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Sumário:
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Não tendo existido alteração do âmbito e extensão da ordem de serviço de inspeção, não haveria obrigatoriedade de notificação de qualquer alteração pelo órgão de inspeção tributária. Não existindo vício do procedimento de inspeção, não existe caducidade do direito à liquidação de IRC de 2018.
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A (não) verificação dos requisitos de aplicação do regime simplificado reporta-se ao ano imediatamente anterior. Em consequência, os efeitos da cessação do regime simplificado de tributação somente deverão ocorrer no ano seguinte. Logo, a liquidação adicional de IRC de 2018, realizada com base no regime geral de tributação, é ilegal, devendo ser anulada.
DECISÃO ARBITRAL
A árbitro Vera Figueiredo, designada pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formar o Tribunal Arbitral Singular, decide nos termos que se seguem:
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RELATÓRIO
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A..., UNIPESSOAL LDA, pessoa coletiva com o NIPC n.º ..., com sede em ..., ..., ...-... ..., adiante designada como “Requerente”, vem, nos termos do artigo 10.º, n.º 2, alínea c) do D.L. n.º 10/2011, de 20 de Janeiro - Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (doravante abreviadamente designado de “RJAT”), e artigo 99.º, alíneas a), c) e d) do Código de Procedimento e de Processo Tributário ( “CPPT”), requerer a constituição de Tribunal Arbitral para pronúncia arbitral do ato tributário de Liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (“IRC”) n.º 2023..., relativa ao ano de 2018, em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira, adiante designada como “Requerida” ou “AT”, o que faz com os seguintes fundamentos: i) sobre a falta de notificação prévia ao sujeito passivo inspecionado do despacho que determinou a alteração do âmbito da inspeção; ii) da Liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (“IRC”), n.º 2023..., datada de 01/02/2023, relativa ao ano de 2018; iii) da caducidade do direito à liquidação.
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O pedido de constituição de tribunal arbitral foi apresentado pela Requerente em 24-11-2023, tendo sido aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD e notificado à Requerida em 28-11-2023.
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A Requerente optou por não designar árbitro, tendo, nos termos do artigo 6.º n.º 1 e do artigo 11.º n.º 1 do RJAT, o Conselho Deontológico designado o árbitro do Tribunal Arbitral Singular, que comunicou a aceitação do encargo no prazo legalmente estipulado.
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As partes foram devidamente notificadas da nomeação em 16-01-2024, não tendo manifestado vontade de recusar a mesma.
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Em conformidade com o disposto no artigo 11.º n.º 1 alínea c) do RJAT, o Tribunal Arbitral Singular ficou constituído em 05-02-2024.
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Em 05-02-2024, a Requerente e a Requerida foram notificadas do despacho do Tribunal Arbitral, no qual se estabelecia um prazo de 30 dias para apresentação da resposta da Requerida e junção de cópia do processo administrativo, ao abrigo do disposto no artigo 17.º n.º 1 e 2 do RJAT.
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A Requerida apresentou a sua resposta em 04-03-2024, na qual se defendeu por impugnação, pugnando pela legalidade da decisão de indeferimento da Reclamação Graciosa n.º ...2023... e, consequentemente, da liquidação adicional de IRC n.º 2022..., de 01-02-2023, da qual resultou imposto a pagar no montante de €19.511,41, incluindo juros compensatórios no montante de €2.459,36 (liquidação de juros compensatórios n.ºs 2023 ... e 2023 ...).
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O processo administrativo foi junto aos autos na mesma data.
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Em 06-03-2024, o Tribunal Arbitral emitiu despacho dispensando a reunião do tribunal arbitral a que se refere o artigo 18.º do RJAT e a apresentação de alegações escritas sucessivas, com fundamento na falta de complexidade do processo, inexistência de prova adicional a produzir, sendo os factos suscetíveis de comprovação por prova documental. Mais indicou como data previsível para prolação da decisão arbitral o dia 05-04-2024, devendo até essa data a Requerente pagar a taxa de arbitragem subsequente.
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SANEAMENTO
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O presente Tribunal Arbitral considera-se regularmente constituído para apreciar o litígio (artigo 5.º n.º 1 e n.º 2, artigo 6.º n.º 1 e artigo 11.º do RJAT).
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As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas [artigos 3.º, 6.º e 15.º do CPPT, ex vi artigo 29.º n.º 1 alínea a) do RJAT].
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Não se verificam quaisquer nulidades, nem foram alegadas pelas partes exceções ou questões prévias que devam ser analisadas de imediato.
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MATÉRIA DE FACTO
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Factos dados como provados
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Com interesse para a decisão da causa, dão-se como provados os seguintes factos, que não foram contestados pela Requerida:
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A Requerente é sujeito passivo de IRC, residente em Portugal.
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A Requerente registou o seu início de atividade em 16-01-2014, tendo optado pelo regime simplificado de tributação em sede de IRC, regime de que beneficiou até 2017, inclusive.
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A Requerente tem como objeto social “Prestação de serviços, agricultura, pecuária, produção animal, olivicultura e outras”, a que correspondem os CAE Principal 01610 - "Actividades dos serviços relacionados com a agricultura" e CAEs secundários 01620 - "Actividades dos serviços relacionados com a produção animal, excepto serviços de veterinária" e 01500 - "Agricultura e produção animal combinadas".
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Em 25-06-2019, a Requerente entregou a sua declaração de rendimentos Modelo 22 de IRC do exercício de 2018, identificada pelo n.º ...-2019-...-... .
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A declaração deu origem à liquidação n.º 2019 ..., de 19-07-2019, nos termos da qual foi apurado um valor total a receber de € 135,48, valor que foi reembolsado em 06-08-2019, através de transferência bancária (reembolso n.º 2019...).
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A Requerente submeteu a sua declaração IES de 2028, com a identificação n.º 2018-...-...-..., datada de 16-07-2019, na qual declarou um rendimento anual ilíquido de € 210.105,59.
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Em 20-10-2022 foi aberto o procedimento externo de inspeção de âmbito parcial à Requerente, credenciado pela ordem de serviço n.º 012022... emitida pelos Serviços de Inspeção Tributária (“SIT”) da Direção de Finanças de Évora (“DFE”), cuja ação inspetiva incidiu sobre o IRC do exercício de 2018, decorrente da proposta de inspeção n.º PI2022... .
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A "Carta Aviso" datada de 20-10-2022 foi disponibilizada na caixa postal eletrónica - Via CTT - em 21-10-2022, a qual se considera notificada no dia 26-10-2022.
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Em 03-11-2022 foi assinada a ordem de serviço do procedimento externo de inspeção, por parte do representante legal da Requerente.
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No projeto de relatório de inspeção concluíram os SIT ter-se verificado que "O sujeito passivo foi enquadrado no regime geral, por procedimento automático, com efeitos a 01/01/2018, em virtude de no período de 2018 ter declarado um rendimento anual ilíquido superior a € 200.000 (IES com a identificação nº 2018-...-...--... de 16/07/2019)."
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O projeto de relatório de inspeção foi notificado à Requerente para exercício do direito de audição, através da disponibilização na caixa postal eletrónica - Via CTT - em 14-12-2023, considerando-se notificado em 19-12-2022.
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A Requerente não exerceu direito de audição e requereu a reunião de regularização voluntária na modalidade presencial, a qual realizou-se no dia 09-01-2023 (data do documento de regularização voluntária, junto aos autos com o processo administrativo).
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No entanto, a Requerente não submeteu o Documento de regularização total até 25-01-2023, pelo que se mantiveram as correções propostas no relatório de inspeção.
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O relatório final de inspeção, datado de 26-01-2023, foi notificado à Requerente através da disponibilização na caixa postal eletrónica - Via CTT - em 28-01-2023, considerando-se notificado à Requerente em 02-02-2023.
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Os SIT procederam à correção da matéria tributável do exercício de 2018 em sede de IRC, promovendo a emissão da liquidação n.º 2023..., datada de 01-02-2023, na qual foi apurado imposto a pagar no montante de €19.511,41, incluindo €2.459,36 de juros compensatórios.
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A liquidação, acima referida, foi disponibilizada à Requerente na caixa postal eletrónica do contribuinte (Via CTT) em 08-02-2023, considerando-se notificada no dia 23-02-2023.
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A liquidação não foi paga dentro do prazo de pagamento voluntário, estando em cobrança coerciva mediante processo de execução fiscal que corre termos sob o n.º ...2023....
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No dia 27-02-2023, a Requerente apresentou junto do Serviço de Finanças (“SF”) de ... reclamação graciosa, nos termos do disposto nos artigos 137.º do Código do IRC e artigo 70.º do CPPT, da liquidação de IRC supra identificada, processo que correu termos na DFE sob o n.º ...2023... .
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Através do ofício n.º..., de 14-07-2023, da Direção de Finanças de Évora, a Requerente foi notificada por carta registada, para exercer o direito de audição prévia, no prazo de 15 dias, nos termos do artigo 60.º n.º 1 al. b) da Lei Geral Tributária (“LGT”), relativamente ao projeto de decisão de indeferimento da reclamação graciosa:
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A Requerente pronunciou-se em sede de direito de audição, mediante requerimento dirigido à DFE, em 04-08-2023.
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A decisão de indeferimento da reclamação graciosa foi notificada à Requerente, mediante ofício n.º ...2023..., datado de 07-09-2023, enviado por carta registada com aviso de receção, em 11-09-2023, em concordância com a proposta de decisão elaborada pelos serviços:
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Em 24-11-2023 foi apresentado o presente pedido de pronúncia arbitral.
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Factos não provados
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Com relevo para a decisão não se verificaram quaisquer outros factos alegados que devam julgar-se não provados.
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Fundamentação da matéria de facto provada e não provada
Relativamente à matéria de facto, o Tribunal não tem de se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada [cf. artigo 123.º n.º 2 do CPPT e artigo 607.º n.º 3 do Código de Processo Civil (“CPC”), aplicáveis ex vi artigo 29.º n.º 1 alíneas a) e e) do RJAT].
Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cf. artigo 596.º do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º n.º 1 alínea e) do RJAT).
Assim, tendo em consideração a posição assumida pela Requerente e a prova documental junta aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados.
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MATÉRIA DE DIREITO
O presente processo arbitral tem como objeto imediato o ato de indeferimento da Reclamação Graciosa n.º ...2023..., proferido pelo Diretor de Finanças da DFE, datado de 06-09-2023 e como objeto mediato o ato de liquidação adicional de IRC n.º 2023..., datado de 01-02-2023, referente ao período de 2018, demonstração de compensação n.º 2023..., da qual resultou IRC a pagar de €19.511,46, incluindo juros compensatórios no montante de €2.459,36, tendo a Requerente invocado os seguintes fundamentos: i) falta de notificação do despacho que determinou a alteração do âmbito da inspeção e, consequentemente, a caducidade do direito à liquidação; ii) cessação do regime simplificado de tributação e aplicação do regime geral de tributação em sede de IRC é aplicável desde o dia 01-01-2019, e não de 01-01-2018, como alegado pela Requerida.
As primeiras questões a apreciar e a decidir pelo tribunal dizem respeito à alegada falta de notificação do despacho que determinou a alteração do âmbito da inspeção e consequente caducidade do direito à liquidação invocadas pela Requerente.
A segunda questão a apreciar e a decidir é saber se a cessação do regime simplificado de tributação e aplicação do regime geral de tributação em sede de IRC é aplicável desde o dia 01-01-2018, como alegado pela Requerida, ou desde 01-01-2019, como alegado pela Requerente.
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Da falta de notificação do despacho que determinou a alteração do âmbito da inspeção
A Requerente alega que, na pendência do procedimento inspetivo terá ocorrido a alteração do âmbito do procedimento de inspeção, alteração que não foi notificada à Requerente. Fundamenta tal alegação com o facto de a ação inspetiva ter sido motivada pela Proposta de Inspeção P12022..., para controlo de benefícios fiscais.
No que concerne à legislação aplicável à situação em apreço, refira-se a mais relevante.
O artigo 14.º, n.º 1 do Regime Complementar do Procedimento de Inspeção Tributária e Aduaneira (“RCPITA”), sob a epígrafe “Âmbito e Extensão”, determina:
«1 - Quanto ao âmbito, o procedimento de inspecção pode ser: (…)
b) Parcial ou univalente, quando abranja apenas algum ou alguns tributos ou algum ou alguns deveres dos sujeitos passivos ou dos demais obrigados tributários.
Nos termos do artigo 15.º n.º 1 do RCPITA, «Os fins, o âmbito e a extensão do procedimento de inspecção podem ser alterados durante a sua execução mediante despacho fundamentado da entidade que o tiver ordenado, devendo ser notificado à entidade inspeccionada.» (negrito nosso)
O artigo 42.º, n.º 1, do RCPITA, por seu turno, determina que «As notificações podem efectuar-se no momento da prática dos actos de inspecção ou em momento anterior.». (negrito nosso)
O artigo 46º, n.ºs 2 e 3, alínea a), do RCPITA dispõem:
«1 - O início do procedimento externo de inspecção depende da credenciação dos funcionários e do porte do cartão profissional ou outra identificação passada pelos serviços a que pertençam.
2 - Consideram-se credenciados os funcionários da Autoridade Tributária e Aduaneira munidos de ordem de serviço emitida pelo serviço competente para o procedimento ou para a prática do ato de inspeção ou, no caso de não ser necessária ordem de serviço, de cópia do despacho do superior hierárquico que determinou a realização do procedimento ou a prática do ato.
3 - A ordem de serviço deverá conter os seguintes elementos:
a) O número de ordem, data de emissão e identificação do serviço responsável pelo procedimento de inspecção;
b) A identificação do funcionário ou funcionários incumbidos da prática dos actos de inspecção, do respectivo chefe de equipa e da entidade a inspeccionar;
c) O âmbito e a extensão da acção de inspecção. (…)» (negrito nosso)
O artigo 49.º do RCPITA determina que:
«1 - O procedimento externo de inspecção deve ser notificado ao sujeito passivo ou obrigado tributário com uma antecedência mínima de cinco dias relativamente ao seu início.
2 - A notificação prevista no número anterior efetua-se por carta-aviso elaborada de acordo com o modelo aprovado pelo diretor-geral da Autoridade Tributária e Aduaneira, contendo os seguintes elementos:
a) Identificação do sujeito passivo ou obrigado tributário objecto da inspecção;
b) Âmbito e extensão da inspecção a realizar.
3 - A carta-aviso conterá um anexo contendo os direitos, deveres e garantias dos sujeitos passivos e demais obrigados tributários no procedimento de inspecção.
4- A notificação prevista no n.º 1 fixa a competência territorial determinada nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 16.º
5 - À notificação prevista nos números anteriores é aplicável o n.º 10 do artigo 39.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário.» (negrito nosso)
Decorre da legislação supra citada que qualquer alteração dos fins, âmbito ou extensão da inspeção deve ser obrigatoriamente notificada ao contribuinte, em momento prévio ao da inspeção, sendo esta conclusão acompanhada pela jurisprudência dos tribunais superiores.
Como se retira do acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, citado pela Requerente, “não se perspetivaria qual a utilidade prática da exigência legal de emanação de um despacho fundamentado a determinar a alteração do fim, do âmbito e da extensão da ação inspetiva se o mesmo nunca chegaria ao conhecimento do seu destinatário: a entidade inspecionada. Ora, se o legislador impôs que a decisão de alteração dos fins, do âmbito e da extensão da ação inspetiva fosse fundamentada, naturalmente que o fez com o objetivo de que o mesmo pudesse ser compreendido, questionado e escrutinado pela entidade inspecionada. Qualquer outra interpretação, entende o Tribunal, carece de razoabilidade e ofende o princípio geral de notificação das decisões que afete os direitos e interesses legítimos dos contribuintes”[1].
A doutrina por seu turno entende que “apenas se a pessoa ou entidade em causa for notificada com antecedência em relação ao facto intrusivo ou potencialmente lesivo de que vai ser alvo poderá ela antecipar com razoabilidade na sua esfera jurídica as consequências gravosas que poderá sofrer, não sendo apanhada desprevenida pelas mesmas” (Cfr. JOAQUIM FREITAS DA ROCHA e JOÃO DAMIÃO CALDEIRA, Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária, Comentado e Anotado, Coimbra Editora, anotação ao artigo 42.º, págs. 243 a 245).
Concluiu a Requerente que a falta de notificação prévia ao sujeito passivo inspecionado do despacho que determinou a alteração do âmbito da inspeção constitui violação de formalidade legal essencial, porque estruturante do procedimento inspetivo, a determinar a invalidade dos ulteriores termos procedimentais, designadamente da liquidação que neles se suporta (cf. art.º 163º do Código de Procedimento Administrativo, aplicável ex vi do art.º 4º do RCPITA).
A falta de oportuna notificação da alteração do âmbito da inspeção daria origem a um outro vício de forma: falta de credenciação dos inspetores tributários em ordem à realização dos atos de inspeção que se relacionam com o IRC, em violação do disposto no artigo 46.º n.º 2 e 3 do RCPITA.
A Requerida, por seu turno, entende que não existiu alteração do âmbito da inspeção, logo não haveria falta de notificação à Requerente. Com efeito, como decorre da sua resposta junta aos autos, a Requerida considera que:
«14. Através da Carta-Aviso, a requerente foi informada de que, no prazo não inferior a cinco dias, seria dado início ao procedimento externo de inspeção, credenciado pela ordem de serviço n.º OI2022... e destinado à verificação do cumprimento das correspondentes obrigações tributárias, SENDO O SEU ÂMBITO PARCIAL, EM SEDE DE IRC, de acordo com a alínea b) do n.º 1 do artigo 14.º do RCPITA, e a sua extensão abrangia o Ano/Exercício de 2018.
15. O procedimento inspetivo, por sua vez, teve início no dia 03/11/ 2022, com a assinatura da ordem de serviço por parte do sócio-gerente.
16. Do RIT tal como da Carta-Aviso notificados à requerente verifica-se que o âmbito do procedimento inspetivo foi em ambos, “PARCIAL” em sede de IRC, nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 14.º do RCPITA, e a extensão do mesmo abrangeu o ano de 2018. (…)
18. Com efeito, apesar de constar do RIT que o que motivava a abertura daquela ação inspetiva era, numa fase anterior, a Proposta de Inspeção PI2022..., que decorre do controlo de benefícios fiscais, a Carta-Aviso participada à requerente, com vista à notificação prévia para procedimento de inspeção externo é bastante clara, relativamente ao âmbito e extensão da mesma.
19. Ou seja, o procedimento de inspeção externo, destinado , tão só, à verificação do cumprimento das correspondentes obrigações tributárias, de âmbito parcial (IRC), de acordo com a alínea b) do n.º 1 do artigo 14.º do RCPITA, incidente sobre o período de tributação de 2018, tal como se materializou no procedimento de inspeção propriamente dito cujo âmbito e extensão se manteve inalterado (ÂMBITO PARCIAL (IRC) e extensão (2018)), inexistindo portanto qualquer alargamento do âmbito do procedimento de inspeção como vem arguindo a requerente.»
Acrescente-se o aduzido pela Requerida em sede de decisão da reclamação graciosa:
“Não obstante o supra explanado e porque o SP reclamante vem invocar a suposta ocorrência da alteração do âmbito do procedimento de inspeção, nos termos do disposto no artigo 15.º do RCPITA, dizer apenas que nunca o âmbito do procedimento inspetivo foi alterado, porquanto sempre lhe foi notificado pelos serviços inspetivos, quer em sede de "Carta Aviso", quer em sede de notificação da ordem de serviço que consumou o inicio do procedimento inspetivo, quer em sede de notificação do projeto de relatório e do relatório de inspeção nos termos do artigo 62.º do RCPITA, que o âmbito do procedimento de inspeção foi "Parcial (Alínea b) do nº 1 do art. 14º do RCPITA)" em sede do tributo "IRC" e a sua extensão abrangeu o "Ano/Exercício 2018".
Quanto aos referidos pontos 11., 11.1. do Relatório de Inspeção, que o reclamante invoca no ponto 3º da sua petição, "Porém resulta do Relatório de Inspeção, no seu ponto II, 11.1. que a causa que motivou a inspeção terá sido a "Proposta de Inspeção P1202200838, que decorre do controlo de benefícios fiscais", e para que possamos clarificar tal diferendo interpretativo do âmbito do procedimento inspetivo, que se encontra preceituado nos termos do n.º 1 do artigo 14.º do RCPITA; importa desde já reproduzir os supracitados pontos e respetiva fundamentação nos exatos termos constantes na estrutura do relatório de inspeção:
"II. Objetivos, âmbito, extensão e duração da ação de inspeção
11.1. Credencial, motivo, âmbito e incidência temporal
A presente ação de análise externa ao sujeito passivo A... UNIPESSOAL LDA., com o NIPC:510953018, efetuou-se em cumprimento da OI2022... (alínea b) do nº 1 do art.º 14º do RCPITA).
O sujeito passivo tem sede fiscal na ..., ...-... ..., área da competência territorial da Direção de Finanças de Évora (alínea b), do nº 1, do artº 16º do RCPITA).
Motiva a presente ação: Proposta de Inspeção P12022..., que decorre do controlo de benefícios fiscais.
Ação inspetiva de controlo declarativo, incidente sobre IRC do período de 2018 (alínea b), do n.º 1, art.º 14º do RCPITA)."
Sendo por demais evidente que a colega Inspetora conservou, sem qualquer margem para dúvidas, a sua coerência na informação que sempre foi notificada ao ora reclamante em sede do âmbito e extensão do procedimento de inspeção, porquanto é por demais evidente a sua preocupação de informar o inspecionado, em parágrafos distintos, que uma coisa é o "motivo" da ação "Motiva a presente ação: Proposta de Inspeção P12022..., que decorre do controlo de benefícios fiscais.", ou seja, numa fase prévia ao início do procedimento, realidade bem diferente é o "âmbito" da ação” "Acão inspetiva de controlo declarativo, incidente sobre IRC do período de 2018 (alínea b), do n.º1, art.º 14º do RCPITA).", que a colega Inspetora teve o cuidado de distinguir separadamente, quer em sede do subtítulo 11.1. "(...) motivo, âmbito e (...)", quer em sede de parágrafos diferenciados na 'informação constante no conteúdo do subtítulo, não se verificando assim, tal como já acima explanado, ter ocorrido qualquer alteração do âmbito do procedimento de inspeção, nos termos do disposto no artigo 15.º do RCPITA, que implicasse a sua notificação ao SP;” (negrito nosso)
Face ao supra exposto, cumpre decidir.
Resulta claro do confronto do texto da carta-aviso e da ordem de serviço OI2022... com o texto do Relatório de Inspeção, que o âmbito e extensão do procedimento de inspeção é o IRC do período de 2018.
Sendo certo que a indicação no Relatório de Inspeção de que a motivação da ação inspetiva é a de controlo de benefícios fiscais não altera o respetivo âmbito. Trata-se somente de enquadrar o procedimento de inspeção e a sua origem. Outrossim seria se a carta-aviso e ordem de serviço em apreço se referissem a âmbito de IRC e o Relatório de Inspeção alargasse o âmbito a(s) outro(s) imposto(s).
Não assiste, assim, razão à pretensão da Requerente neste ponto, relativamente à alegada alteração pelos SIT do âmbito da inspeção no decurso do procedimento inspetivo, pelo que decai o pedido de anulabilidade da liquidação com fundamento em vício do procedimento de inspeção.
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Da caducidade do direito à liquidação
Com interesse para a decisão da causa, veja-se a legislação relevante aplicável ao caso em apreço.
O artigo 45.º da LGT, determina que:
“1 - O direito de liquidar os tributos caduca se a liquidação não for validamente notificada ao contribuinte no prazo de quatro anos, quando a lei não fixar outro. (…)
4 - O prazo de caducidade conta-se, nos impostos periódicos, a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário e, nos impostos de obrigação única, a partir da data em que o facto tributário ocorreu, excepto no imposto sobre o valor acrescentado e nos impostos sobre o rendimento quando a tributação seja efectuada por retenção na fonte a título definitivo, caso em que aquele prazo se conta a partir do início do ano civil seguinte àquele em que se verificou, respectivamente, a exigibilidade do imposto ou o facto tributário. (…)” (negrito nosso).
O artigo 46.º n.º 1 da LGT dispõe que: «O prazo de caducidade suspende-se com a notificação ao contribuinte, nos termos legais, da ordem de serviço ou despacho no início da ação de inspeção externa, cessando, no entanto, esse efeito, contando-se o prazo desde o seu início, caso a duração da inspeção externa tenha ultrapassado o prazo de seis meses após a notificação, acrescido do período em que esteja suspenso o prazo para a conclusão do procedimento de inspeção".
O artigo 36.º n.º 2 do RCPITA determina que: “O procedimento de inspecção é contínuo e deve ser concluído no prazo máximo de seis meses a contar da notificação do seu início.” (negrito nosso)
Ora, no caso em apreço, foi realizada uma ação inspetiva externa, iniciada em 03-11-2022, que teve por objeto o IRC do exercício de 2018. Conforme resulta do disposto no artigo 46.º n.º 1 da LGT, na data de abertura do procedimento de ação inspetiva externa, suspende-se o prazo de caducidade de 4 anos que estava a correr e terminaria a 31-12-2022.
O termo do efeito suspensivo ocorreu na data em que a Requerente se considera notificada do RIT definitivo, ou seja, dia 02-02-2023.
A inspeção externa teve, portanto, uma duração inferior a 6 meses (91 dias).
Logo, a Requerida dispunha de 58 dias para além do dia 02-02-2023 para notificar o contribuinte, ora Requerente, do ato de liquidação de IRC.
A Requerente foi notificada, por transmissão eletrónica de dados via CTT, da liquidação adicional de IRC, n.º 2023..., que apurou um valor a pagar de €19.511,41, no dia 23-02-2023, ou seja, antes de decorrido o prazo acima referido.
Face a todo o supra exposto, conclui-se que a notificação à Requerente da liquidação adicional de IRC ocorreu antes de se completar o prazo de caducidade de 4 anos previsto no artigo 45º, nº 1, da LGT.
Decai, assim, o pedido quanto ao invocado vício de caducidade do direito à liquidação de IRC de 2018.
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Da cessação do regime simplificado de tributação e alegada ilegalidade da liquidação de IRC relativa ao exercício de 2018
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Posição das partes
Chegados a este ponto cumpre analisar do teor da liquidação de IRC de 2018 e aferir da legalidade da mesma face ao disposto no artigo 86.º-A do Código do IRC.
Recorde-se: a Liquidação adicional de IRC, n.º 2023..., datada de 01-02-2023, relativa ao período de 2018, emitida no seguimento do Relatório de Inspeção, fundamentou-se no entendimento da Requerida AT de que o facto de o sujeito passivo ter ultrapassado, em 2018, o montante de rendimentos de € 200.000,00 determina a cessação do regime simplificado de determinação da matéria coletável de que a Requerente beneficiava, com efeitos logo no exercício de 2018.
A Requerente não concorda com esta posição da Requerida, alegando, em suma, que o legislador não efetuou qualquer menção que permita concluir que a cessação da aplicação do regime simplificado ocorre no mesmo período fiscal em que o sujeito passivo ultrapassa o limite dos € 200.000,00 de rendimentos.
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Enquadramento legal
Com relevo para a decisão, dispõe o artigo 86º-A, do Código de IRC:
«1 - Podem optar pelo regime simplificado de determinação da matéria coletável, os sujeitos passivos residentes, não isentos nem sujeitos a um regime especial de tributação, que exerçam a título principal uma atividade de natureza comercial, industrial ou agrícola e que verifiquem, cumulativamente, as seguintes condições:
a) Tenham obtido, no período de tributação imediatamente anterior, um montante anual ilíquido de rendimentos não superior a (euro) 200 000;
b) O total do seu balanço relativo ao período de tributação imediatamente anterior não exceda (euro) 500 000;
c) Não estejam legalmente obrigados à revisão legal das contas;
d) O respetivo capital social não seja detido em mais de 20%, direta ou indiretamente, nos termos do n.º 6 do artigo 69.º, por entidades que não preencham alguma das condições previstas nas alíneas anteriores, exceto quando sejam sociedades de capital de risco ou investidores de capital de risco;
e) Adotem o regime de normalização contabilística para microentidades aprovado pelo Decreto-Lei n.º 36-A/2011, de 9 de março;
f) Não tenham renunciado à aplicação do regime nos três anos anteriores, com referência à data em que se inicia a aplicação do regime.
2 - No período do início de atividade, o enquadramento no regime simplificado de determinação da matéria coletável faz-se, verificados os demais requisitos, em conformidade com o valor anualizado dos rendimentos estimado, constante da declaração de início de atividade.
3 - A opção pela aplicação do regime simplificado de determinação da matéria coletável deve ser formalizada pelos sujeitos passivos:
a) Na declaração de início de atividade;
b) Na declaração de alterações a que se refere o artigo 118.º, a apresentar até ao fim do 2.º mês do período de tributação no qual pretendam iniciar a aplicação do regime simplificado de determinação da matéria coletável.
4 - O regime simplificado de determinação da matéria coletável cessa quando deixem de se verificar os respetivos requisitos ou o sujeito passivo renuncie à sua aplicação.
5 - O regime simplificado de determinação da matéria coletável cessa ainda quando o sujeito passivo não cumpra as obrigações de emissão e comunicação das faturas previstas, respetivamente, no Código do IVA e no n.º 1 do artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 198/2012, de 24 de agosto, sem prejuízo das demais sanções aplicáveis.
6 - Os efeitos da cessação ou da renúncia do regime simplificado de determinação da matéria coletável reportam-se ao 1.º dia do período de tributação em que:
a) Deixe de se verificar algum dos requisitos referidos nas alíneas a) a e) do n.º 1 ou se verifique a causa de cessação prevista no número anterior;
b) Seja comunicada a renúncia à aplicação do regime simplificado de determinação da matéria coletável, nos termos e prazos previstos na alínea b) do n.º 3.» (negrito nosso).
Refira-se que o artigo 86.º-A foi aditado ao Código do IRC pela Lei n.º 2/2014, de 16 de janeiro, que procedeu à reforma da tributação das sociedades, alterando o Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 442-B/88, de 30 de novembro, o Decreto Regulamentar n.º 25/2009, de 14 de setembro, e o Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 442-A/88, de 30 de novembro.
Para efeitos da elaboração da referida lei, a Comissão para a Reforma do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas – 2013 (“Comissão”) publicou o Relatório Final, datado de 30 de junho de 2013[2].
O Relatório Final preconizava a adoção do regime simplificado de tributação direcionado a micro, pequenas e médias empresas, sumarizando a sua proposta nos termos seguintes: “(…) Assim, propõe-se a introdução de um regime simplificado de tributação em sede de IRC para estas entidades, o qual tenha em atenção os circunstancialismos tradicionalmente presentes no modo como aquelas desempenham a sua atividade e adeque a sua tributação em função da sua realidade quotidiana. Para fomentar a adesão a este regime por parte das PMEs, a Comissão sugere ainda que a sua introdução no ordenamento jurídico-fiscal nacional seja acompanhada de um agravamento do pagamento especial por conta para as entidades que não estejam abrangidas pelo regime simplificado.”
A redação proposta pela Comissão no Relatório Final era muito similar à redação final do artigo 86.º-A do Código do IRC:
“1. Podem optar pelo regime simplificado de determinação da matéria coletável, os sujeitos passivos residentes, não isentos nem sujeitos a um regime especial de tributação, que exerçam a título principal uma atividade de natureza comercial, industrial ou agrícola e que verifiquem, cumulativamente, as seguintes condições:
a) Tenham obtido, no período de tributação imediatamente anterior, um montante anual de rendimentos não superior a (euro) 150.000;
b) O total do seu balanço relativo ao período de tributação imediatamente anterior não exceda (euro) 500.000;
c) Não estejam legalmente obrigados à revisão legal de contas;
d) O respetivo capital social não seja detido em mais de 20 %, direta ou indiretamente, nos termos do n.º 6 do artigo 69.º, por entidades que não preencham alguma das condições previstas nas alíneas anteriores;
e) Adotem o regime de normalização contabilística para microentidades aprovado pelo Decreto-lei n.º 36.º-A/2011, de 9 de março;
f) Não tenham renunciado à aplicação do regime nos três anos anteriores, com referência à data em que se inicia a aplicação do regime.
2. No período do início de atividade, o enquadramento no regime simplificado de determinação da matéria coletável faz-se, verificados os demais requisitos, em conformidade com o valor anualizado dos rendimentos estimado, constante da declaração de início de atividade.
3. A opção pela aplicação do regime simplificado de determinação da matéria coletável deve ser formalizada pelos sujeitos passivos:
a) Na declaração de início de atividade;
b) Na declaração de alterações a que se refere o artigo 118.º, a apresentar até ao fim do segundo mês do período de tributação no qual pretendam iniciar a aplicação do regime simplificado de determinação da matéria coletável.
4. O regime simplificado de determinação da matéria coletável cessa quando deixem de se verificar os respetivos requisitos ou o sujeito passivo renuncie à sua aplicação.
5. O regime simplificado de determinação da matéria coletável cessa ainda quando o sujeito passivo não cumpra a obrigação de comunicação das faturas prevista no n.º 1 do artigo 3.º do Decreto-lei n.º 198/2012, de 24 de agosto, sem prejuízo das demais sanções aplicáveis.
6. Os efeitos da cessação ou da renúncia do regime simplificado de determinação da matéria coletável reportam-se ao primeiro dia do período de tributação em que:
a) Deixe de se verificar algum dos requisitos referidos no n.º 1 ou se verifique a causa de cessação prevista no n.º 5;
b) Seja comunicada a renúncia à aplicação do regime simplificado de determinação da matéria coletável, nos termos e prazos previstos na alínea b) do n.º 3.”
No entanto, o Relatório Final da Comissão não esclarece qual a intenção do legislador no que respeita ao exercício em que a cessação do regime simplificado de tributação deve produzir efeitos.
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Posição da Autoridade Tributária e Aduaneira – Circular n.º 6/2014
Após a publicação da Lei n.º 2/2014 de 16 de janeiro, foi sancionado por Despacho n.º 77/2014-XIX, de 27 de março do Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, o seguinte entendimento da Autoridade Tributária e Aduaneira, vertido na Circular n.º 6/2014, de 28-03-2014, de que se transcrevem os pontos mais relevantes:
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Tomada de posição
A questão em causa prende-se unicamente com a interpretação das normas citadas e a sua aplicação na determinação da matéria coletável no período de tributação do ano de 2018.
Quanto aos princípios gerais de interpretação da Lei, encontra-se estabelecido no artigo 9.º do Código Civil (“CC”) o seguinte:
“Artigo 9.º
Interpretação da lei
1. A interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada.
2. Não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso.
3. Na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.”.
As regras e princípios gerais plasmadas no artigo 9.º do CC devem ser seguidos na determinação do sentido das normas fiscais, tal como determina o artigo 11.º da LGT:
“Artigo 11.º
Interpretação
1 – Na determinação do sentido das normas fiscais e na qualificação dos factos a que as mesmas se aplicam são observadas as regras e princípios gerais de interpretação e aplicação das leis.
2 – Sempre que, nas normas fiscais, se empreguem termos próprios de outros ramos de direito, devem os mesmos ser interpretados no mesmo sentido daquele que aí têm, salvo se outro decorrer diretamente da lei.
3 – Persistindo a dúvida sobre o sentido das normas de incidência a aplicar, deve atender-se à substância económica dos factos tributários.
4 – As lacunas resultantes de normas tributárias abrangidas na reserva de lei da Assembleia da República não são suscetíveis de integração analógica.”
Logo, considerando os princípios gerais de interpretação da lei estabelecidos no artigo 9.º do Código Civil, o intérprete não deverá “cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada” e deverá presumir que “o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.”.
O artigo 86-A n.º 1 alínea a), determina como critério de opção pelo regime simplificado de tributação em sede de IRC que os sujeitos passivos: “Tenham obtido, no período de tributação imediatamente anterior, um montante anual ilíquido de rendimentos não superior a (euro) 200 000;” (negrito nosso)
Por seu turno, o artigo 86-A n.º 6 alínea a) do Código do IRC determina que: “Os efeitos da cessação ou da renúncia do regime simplificado de determinação da matéria coletável reportam-se ao 1.º dia do período de tributação em que: a) Deixe de se verificar algum dos requisitos referidos nas alíneas a) a e) do n.º 1 ou se verifique a causa de cessação prevista no número anterior;” (negrito nosso)
Como já explanado supra, a interpretação da alínea a) do n.º 6 do artigo 86.º-A do Código do IRC é a que suscita dúvidas e discussão entre a AT e os contribuintes. A Requerente entende que o período de tributação ao qual se aplicará a cessação do regime simplificado de tributação é o ano seguinte, ou seja, 2019. Contrariamente, a Requerida entende que o período de tributação ao qual se aplicará a cessação do regime simplificado de tributação é o próprio exercício em que deixem de se verificar alguma das condições de inclusão no regime.
A Requerente cita em seu favor a decisão do CAAD no processo n.º 392/2022-T, datada de 03-11-2022, cujo trecho decisório se transcreve infra:
«Também esta norma não suscita qualquer dúvida, a verificação do cumprimento dos requisitos estabelecidos no seu n.º 1, designadamente para o presente caso, o da alínea a), ocorre apenas no decorrer do período de tributação seguinte, ou seja, no ano seguinte, já a decorrer um novo período de tributação, produzindo efeitos nesse novo período, e não retroativamente ao ano anterior. Com efeito, o sujeito passivo manteve o regime simplificado no ano de 2019, porque cumpriu com os requisitos do n.º1 do artigo 86-A, relativamente ao período fiscal do ano de 2018, e, portanto, em 2019 cumpre com os requisitos elencados nesse normativo, podendo optar nesse ano por esse regime. Caso não tenha sido essa a intenção do legislador, de vincular a cessação do regime simplificado, ao momento em que o sujeito passivo ultrapasse o montante anual ilíquido de rendimentos dos 200.000,00€, no período fiscal em execução, tê-lo-ia dito expressamente, feito constar essa menção, contudo não o fez e estabeleceu vários critérios ao longo do artigo 86-A, que vinculam o enquadramento do regime simplificado de tributação ao período de tributação imediatamente anterior e não ao período de tributação em execução.
Por conseguinte, a Requerente manteve-se enquadrada no regime simplificado de tributação no ano de 2019, em cumprimento dos requisitos previstos do n.1 do artigo 86-A do CIRC, em concreto na alínea a) porquanto no período de tributação imediatamente anterior, ano de 2018, a Requerente não excedeu o montante anual ilíquido de rendimentos de 200.000€. E, portanto, o facto de ultrapassar no ano de 2019 o limite de 200.000€ estabelecido na alínea a) do n.1 do artigo 86-A do CIRC, não permite afastar a aplicação do regime simplificado de tributação com efeitos a 01/01/2019. Perante o anteriormente exposto, concluiu o Tribunal que a Requerente reúne todos os requisitos estabelecidos no artigo 86-A do CIRC, incluindo o da alínea a), que lhe permitem optar pelo regime simplificado de determinação da matéria coletável para o ano de 2019.»[3]
No mesmo sentido desta decisão, a Decisão Arbitral no Processo n.º 288/2023, de 13-10-2023, cuja fundamentação se transcreve:
«(…) Sucede que, conforme melhor descrito em A., a alínea a) do n.º 1 do artigo 86.º-A do Código do IRC estabelece como requisito da opção pelo regime simplificado que os sujeitos passivos não obtenham no período de tributação imediatamente anterior um montante anual ilíquido de rendimentos superior a €200.000.
Assim, à luz do pensamento legislativo expresso naquela norma, a verificação do requisito referente ao rendimento anual reporta-se ao ano anterior. No caso concreto, tendo cessado a verificação do requisito em 2019, tal facto determinará o enquadramento do Requerente, no regime geral, em 2020, quando se verificar que no ano anterior, isto é, em 2019, cessou a aplicação do regime simplificado, por falta de cumprimento do requisito previsto na alínea a) do artigo 86.º-A do Código do IRC.
Com efeito, a Requerente manteve o enquadramento no regime simplificado, no ano 2019, uma vez que no ano 2018, cumpre os requisitos previstos no artigo 86.º-A do código do IRC.
Assim, entende-se que ubi Lex non distinguit nec nos distinguere debemos, não sendo possível extrair da alínea a) do artigo 86.º-A do código do IRC o entendimento expresso na Circular no sentido de que, no ano em que se verifica a falta de verificação do requisito previsto, é aplicável o regime geral de tributação.
Em consequência, o facto da Requerente ter ultrapassado o limite referente ao rendimento anual de €200.000, em 2019, não determina a aplicação do regime geral de tributação, em 1.01.2019.
Em face de todo o exposto, conclui-se que, em 2019, a Requerente reunia todos os requisitos legais que lhe permitiam optar pelo regime simplificado de Tributação.»[4]
Em sentido contrário às decisões supra, foi prolatada a Decisão Arbitral no Processo n.º 168/2023 de 28-09-2023, da qual se transcreve, com a devida vénia, o seguinte excerto decisório:
«41. Assim, o legislador determina que, quer no caso de renúncia à aplicação do regime simplificado, quer no caso de cessação por deixar de se verificar algum dos requisitos referidos nas alíneas a) a e) do n.º 1 do artigo 86.º-A, os respetivos efeitos (da renúncia ou da cessação) "reportam-se ao 1.º dia do período de tributação" em que tenham deixado de se verificar os requisitos ou em que o sujeito passivo tenha renunciado ao regime simplificado.
42. Resulta claro do n.º 6 do artigo 86.º-A que em caso de renúncia, ela produz efeitos no próprio período de tributação, e não no período de tributação seguinte.
43. E resulta também claro do mesmo preceito que, em caso de cessação, os efeitos desta se reportam ao 1.º dia do período de tributação do ano em que deixam de se verificar os requisitos referidos nas alíneas a) a e) do n.º 1 do artigo 86.º-A.
44. Se dúvidas houvesse quanto ao momento em que a cessação do regime simplificado produz efeitos, deveria, por uma razão de coerência sistémica, adotar-se uma interpretação segundo a qual em caso de cessação, tal como em caso de renúncia, os efeitos se reportam ao 1.º dia do período de tributação do ano em que deixam de se verificar os requisitos referidos nas alíneas a) a e) do n.º 1 do artigo 86.º-A.
45. Isto significa que se no ano "n-1" o total do balanço do sujeito passivo não exceder €500.000, e uma vez verificados os demais requisitos, ele pode formalizar a opção pelo regime simplificado no ano "n". Todavia a permanência no regime simplificado depende do facto de o valor total do balanço no ano "n" (e em cada um dos anos subsequentes) ser efetivamente igual ou inferior a €500.000. É o que, no entender deste tribunal, resulta da conjugação das disposições contidas nas alíneas b) do n.º 1 do artigo 86.º-A, e nos números 4 e 6 do mesmo artigo.
46. Assim, e tal como refere GUSTAVO LOPES COURINHA, "... o regime deixa de se aplicar ao contribuinte a partir do momento em que, já no decurso da aplicação do mesmo, se deixe de verificar qualquer um dos requisitos", e "... os efeitos da cessação do regime retroagem ao início do período de tributação, impedindo-se, também por essa via, casos de utilização indevida do regime. Os contribuintes – que, recorde-se, possuem contabilidade organizada – podem, então, valer-se dos elementos existentes para refazer o lucro tributável desse ano, segundo o regime geral que passa a ser aplicável." [Manual do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas, Coimbra, Almedina, 2020, p. 174].
47. No caso sub judice, o valor total do balanço da Requerente em 31-12-2018 era de €506.334,06, pelo que deixou de se verificar, em 2018, um dos requisitos para beneficiar do regime simplificado (artigo 86.º-A, n.º 4, do CIRC).
48. Assim sendo, e por força do disposto na alínea a) do n.º 6 do artigo 86.º-A do CIRC, os efeitos da cessação do regime simplificado de determinação da matéria coletável reportam-se ao dia 1 de janeiro de 2018 [primeiro dia do período de tributação em que deixou de se verificar um dos requisitos referidos nas alíneas a) a e) do n.º 1 do artigo 86.º-A do CIRC]. (…)»[5]
Com o devido respeito pela douta decisão transcrita, não pode, contudo, o Tribunal Arbitral concordar com a mesma.
Desde logo, por via da remissão da alínea a) do n.º 6 do artigo 86.º-A para a alínea a) do n.º 1. Com efeito, se para aplicação do regime simplificado de tributação o sujeito passivo de IRC deve reunir as condições no exercício imediatamente anterior, a cessação do regime por falta de verificação dessas mesmas condições não poderá verificar-se no próprio exercício em que as mesmas deixam de existir. Trata-se de uma verificação que somente poderá ser feita a posteriori, com base nas contas do próprio exercício, encerrado a 31 de dezembro.
A consagração de uma solução legislativa como a pretendida pela Requerida levaria a uma distorção do regime que não terá sido pretendida pelo legislador.
Face a todo o supra exposto, vem este Tribunal Arbitral aderir à interpretação do artigo 86.º-A do Código do IRC realizada pelos doutos árbitros singulares nos Processos n.º 392/2022-T e n.º 288/2023-T, devendo a cessação do regime simplificado de tributação, tal como a opção pelo regime, somente ocorrer no exercício seguinte àquele em que se verificam ou deixa de se verificar, respetivamente, as condições de aplicação do regime, nomeadamente a condição prevista no artigo 86.º-A n.º 1 alínea a) do Código do IRC.
Logo verificando-se no exercício de 2018 que a sociedade ora Requerente ultrapassou o montante anual de €200.000 de rendimentos, somente no dia 1 de janeiro de 2019 deverá considerar-se que cessaram as condições de tributação de acordo com o regime simplificado, nos termos do artigo 86.º-A, n.º 1, al a), n.º 4 e n.º 6 alínea a), do Código do IRC, sendo a Requerente enquadrada no regime normal de IRC.
A liquidação de IRC de 2018 é assim ilegal, devendo ser anulada, procedendo a pretensão da Requerente.
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DECISÃO
Termos em que decide este Tribunal Arbitral:
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Julgar procedente, por provado, o pedido de anulação do despacho de indeferimento da reclamação graciosa n.º ...2023..., respeitante a liquidação de IRC do exercício de 2018;
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Consequentemente, anular o ato de liquidação em sede de IRC n.º 2023..., referente ao ano de 2018, no valor de €19.511,41 (dezanove mil e quinhentos e onze euros e quarenta e um cêntimos), incluindo juros compensatórios de €2.459,36;
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Condenar a Requerida em custas.
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VALOR DA CAUSA
Em conformidade com o disposto no n.º 2 do artigo 306.º do CPC e da alínea a) do n.º 1 do artigo 97. °-A do CPPT, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPTA), fixa-se ao processo o valor de €19.511,41 (dezanove mil e quinhentos e onze euros e quarenta e um cêntimos), conforme resulta do pedido de pronúncia arbitral.
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CUSTAS
Nos termos do n.º 2 do artigo 12.º e do n.º 4 do artigo 22.º, ambos do RJAT, e do artigo 4.º, n.º 4, do citado Regulamento, fixa-se o montante das custas em €1.224,00, nos termos da Tabela I, do RCPTA, a cargo da Requerida.
Lisboa, 5 de abril de 2024
A Árbitro,
Vera Figueiredo