Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 214/2023-T
Data da decisão: 2024-04-03  Selo  
Valor do pedido: € 5.000,00
Tema: Imposto do Selo | Ónus da Prova
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SUMÁRIO:

Cabe à Autoridade Tributária e Aduaneira o ónus da prova da verificação dos pressupostos legais vinculativos legitimadores da sua atuação, e ao contribuinte provar os factos que operam como suporte das pretensões e direitos que invoca.

***

DESPACHO

Requerimento da Requerente de 28-08-2023

A Requerente por requerimento de 28-08-2023, veio juntar aos autos decisão de deferimento de protecção jurídica, na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo, tendo nessa sequência peticionado a dispensa do pagamento da segunda prestação da taxa de justiça e a restituição da taxa arbitral inicial já paga.

Cumpre apreciar o pedido da Requerente.

Nos termos do disposto no artigo 17º nº 1 da Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho, “O regime de apoio judiciário aplica-se em todos os tribunais, qualquer que seja a forma do processo, nos julgados de paz e noutras estruturas de resolução alternativa de litígios a definir por portaria do membro do Governo responsável pela área da justiça.”

A norma em questão remete para a Portaria n.º 10/2008, de 03 de Janeiro, que no seu artigo 9º, dispõe que: ” Para efeitos do disposto no n.º 1 do artigo 17.º da Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho, as estruturas de resolução alternativa de litígios em que se aplica o regime do apoio judiciário são as constantes do anexo ao presente diploma e do qual faz parte integrante.”

Percorrendo o elenco das estruturas de resolução alternativa de litígios constantes do Anexo I à mencionada Portaria n.º 10/2008, de 03 de Janeiro, concluí-se, que nos termos da alínea p) daquele Anexo, o regime de apoio judiciário tem aqui aplicação.

Contudo, o regime antes identificado carece de ser articulado com o disposto no artigo 4º, nº3[1], do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (na sua atual redação, resultante da alteração de 31-08-2021), que dispõe que o sujeito passivo fica dispensado de pagamento da taxa de arbitragem devida, desde que envie, até à data prevista para a prolação da decisão arbitral, o comprovativo do pagamento efetuado pela entidade pública responsável, o que não sucedeu no caso em apreço.

Termos em que se indefere o pedido da Requerente de dispensa do pagamento da taxa de arbitragem subsequente e restituição da taxa arbitral inicial já paga.

Apreciada e decidida esta questão prévia, é proferida a seguinte:

DECISÃO ARBITRAL

Carla Almeida Cruz, árbitro das listas do CAAD, designada pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formar o Tribunal Arbitral singular, constituído em 06-06-2023, elabora nos seguintes termos, a decisão arbitral no processo identificado.

1. RELATÓRIO

A..., contribuinte fiscal número ..., com domicilio fiscal na Rua ..., n.º ..., ...-... ...-Cacém (doravante, abreviadamente designado de “Requerente), veio, nos termos do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, constante do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, (doravante, abreviadamente designado de “RJAT”), requerer a constituição de Tribunal Arbitral, visando a declaração de ilegalidade e consequente anulação do ato de liquidação de Imposto do Selo (“IS”) com o n.º..., no montante de 5.000,00€, bem como a anulação do indeferimento da reclamação graciosa que deduziu contra este ato tributário.

       É Requerida nestes autos a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (“Requerida” ou “AT”).

O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD em 28-03-2023 e foi notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) em 02-04-2023.

Nos termos do disposto no artigo 6.º, n.º 1 e do artigo 11.º, n.º 1, alínea b) do RJAT, o Conselho Deontológico designou como árbitro do Tribunal Arbitral, com árbitro singular, a signatária, que manifestou a aceitação do encargo, no prazo legal.

Em 19-05-2023 as partes foram devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado intenção de recusar a designação do árbitro, nos termos previstos nas normas do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b) do RJAT e nas normas dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

Assim, e em conformidade com a disciplina constante do artigo 11.º, n.º 1, alínea c), do RJAT, o Tribunal Arbitral foi constituído em 06-06-2023.

A Requerida, através de despacho arbitral proferido em 07-06-2023, foi notificada para os efeitos previstos no artigo 17.º da RJAT.

Em 07-07-2023, a Requerida juntou aos autos o Processo Administrativo (“PA”), para os efeitos do previsto no n.º 2 do artigo 17.º do RJAT.

Em 12-07-2023, a Requerida, apresentou a sua Resposta, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, na qual se defende por impugnação e pugna pela improcedência e consequente absolvição do pedido.

Por despacho de 13-07-2023, foi dispensada a realização da reunião a que alude o artigo 18.º, do RJAT e determinada a notificação das partes para produzirem alegações escritas.

Em 28-08-2023, a Requerente juntou aos autos decisão de deferimento de protecção jurídica, na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo, tendo nessa sequência peticionado a dispensa do pagamento da segunda prestação da taxa de justiça e a restituição da taxa arbitral inicial já paga.

Por despacho de 29-08-2023, foi a Requerida notificada para se pronunciar sobre o peticionado pela Requerente no requerimento de 28-08-2023.

Em 15-09-2023, a Requerente apresentou alegações escritas, nas quais reiterou a posição anteriormente assumida na petição inicial, tendo também junto cópia da decisão arbitral proferida em 04-08-2023, no âmbito do processo arbitral com o nº 215/2023-T, que alegou ter por objeto liquidação de IS idêntica àquela aqui em apreciação, assim como a mesma factualidade e documentação instrutória e que julgou procedente a pretensão que deduziu naquele processo.

Em 25-09-2023, a AT apresentou alegações escritas, nas quais reiterou também a posição anteriormente assumida na sua Resposta, tendo ainda, a propósito da decisão arbitral junta pela Requerente com as suas alegações, referido que a mesma ainda não havia transitado em julgado, e que não produz quaisquer efeitos relativamente aos presentes autos, onde o Tribunal é livre de julgar de acordo com o seu entendimento quanto aos factos e quanto ao direito.

Por despachos de 04-12-2023 e de 05-02-2023, foi determinada, nos termos do disposto na norma do artigo 21º-2 do RJAT, a prorrogação, pelo período de dois meses, do prazo para ser proferida a decisão arbitral nestes autos.

 

2. SANEAMENTO

O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente, face ao preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 1, do DL n.º 10/2011, de 20 de Janeiro.

O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo, porque apresentado no prazo previsto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a), do RJAT.

As partes estão devidamente representadas, gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade (cf. artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT, e artigo 1.º, da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).

O processo não enferma de nulidades, não tendo sido invocadas quaisquer exceções ou suscitadas questões prévias que obstem ao conhecimento de mérito e de que cumpra conhecer.

 

3. FUNDAMENTAÇÃO

3.1. MATÉRIA DE FACTO

3. 1.1. Factos provados

Com relevância para a decisão, consideram-se provados os seguintes factos:

  1. Em 15-10-2021, foi celebrado, por documento particular autenticado (“DPA”), perante B..., Advogada Estagiária, contrato de partilha por óbito de C..., no termos que constam do documento nº. 7 junto à P.I.[2], cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido e no qual foram outorgantes:

 

  1. Constam do referido documento, as seguintes cláusulas [cf. PA e documento n.º 7 junto à P.I.]:

 

 

 

  1. Em 23-11-2021, os mesmos intervenientes outorgaram, novo documento particular autenticado, perante D..., Solicitadora, denominado de “ Retificação contrato de partilha”, nos termos que constam do documento nº 8 junto com a PI, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido e onde, designadamente, consta o seguinte:

 

  1. A Requerente foi notificada do documento de cobrança com o n.º 2021..., com data limite de pagamento em 2022-02-28, referente à participação de ISTG n...., que deu origem à liquidação de IS – verba 1.2 da TGIS n.º ..., datada de 2021-12-06, no montante de €5.000,00 [cf. PA e documento n.º 2 junto à P.I.].
  2. A Requerente em 27-06-2022 apresentou reclamação graciosa, junto dos Serviços de Finanças Sintra ... e ..., nos termos que constam detalhados no documento nº 2 junto com a PI, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido [cf. PA e documentos n.ºs. 3 e 4 juntos à P.I.].
  3. O SF Sintra ..., por despacho de 22-12-2022 deferiu a Reclamação Graciosa apresentada pela Requerente, com o seguinte fundamento [cf. PA e documento n.º5 junto à P.I.]:

 

  1. O SF Sintra ..., por despacho de 21-12-2022 indeferiu a reclamação, com o seguinte fundamento [cf. PA e documento n.º 1 junto à P.I.]:

 

 

 

 

 

  1. Por despacho de 07-02-2023, o SF Sintra ..., veio revogar o despacho de 22-12-2022, o que fez com o seguinte fundamento [cf. PA e documento n.º 6 junto à P.I.]:

 

  1. Em 27-03-2023, a Requerente apresentou o pedido de pronúncia arbitral que deu origem ao presente processo [cf. sistema informático de gestão processual do CAAD].

 

3.1.2. Factos considerados não provados

Não foram considerados como não provados nenhuns dos factos alegados, com efetiva relevância para a boa decisão da causa.

 

3.1.3. Fundamentação da decisão da matéria de facto

Os factos pertinentes para o julgamento da causa foram escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, à face das soluções plausíveis das questões de direito, nos termos da aplicação conjugada dos artigos 123.º, n.º 2, do CPPT e 607.º, n.º 3, do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT.

Não há controvérsia sobre a matéria de facto, pelo que no tocante à matéria de facto dada como provada, a convicção do Tribunal fundou-se nos factos articulados pelas Partes, cuja aderência à realidade não foi posta em causa e, portanto, admitidos por acordo, bem como na análise crítica da prova documental que consta dos autos, designadamente os documentos juntos pelo Requerente, cuja correspondência à realidade não é contestada pela Autoridade Tributária e Aduaneira.

Não se deram como provadas, nem não provadas alegações feitas pelas partes, com natureza meramente conclusiva, ainda que tenham sido apresentadas como factos, por serem insuscetíveis de comprovação, sendo que o seu acerto só pode ser aferido em confronto com a fundamentação da decisão da matéria jurídica, constante do capítulo seguinte.

Finalmente, importa sublinhar que a questão essencial a decidir é de direito e assenta na prova documental junta aos autos pela Requerente, não contestada pela Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

3.2. MATÉRIA DE DIREITO

3.2.1 Objeto do litígio e posição das partes

O objeto do litigio neste processo, respeita à apreciação da legalidade do ato de liquidação de Imposto do Selo (“IS”) com o n.º..., no montante de 5.000,00€.

A Requerente pugna pela declaração de ilegalidade e consequente anulação da referida liquidação, bem como pela anulação do indeferimento do pedido de reclamação graciosa que deduziu contra este ato tributário, defendo, em síntese que a liquidação em causa padece de vicio de falta de fundamentação e que a operação não se chegou a materializar na ordem jurídica, pois não existiu, desde logo, o facto tributário que se lhe pretende imputar, concluindo que a manutenção desta liquidação é ilegal, por erro nos pressupostos de facto e direito, por inexistência de facto tributário.

Concretamente, alega a Requerente que:

  1. Por não concordar com a liquidação em questão, apresentou Reclamação Graciosa, com a finalidade de obter a anulação do acto reclamado.
  2. Tais reclamações foram apresentadas nos Serviços de Finanças ... e ..., em Sintra, entendendo-se que ambos os SF seriam competentes.
  3. O SF Sintra ..., numa primeira instância, deferiu a Reclamação Graciosa com o fundamento de inexistência de facto tributário.
  4. Sendo que o SF Sintra ... indeferiu a mesma.
  5. Posteriormente, já depois de ter deferido a Reclamação Graciosa apresentada, e de forma totalmente inexplicável, veio o SF Sintra ... proceder à revogação da sua decisão de indeferimento, declarando-se incompetente, e revogando a decisão que tinha tomado.
  6. Desconhece em concreto que tipo de operação fez pressupor a emissão da liquidação do Imposto do Selo, ora reclamada, mas desconfia que terá tido a sua base numa operação de partilha de património, tendo tal sido à posteriori confirmado pela AT em sede de apreciação da Reclamação Graciosa apresentada.
  7. Efetivamente, no dia 15 de outubro de 2021, foi feito por Documento Particular Autenticado ("DPA") uma partilha de um imóvel no contexto de uma herança, e em que, na respetiva clausula sexta, os restantes herdeiros declararam que prescindiam das tornas.
  8. Sucede, no entanto, que tal ficou a dever-se a um lapso de escrita que traduziu, erroneamente, a vontade destes, pois na realidade pretendiam receber as tornas a que tinham direito par via da referida operação de partilha e isso veio efetivamente a ocorrer.
  9. Decorrido um mero mês após a assinatura do referido DPA, e apercebendo-se do erro que constava naquela declaração, apressaram-se a retificá-lo, o que fizeram no dia 23 de novembro de 2021, por novo DPA, operando-se uma retificação à clausula sexta do primeiro DPA onde se declarou que tinham recebido tornas.
  10. Diga-se, alias, que a retificação do primeiro DPA se fez muito antes da emissão de qualquer liquidação adicional de imposto do selo, não havendo qualquer relação entre uma coisa e a outra.
  11. Por se tratar de uma operação que não chegou a materializar-se na ordem jurídica, pois não existiu, desde logo, o facto tributário que se lhe pretende imputar, inexiste igualmente, tendo de ser anulado, e tal, curiosamente veio precisamente a ser confirmado pelo SF Sintra - ... - o acto tributário ora impugnado.
  12. Defende a Requerente, que podendo as omissões e inexatidões em causa ser supridas ou retificadas a todo o tempo, e isso foi feito, não se encontra sedimentada na ordem jurídica o primeiro DPA feito no que se refere a referida clausula 6.º e, sendo assim, nada obsta a que, em situações como estas, em que, efetivamente inexiste qualquer facto tributário, seja anulada a Liquidação oficiosamente emitida pela AT, pois não existiu nenhuma transmissão gratuita.
  13. Da retificação do primeiro DPA, tem a AT, forçosamente, que retirar consequências tributárias, ao pretender não extrair eventuais implicações dessa retificação, a mesma incorre na prática de um acto ilegal por erro nos pressupostos de facto e de direito.
  14. A Requerente cumpriu com o ónus da prova que lhe cabia, ao ter junto atempadamente toda a documentação, e tendo apresentando as necessárias explicações em sede de procedimento tributário, não sendo tal valorado pela AT.

 

A AT, por seu turno, pugna pela improcedência e consequente absolvição do pedido, tendo alegado para sustentar a sua posição, que:

  1. O documento de cobrança aqui em análise, identificado com o n.º 2021 ..., referente à participação de ISTG ..., contém a identificação do imposto em causa (Imposto do Selo relativo à transmissão gratuita - Doação), o montante devido (€5.000,00), a identificação do facto tributário (Doação), a identificação da verba em causa (Verba 1 - €50.000,00), bem como a matéria coletável (€50.000,00), as possibilidades de pagamento do imposto (Modalidade 1 – Pronto pagamento, usufruindo do desconto previsto no art.º 45.º do CIS; ou Modalidade 2 – Pagamento em prestações, nos termos do art.º 45.º do CIS) e o prazo para efetuar o pagamento a pronto (2022-02-28).
  2. Ou seja, na demonstração da liquidação, estavam presentes todos os elementos que permitiam ao contribuinte analisar e, eventualmente, opor-se ou questionar os seus fundamentos e contabilização.
  3. Da análise ao referido Documento de Cobrança n.º 2021..., retira-se que, os fundamentos do ato tributário estavam expressa e proficuamente plasmados naquele, permitindo ao sujeito passivo apreender, de forma clara, suficiente e congruente, tanto o processo lógico que conduziu ao apuramento da matéria tributável e do tributo, como as operações de qualificação e quantificação do facto tributário.
  4. Caso tal não fosse, desconhecendo a fundamentação do mesmo, a ora Requerente, poderia ter lançado mão do mecanismo inscrito no art.º 37.º do CPPT sob a epígrafe “comunicação ou notificação insuficiente”, segundo o qual “Se a comunicação da decisão em matéria tributária não contiver a fundamentação legalmente exigida, indicação dos meios de reação contra o ato notificado ou outros requisitos exigidos pelas leis tributárias, pode o interessado, dentro de 30 dias ou dentro do prazo para reclamação, recurso ou impugnação ou outro meio judicial que desta decisão caiba, se inferior, requerer a notificação dos requisitos que tenham sido omitidos ou a passagem de certidão que os contenha, isenta de qualquer pagamento.”.
  5. Assim, não se descortina a existência de qualquer violação do dever legal de fundamentação, que impende sobre a AT, nos termos do n.º 2 do art.º 77.º da LGT.
  6. No caso sub judice, perfazendo o acervo de bens a partilhar o montante de €150.000,00 e tendo sido determinado que, à primeira outorgante, era adjudicado o valor de €150.000,00, quando a quota-parte a que tinha direito era de €50.000,00, vemos que, esta recebeu a mais do que o seu direito a importância de €100.000,00 (€50.000,00 + €50.000,00).
  7. Tendo os dois outros partilhantes prescindido de tornas, a Requerente recebeu duas transmissões gratuitas, uma de E... e outra de F... .
  8.  Sendo que, é a transmissão gratuita efetuada pelo primeiro – E...- , no valor de €50.000,00, que está sub judice.
  9. De acordo com o Código do Imposto do Selo (CIS), no seu artigo 1.º: “O imposto do selo incide sobre todos os atos, contratos, documentos, títulos, papéis e outros factos ou situações jurídicas previstos na Tabela Geral, incluindo as transmissões gratuitas de bens”.
  10. Nos termos da Verba 1.2 da Tabela Geral do Imposto do Selo (TGIS), a aquisição gratuita de bens, encontra-se sujeita a tributação, à taxa de 10%, considerando-se sujeitos passivos do imposto, as pessoas singulares para quem se transmitam os bens, ou seja, os respetivos beneficiários (al. b) do n.º 2 do art.º 2.º do CIS).
  11. Nos atos e contratos, a obrigação tributária, considera-se constituída no momento da assinatura pelos outorgantes, conforme determina a al. a) do n.º 1 do art.º 5.º do CIS.
  12. E, o valor tributável dos valores monetários, é o resultante do n.º 5 do art.º 15.º do CIS, sendo este correspondente “(…) ao montante existente à data da transmissão”.
  13. Tendo sido liquidado IS da Verba 1.2 da TGIS no montante de €5.000,00 (€50.000,00 x 10%) vemos que o imposto do selo sub judice, foi, corretamente liquidado.
  14. Porém, em 2021-11-23, os mesmos outorgantes vêm celebrar novo documento particular autenticado (DPA), de retificação do contrato de partilha, perante B..., para correção do “erro que constava naquela declaração”, segundo alega a Requerente, referindo-se ao primeiro DPA.
  15. A “retificação” operar-se-ia à cláusula sexta do primeiro DPA. Assim, onde se declarava “A segunda e Terceiro contratantes declaram que prescindem das tornas apuradas a seu favor.”, passaria a constar “Os ora Segundo e Terceiro contratantes, declaram que já receberam as tornas apuradas a seu favor e o pagamento foi efetuado da seguinte forma (…)”.
  16. Na perspetiva da Requerente, esta alteração sanaria o “erro” que constava no primeiro DPA.
  17. Antes de mais, refira-se que, após a celebração do contrato de partilha, em 2021-10-27, foi enviado um e-mail ao Serviço de Finanças de Sintra ..., por B... solicitando a liquidação dos impostos devidos, com o seguinte teor:

Serve o presente para requerer junto de V. Ex.ª se digne emitir as guias de pagamento do Imposto do Selo (IS) respeitante ao imóvel melhor identificado no Contrato de Partilha outorgado em 2021- 10-15, na caderneta predial urbana, e na Modelo 1 do Imposto do Selo – Participações de Transmissões Gratuitas devidamente preenchido – os quais junto em anexo”.

  1.  Em resposta, em 2021-11-03, o SF de Sintra ... veio esclarecer o seguinte:

“A escritura de partilha da herança indivisa envolvendo a transmissão de bens imóveis encontra-se sujeita a liquidação de IMT e Imposto do Selo – verba 1.1, sendo o imposto devido pelo adquirente, incidindo sobre o excesso de quota parte que lhe couber. Mais se informa que a declaração de prescindimento de recebimento de tornas encontra-se sujeita a obrigação declarativa do art.º 26.º do Código do Imposto do Selo, encontrando-se o respetivo beneficiário sujeito ao pagamento de imposto do selo da verba 1.2 da tabela geral de Imposto do Selo. Assim, face ao exposto, deverá ser preenchido um Modelo 1 do Imposto do Selo – Transmissões Gratuitas, por cada doador.”

  1. Contudo, o preenchimento da Modelo 1 do ISTG remetida via e-mail, em 2021-10-27, ao SF de Sintra ..., não se encontrava de acordo com o ato praticado, pelo que, havendo lugar a liquidação de IMT e IS, com base no documento oficial a que teve acesso, foi instaurado oficiosamente, nos termos do art.º 23.º do CIMT, o processo de ISTG a que foi atribuído o n.º de Participação ... .
  2. Esta Participação, submetida em 2021-11-23, foi remetida para B... (Requerente das liquidações) conjuntamente com as liquidações dos impostos devidos.
  3.  Daqui se evidencia que, ao contrário do alegado pela Requerente, a retificação do contrato de partilha teve lugar logo após a Requerente ter tomado conhecimento dos impostos que teria que liquidar e pagar, pelo que, não corresponde à verdade que a escritura de retificação do primeiro DPA se tenha feito muito antes da emissão de qualquer liquidação de IS.
  4. A liquidação foi promovida oficiosamente, nos termos do art.º 33.º do CIS, em 2021-12-06, no entanto, a Requerente já havia tomado conhecimento de que tais impostos seriam devidos, através do e-mail enviado em 2021-10-27.
  5. O art.º 249.º do CC, consagra um verdadeiro princípio geral com aplicação a todos os atos judiciais e extrajudiciais, no que se refere ao preenchimento dos requisitos de retificação da declaração negocial.
  6. Nos termos desta norma legal, somente o simples erro de cálculo ou escrita, revelado no próprio contexto da declaração ou através das circunstâncias em que a declaração tiver sido feita, dá direito à retificação da declaração negocial.
  7. De acordo com a redação do art.º 249.º do CC, tal possibilidade de retificação aplica-se apenas aos casos em que o erro é patente ou ostensivo.
  8. No caso em apreço, é extremamente simples, claro e inequívoco o sentido do contrato de partilha celebrada em 2021-10-15, através de documento particular autenticado, não suscitando quaisquer dúvidas a quem proceda à sua leitura.
  9.  Não obstante, os outorgantes sustentam a sua retificação no facto de “por lapso”, a segunda e o terceiro contratantes terem prescindido das suas tornas, isto é, por estar em causa um erro material, uma divergência entre o que foi escrito e aquilo que se queria ter escrito. Ou seja, um erro na declaração, não correspondendo a vontade declarada à vontade real dos autores.
  10. Sendo o próprio elemento sobre o qual recaiu o erro, um elemento essencial no contrato, não nos parece, com o devido respeito, poder ser aquele desculpável, para efeitos de retificação ao abrigo do disposto no art.º 247.º do CC.
  11. E mesmo que se tenha qualificado de “retificação” o contrato celebrado em 2021-11-23, por documento particular autenticado, esta qualificação do negócio jurídico efetuada pelas partes, mesmo que em documento autenticado, não vincula a administração tributária, tal como resulta do n.º 4 do art.º 36.º da Lei Geral Tributária (LGT).
  12. O erro relevante, para efeitos fiscais, é apenas o erro de cálculo ou de escrita, que resulta evidente e inequívoco da leitura do documento que se visa retificar.
  13. Dito de outra forma, se do próprio texto do documento resultar de forma evidente e inequívoca a intenção que lhe subjaz, então, do mesmo modo se assomará evidente e de forma inequívoca a existência de qualquer erro de cálculo ou de escrita, que vá bulir com aquela intenção, desvirtuando-a.
  14. Do cotejo do documento particular autenticado de partilha nada mais se retira do que a vontade inequívoca de renúncia a tornas, e do documento particular autenticado de retificação da partilha uma mudança de intenção ou vontade, a qual não pode conduzir no plano fiscal ao efeito pretendido pela Requerente.
  15. Além de que, a prova plena dos documentos autênticos/ autenticados limita-se à materialidade das afirmações atestadas, mas não abrange a sinceridade, a veracidade ou validade das declarações emitidas pelas partes, que não está abrangida pela força probatória plena.
  16. Por fim e ao encontro deste entendimento, importa ainda salientar o seguinte: Para prova da veracidade do conteúdo do documento de retificação, a Requerente juntou o documento particular autenticado de retificação da escritura de partilha, e consta da cláusula sexta, que os interessados declaram que no dia 15/10/2021, receberam as tornas, mediante transferências da conta bancária de A... para as contas bancárias em nome de F... e E... .
  17. Porém, não foi junto qualquer documento bancário comprovativo dessas mesmas transferências e que estas foram coevas e conexas com a partilha, sendo certo que o documento particular autenticado de retificação da partilha, como é amplamente reconhecido pela doutrina e jurisprudência, muito embora prove a verdade dos factos que se passaram na presença do documentador (art.º 371º, nº 1, 2ª parte, do CCiv.), não garante, nem pode garantir, que tais factos correspondem à verdade.
  18. Afigura-se, por conseguinte, ao contrário do afirmado pela Requerente, que o documento junto não é “de per si” suficiente, em ordem a fazer prova clara, precisa e convincente, dos factos alegados, conforme se lhe impunha, nos termos do disposto no art.º 74.º nº 1 da LGT.
  19. Face ao exposto, resulta evidenciado que a celebração do contrato de retificação de partilhas aqui em análise, não conduz à anulação da liquidação de IS - verba 1.2 da TGIS, respeitante ao contrato de partilha, realizado em 2021-10-15.
  20. Improcedendo, assim, todos os vícios assacados à atuação administrativa, devendo manter-se liquidação de IS – Verba 1.2 da TGIS n.º ... objecto de impugnação, assim como a decisão de indeferimento da reclamação graciosa apresentada.
  21. A Administração Tributária está adstrita ao cumprimento do princípio da legalidade enunciado no artigo 266.º n.º 2 da Constituição da República e concretizado no artigo 55.º da LGT e no artigo 3.º do Código do Procedimento Administrativo (CPA).
  22. Está, assim, a Requerida adstrita ao rigoroso cumprimento dos preceitos legais aplicáveis na matéria, o que sucedeu no presente caso, tendo decidido de acordo com o previsto legalmente, pelo que o acto impugnado não padece de qualquer ilegalidade pelo que se impugna por infundado todo o alegado na douta p.i. que contrarie o supra exposto.

 

3.2.3. Apreciação da questão

Assente a matéria de facto provada, passemos agora a determinar o direito aplicável.

São duas, as questões, que importa apreciar: i) o vício de falta de fundamentação, e ii) o vício de lei, por erro sobre os pressupostos de facto e direito, por inexistência de facto tributário.

A administração fiscal tem o dever de fundamentar os atos de liquidação, de acordo com o princípio consagrado no art.º 268.º da Constituição da República Portuguesa (CRP), materializado no art.º 77.º da Lei Geral Tributária (LGT).

De acordo com o n.º 2 do art.º 77.º da LGT, “a fundamentação dos atos tributários pode ser efetuada de forma sumária, devendo sempre conter as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo.”

O objetivo desta exigência legal e constitucional de fundamentação, é o de proporcionar ao destinatário do ato, a reconstituição do itinerário cognoscitivo e valorativo percorrido pela autoridade que praticou o ato, de forma a poder saber-se claramente as razões que o levaram a chegar àquela conclusão.

Como deixou claro o Supremo Tribunal Administrativo, em decisão proferida a 03.12.2014, no Proc. 01674/13, a Administração Tributária tem o dever de fundamentar os actos de liquidação impugnados de harmonia com o princípio plasmado no art. 268º da CRP e acolhido nos arts. 125º do CPA e 77 º da LGT e o acto só estará suficientemente fundamentado quando o administrado, colocado na posição de um destinatário normal – o bonus pater familiae de que fala o art. 487º nº 2 do Código Civil – possa ficar a conhecer as razões factuais e jurídicas que estão na sua génese, de modo a permitir-lhe optar, de forma esclarecida, entre a aceitação do acto ou o accionamento dos meios legais de impugnação, e de molde a que, nesta última circunstância, o tribunal possa também exercer o efectivo controle da legalidade do acto, aferindo o seu acerto jurídico em face da sua fundamentação contextual.

 O que significa, ainda segundo aquele aresto, que a fundamentação, ainda que feita por remissão ou de forma muito sintética, não pode deixar de ser clara, congruente e encerrar os aspectos, de facto e de direito, que permitam conhecer o itinerário cognoscitivo e valorativo prosseguido pela Administração para a determinação do acto.

 

Em Acórdão de 07.06.2017, proferido no Proc. 0723/15, o STA esclareceu ainda que a exigência legal e constitucional de fundamentação do acto tributário, decorrente dos arts. 268º da CRP, 77º da LGT e 125º do CPA, visa, primacialmente, permitir aos interessados o conhecimento das razões que levaram a Administração a agir, por forma a possibilitar-lhes uma opção consciente entre a aceitação da legalidade do acto e a sua impugnação contenciosa, razão pela qual, no que respeita aos actos tributários de liquidação e nos termos do nº 2 do artº. 77º da LGT, a fundamentação destes actos, ainda que sumária, não pode deixar de conter as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo.

Resulta do exposto, que para a fundamentação exigida pelo disposto no artigo 77 º da LGT, é absolutamente fundamental que os atos praticados contenham elementos suficientes para compreender os aspetos de facto e de direito que permitam conhecer o itinerário cognoscitivo e valorativo prosseguido pela Administração na determinação do ato.

A jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo (“STA”) preconiza que a fundamentação é um conceito relativo que varia em função do tipo legal de ato, visando responder às necessidades de esclarecimento do contribuinte, permitindo-lhe conhecer as razões, de facto e de direito, que determinaram a sua prática e por que motivo se decidiu num sentido e não noutro – vide a título de exemplo os acórdãos do STA, processos n.ºs 065/09, de 15 de abril de 2009, e 01114/05, de 2 de Fevereiro de 2006.

Na doutrina, JOSÉ CARLOS VIEIRA DE ANDRADE considera que a insuficiência da fundamentação conduz a um vício de forma equivalente à falta de fundamentação, quando for manifesta – cf. O Dever da Fundamentação Expressa de Atos Administrativos, Coleção Teses, 2003, Almedina, pp. 232-239.

A fundamentação é suficiente quando proporcione aos destinatários do ato a reconstituição do itinerário cognoscitivo e valorativo percorrido pela autoridade que o praticou, i.e., quando um destinatário normal, colocado perante o ato em causa, possa ficar ciente das razões que sustentam a decisão nele prolatada (cf. acórdãos do STA, processos n.ºs 0512/17, de 14 de março de 2018, 42180, de 20 de novembro de 2002, e 46796, de 14 de março de 2001).

Transpondo os ensinamentos antes expostos para o caso em concreto, não nos oferece dúvidas que a liquidação impugnada, preenche os requisitos da fundamentação, legalmente exigidos pela norma do artigo 77.º da LGT, porquanto o ato de liquidação aqui em analise – identificado com o n.º 2021..., referente à participação de ISTG ..., contém a identificação do imposto em causa (Imposto do Selo relativo à transmissão gratuita - Doação), o montante devido (€5.000,00), a identificação do facto tributário (Doação), a identificação da verba em causa (Verba 1 - €50.000,00), bem como a matéria coletável (€50.000,00), as possibilidades de pagamento do imposto (Modalidade 1 – Pronto pagamento, usufruindo do desconto previsto no art.º 45.º do CIS; ou Modalidade 2 – Pagamento em prestações, nos termos do art.º 45.º do CIS) e o prazo para efetuar o pagamento a pronto (2022-02-28).

Dos documentos submetidos pela Requerente à AT, em especial, do Documento Particular Autenticado, outorgado em 15-10-2021, bem como o documento de cobrança, permite seguir o caminho que resultou na ora liquidação por aplicação da verba 1 da TGIS, permitindo ao sujeito passivo, aqui a Requerente, compreender, de forma clara e suficiente, tanto o processo lógico que conduziu ao apuramento da matéria tributável e do tributo, como as operações de qualificação e quantificação do facto tributário, pelo que se impõe decidir pela inexistência de vício de falta de fundamentação da liquidação em apreço.

Julgado improcedente o vício e falta de fundamentação da liquidação, vejamos agora se ocorre o vício de lei, por erro sobre os pressupostos de facto e direito, por inexistência de facto tributário.

Esta questão (vicio de lei, por erro sobre os pressupostos de facto e direito, por inexistência de facto tributário), tal como a Requerente o refere em sede de alegações, foi já objeto de pronúncia e de decisão arbitral proferida 04-08-2023, no âmbito do processo nº 215/2023-T, cuja factualidade é em tudo semelhante à dos presentes autos, e cujo teor subscrevemos, quer quanto à motivação, quer quanto ao sentido decisório, atento o que dispõe a norma do artigo 8º, nº3 do Código Civil.

A similitude dos factos – respeita a liquidação de IS idêntica aquela aqui impugnada, com origem nos mesmíssimos factos que servem de fundamento ao pedido aqui deduzido – justifica assim a adesão integral, à solução da questão expressa na decisão proferida no referido processo arbitral nº 215/2023-T, cujo teor, por ter inteira aplicação ao caso concreto, a seguir se reproduz, quase na íntegra:

“Passemos de seguida à análise do alegado segundo vicio, a inexistência de facto tributário e ilegalidade da aplicação da Verba do 1 do Imposto do Selo.

Assim, e conforme resulta da factualidade assente, a Requerente em 15 de outubro de 2021 por Documento Particular Autenticado, celebrou um contrato de partilha de um imóvel no âmbito de uma herança, onde fez constar na clausula sexta, que “os ora Segunda e Terceiro contratantes declaram que prescindem de tornas apuradas a seu favor “. Seguidamente, em 23 de novembro de 2021, pelo mesmo meio de Documento Particular Autenticado, foi retificado o contrato de partilha, em concreto a cláusula sexta, passando a constar que ”os ora Segundo e Terceiro contratante, declaram que já receberam as tornas apuradas a seu favor e que o pagamento foi efetuado da seguinte forma (…)”. Esta retificação encontra-se motivada pela existência de lapso constante no documento de 15 de outubro de 2021.

Assim, face à factualidade em análise nos presentes autos, é útil delimitar as questões

quanto ao vicio elencado. Em primeiro lugar, determinar qual o facto tributário existente, se a renuncia a tornas, ou o recebimento de tornas, e determinado o facto tributário, compete em segundo lugar, apurar se a Requerente é sujeito passivo do imposto e se o mesmo é gerador do imposto, com base na aplicação do regime jurídico-fiscal do Imposto do Selo, na qual se baseou a ora liquidação.

Cumpre decidir.

Ora a Requerente, alegou, que por lapso no DPA de 15 de outubro de 2021, declarou prescindir de tornas, lapso que supriu por retificação no DPA celebrado em 23 de novembro de 2021, aí declarou que já receberam as tornas apuradas a seu favor e que o pagamento foi efetuado, permitindo assim concluir que deixou de existir o facto gerador do imposto.

A Requerida, entendeu que a retificação feita não vincula a administração tributária, e

que o documento junto não é “de per si” suficiente, em ordem a fazer prova clara, precisa e convincente, dos factos alegados, conforme se lhe impunha.

Vejamos de seguida a moldura jurídico-fiscal que rege o ónus da prova:

Ora resulta do artigo 74.º n.º 1 da LGT que: "o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque.", em consonância com o artigo 342.º n.º 1 do CC, " Àquele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado."

Acresce que sobre a questão do ónus da prova, existe ampla jurisprudência, sustentando que cabe à AT o ónus da prova da verificação dos pressupostos legais vinculativos legitimadores da sua atuação e que cabe ao contribuinte provar os factos que operam como suporte das pretensões e direitos que invoca. (vide Processo Arbitral nº 236/1014-T de 4 de maio de 2015).

Com base no exposto, à Requerente cabe o ónus da prova em como não prescindiu das

tornas. Parece evidente, inclusive tendo presente a presunção de veracidade que rege as declarações do sujeito passivo e do tipo de documento em questão, que compete ao sujeito passivo a prova, uma vez que é ele quem invoca, e como tal cabe-lhe demonstrar os elementos que constituem a sua pretensão. Desse modo, a Requerente, para sustentar a sua pretensão, juntou dois documentos particulares autenticados. Ora os documentos particulares autenticados, nos termos n.º 1 do 371.º do CC, fazem prova plena dos factos a que se referem, “1. Os documentos autênticos fazem prova plena dos factos que referem como praticados pela autoridade ou oficial público respectivo, assim como dos factos que neles são atestados com base nas percepções da entidade documentadora; os meros juízos pessoais do documentador só valem como elementos sujeitos à livre apreciação do julgador.”Contudo, o n.º 2 do mesmo normativo também nos diz que “Se o documento contiver palavras emendadas, truncadas ou escritas sobre rasuras ou entrelinhas, sem a devida ressalva, determinará o julgador livremente a medida em que os vícios externos do documento excluem ou reduzem a sua força probatória, deixando a apreciação para o julgador.”

Retomando os presentes autos, é por demais evidente que foram juntos dois documentos particulares autenticados, celebrados pelos mesmos intervenientes, em que o segundo constitui uma retificação a um lapso cometido no primeiro, constituindo ambos prova plena. Com isto em mente, à AT, porque o alega, cabe demonstrar que a operação subjacente constituiu uma renúncia a tornas pelo sujeito passivo. Sucede que dos autos, não consta qualquer meio de prova que afaste a veracidade dos ditos documentos, ou mesmo que suporte a pretensão da AT de existência de renuncia a tornas.

Por outro lado, há ainda que apreciar, a questão, à luz do princípio da prevalência da substância sobre a forma, face aos princípios elencados, é unicamente a substância dos mesmos e da operação efetivamente realizada, se estamos perante uma renúncia a tornas, ou, tornas.

Segundo o princípio da prevalência da substância sobre a forma, nuclearmente, o que

releva, para o direito fiscal, é o apuramento da efetiva realidade, relevante para efeitos de tributação, que não a mera forma do negócio jurídico concretamente utilizado. Tal princípio deve ser examinado em conjugação com o fenómeno da fraude à lei, assim podendo limitar o contribuinte no que respeita ao grau da sua oneração fiscal e consubstanciando a aplicação de tal princípio a consagração da cláusula geral anti-abuso prevista no artº.38, nº.2, da L.G.T. (637/09.2BELRS Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul). Ora, dos autos, resulta, que a operação subjacente, titulada por dois documentos autenticados em que o segundo retifica o primeiro, constitui uma realização de tornas.

Ainda se referia que a questão da validade da retificação feita a um documento particular autenticado, alegada pela AT, nem se chega a colocar, porque o que revela é a operação subjacente.

Conclui-se que ficou demonstrado que a operação subjacente foi um recebimento de tornas e não uma renuncia a tornas, sendo este o facto tributário que se deve apreciar à luz do Imposto do Selo.

Passemos assim, a segunda questão elencada, determinar se as tornas são um facto gerador do imposto com base na aplicação do regime jurídico-fiscal do Imposto do Selo e quem é o sujeito passivo deste imposto, no qual se baseou a ora liquidação.

Ora perante a factualidade dada como provada e as normas legais em vigor à data dos factos, torna-se necessário a apreciação de direito sobre as tornas. Assim sobre o regime jurídico aplicável as tornas, estipula artigo 1 do Código do Imposto do Selo, o seguinte:

Artigo 1.º

Incidência objectiva

1 - O imposto do selo incide sobre todos os atos, contratos, documentos, títulos, papéis e outros factos ou situações jurídicas previstos na Tabela Geral, incluindo as transmissões gratuitas de bens. (Redação da Lei n.º 55-A/2012, de 29 de outubro)

2 - Não são sujeitas a imposto as operações sujeitas a imposto sobre o valor acrescentado e dele não isentas.

3 - Para efeitos da verba 1.2 da Tabela Geral, são consideradas transmissões gratuitas,

designadamente, as que tenham por objecto:

a) Direito de propriedade ou figuras parcelares desse direito sobre bens imóveis,

incluindo a aquisição por usucapião;

b) Bens móveis sujeitos a registo, matrícula ou inscrição;

c) Participações sociais, valores mobiliários e direitos de crédito associados, ainda que transmitidos autonomamente, títulos e certificados da dívida pública, bem como valores monetários, ainda que objecto de depósito em contas bancárias;

d) Estabelecimentos comerciais, industriais ou agrícolas;

e) Direitos de propriedade industrial, direitos de autor e direitos conexos;

f) Direitos de crédito dos sócios sobre prestações pecuniárias não comerciais associadas à participação social, independentemente da designação, natureza ou forma do acto constitutivo ou modificativo, designadamente suprimentos, empréstimos, prestações suplementares de capital e prestações acessórias pecuniárias, bem como quaisquer outros adiantamentos ou abonos à sociedade;

g) Aquisição derivada de invalidade, distrate, renúncia ou desistência, resolução, ou revogação da doação entre vivos com ou sem reserva de usufruto, salvo nos casos previstos nos artigos 970.º e 1765.º do Código Civil, relativamente aos bens e direitos enunciados nas alíneas antecedentes.

h) Os valores distribuídos em resultado da liquidação, revogação ou extinção de estruturas fiduciárias a sujeitos passivos que não as constituíram.

4 - São consideradas simultaneamente como aquisições a título oneroso e gratuito as constantes do artigo 3.º do Código do Imposto Municipal Sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (CIMT).

5 - Para efeitos da verba 1.2 da tabela geral, não são sujeitas a imposto do selo as seguintes transmissões gratuitas:

a) O abono de família em dívida à morte do titular, os créditos provenientes de seguros

de vida e as pensões e subsídios atribuídos, ainda que a título de subsídio por morte, por sistemas de segurança social;

b) De valores aplicados em fundos de poupança-reforma, fundos de poupança-educação, fundos de poupança-reforma-educação, fundos de poupança-ações, fundos de pensões, fundos de investimento mobiliário e imobiliário ou sociedades de investimento mobiliário e imobiliário;

c) Donativos efectuados nos termos da Lei do Mecenato;

d) Donativos conforme os usos sociais, de bens ou valores não incluídos nas alíneas anteriores, até ao montante de (euro) 500;

e) Transmissões a favor de sujeitos passivos de imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas, ainda que dele isentas;

f) Bens de uso pessoal ou doméstico.(…)

Diz nos o n.º2 do artigo 2.º do mesmo código:

1 - São sujeitos passivos do imposto:

2 - Nas transmissões gratuitas, são sujeitos passivos do imposto as pessoas singulares para quem se transmitam os bens, sem prejuízo das seguintes regras:

a) Nas sucessões por morte, o imposto é devido pela herança, representada pelo cabeça-de-casal, e pelos legatários;

b) Nas demais transmissões gratuitas, incluindo as aquisições por usucapião, o imposto

é devido pelos respectivos beneficiários.

O n.º 3 deste normativo, não prevê expressamente o termo tornas, contudo, a expressão utlizada pelo Legislador de “designadamente”, não assume um carater fechado, abrangendo assim outras transmissões gratuitas. As tornas, constituem uma transmissão gratuita, estando assim abrangidas pelo n.º 3 do artigo 1 do CIS.

Quanto à taxa a aplicar, socorremo-nos da verba 1.2. do Código de Imposto do Selo, que estabelece a taxa de 10% aquisição gratuita de bens, incluindo por usucapião, a acrescer, sendo caso disso, à da verba 1.1 sobre o valor.

Conclui-se que nos termos da Verba 1.2 da Tabela Geral do Imposto do Selo (TGIS), a aquisição gratuita de bens, encontra-se sujeita a tributação, à taxa de 10%, considerando-se sujeitos passivos do imposto, as pessoas singulares para quem se transmitam os bens, ou seja, os respetivos beneficiários (al. b) do n.º 2 do art.º 2.º do CIS.

Não sendo a Requerente o beneficiário da transmissão, conclui-se a Requerente não é o

sujeito passivo deste imposto, uma vez que não foi a si transmitida a torna, resultando na ilegalidade da ora liquidação.

 

Nestes termos, e atento os fundamentos enunciados, há que concluir pela ilegalidade e anulação, por erro sobre os pressupostos de facto e direito da liquidação impugnada, pelo que se julga procedente o pedido de anulação do ato tributário sub judice de liquidação do Imposto do Selo n.º..., correspondente ao documento de cobrança n.º 2021..., no valor de € 5.000,00 formulado pela Requerente.

 

4. DECISÃO

Nos termos expostos, o Tribunal Arbitral decide julgar integralmente procedente o pedido formulado pela Requerente, e em consequência:

  1. Anular o ato de indeferimento da reclamação graciosa, com o nº ...2022..., apresentada pela Requerente em 27-06-2022;
  2. Anular o ato tributário de liquidação do Imposto do Selo com o n.º ..., no valor de € 5.000,00.
  3. Condenar a Requerida no pagamento das custas do processo.

 

 

5. VALOR DO PROCESSO

Fixa-se o valor do processo em € 5.000,00 (cinco mil euros), nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT e do artigo 306.º, n.º 2, do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e) do RJAT e do artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

6. CUSTAS

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 612,00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pela Requerida, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 5, do citado Regulamento.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 3 de Abril de 2024.

              O Árbitro

 

 

___________________________

                   (Carla Almeida Cruz)

 

 



[1] Por aplicação extensiva, uma vez que a norma em questão apenas se refere expressamente à taxa de arbitragem inicial.

[2] Petição inicial do Requerente.