ao qual outro sujeito passivo prestou um serviço, não pode pedir diretamente à Autoridade Tributária o reembolso do montante correspondente ao IVA que lhe foi indevidamente faturado pelo referido prestador e que este último pagou à Fazenda Pública, quando a recuperação desse montante junto do prestador de serviços for impossível ou excessivamente difícil pelo facto de este último ter sido objeto de um processo de liquidação, e quando não for possível imputar a estes dois sujeitos nenhuma fraude ou abuso, de modo que não há risco de perda de receitas fiscais para este Estado-Membro” (nosso sublinhado). Como decorre que vem de ser dito, o acórdão do TJUE de 7 de setembro de 2023, Schütte, C453/22, ECLI:EU:C:2023:639 (por diversas vezes citado pelo Requerente) insere-se no espírito das anteriores decisões do TJUE sobre o tema em apreço, sufragando que “se for impossível ou excessivamente difícil para o adquirente obter, junto dos fornecedores, o reembolso do IVA indevidamente faturado e pago, este adquirente, não lhe sendo imputado nenhum abuso, fraude ou negligência, tem o direito de dirigir o seu pedido de reembolso diretamente à Autoridade Tributária”, esclarecendo, contudo, que “(…) quanto à questão de saber se o facto de não haver insolvência dos fornecedores pode ter uma incidência sobre o direito ao reembolso do IVA à luz da jurisprudência mencionada no n.º 23 do presente acórdão, é pacífico que a utilização sistemática do advérbio «designadamente» nesta jurisprudência demonstra que a hipótese da insolvência dos fornecedores é apenas uma das circunstâncias em que pode ser impossível ou excessivamente difícil obter o reembolso do IVA indevidamente faturado e pago (…)” (§ 26 e 29). Portanto, da jurisprudência do TJUE acabada de referir, resulta à saciedade que o direito ao pedido direto de reembolso do IVA liquidado apenas surge na esfera do repercutido legal nas situações em que se afigure “impossível ou excessivamente difícil para o adquirente obter, junto dos fornecedores, o reembolso do IVA indevidamente faturado e pago”. Como tal, e descendo ao caso concreto, cumpre então perceber se se verifica no caso sub judice a impossibilidade ou dificuldade excessiva relatada na jurisprudência do TJUE. E entendemos que não. Com efeito, o que resulta do probatório é que o Requerente apenas contactou a XXXXXXXXXX já depois de apresentado o pedido de constituição do presente processo arbitral, tendo encetado conversações com esta entidade no sentido de regularização do IVA liquidado apenas no passado mês de outubro do corrente ano (i.e., há sensivelmente dois meses). Nesta medida, e ao contrário do alegado pelo Requerente, não se encontra no probatório qualquer “recusa veemente” dos responsáveis da XXXXXXXXXX em seguirem as regras legais previstas no ordenamento jurídico português para a regularização do IVA, antes se encontrando, no último e-mail que consta do probatório (datado de 30 de outubro), a disponibilidade para manter a discussão sobre o tema em análise mediante a prestação de determinadas informações por parte do Requerente. Nesta medida, não se encontra no probatório qualquer elemento que permita concluir pela impossibilidade ou excessiva dificuldade em cumprir os normais trâmites dos pedidos de restituição de IVA previstos no ordenamento jurídico português, tanto mais que ainda não decorreu o prazo de quatro anos previsto no artigo 98.º n.º 2 do Código do IVA para o efeito, que o Supremo Tribunal Administrativo vem entendendo que se aplica nos casos de erros de direito (conforme Acórdãos deste Tribunal proferidos a 28-06-2017 no processo n.º 01427/14, a 03-06-2020 no processo n.º 0498/15.2 BEMDL, a 17-06-2020 no processo n.º 0443/13.0BEPRT, a 07-04-2021 no processo n.º 0796/15.5BEVIS, a 12-05-2021 no processo n.º 01023/15.0BELRS e a 07-04-2022 no processo 0379/16.2BEVIS). Ademais, e do ponto de vista da justiça material, não se vislumbra qualquer razão para “forçar” uma interpretação distinta, já que o Requerente não só contactou a XXXXXXXXXX já depois de apresentada a reclamação graciosa e o pedido de pronúncia arbitral (sendo que poderia ter, por sua exclusiva iniciativa, antecipado tal contacto) como foi precisamente o Requerente que, por esquecimento ou negligência, não deu continuidade à conversa encetada com a XXXXXXXXXX nesses termos (não respondendo ao e-mail de 30 de outubro com as informações que lhe são pedidas por esta entidade).  Nestes termos, e considerando que o Requerente não cumpre os pressupostos que lhe permitam ser titular direto do direito ao reembolso do IVA que alega ter suportado em montante superior ao devido, não tem o mesmo legitimidade material, substantiva ou ad actum para figurar no presente processo arbitral. Como tal, e considerando que “A legitimidade material, substantiva ou “ad actum” consiste num complexo de qualidades que representam pressupostos da titularidade, por um sujeito, de certo direito que o mesmo invoque ou que lhe seja atribuído, respeitando, portanto, ao mérito da causa” (cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, Proc. 5297/12.0TBMTS.P1.S2 e a decisão arbitral proferida a 14 de fevereiro de 2022 no Processo n.º 513/2021-T), julga-se verificada a exceção perentória inominada de ilegitimidade material do Requerente arguida pela Requerida, ao abrigo do disposto nos artigos 576.º, n.ºs 1 e 3 e 579.º do CPC, aplicáveis ex vi o artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT. Improcede, por isso, o pedido arbitral, por verificação da exceção perentória referida.”
  25. A falta de legitimidade processual activa, no presente caso conhecida oficiosamente, constitui excepção dilatória que dá lugar à absolvição da instância, nos termos do artigo 577.º al. e) do CPC, ex vi do artigo 2.º, alínea e) do CPPT e artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e) do RJAT, que obsta ao conhecimento do pedido, nos termos dos artigos 576.º, n.º 2 e do CPC, mais uma vez aqui aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e) do RJAT.

 

 

 

III.D4) DEMAIS PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS:

 

  1. As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e encontram-se regularmente representadas (Cfr. artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).
  2. O processo não enferma de nulidades.

III.D5) QUESTÕES DE CONHECIMENTO PREJUDICADO:

  1. Foram conhecidas e apreciadas as questões relevantes submetidas à apreciação deste Tribunal, não o tendo sido aquelas cuja decisão ficou prejudicada pela solução dada a outras, ou cuja apreciação seria inútil (artigo 608.º do CPC, ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).
  2. A verificação da exceção dilatória de ilegitimidade ativa da Requerente e até a acima aduzida excepção de inimpugnabilidade impedem que este Tribunal se pronuncie sobre o mérito da causa, ou seja, não se pronunciando o Tribunal sobre a suscetibilidade das operações aqui em causa se poderem subsumir, em sede de IVA, no âmbito da isenção prevista na alínea g), do n.º 27, do art.º 9.º do CIVA.

 

IV. DECISÃO:

 

Face ao exposto, o Tribunal Arbitral Colectivo decide Julgar procedente a excepção de inimpugnabilidade (por intempestividade do pedido de revisão oficiosa deduzido) dos actos de autoliquidação de IVA supra identificados e ainda procedente a excepção de ilegitimidade da Requerente, com as legais consequências, nomeadamente a absolvição da Requerida da instância e a condenação da Requerente nas custas do processo, tudo com as legais consequências.

 

V. VALOR DO PROCESSO:

 

Fixa-se o valor do processo em 67.170,35 € em conformidade com o disposto no art.º 97.º-A do CPPT, aplicável por remissão do art.º 3º do regulamento das Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT).

 

VI. CUSTAS:

 

Fixa-se o valor das Custas em 2.448,00 €, calculadas em conformidade com a Tabela I do regulamento de Custas dos Processos de Arbitragem Tributária em função do valor do pedido (sendo que, tal valor foi o indicado pela Requerente no PPA e não contestado pela Requerida e corresponde ao valor das autoliquidações sindicadas) a cargo da Requerente,  nos termos do disposto nos artigos 12.º, n.º 2 e 22.º, n.º 4 do RJAT e ainda art.º 4.º, n.º 5 do RCPAT e art.º 527, nºs 1 e 2 do CPC, ex vi do art.º 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 26 de Março de 2024.

 

O texto da presente decisão foi elaborado em computador, nos termos do n.º 5, do art.º 131.º do Código de Processo Civil, aplicável por remissão da alínea e), do n.º 1, do art.º 29.º do RJAT, regendo-se a sua redacção pela ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990, com excepção das citações.

 

O Árbitro Presidente,

 

 

 

(Prof. Doutor Guilherme W. d'Oliveira Martins)

 

 

O Árbitro Vogal e Relator,

 

(Fernando Marques Simões)

 

 

O Árbitro Vogal,

 

 

 

(Nuno Maldonado Sousa)

 

 

VOTO DE VENCIDO

Pelo Árbitro-Presidente Guilherme Waldemar d’Oliveira Martins

 

 

Apesar de concordar com o sentido da Absolvição da Requerida, pela verificação da exceção dilatória da ilegitimidade, discordo totalmente com o sentido da decisão quanto à vertente da inimpugnabilidade (por intempestividade do pedido de revisão oficiosa deduzido) dos atos de autoliquidação de IVA supra identificados.

Na verdade, o artigo 78.º n.º 1 da LGT prevê que a revisão dos atos tributários pela entidade que os praticou pode ser efetuada por iniciativa do sujeito passivo, no prazo de reclamação administrativa e com fundamento em qualquer ilegalidade, ou por iniciativa da administração tributária, no prazo de quatro anos após a liquidação ou a todo o tempo se o tributo ainda não tiver sido pago, com fundamento em erro imputável aos serviços.

Contudo, com base no n.º 7 do mesmo art.º 78.º, os tribunais superiores têm entendido, numa jurisprudência que se pode dizer hoje plenamente unânime e consolidada, que “a Administração não pode demitir-se legalmente de tomar a iniciativa de revisão [oficiosa] do ato quando demandada para o fazer através de pedido dos interessados, já que tem o dever legal de decidir os pedidos destes, no domínio das suas atribuições” (STA 2 Sec., ac. de 29.05.2013, proc. 0140/13, relator Valente Torrão)[1]. Ou seja, os sujeitos passivos têm apenas o prazo da reclamação graciosa para pedir a revisão (não oficiosa) dos atos tributários, mas podem pedir à administração tributária que tome a iniciativa de desencadear a revisão oficiosa, a qual pode ser realizada no prazo de quatro anos previsto na segunda parte do nº 1 do art.º 78.º, dispondo o sujeito passivo de um prazo de quatro anos para efetuar esse pedido, o mesmo em que a Autoridade Tributária pode tomar a iniciativa de efetuar o procedimento.

No mesmo sentido, se pode ainda citar o acórdão do STA, 2 Sec., proc. 536/07, 20.11.2007, em que se afirma: “Embora este artº 78º da LGT, no que concerne a revisão do ato tributário por iniciativa do contribuinte, se refira apenas à que tem lugar dentro do «prazo de reclamação administrativa», no seu nº 6 [nº 7 na redação atualmente vigente] faz-se referência a «pedido do contribuinte», para a realização da revisão oficiosa, o que revela que esta, apesar da impropriedade da designação como «oficiosa», pode ter subjacente também a iniciativa do contribuinte. Idêntica referência é feita no nº 1 do artº 49º da LGT, que fala em «pedido de revisão oficiosa». Esta possibilidade de a revisão «oficiosa», que deve ser da iniciativa da administração tributária, ser suscitada por um pedido do contribuinte veio a ser confirmada pela alínea a) do nº 4 do artº 86º do C.P.P.T., que refere a apresentação de «pedido de revisão oficiosa da liquidação do tributo, com fundamento em erro imputável aos serviços».”

É, assim, inequívoco que se admite, a par da denominada revisão do ato tributário por iniciativa do contribuinte (dentro do prazo de reclamação), que se faça, também na sequência de pedido seu, a “revisão oficiosa” (que a Administração pode realizar por sua iniciativa).

A revisão oficiosa prevista na segunda parte do nº 1 do art.º 78.º tem de ter obrigatoriamente por fundamento “erro imputável aos serviços”.

Por conseguinte, quando seja o sujeito passivo a pedir à Autoridade Tributária que leve a cabo essa “revisão oficiosa”, o sujeito passivo tem naturalmente o ónus de invocar esse “erro imputável aos serviços”.

Torna-se aqui fulcral, como se deduz, a noção de “erro imputável aos serviços”.

Como tem afirmado o Supremo Tribunal Administrativo em inúmeras ocasiões, e como é confirmado, por exemplo, no acórdão já citado proferido no processo 1007/11, o “erro imputável aos serviços” a que alude o artigo 78.º, n.º 1, in fine, da LGT compreende não só o lapso, o erro material ou o erro de facto, como, também, o erro de direito, e essa imputabilidade aos serviços é independente da demonstração da culpa dos funcionários envolvidos na emissão da liquidação afetada pelo erro”; ou no acórdão do mesmo tribunal de 12.12.2001 (2 Sec., proc. 26.233, relator Jorge de Sousa) em que se afirma que “esta imputabilidade aos serviços é independente da culpa de qualquer dos seus funcionários ao efetuar liquidação afetada por erro, já que a administração tributária está genericamente obrigada a atuar em conformidade com a lei (arts. 266°, n.° 1 da CRP e 55° da LGT), pelo que, independentemente da prova da culpa de qualquer das pessoas ou entidades que a integram, qualquer ilegalidade não resultante de uma atuação do sujeito passivo será imputável a culpa dos próprios serviços»”[10] (no mesmo sentido acórdãos do STA de 22-03-2011, proc. 01009/10; de 06/02/2002 proc. 26.690; de 05/06/2002 proc. 392/02; de 12/12/2001, proc. 26.233; de 16/01/2002 proc. 26.391; de 30/01/2002, proc. 26.231; de 20/03/2002, proc. 26.580; de 10/07/2002, proc. 26.668).

Assim, ao invocar “erro imputável aos serviços” nos termos e para os efeitos da segunda parte do n.º 1 do art.º 78º, o sujeito passivo pode alegar que o “erro imputável aos serviços” consiste em ilegalidade. Evidentemente, essa alegação de ilegalidade poderá ou não vir a revelar-se procedente. Mas o exame sobre a procedência da ilegalidade já não relevará, nesse caso, para a admissibilidade formal do pedido de revisão, ou para aferir a sua tempestividade, mas apenas para a decisão do mérito do pedido.

É nosso entender assim, porque não há dúvida de que a ilegalidade abstrata é uma forma de ilegalidade do ato tributário, e mais concretamente da liquidação.

Na verdade, é pacífico na jurisprudência e na doutrina que:

  • Os sujeitos passivos podem provocar, através de um pedido, o procedimento de revisão oficiosa da liquidação no prazo estabelecido no n.º 1 do art.º 78.º da LGT, sempre que invoquem para isso “erro imputável aos serviços”;
  • O “erro imputável aos serviços” compreende não só o lapso, o erro material ou o erro de facto, como também o erro de direito, e essa imputabilidade aos serviços é independente da demonstração da culpa dos funcionários envolvidos na emissão da liquidação afetada pelo erro;
  • O erro de direito pode consistir numa ilegalidade abstrata, ie. numa ilegalidade da norma tributária.

Deste modo, conclui-se que a Requerente podia, efetivamente, pedir a revisão das liquidações, e por conseguinte, o pedido de revisão não foi intempestivo, pelo que não se verifica a caducidade do direito de ação.

 

O Árbitro-Presidente,

 

Guilherme Waldemar d’Oliveira Martins

 

 

 

 

 

 



[1] Carregado e sublinhado nosso.

[2] Idem nota anterior.