Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 419/2023-T
Data da decisão: 2024-04-02  IRS  
Valor do pedido: € 216.664,49
Tema: IRS – Cláusula Geral Anti Abuso. SGPS. Dividendos.
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DECISÃO ARBITRAL

SUMÁRIO
I. A aplicação do artigo 38.º da LGT pressupõe a presença cumulativa dos elementos que o compõem, recaindo sobre o julgador o dever de concluir, à luz da prova produzida, apreciada segundo a sua livre convicção, se, no caso concreto, estão verificados todos e cada um dos pressupostos da aplicação da CGAA;

II. A falta de prova suficiente, na convicção do juiz, da utilização de meios artificiosos ou fraudulentos e com abuso de formas jurídicas assim como da existência de atos ou negócios jurídicos essencial ou principalmente dirigidos à obtenção de vantagens fiscais obriga a concluir pela ilegalidade da aplicação do artigo 38.º da LGT.

 

ACÓRDÃO ARBITRAL

PROCESSO N.º 419/2023-T

 

Os árbitros Professor Rui Duarte Morais, Árbitro Presidente, Dr. Nuno Maldonado de Sousa e Dr.ª Cristina Coisinha, árbitros vogais, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formarem este Tribunal Arbitral, acordam no seguinte:

 

  1. Relatório

 

A..., a seguir designado Requerente, e B..., respetivamente com os NIF’s ... e ..., ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, com as alterações subsequentes e da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, apresentaram, em 06.06.2023, pedido de pronúncia arbitral em que é Requerida a Autoridade Tributaria e Aduaneira (doravante Requerida ou AT) no qual peticionam a apreciação da legalidade do indeferimento das reclamações graciosas n.º ...2022... e ...2022... (atos de segundo grau) e a declaração de ilegalidade das liquidações de IRS identificadas pelos n.ºs 2021... e 2021..., respetivamente para os anos de 2017 e 2018 (atos de primeiro grau), por padecerem de vício de violação de lei.

Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Conselho Deontológico do CAAD designou os signatários como árbitros do presente tribunal arbitral coletivo, que comunicaram a aceitação do encargo no competente prazo.

Em 28.07.2023, as partes foram devidamente notificadas dessa designação, à qual não opuseram recusa nos termos conjugados dos artigos 11.º, n.º 1, alíneas b) e c) e 8.º do RJAT e artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD.

Em consonância com a al. c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, conforme comunicação do Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, o tribunal arbitral coletivo ficou constituído em 16.08.2023.

No pedido de pronúncia arbitral, o Requerente alegou em sustentação da peticionada anulação das liquidações respeitantes aos anos de 2017 e 2018, bem como da decisão da reclamação graciosa que as manteve.

            A Autoridade Tributária respondeu em 02.10.2023 defendendo a improcedência do pedido de pronuncia arbitral e juntou o processo administrativo (PA).

Por despacho de 01.11.2023, foi agendada para o dia 16.01.2024 a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT.

O Requerente veio requerer o adiamento da reunião, porque uma das testemunhas não podia estar presente no dia agendado, e retificar o rol de testemunhas apresentado com o pedido de pronúncia arbitral.

Por despacho de 20.11.2023, o Tribunal manteve a data aprazada para a reunião, considerando o facto de existirem outras testemunhas a serem ouvidas, apreciando-se no final da necessidade de tal testemunha ser ouvida.

A 16.01.2024 veio a Requerida requerer o aproveitamento, nos presentes autos, da gravação da prova testemunhal produzida no âmbito do processo n.º 414/2023-T uma vez que as testemunhas arroladas pelos Requerentes nos presentes autos coincidem com as testemunhas arroladas em tal processo, o qual incide sobre a mesma temática e sobre os mesmos factos.

Por despacho de 11.01.2024, o Tribunal manteve a realização da reunião ao abrigo dos princípios da oralidade e da imediação.

            No dia 16.01.2024. foram ouvidas as seguintes testemunhas: C..., D..., E..., F... . Nesta data foi definido o dia 22.01.2024, pelas 12 horas, para efeitos de inquirição da testemunha G... .

            Em 22.01.2024 foi ouvida a acima indicada testemunha, Revisor Oficial de Contas e, entre o mais, foi fixado o prazo de 15 dias para apresentação de alegações simultâneas e prorrogado o prazo para a decisão por mais dois meses ao abrigo do artigo 21.º n.º 2 do RJAT, tendo o Tribunal deliberado que a decisão final seria proferida até ao fim do prazo fixado neste artigo.

            Ambas as Partes apresentaram alegações, nas quais reiteraram e desenvolveram as suas posições quanto à matéria de facto e de direito, tendo ainda procedido à apreciação da prova testemunhal produzida.

            Por requerimento de 26.02.2024, veio a Autoridade Tributária requerer a junção ao processo da decisão arbitral proferida no âmbito do processo n.º 414/2023T, envolvendo o mesmo contexto e com a mesma identidade de pedido e causa de pedir, apenas se distinguindo quanto às partes.

 

  1. DESCRIÇÃO SUMÁRIA DOS FACTOS

ii. a Posição do(s) Requerente(s)

 

            O Requerente entende que lhe foi indevidamente imputada a omissão de tributação sobre dividendos alegadamente recebidos nos anos de 2017 e 2018, no valor bruto de € 408.000,00 para cada um destes anos, na qualidade de acionista da H... SGPS, quando, na verdade, o pagamento efetuado por esta sociedade teve a natureza de pagamento de um crédito resultante da aquisição pela SGPS das ações de que era titular em duas empresas.

            Arguiu o Requerente que foi efetuada uma operação de reestruturação das diferentes empresas que compunham o universo das empresas I... que vieram ser submetidas a um tronco comum sob o domínio da SGPS e, resultaram, essencialmente de uma avaliação e diagnóstico sustentados nas seguintes razões: Dispersão de empresas com diferentes sócios e gerentes; Organização bicéfala assente em dois polos territoriais: zona norte (polo do Porto) e zona sul (polo de Lisboa), com implicação direta na definição das estratégias de negócios, de investimentos, de organização, entre outras; Duplicação de estruturas de topo e chefias intermédias em virtude dessa polarização regional; Inexistência de uma cultura de empresa una, designadamente quanto a políticas remuneratórias, comerciais, entre outras; duplicação de custos de estrutura e de contexto; adicionalmente, esta dispersão era um obstáculo à internacionalização da marca J....

            Anteriormente à reestruturação o universo das empresas I... era constituído por 9 empresas, 15 sócios e 8 gerentes, divididas entre o polo de Lisboa e o polo do Porto. O Polo de Lisboa estava assente na K... Lda. que detinha participações nas sociedades L..., Lda., M..., Lda. e N..., Lda., por seu turno o polo do Porto tinha por base a L... que detinha participações nas sociedades O..., P... e Q..., R... e S... .

Em 2009 os sócios das sociedades decidiram reorganizar o conjunto das sociedades I..., promovendo-se uma avaliação independente das empresas do grupo[1], e constituir uma sociedade gestora de participações sociais (SGPS) que adquiriu as ações, bem como as quotas das sociedades que constituíam o grupo.

Defende o Requerente que a constituição da SGPS, surgiu para colmatar as dificuldades e os problemas levantados pela dispersão de sociedades e respetiva gestão associada a dois polos (Norte e Sul), passando o grupo a ter:  Otimização da estrutura societária; Tomada de decisão centralizada; Foco no modelo de negócio de desenvolvimento de software e sua distribuição (actividade core); Sinergias, que permitiram reformular a equipa de liderança ficando assim com um só diretor para cada área de negócio da empresa (diretor comercial, formação, recursos humanos, financeiro, etc.);Uniformização no processo de decisão, quer a nível da gestão de topo (administração), quer ao nível da gestão intermédia (direções); Coesão na estratégia; Redução de custos de estrutura; Instituição do plano de poupança para o futuro, cujo principal objetivo é a criação de capacidade financeira para fazer face a um ano de custos (pagamento de vencimentos, fornecedores, impostos, custos de expansão internacional, entre outros compromissos); Fomentar o crescimento do grupo, quer ao nível nacional, quer internacional.

Alega que a criação da SGPS veio dotar o grupo de uma estrutura mais robusta e focada no negócio, permitindo uma maior capacidade de gerar meios financeiros e possibilitar o autofinanciamento, posição evidenciada pelos resultados da SGPS que, com exceção dos anos da crise do sub-prime, têm vindo a crescer sucessivamente, e quanto à compra e venda de ações não concebe que seja uma forma anormal, artificiosa ou fraudulenta de proceder à transferência de títulos ou propriedade.

Concluindo que face a esta realidade, de forma alguma se poderá falar de negócios anómalos ou de sequência anómala de negócios jurídicos, uma vez que a constituição da H... era objetivamente necessária para colmatar inúmeras questões, antes referidas, e representou a criação de um grupo de sociedades unida e gerida sob um tronco comum, a SGPS, sendo esta vocacionada para este mesmo efeito.

Nas alegações invocou a autoridade de caso julgado, proferida no processo 745/2022-T que, versando sobre a mesma matéria considerou infundada a pretensão da AT.

 

II.b Posição da Requerida

           

A AT não questiona a validade e licitude dos atos e negócios jurídicos celebrados pela Requerente e que compõem a estrutura societária acima melhor explanada, no entanto, não lhes vislumbra qualquer substância económica que se possa dizer preponderante na sua relação com a vantagem fiscal obtida, tendo concluído pela existência de uma motivação fiscal preeminente, que se manifestou nas formas adotadas e que fez prevalecer a finalidade fiscal do negócio sobre a finalidade não fiscal.

Entende, nomeadamente:

- existir manifesta incapacidade financeira da H... para solver o pagamento das ações adquiridas aos alienantes com maior representatividade no capital social das referidas sociedades como é o caso do Requerente, o que determinou a fixação de um prazo de pagamento de quinze anos.

- ter existido uma utilização abusiva da criação da SGPS, em que o Requerente, na qualidade de acionista e administrador/presidente, participou (em conjunto com os restantes acionistas/administradores).

-  a não ter ocorrido a aquisição das sociedades I... e da L... (Norte) pela H... SGPS, alterando-se uma titularidade direta por uma titularidade indireta, os dividendos distribuídos por essas mesmas sociedades aos seus acionistas singulares (como é o caso do Requerente), seriam objeto de tributação à taxa liberatória, sendo qualificados na esfera pessoal do acionista como rendimentos de capitais.

-  que, em condições normais, a modalidade de transmissão das participações sociais apropriada às circunstâncias de uma SGPS criada com um capital social de € 50.000,00 consistiria na entrega das participações sociais para a realização das entradas (entradas em espécie) e não da constituição de uma dívida para com os acionistas, a ser paga à custa dos lucros distribuídos das sociedades participadas, cuja deliberação era tomada justamente pelos credores.

- que ao estabelecer o esquema de criação da sociedade, transformação de sociedades por quotas em anónimas, recebimento do preço como reembolso de suprimentos, realização do reembolso nos exercícios posteriores com os dividendos gerados essencialmente por uma das sociedades,  o Requerente aproveitou o fim da isenção das mais valias na venda das participações sociais das sociedades, bem como a isenção de tributação dos dividendos distribuídos das participadas para a SGPS (Participation Excemption).

- que a composição dos órgãos de gestão das sociedades não se alterou, nem a natureza dos negócios foi objeto de diversificação e de incremento significativo.

Concluindo a AT que a constituição da H... SGPS, não só não se deveu a razões económicas válidas, como se encontra desprovida de substância económica, e que apenas serviu para a criação de uma sociedade veículo, destinada ao parqueamento de lucro e para, a coberto de reembolso/pagamento de dívida (sem tributação, a jusante), pôr à disposição dos requerentes (e os restantes acionistas) quantias monetárias (sem os sujeitar a tributação, a montante), uma vez que foi a sociedade K... a disponibilizá-los a H... SGPS (pelo regime de participation exemption).

Fez ainda menção da existência de outras decisões arbitrais do CAAD, vide 15-01-2020 (Processo nº 317/2019-T) e 09-04-2021 (Processo nº 415/2020-T) e mais recentemente de 03-10-2022 (Processo n.º 860/2021-T), em que foi dado provimento à posição da AT, esses sim, em casos de aplicação da CGAA com contornos idênticos.

 

 

  1. Saneamento

 

O Tribunal foi regularmente constituído face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 1, do DL n.º 10/2011, de 20 de janeiro, e o pedido de pronúncia contém-se no âmbito das suas atribuições.

As Partes estão devidamente representadas e gozam de personalidade e de capacidade judiciárias, são legítimas, e encontram-se regularmente representadas.

Não foram invocadas exceções ao conhecimento de mérito, nem o Tribunal as divisou.

O processo não enferma de nulidades.

 

  1. Decisão da matéria de facto

IV.1 Factos provados

  1. O Requerente foi sócio-gerente da K..., Lda. até 30/12/2009, data em que passou a ser acionista e Presidente do Conselho de Administração da mesma, por força da transformação desta em sociedade anónima.(cfr. RIT)
  2. Até 30 dezembro de 2009 a K..., Lda., cujo objeto era a produção, desenvolvimento e comercialização de Software, tinha como sócios-gerentes:

Sócios-gerentes

participação

A...

45%

D...

45%

T...

10%

 

  1. A K..., Lda. e era sócia das seguintes sociedades em que o Requerente exercia o cargo de gerente:

Sociedade

Objeto

Participação

L... Lda.

produção e comercialização de software

50%

M..., Lda.

comercialização de Software, a venda direta e a assistência a clientes finais

51%

N..., Lda.

formação sobre o software I...

85%

             (cfr. RIT e PPA)

  1. A L..., Lda. tinha como sócios a K..., Lda. e U..., na percentagem de 50% cada, e era sócia das sociedades constantes do quadro abaixo, nas quais o Requerente e U... exerciam o cargo de gerentes:

 

Sociedade

Objeto

Participação

O... Lda.

comercialização de software e sua venda direta e assistência a clientes finais

70%

P..., Lda.

prestação de serviços de gestão, administração, contabilidade, auditoria e consultoria

90%

R..., Lda.

prestação de serviços na área da comunicação empresarial e publicidade, incluindo-se a atividade de concepção, preparação, produção, planificação, execução, promoção, difusão e distribuição de uma mensagem publicitária ou institucional junto dos seus destinatários por conta de anunciantes, utilizando diversos suportes publicitários, nomeadamente, Internet, material gráfico, outdoors, televisão, rádio, entre outros

80%

S..., Lda.

prestação de serviços de gestão, administração, contabilidade, auditoria e consultoria

75%

(cfr. RIT e PPA)

  1. A L..., Lda. tinha ainda como gerentes D... e C... . (cfr. RIT e PPA)
  2. A Sociedade Q..., Lda., com o objeto de prestação de serviços de gestão, administração, contabilidade, auditoria e consultoria, era detida na percentagem de 50% pela Sociedade P..., Lda. e como gerentes, U..., A..., V... e W.... (cfr. RIT e PPA)
  3. O universo das empresas I..., em resultado desta situação de participações cruzadas, tinha o polo de Lisboa assente na K... que incluía as sociedades M..., Lda. e N..., Lda., e um polo do Porto assente na L... que detinha a O..., Lda.(O...); P..., Lda., R..., Lda. e S..., Lda. (cfr. RIT e PPA)
  4. Os dois polos tinham diferentes óticas de gestão e de funcionamentos a nível de remuneração dos trabalhadores, organização, gestão de pessoal, desenvolvimento da atividade, havendo duplicação de funções para a mesma área de negócio, designadamente diretores comerciais, de formação e financeiros. (cfr. Testemunhas: C..., E... e D...)
  5. A K..., centralizada em Lisboa, desenvolvia o negócio de software de gestão e a L... o software de gestão industrial (testemunha C...).
  6. O Polo Norte tinha uma abordagem de contacto com os clientes para a venda do software já o polo de Lisboa funcionava com agentes (parcerias), e esta venda direta tornou-se um problema porque concorria diretamente com os parceiros. (Testemunhas: C..., E... e D...)
  7. Até 2009 as decisões de negócio e gestão do polo de Lisboa eram tomadas pelos gerentes da K... e as decisões de negócio e gestão do polo do Norte eram tomadas pelos gerentes da L..., o que originava dificuldades de gestão, problemas de governança e liderança que impactavam na gestão dos parceiros e clientes, gerando desagrado nos clientes por serem aplicadas regras diferentes em cada um dos polos.(testemunhas: C..., E... e D...)
  8. O Requerente e os demais sócios e gerentes das sociedades acima identificadas, decidiram restruturar as empresas do grupo I... e constituir uma Sociedade Gestora de Participações Sociais, que agregou os sócios maioritários. (Cfr. Doc. n.º 5 e testemunha D...)
  9. Esta operação de reestruturação, com compra e venda de ações foi objeto de um estudo prévio (plano estratégico I...)(documento n.º 5); de relatórios justificativos da transformação da K... Lda. e da L... Lda. em sociedades anónimas (documentos n.ºs 6 e 7), e de um relatório de avaliação das empresas do grupo I... em 31 de dezembro de 2009 (documento n.º 8).
  10. A 30 de dezembro de 2009 foi constituída a sociedade – H... SGPS pelos acionistas mais relevantes das sociedades – K..., S.A (K...) e L... (L...), com o capital social distribuído da seguinte forma:

 

  1. Por deliberação de 30 de dezembro de 2009 a K..., Lda., com o capital social de € 50.000,00, foi transformada em sociedade anónima, fez um aumento de capital social e cedeu as suas ações à H... SGPS. (cfr. RIT)
  2. A L..., S.A. transformou-se em sociedade anónima e fez aumento de capital social por deliberação de 30 de dezembro de 2009, tendo cedido as suas ações à H... neste mesmo dia.(Cfr. RIT)
  3. A L... S.A. foi extinta em maio de 2013. (cfr. RIT)
  4. Na mesma data das transformações das empresas K... e L... (30/12/2009), o Requerente alienou as participações sociais que detinha na sociedade K..., S.A, pelo preço de € 3.186.098,55, tendo sido determinado um prazo de pagamento de 15 anos, e as participações que detinha na sociedade L..., S.A. pelo preço de € 144,26, com a constituição a seu favor um crédito contabilístico no montante de € 3.186.098,55.(cfr. RIT e documento n.º 4)
  5. À data das operações aquisitivas o capital social da H... SGPS era de € 50.000,00 e para solver o pagamento das ações adquiridas aos alienantes com maior representatividade no capital social das sociedades, foi fixado um prazo de pagamento de quinze anos, com a constituição de um crédito contabilístico a favor destes:

 

(Cfr. RIT e doc. n.º 4)

  1. Um dia após a sua constituição a SGPS tinha registado no balanço, na rúbrica outros credores o montante de € 8.544.854,50. (cfr. RIT)
  2. O Requerente cumulou a qualidade de acionista de ambas as I... com a de administrador da K... e de membro do Conselho de Administração da sociedade H... SGPS. (cfr. RIT)
  3. A K... continuou a deter a maioria do capital social das M... e N..., tendo transferido 100% da M... (5.000€) através da cedência das quotas à H... SGPS em 31.03.2010. (cfr. RIT)
  4.  Estas sociedades (M... a e N...) vieram, posteriormente, a ser extintas. (cfr. RIT)
  5. A O..., Lda. que dependia da L... foi transferida em 100% (5.000€), por cedência das quotas à H..., em 31 de março de 2010. (cfr. RIT)
  6. A O..., Lda. cujo objeto era a comercialização de software, venda direta e assistência clientes finais foi redenominada para X..., Lda. em 7 de novembro de 2012 e vendida à Y... em abril de 2013. (publicações mj on line: https://publicacoes.mj.pt/pesquisa.aspx e testemunha F...)
  7.  A Sociedade R..., Lda. passou, por cedência de quotas da L..., em 76% para a H..., em 31 de dezembro de 2009, ficando os restantes 24% no sócio Z... . (cfr. RIT)
  8. Com a reorganização em 2009 pretendeu-se passar para uma gestão centralizada das várias empresas e negócios do grupo, pôr o foco no negócio de produção de software, reduzir custos de estrutura com a eliminação dos cargos de direção e Lisboa e Porto e criar um conjunto de empresas por área de negócio e zona geográfica. (testemunhas D... e G...)
  9. A K... passou a ter a maioria na Assembleia Geral da SGPS o que possibilitou que as decisões estratégicas fossem tomadas no holding e comunicadas às sociedades operacionais que deixaram de ter ruído na gestão.(testemunhas D... e G...)
  10. A K... passou a ser o braço operacional da H... SGPS e é quem gera quase na totalidade os resultados da sociedade H... SGPS.(RIT a fls. 29 depoimento da testemunha D...)
  11. Após a criação da SGPS, foram vendidas sociedades direta ou indiretamente detidas pela L... e foram criadas outras sociedades. (depoimentos das testemunhas D... e F... G.. e documentos n.ºs 10 a 12)
  12. A política de salários da administração da sociedade K... sofreu uma alteração verificando-se uma redução das remunerações com os membros do seu conselho de administração - rendimentos da categoria A de IRS:

 

 (cfr. RIT)

  1. Em termos contabilísticos, a H... SGPS evidencia os seguintes resultados:

 

  1. Nos anos 2017 e 2018 a sociedade H... SGPS recebeu da sua participada K... os fluxos financeiros abaixo a títulos de dividendos:

 

  1. Nos anos de 2017 e 2018 a sociedade H... SGPS recebeu fluxos financeiros provenientes da distribuição de lucros da K..., respetivamente no montante de € 2.550.000,00 e € 2.100.000,00, e transferiu para a conta bancária de que é titular o Requerente a quantia de € 816.000,00 (€ 408.000,00 em cada um dos anos), a título de amortização parcial do crédito constituído na esfera da H... SGPS a favor daquele.(cfr. RIT)
  2. A criação da H... SGPS permitiu gerar meios financeiros que permitiram o autofinanciamento, exceto no período de 2011 devido à crise do sub-prime, conforme quadro abaixo:

 

 

 

(prova testemunhal – D...- e documental não impugnada)

  1. A opção pela compra e venda de ações em vez das entradas em espécie para realizar o capital social da SGPS foi motivada pela simplicidade da sua execução, permitiu definir o peso de cada sócios/acionista dentro de cada empresa passando as decisões a ser tomadas com base no peso de cada um. ( testemunhas D... e G...)
  2. Os Requerentes foram alvo de procedimento de inspeção interno de âmbito parcial (IRS) ao abrigo das ordens de serviço n.º OI2021.../..., aos anos de 2017 e 2018, tendo por objeto a análise de operações e movimentos financeiros realizados entre os acionistas e a sociedade H...– SGPS, S.A., na sequência dos procedimentos inspetivos realizados a esta sociedade. (cfr. RIT)
  3. Através do ofício nº ... de 04-10-2021 da DF de Lisboa, com o registo postal n.º RH ...PT, foi o mandatário dos requerentes, notificado do teor do projeto de Relatório de Inspeção Tributária, para, no prazo de 30 dias, exercer o direito de audição prévia. (cfr. RIT)
  4. A 04-11-2021, os Requerentes exerceram o respetivo direito de audição prévia. (cfr. RIT)
  5. A AT manteve a posição constante dos projetos de relatório e as respetivas correções propostas no capítulo III.3. do RIT, notificado ao Requerente por ofício com o registo postal RH ... PT, conforme RIT junto cujo teor se dá por reproduzido, de que se destacam as seguintes afirmações:

 

III.1.4. Demonstração de que a celebração do negócio jurídico foi essencial, ou principalmente dirigida à redução, eliminação ou diferimento temporal de impostos que seria devidos em caso de negócio com idêntico fim económico, ou à obtenção de vantagens fiscais

I) A sequência das operações é indiciadora de que a atuação dos diversos acionistas, concertada e concertados entre si, que conduziu a celebração dos atos e negócios jurídicos acima detalhadamente descritos, teve como último desiderato a finalidade fiscal (a eliminação da tributação dos dividendos distribuídos pela sociedade K...) dos mesmos.

II) Finalidade fiscal essa que consistiria em receber os dividendos da sociedade K... (a L... cessou atividade em 2012/09/30) como se fora o pagamento do valor em divide constituída na esfera patrimonial da H,,, SGPS, sem que os mesmos "caíssem" nas normas de incidência do CIRS e concomitantemente fossem objeto de tributação.

III) Como referido, a inserção da sociedade H...  SGPS entre as sociedades K... e  L... (Norte) e os acionistas, comuns, não apresentou nem apresenta substância ou vantagem económica que sustente a constituição da SGPS.

IV) As sociedades gestoras de participações sociais são, de acordo com o regime jurídico consagrado, previsto no Decreto-lei nº. 459/88, de 30 de dezembro, um instrumento de gestão de um determinado tipo de ativos, gerador de valor acrescentado pela gestão integrada dos mesmos e não, como referido pela doutrina, um mero "cofre" de participações sociais do tipo holding de investimento que visa a mera detenção de títulos, de modo a faturar dividendos e mais-valias.

V) Temos que ter presente que a atividade de gestão das participações sociais envolve uma série integrada e coordenada de atos projetados sabre um conjunto de participações sociais que tem como objetivo o lucro. Todavia, para que tal gestão configure uma atividade económica, devemos encontrar-nos perante algo mais do que o exercício individual e ocasional por um acionista dos direitos e deveres resultantes da detenção de uma participação social.

VI) Com o objetivo de concretizar esta gestão ativa e dinâmica das participações sociais detidas pela SGPS, para além do exercício dos direitos sociais inerentes as participações sociais detidas, o legislador no diploma supra citado, admite a realização de diversas operações pela SGPS na prossecução dos seus interesses e das relações com as suas participadas, o que não se verifica de todo no caso da H... SGPS”.

Em síntese, resulta que da H... SGPS, não encontramos, com referido, razões económicas válidas para a sua constituição e existência, desde logo porque: a) A sociedade não exerceu, no lapso temporal analisado, de facto a atividade de gestora de participações sociais, tal como preconizado no respetivo diploma legal; b) A sociedade não procedeu à distribuição de resultados aos seus acionistas, as acima sobejamente identificados, que lembremos, são pessoas singulares e comungavam de idêntica qualidade nas 2 sociedades K... e L...(Norte); c) A sociedade H... SGPS assumiu face a sua incapacidade patrimonial e financeira para solver o pagamento das ações adquiridas aos seus acionistas, como e o caso do sp – U..., a constituição de um crédito contabilístico a favor deste e dos demais, a ser amortizado durante 15 anos; d) A amortização parcial do crédito constituído na esfera da H... SGPS a favor do sp -U..., durante os anos de 2017 e 2018, foi realizado com os fluxos financeiros provenientes da distribuição de lucros da K... a H... SGPS; e) A sociedade H... SGPS não aufere praticamente outros rendimentos, nem tão pouco se lhe conhece qualquer outra fonte de financiamento; f) Não se lhe identificaram colaboradores / trabalhadores.

VII). Esta sociedade teve gastos associados à sua constituição e existência, que apenas são compreensíveis e economicamente racionais, com a pressuposto da vantagem fiscal obtida, porque outra não se vislumbra.

VIII) A constituição da SGPS não trouxe qualquer mais-valia de Índole económica -financeira para o detentor do capital da sociedade L...(Norte) que apenas passou de acionista direto para indireto.

IX) A celebração do contrato de compra e venda das ações no mesmo dia da constituição da SGPS adquirente, pelos mesmos acionistas que já participavam no capital social da sociedade K... e L... (Norte) determinando a sua intervenção simultânea na qualidade de adquirentes e vendedores, fruto das participações sociais cruzadas, evidencia inequivocamente uma motivação que não económica ou financeira.

 X). Igualmente se refira que o resultado desta vantagem fiscal permitiu que os acionistas/administradores das sociedades alterassem a política salarial das sociedades K... e L... (Norte), sabendo que poderiam receber rendimentos da categoria E do CIRS, sem que sobre ales impendesse qualquer carga fiscal, que não fora o esquema criado, seriam tributados.

 XI) A distribuição dos dividendos da K... para a H... SGPS não concorre para a determinação do seu lucro tributável, nos termos do n.°1 do art.º 51° do CIRC (participation expemption) e encontrava-se dispensada de retenção na fonte, nos termos da alínea c) do n.º 1 do art.º 97° do CIRC.

XII). De onde somos a concluir que a sociedade H... SGPS - serviu única e exclusivamente para receber os dividendos pagos pela(s) sua(s) participada(s) e permitir a sua retirada pelos acionistas que controlam esta sociedade agora transmutados sob as vestes de amortização de crédito(s).

XIII). Assim, os fluxos financeiros provenientes da sociedade K... passam a afluir ao acionista (…), não como dividendos sujeitos a tributação em IRS, mas, por via indireta, com a utilização da sociedade veículo H... SGPS, unicamente sob a forma de amortização de crédito, sem serem objeto de tributação em sede de IRS”, (…)”. (ponto III - 1.4 páginas 33 a 37 do respetivo RIT)

 

Não obstante os atos e negócios jurídicos que compõem a estrutura, acima descrita, sejam, em si mesmos, válidos e lícitos, e correspondam à efetiva vontade dos sujeitos passivos, não se lhes vislumbra, como detalhadamente descrito, qualquer substância econômica.

Na aplicação da Cláusula Geral Antiabuso importa aferir se o ato ou negócio jurídico escolhido tem uma substância, econômica ou outra, que se possa dizer predominante na sua relação com a vantagem fiscal (comparativa) objetivamente decorrente dessa escolha. Analisando a sequência dos factos não se vislumbra substância econômica na operação para além da vantagem fiscal.

Neste contexto, o nº. 3 do art.º 11º da LGT, ao afastar-se das regras gerais de interpretação da norma, aderindo expressamente à tese da substância sobre a forma, legitima a não vinculação da Autoridade Tributária à qualificação efetuada pelas partes deste negócio jurídico, prevalecendo, no âmbito de aplicação da CGAA, a substância sobre a formatação jurídica do negócio, dado que ao direito fiscal interessa mais a substância econômica dos factos tributários, do que a sua forma.

Aqui chegados, em reforço do referido, concluímos pela existência de uma motivação fiscal preponderante, que se manifestou nas formas adotadas e que faz prevalecera finalidade fiscal do negócio sobre a finalidade não fiscal. Pelo que se verifica, de acordo com o supra exposto, estarem reunidas as condições para a aplicação do disposto no art.º 38.º, n.º 2. da LGT e no art.º 63.º do CPPT.

Assim sendo, incumbe à Administração Fiscal considerar ineficaz no âmbito tributário, a consideração como reembolso de dívidas / amortização do crédito, o valor dos dividendos distribuídos aos acionistas da K... / H... SGPS, uma vez que esta operação foi praticada com abuso das formas jurídicas e teve como objetivo essencial a eliminação de impostos que seriam devidos em resultado de factos, atos ou negócios.

 

III.2 Conclusões

Entende-se que o conjunto de operações levadas a cabo pelos acionistas das sociedades K... e H... SGPS, são negócios que devem ser objeto de qualificação como “meios artificiosos ou fraudulentos e com abuso das formas jurídicas”. Ao serviço de uma finalidade exclusivamente fiscal, os atos de aquisição de ações das sociedades K... e L... (Norte) pela H... SGPS foram objeto de uma utilização distorcida destinada simplesmente a conseguir, sem tributação, a distribuição de dividendos oriundos da K..., mediante distribuição “encapotada”, “indireta” de dividendos a A... (e aos restantes acionistas) com o fim de evitar que os montantes recebidos fossem subsumíveis na norma de incidência constante do n.º 1 e da alínea h) do n.º 2 do art.º 5.º CIRS, segundo os quais os lucros/ adiantamentos por conta de lucros, das entidades sujeitas a IRC, colocados à disposição dos respetivos associados ou titulares, constituem rendimentos de capitais (categoria E) sujeitos a IRS.

A sociedade criada, H... SGPS, foi utilizada e serviu de sociedade veículo para elidir o disposto no citado normativo, através de uma configuração artificiosa do pagamento de uma dívida em vez da obtenção de dividendos distribuíveis, de modo a obter uma vantagem fiscal. Configurou-se, sem qualquer substância económica, por razões estritamente fiscais, uma situação negocial que produz idênticos resultados materiais e financeiros, mas que possibilita evitar as consequências tributárias aplicáveis à distribuição de dividendos, nos termos do art.º 5.º n.º 2 alínea h) do CIRS, incorrendo-se numa prática abusiva de elisão fiscal. 

Face a todo o exposto, entende-se estarem verificadas as condições para que se possa lançar mão do mecanismo previsto no n.º 2 do art.º 38.º da LGT.” (Ponto III-1.4 pag 33 a 38 do RIT)

(…)

  1. Na sequência das conclusões do procedimento inspetivo atrás referido, os serviços elaboraram as declarações oficiosas 2017 (nº ... - 2017 - ...-...) e 2018 (nº ... - 2018 - ...- ...) para o ora Requerente, mantendo os anexos anteriormente declarados, mas acrescentando no anexo E, Q4A, campo 401, rendimentos de capitais (código E10) no valor de € 204.000,00 e € 204.000,00, respetivamente, e a opção pelo englobamento (campo 01), por força do disposto nos nºs 1 e 2 do art.º 40º-A do CIRS vigentes em 2017 e 2018.
  2. As declarações oficiosas deram origem às liquidações oficiosas adicionais de IRS 2017 nº 2021... de 25-11-2021 com valor a pagar de 109.310,83€ e IRS 2018 nº 2021... de 26-11-2021 com valor a pagar de 103.254,07€.(cfr. RIT)
  3. Os requerentes reclamaram graciosamente das liquidações, que foram indeferidas por despacho proferido em 06-03-2023 pela Chefe da Divisão Justiça Administrativa da DF de Lisboa (por subdelegação de competências), onde se concluiu pela ilegalidade dos atos tributários em causa,  pela aplicação da CGAA prevista no art.º 38º nº 2 da LGT e demais vícios invocados, considerando-se “(…) reunidos os pressupostos de direito e de facto para se proceder à sujeição a tributação dos rendimentos de capitais – categoria E - previstos no nº 1 e na al. h) do nº 2 do art.º 5.º do CIRS, auferidos e não declarados, relativos aos dividendos pagos ou colocados à sua disposição, em obediência à aplicação do disposto no nº 2 do art.º 38º da LGT, conjugado com o art.º 63.º do CPPT, e sobre os mesmos incidiria a taxa liberatória de 28%, prevista, à data dos factos, na alínea a) do n.º 1 do art.º 71.º do CIRS (…)”. (cfr. RIT)
  4. Discordando de tal decisão, os Requerentes apresentaram o presente PPA

Factos não provados

 

Não se provou que o Requerente, em conjunto com os demais acionistas, atuou de forma concertada na elaboração e prática de um conjunto de atos e negócios jurídicos, com o desiderato principal de obter a eliminação de tributação de dividendos em sede de IRS.

 

Efetivamente, resultou da prova produzida que a reestruturação do grupo com a opção pela criação da SGPS assentou em razões organizacionais e económicas válidas, que resultaram de um estudo prévio e dos relatórios justificativos da transformação das K... e L..., razões confirmadas pelos depoimentos das testemunhas. A criação da SGPS foi, pois, a solução de governação encontrada pelos sócios para resolver um problema não fiscal sem comprometer o exercício da atividade económica. Ao concentrar “os sócios” na H... SGPS, as decisões passaram a ser tomadas pela holding que as comunicavam às operacionais eliminado assim o ruído da gestão e das divergências estratégicas ao nível destas empresas.

 

            Não ficou provado que a SGPS apenas tivesse sido criada como mero cofre das participações sociais e para parquear os dividendos recebidos das suas participadas.

 

Na verdade, ficou provado que a SGPS cumpriu o propósito que a lei confere às sociedades desta natureza, proporcionando aos acionistas a reunião numa sociedade de participações sociais que antes de encontravam dispersas, em ordem à sua gestão centralizada intervindo na gestão e controlo das participadas, constituindo, alienando e extinguindo sociedades do grupo, o que aliás resulta do RIT.

 

Motivação da Matéria de Facto

 

Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. art.º 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).

Segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal baseia a sua decisão em relação às provas produzidas, na sua íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a sua experiência de vida e conhecimento das pessoas, conforme o n.º 5 do artigo 607.º do CPC.

A convicção do Tribunal quanto à matéria de facto dada como provada ou não provada, para além do reconhecimento de factos pelas partes, resultou da análise crítica dos documentos não impugnados juntos aos autos com o pedido de pronúncia arbitral e dos constantes do processo administrativo, constituído pelo processo respeitante ao procedimento inspetivo e pelo processo de reclamação graciosa, das informações fácticas exaradas no RIT não impugnadas (cfr. art. 76.º, n.º 1 da LGT e art. 115.º, n.º 2 do Código do Procedimento e do Processo Tributário (CPPT), bem como da prova testemunhal produzida em sede da audiência organizada em 16.01.2024 e 22.01.2024, cujos depoimentos foram objeto de gravação áudio, como consta da correspondente ata, tudo como indicado em relação a cada facto julgado provado nos vários números do probatório.

Elucide-se, no que concerne aos depoimentos das testemunhas, que aparentaram depor com isenção e com conhecimento dos factos que relataram, que tais depoimentos foram considerados relevantes para a prova dos factos 8, 9, 10, 11, 25, 27, 28, 29, 30 e 36 pelos seguintes motivos:

- a testemunha C..., trabalhou na L... desde a sua criação e na K... até final de 2015, exerceu as funções de diretor de suporte do Norte e África até 2009 altura em que passou a ser Diretor de Suporte da K..., mais declarou que até 2009 a K... tinha duas empresas autónomas, uma no Norte (L..., Lda.) e outra no Sul (K...), com sócios comuns cujo âmbito de atividade era o mesmo: desenvolver e colocar software K... no mercado e criar, qualificar e fazer crescer uma rede de distribuição através de parceiros. Com o crescimento do negócio o Polo do Sul deixou de colocar produto diretamente no mercado, ao contrário do Polo Norte e começou a surgir algum mal-estar junto destes, consequência de políticas comerciais diferentes e da existência de concorrência direta da K... decorrente da política de colocação direta do produto no mercado pela L... .

 Com a reestruturação/criação da H... houve uma unificação de políticas de gestão, comerciais e de recursos humanos ficado centrados na K... . Mais referiu ter-lhe sido atribuída uma “quota” minoritária, a título gratuito, aquando da constituição da H... .

- a testemunha D..., fundador da sociedade AA..., atual acionista e administrador da H... SGPS, evidenciou conhecimento direto dos factos que motivaram a reestruturação do grupo de empresas I..., esclarecendo que foram razões organizacionais que a motivaram, tendo em conta o impacto económico que iriam ter. A composição de 50/50 no capital na L... dificultava a tomada de decisões, quer fossem estratégicas, operacionais ou organizacionais. O objetivo da SGPS foi o de centralizar a decisão e dotar o grupo das empresas de uma capacidade de decisão mais rápida, pôr o foco no desenvolvimento de software de gestão e passar a ter uma única empresa de âmbito nacional, abandonar a venda direta e reduzir custos operacionais. Mais referiu que, à época, era necessário tomar uma decisão urgente porque estávamos a entrar na crise de sub-prime. Os acionistas delinearam e implementaram um plano de contingência, ou plano poupança, cujo objetivo era ter independência financeira para suportar um ano de custos sem vendas (pior dos cenários).

- a testemunha E... foi colaborador da K... até 2012 tendo trabalhado como responsável da área comercial, ou seja, era responsável pela gestão dos parceiros dado que a estratégia de comercialização do software se fazia através de parceiros. A testemunha depôs com conhecimento sobre as dificuldades sentidas na sua área, decorrentes de uma liderança bicéfala e da existência de condições comerciais diferentes para o Norte e para o Sul do país, e da vantagem organizacional decorrente da criação de uma estrutura única centralizada e hierarquizada com a inerente implementação de uma política comercial una.

- a testemunha F..., gestor de empresa parceira do grupo desde 2008, comprava licenças à K...para as revender aos clientes finais, empresa que acabou por adquirir a BB... e respetiva carteira de clientes, anteriormente denominada O..., em 2012 ou 2013. A testemunha depôs com isenção e conhecimento direto sobre as relações comerciais estabelecidas entre as duas I... (K... L...) com os revendedores, antes e depois da reestruturação. Referiu que durante algum tempo havia duas entidades I..., uma a Norte e outra a Sul que geriam a distribuição de forma diferente, situação que terminou quando os sócios se alinharam e passou a existir uma K... com um âmbito de atuação nacional.

- a testemunha G..., Revisor Oficial de Contas da K... desde 2005/2006, da L... durante uma determinada fase e da H... SGPS desde a data da sua constituição, tendo acompanhado a reestruturação das sociedades do grupo I..., evidenciou conhecimento diretos dos factos que levaram à reestruturação nos termos em que foi gizada e implementada. Relativamente ao meio escolhido disse que o objetivo era passar a ter uma holding com estrutura tipo pente por baixo, terminar com as empresas operacionais que vendem serviços e simultaneamente têm participações sociais. Como o estilo de liderança e gestão era diferente no Norte e no Sul e a forma de pensar o negócio também era diferente, ao concentrar a decisão na H... SGPS (holding) fez com que as divergências de estratégia não se fizessem sentir nas sociedades operacionais. Quanto à aquisição das ações com a constituição de crédito a favor dos acionistas, a criação de um passivo e pagamento num prazo dilatado faz com que os acionistas partilhem o risco com a sociedades e possibilitou que a sociedade pagasse consoante fossem libertados meios.

 

Não se deram como provadas, nem não provadas alegações feitas pelas Partes e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insuscetíveis de prova e cuja validade terá de ser aferida em relação à concreta matéria de facto consolidada.

 

  1. Do Mérito

 

V.A Objeto dos autos

 

Trata-se de saber se a racionalidade do(s) negócio(s) celebrado(s), e dos quais decorre a obrigação dos pagamentos efetuados pela SGPS, apreciada em função da sua adequação aos objetivos económicos visados, justifica a forma jurídica utilizada, ou seja, cabe ao Tribunal apreciar se as liquidações de IRS e de juros compensatórios relativas aos anos de 2017 e 2018, são (ou não) ilegais, pelo (não) preenchimento dos pressupostos de que depende a aplicação da cláusula anti abuso prevista no artigo 38.º n.º 2 da LGT.

 

 

V.B Sobre a questão da autoridade do caso julgado

 

Os Requerentes entendem que se deve aplicar aos presentes autos, por remissão, a doutrina dos processos 222/2020-T e 745/2022-T, sobretudo deste último uma vez que o Tribunal, apreciando uma mesma situação de facto, perante pagamentos feitos pela SPGS a diferentes sócios nos mesmos anos, considerou infundada a pretensão da AT.

Posteriormente à apresentação das alegações pelos Requerentes, a AT veio juntar a decisão prolatada no Processo 404/2023-T, em 22 de fevereiro de 2024, ainda não transitada em julgado que, envolvendo o mesmo contexto e com a mesma identidade de pedido e causa de pedir, apenas se distinguindo quanto às partes, decidiu pelo caráter abusivo dos negócio e consequente aplicação da cláusula geral anti abuso (CGAA) consagrada no artigo 38.º n.º 2 da LGT.

Importa, porém, previamente distinguir a autoridade do caso julgado da exceção de caso julgado, instituto que visa obstar à repetição de uma causa e supõe a verificação de três identidades: das partes, da causa de pedir e do pedido, e que por razões imperiosas de segurança jurídica visa impedir a desconsideração da primeira decisão e a subsistência de decisões com efeitos juridicamente incompatíveis (proibição de contradição/proibição de repetição), da autoridade de caso julgado, ou o efeito positivo do caso julgado.

Por referência aos processos aludidos pelos Requerentes relativos ao caso sub judice, ambos transitados em julgado, não se verifica a exceção de caso julgado, pois não há identidade quanto às Partes; no entanto, temos objetos processuais conexos e  matéria factual  idêntica, razão pela qual os Requerentes invocaram a autoridade de caso julgado, pois o efeito positivo do caso julgado admite a produção de decisões de mérito sobre objetos processuais materialmente conexos, na condição da prevalência do sentido decisório da primeira decisão.

Tal como referido pelo Professor Rui Duarte Morais por não estar em causa a exceção dilatória do caso julgado, (…) o reconhecimento do seu efeito externo não conduz à absolvição da instância. A sentença proferida no segundo processo, muito embora se possa louvar integralmente quanto à sua fundamentação, na sentença anterior, terá necessariamente um segmento decisório diferente, que consistirá na anulação, total ou parcial, das liquidações impugnadas neste processo, ou seja terá de julgar expressamente o mérito da causa.”[2]

Como esclarece Rui Pinto “Note-se que estamos a falar de uma extensão subjetiva do sentido decisório e não quanto aos seus fundamentos de direito ou de facto.”[3]

E na verdade, as decisões acima aludidas tiveram em conta diferentes factos que consideram relevantes, fizeram uma avaliação distinta dos factos apurados e concluíram em sentidos opostos, pois a apreciação dos factos e a valoração da prova estão intrinsecamente dependentes da livre convicção do juiz, e assim sendo, embora o quadro jurídico seja idêntico –ambos foram chamados a aplicar o artigo 38.º n.º 2 da LGT - a factualidade apurada em cada um deles não é idêntica, nem tão pouco a convicção do tribunal.

Posto isto, sem prejuízo deste Tribunal atender aos factos apurados neste processo, procederá à avaliação dos mesmos e à sua subsunção jurídica, com as consequências daí advenientes para o sentido da decisão sem prejuízo de, na fundamentação da decisão, seguir de perto as decisões arbitrais proferidas no CAAD nos processos n.ºs 381/2014-T, 41/2020-T, 222/2020-T, 254/2022-T e 745/2022-T, em obediência ao princípio geral consagrado no nº 3 do artigo 8.º do Código Civil.

 

  1.  – Da Cláusula Geral Anti Abuso (CGAA)

 

VI.A - Planeamento Fiscal

 

O dever de pagar impostos é o preço que temos de pagar por viver numa sociedade civilizada[4] . Se é verdade que o todos os cidadãos têm o dever de pagar impostos, também é verdade que a “poupança” fiscal é um direito dos cidadãos desde que conformem as suas condutas dentro de determinados limites legais.

O planeamento fiscal legítimo tem vindo a ser desmistificado, nomeadamente pelo Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) ao reconhecer o direito do contribuinte em escolher a estrutura da sua atividade de forma a limitar a sua dívida fiscal[5], através do planeamento fiscal legítimo ou intra legem.

Neste acórdão, o TJUE refere como princípio essencial a liberdade de optar, na gestão de um negócio, pela via da menor tributação, de uma forma totalmente legítima e lícita, de maneira a minimizar custos (planeamento fiscal lícito), distinguindo-a das práticas abusivas – planeamento extra legem - que apesar de se conterem dentro da aplicação formal da regulamentação comunitária e legislações internas “tenham por resultado a obtenção de uma vantagem fiscal cuja concessão seria contrária ao objetivo prosseguido por essas disposições. E que resulta de um conjunto de elementos objetivos que as operações têm como finalidade essencial a obtenção de uma vantagem fiscal.”, ou ainda do planeamento fiscal ilegítimo levado a cabo de uma forma completamente ilegal e atentatória da legislação vigente (fraude/evasão fiscal), o planeamento fiscal contra legem.

Nesta medida, a análise jurídico-fiscal tem de ter presente que aos contribuintes assiste o direito ao livre desenvolvimento da atividade económica, que pode ser exercida através do modelo de organização empresarial que entendam ser o mais adequado para o efeito, conforme decorre dos princípios da liberdade de iniciativa económica privada e da liberdade de iniciativa, organização e gestão empresarial previstos nos artigos 61.º n.º 1, 80.º alínea c) e 86.º n.º 2, todos da Constituição da República Portuguesa (CRP).

A este respeito salientava Nuno Sá Gomes, que a “racionalidade da gestão das actividades económicas pressupõe que, em princípio, os agentes económicos devam optimizar os respectivos custos comerciais, industriais, financeiros e fiscais. Sendo assim, a boa gestão fiscal, supõe, obviamente, a minimização dos custos fiscais, que a doutrina designa por economia fiscal ou poupança fiscal, sem prejuízo do rigoroso cumprimento das leis tributárias pelos agentes económicos[6].

 

VI.B Da Cláusula Geral Anti Abuso

 

Não obstante o acima dito, o reconhecimento da ocorrência de situações de planeamento fiscal agressivo e elisivo (extra legem), muitas vezes decorrente da prática de atos lícitos mas com um resultado que contraria princípios fundamentais do sistema fiscal, designadamente o princípio da capacidade contributiva e o princípio da igualdade na repartição da carga tributária e na prossecução da satisfação das necessidades financeiras do Estado, levou os Estados a legislar no sentido de implementar medidas anti abuso.

  Nas palavras de Patricia Anjos Azevedo, o planeamento fiscal extra-legem “não sendo ilícito – e portanto não tocando nos meandros da pura ilegalidade -, não é contudo aceite pelo ordenamento jurídico-fiscal[7]

Assim, em 1999 foi introduzido no nosso ordenamento jurídico, por intermédio da Lei n.º 87-B/98, de 31 de dezembro, a cláusula geral anti abuso[8], com o objetivo de eliminar ou atenuar fenómenos crescentes de evasão e elisão fiscal, isto é, “a actuação planeada do contribuinte que se traduz num comportamento aparentemente lícito, geradora de uma vantagem fiscal não admitida pelo ordenamento tributário[9], hoje plasmada no artigo 38.º da Lei Geral Tributária (LGT) e, ainda, em diversas cláusulas especiais anti abuso que se encontram dispersas pelos diferentes códigos fiscais.

           

À data dos factos a redação do artigo 38.º da LGT[10] era a seguinte:

Artigo 38.º

Ineficácia de actos e negócios jurídicos

1 - A ineficácia dos negócios jurídicos não obsta à tributação, no momento em que esta deva legalmente ocorrer, caso já se tenham produzido os efeitos económicos pretendidos pelas partes.

2 - São ineficazes no âmbito tributário os actos ou negócios jurídicos essencial ou principalmente dirigidos, por meios artificiosos ou fraudulentos e com abuso das formas jurídicas, à redução, eliminação ou diferimento temporal de impostos que seriam devidos em resultado de factos, actos ou negócios jurídicos de idêntico fim económico, ou à obtenção de vantagens fiscais que não seriam alcançadas, total ou parcialmente, sem utilização desses meios, efectuando-se então a tributação de acordo com as normas aplicáveis na sua ausência e não se produzindo as vantagens fiscais referidas.

 

Esta é uma norma que tem em vista uma adequada conciliação do princípio da segurança com o interesse público de uma justa distribuição dos encargos tributários, por via do combate, em nome do princípio da justiça e da igualdade, da “contradição entre as formas adotadas pelas partes e os fins económicos dos contratos.(…)”[11]

 

Do ponto de vista procedimental, a liquidação de tributos com base na mencionada cláusula geral anti abuso tem de obedecer ao disposto no art.º 63.º do CPPT[12], que impõe à AT deveres especiais de fundamentação:

Artigo 63.º

Aplicação de disposição Anti Abuso

 “1 - A liquidação de tributos com base na disposição anti abuso constante do n.º 2 do artigo 38.º da lei geral tributária segue os termos previstos neste artigo.

 2 – (revogado)

3 - A fundamentação do projeto e da decisão de aplicação da disposição anti abuso referida no n.º 1 contém necessariamente:

 a) A descrição do negócio jurídico celebrado ou do ato jurídico realizado e dos negócios ou atos de idêntico fim económico, bem como a indicação das normas de incidência que se lhes aplicam;

b) A demonstração de que a celebração do negócio jurídico ou prática do ato jurídico foi essencial ou principalmente dirigida à redução, eliminação ou diferimento temporal de impostos que seriam devidos em caso de negócio ou ato com idêntico fim económico, ou à obtenção de vantagens fiscais.

c) A identificação dos negócios ou atos que correspondam à substância ou realidade económica, bem como a indicação das normas de incidência que se lhes aplicam;

(…)

 

No que se refere à aplicação do artigo 38.º da LGT, construído a partir de uma base que enumerou um conjunto de elementos necessários à sua verificação, a jurisprudência[13] e a doutrina têm vindo a desconstruir a letra da norma apontado cinco (5) elementos nela contidos, correspondendo um dos elementos à estatuição da norma (elemento sancionatório), e os restantes quatro como requisitos cumulativos que permitem aferir a verificação de uma atividade como constituindo um planeamento fiscal abusivo:

  1. O elemento meio – diz respeito à via livremente escolhida pelo Contribuinte – ato ou negócio jurídico, isolado ou como parte de uma estrutura de atos ou negócios jurídicos sequenciais, lógicos e planeados, organizados de modo unitário pelo Contribuinte - dirigidos essencial ou principalmente à redução, eliminação ou diferimento temporal de impostos;
  2. O elemento resultado – visa a obtenção da vantagem fiscal como fim da atividade do contribuinte, ou seja, a redução, eliminação ou diferimento temporal de impostos que não seriam alcançadas pela prática de atos ou negócios jurídicos “normais” e de efeito económico equivalente;
  3. O elemento intelectual – atenta na motivação fiscal do Contribuinte, i.é, exige que a escolha do meio seja essencial ou principalmente dirigida à obtenção de uma vantagem fiscal, impondo que se afira, objetivamente, se o contribuinte pretendeu um ato ou negócio, apenas ou essencialmente, pelas prevalecentes vantagens fiscais (redução, diferimento ou eliminação da tributação), não sendo suficiente a mera verificação de uma vantagem fiscal;
  4. O elemento normativo – tem a ver com a censura do ordenamento jurídico sobre os meios artificiosos ou fraudulentos utilizados e tem como função primordial distinguir os casos de elisão fiscal dos casos de poupança fiscal ilegítima, “sendo que só nos casos em que se demonstre uma intenção legal contrária ou não legitimadora do resultado obtido se pode falar naquela”[14];
  5. Elemento sancionatório – que se traduz na ineficácia, no âmbito tributário, dos atos ou negócios jurídicos em causa, os quais passam a ser inoponíveis à AT, verificados que estejam os quatro elementos anteriores, efetuando-se a tributação de acordo com as normas que seriam aplicáveis caso não ocorressem os atos ou negócios jurídicos subjacentes àquelas operações contestadas.

A aplicação desta norma depende, pois, da verificação cumulativa dos elementos consagrados na sua previsão, que se auxiliam mutuamente e estão dependentes de uma apreciação casuística das concretas circunstâncias de facto inerentes ao caso em apreço, impondo a ponderação da atuação concreta do Contribuinte em função das circunstância de facto que foram dadas como assentes e a aferição se o ato(s) ou negócio(s) jurídico(s) tem uma substância económica ou outra que se possa dizer preponderante na sua relação com a vantagem fiscal (comparativa), recaindo sobre o julgador o dever de verificar se, no caso concreto, estão ou não, indubitavelmente, presentes todos e cada um dos pressupostos da aplicação da CGAA, o que se fará de seguida, atendendo a que esta também foi a fórmula utilizada pelas partes.

Como sublinha Gustavo Courinha[15], os citados elementos, embora devam ser tratados autonomamente, pelo menos do ponto de vista doutrinal, não deixarão com frequência, e na falta de melhor expressão, de “auxiliar-se” mutuamente. A fixação de um elemento pode, na prática, depender [ou resultar da verificação, dizemos nós] de um outro elemento.

Já SÉRGIO VASQUES[16] condiciona o recurso à CGAA à verificação de três elementos essenciais: “Em primeiro lugar, exige-se a prática de acto ou negócio artificioso ou fraudulento e que exprima abuso das formas jurídicas, no sentido de estarmos perante esquemas negociais que ocultem os seus verdadeiros propósitos e aos quais seja dada uma utilização manifestamente anómala face à prática jurídica comum. Em segundo lugar, exige-se o objectivo único ou principal de através desses esquemas negociais obter uma vantagem fiscal, qualquer que seja a sua natureza, com a marginalização evidente de objectivos económicos reais. Em terceiro lugar, exige-se que da lei resulte com clareza a intenção de tributar os bens económicos em causa, nos mesmos termos em que estes seriam tributados tivesse o contribuinte recorrido às formas jurídicas e às práticas negociais mais comuns.”

            O que relevará na apreciação do caso concreto e consequentemente na qualificação dos atos ou negócios como abusivos, será o conjunto de circunstâncias que envolveram a sua celebração, o que implica a ponderação dos factos alegados pelo Requerente como justificativos da operação e do caráter não abusivo do(s) negócio(s) e se a prova dos mesmos será suficiente para lhes conferir aceitabilidade fiscal.

No tocante à repartição do ónus da prova, sobre a AT que recai ónus da prova da verificação dos pressupostos da cláusula geral anti abuso, ou seja, de que o(s) negócio(s) só foi realizado por razões fiscais[17], pois é a AT que invoca verificar-se uma situação em que esta cláusula pode ser aplicada, e ao Requerente o ónus de provar que estão subjacentes razões económicas válidas na base da decisão contratual e a sua não subsunção à CCGA.

           

VI.C. O caso sub judice

 

Passemos agora à análise do caso concreto:

 

            O primeiro dos requisitos de que depende a aplicação da CGAA é a existência de um ato ou negócio “(…) isolado ou parte de uma estrutura de actos ou negócios jurídicos sequenciais, lógicos e planeados, organizados de modo unitário pelo Contribuinte (…) que permitam obter uma vantagem fiscal, da qual o Contribuinte, doutro modo não disporia.

No entanto, como assinala Pedro Menezes Cardoso, “A artificialidade da estrutura pode ser analisada em sede do elemento meio como a propósito da análise do elemento resultado. Ambos os elementos pressupõem que seja efetuado, através de ficção, um juízo hipotético-comparativo entre a estrutura eventualmente elisiva (factualmente existente ou ficcionada), através da qual o Contribuinte poderia ter chegado a um resultado económico equivalente não tivessem sido as razões de ordem fiscal o elemento essencial ou principal que conduziu o contribuinte à sua adoção[18].”

           

            A AT considera demonstrativo do caráter artificioso da operação de reestruturação aqui em causa o facto de os sócios (o aqui Requerente em particular) das sociedades participadas terem constituído uma SGPS com um capital social de € 50.000,00 – sociedade veículo - ocupando cargos no seu conselho de administração, SGPS essa que adquiriu as ações representativas do capital social da K... e L... pelo preço (total) de € 8. 544.854,50, sem recurso a financiamento externo ou a aumento de capital, mediante crédito desses acionistas através da fixação de um prazo de pagamento de 15 anos. Com esta construção – interposição da SGPS - os dividendos distribuídos pela sociedade operacional à SGPS não ficaram sujeitos a tributação (Participation Excemption), e foram destinados, no essencial, à amortização dos créditos dos acionistas que, a final, receberam dividendos como se de um reembolso de um crédito de tratasse. Não fora a interposição da SGPS e os dividendos distribuídos pelas sociedades operacionais aos seus acionistas seriam objeto de tributação à taxa liberatória prevista na alínea a) do artigo 71.º do CIRS, e na esfera pessoal os rendimentos seriam tributados como rendimentos de capitais subsumíveis à norma de incidência constante da alínea h) do nº 2 do artigo 5.º do CIRS.

Para a AT, o negócio normal de idêntico fim económico seria a distribuição direta de dividendos pelas sociedades operacionais aos seus acionistas, ao invés do pagamento de dívida pela SGPS com os fundos provenientes da distribuição de dividendos gerados, essencialmente, pela K... .

Sustenta ainda a AT que, em condições normais, a modalidade de transmissão das participações sociais, apropriada às circunstâncias de uma SGPS constituída com o capital de € 50.000,00, consistiria na entrega das participações sociais para a realização das entradas e não a constituição de uma dívida para com os acionistas, a ser paga à custa dos lucros distribuídos pelas sociedades participadas.

            Já o Requerente sustenta que a criação da SGPS com a consequente aquisição das ações das sociedades do grupo I... não teve subjacente razões de natureza fiscal mas outrossim de natureza societária, organizacional e, bem assim razões de ordem económica e financeira. Acrescenta que a operação nada tem de artificiosa ou irregular, esta foi a solução encontrada pelos sócios/acionistas para dar resposta à necessidade de reestruturação do grupo de empresas I..., sendo os sócios remunerados, a prazo, pelo justo valor dos bens que alienaram.

 

            Ora, resultou da prova produzida que, uma vez identificada pelos sócios a necessidade de reorganização das empresas do grupo I..., a criação da SGPS, em concretização do plano estratégico, visou centralizar a decisão sob o tronco comum da SGPS, eliminando o ruído das decisões estratégicas das empresas operacionais, clarificar a posição dos sócios, reorganizar recursos e reduzir os custos de estrutura, criar uma cultura única, ficar com uma empresa especializada no desenvolvimento de software de gestão e promover a internacionalização do grupo, que veio a ser concretizada.

            Com base na prova produzida, é convicção do Tribunal que do ponto de vista organizacional e de liderança/gestão a existência de dois polos de direção (polo Norte e polo Sul), com implicações diretas ao nível da duplicação de recursos, da tomada de decisões estratégicas e de investimentos, justificou a criação de uma empresa destinada a gerir as participações sociais do grupo, dotando as empresas da de uma organização “tipo pente”, centralizando a tomada de decisão numa sociedade (holding).

            Relativamente ao acerto do meio escolhido pelo Requerente, e demais sócios, a constituição de uma SGPS como entidade de topo, não é artificiosa, pois é precisamente para gerir de forma centralizadas as participações socias que o Decreto-Lei n.º 495/88, de 30 de Dezembro, criou um regime especial para essas sociedades, mais favorável que a detenção das participações sociais detidas nas sociedades operacionais, o que aliás resulta do preâmbulo deste diploma onde se diz que o regime legal das SGPS visa, «criar condições favoráveis, designadamente de natureza fiscal, que facilitem e incentivem a criação de grupos económicos, enquanto instrumentos adequados a contribuir para o fortalecimento do tecido empresarial português» e «proporcionar aos empresários um quadro jurídico que lhes permita reunir numa sociedade as suas participações sociais, em ordem à sua gestão centralizada e especializada».

 Igual entendimento é perfilhado na decisão do CAAD de 06/03/2023, no âmbito do Processo n.º 745/2022, a propósito de uma situação com objeto conexo à que está em apreciação nos presentes autos “(…) a criação de uma SGPS centralizando a gestão das participações sociais do grupo, era, na situação em apreço, não apenas uma opção permitida por lei, mas era mesmo a opção preferida pela lei e por esta incentivada, preferida em relação à assunção da direcção do grupo por qualquer das sociedades que o integravam, como se depreende do facto de às SGPS ser aplicado um regime fiscal mais favorável do que o aplicável as sociedades operacionais, designadamente com atribuição de benefícios fiscais, para além da eliminação da dupla tributação económica. (…)

A este respeito, dir-se-á ainda não se poder extrair da falta de meios humanos e materiais da SGPS a sua artificialidade ou contrariedade à lei, uma vez que as SGPS têm por objeto a gestão de participações noutras sociedades sociais, como forma indireta do exercício das de atividades económicas, sendo as áreas administrativa, financeira e contabilística tipicamente asseguradas pelas participadas, e como referido pelo Requerente, a H... SGPS está vocacionada para a detenção e administração das participações sociais para, por essa via, assumir de forma centralizada, estratégica e especializada a gestão das atividades e negócios das participadas, atividade desenvolvida com resultados evidenciados ao nível organizativo, operacional e mesmo financeiro ainda que suportados somente nos bons resultados da K... .

Posto isto, impõe-se concluir não ter qualquer fundamento legal a qualificação da criação da SGPS como artificiosa ou fraudulenta ou constituir abuso das formas jurídicas, para efeitos do artigo 38.º, n.º 2, da LGT, pois não se trata de operação insólita ou invulgar, não prevista legislativamente para atingir os objetivos visados pelo Requerente e demais acionistas ou inadequada para esse efeito, antes pelo contrário, a criação de uma SGPS como forma de reestruturação de um grupo de empresas, para a qual são transferidas as participações de capital das sociedades operativas dotando-as de uma gestão centralizada das participações sociais, é o meio próprio para lograr tal reorganização.

 

Importa agora aferir se do ponto de vista económico/financeiro se justificou a operação de reestruturação do grupo nos termos acima expendidos e a constituição de uma dívida no montante de € 8.544.854,50 a favor dos acionistas, com um prazo de pagamento a 15 anos.

      Em bom rigor, a compra e venda de ações, com o pagamento do preço dilatado no tempo, não constitui um negócio anormal, artificioso ou fraudulento como forma de proceder à transferência de títulos ou propriedade, tendo-se mostrado quanto ao seu valor que o mesmo resultou de uma avaliação financeira efetuada de acordo com um método utilizado na avaliação de empresas e que projeta a atividade futura das sociedades a 5 anos e os fluxos de caixa, no período considerado, descontados os investimentos que a sociedade terá de fazer.

             Na verdade, resultou provado que a SGPS foi criada em concretização de um plano estratégico, com motivações organizacionais e económicas que surtiram o efeito pretendido. O valor das participações dos acionistas foi objeto de uma valoração independente, e a constituição de dívida de médio e longo prazo sem juros, apenas pagável à medida das disponibilidades da SGPS, com a repartição do risco pelos acionistas, mostrou-se uma solução ajustada aos objetivos do grupo que lhe permitiu, com exceção dos anos da crise do sub prime, crescer durante uns anos sem se preocupar com o pagamento da dívida, e com efeitos evidentes olhando para os resultados obtidos, ainda que essencialmente sustentados na K..., situação que evidencia o acerto da decisão de direcionar o foco do grupo para o desenvolvimento de software.

            Levantou ainda a AT suspeitas sobre a finalidade da operação de aquisição dos títulos com a constituição de uma dívida avultada acompanhada da redução das remunerações dos administradores, opção justificada pela vontade dos acionistas criarem uma almofada financeira, objetivo que encontra a sua confirmação na evolução dos resultados operacionais e respaldo no início do reembolso da dívida aos sócios decorridos 8 anos da data da constituição da SGPS.

            Como bem se diz no acórdão arbitral do CAAD de 30-01-2015, proferido no processo n.º 381/2014, secundado pelo acórdão de 06/03/2023 prolatada no processo 754/2022-T, cujo sentido acompanhamos:

“(…) Não se pode detetar qualquer “carácter anómalo” em cada um destes negócios jurídicos: sendo o fim prosseguido a criação de uma sociedade tendo por objeto a detenção de ações, a forma societária escolhida, SGPS, era a própria; pretendendo a sociedade adquirir as ações necessárias à realização do seu escopo social, a forma escolhida (compra e venda) é a correta, porquanto esta é a forma legal típica que a lei prevê para a aquisição a título oneroso, inter-vivos, de bens e direitos. A sequência dos negócios é, também “normal”: não se compreenderia a criação da sociedade sem a posterior aquisição das ações em causa”.

“Por outro lado, a escolha do financiamento através de crédito dos accionistas é perfeitamente justificada … como sendo o meio mais simples e sem os encargos de um financiamento bancário e sem inconvenientes para o crescimento e fortalecimento do grupo que eram os objectos prosseguidos, por a dívida aos accionistas poder ser paga a médio ou longo prazo na medida das disponibilidades da SGPS, sem colocar em causa os investimentos necessários para assegurar aqueles objectivos.”

A criação de dívida de médio e longo prazo, sem juros, apenas pagável à medida das disponibilidades da SGPS e sem comprometer os seus objectivos de crescimento e fortalecimento do grupo, é manifestamente uma solução simples, barata e vantajosa para os fins visados pelo grupo, pois assegura perfeitamente a possibilidade de efectuar os investimentos que julgue necessários para o seu crescimento e fortalecimento sem se preocupar com o pagamento da dívida.

Neste contexto, há que notar que a criação de um passivo elevado na SGPS, que disponha de património muito diminuto, nem pode ser considerada uma solução irracional, estranha ou inconveniente para esta. Na verdade, a aceitação daquela dívida elevada foi acompanhada da criação de um activo do mesmo valor, constituído pelas participações sociais e o património que lhes estava subjacente, que se foi valorizando progressiva e consideravelmente.”

 

            Em suma, no que respeita ao elemento meio, não tendo havido recurso a uma forma inusual, artificial ou complexa, não se tendo apurado um abuso da forma jurídica face aos fins económicos visados pelo Requerente não se podendo concluir que a operação em análise seja destituída de fundamentos não fiscais válidos, e uma vez que a única poupança fiscal verificada resultou da isenção da tributação das mais valias com a venda das ações, à data decorrente de uma isenção expressa estabelecida no Código do IRS, também não se pode falar de uma preponderante motivação de natureza fiscal, nem tão pouco se pode deduzir da lei que o pagamento de uma dívida efetiva deva ser assimilada a uma distribuição de dividendos, esta sim, sujeita a tributação.

 

            Uma referência à verificação de um negócio consigo mesmo, arvorado pela AT como parte integrante e constitutiva do esquema elisivo. A questão de saber se existe negócio consigo mesmo no caso de o agente atuar como órgão de duas ou mais pessoas coletivas é controvertida, no entanto, é sabido que, apesar de nessa situação se aludir a representação[19], esta não equivale a representação em sentido técnico, tratando-se antes de um modo cómodo e sugestivo de exprimir os nexos de organicidade que imputam, ao ser coletivo, a atuação dos titulares dos seus órgãos[20]. Em rigor, os "representantes" não representam a pessoa coletiva: são parte integrante desta.

O facto de existirem participações cruzadas e de também se prosseguirem interesses dos sócios/administradores no conjunto de operações levadas a cabo, só por si, não conduz a tal conclusão, atendendo ao facto de as sociedades terem personalidade jurídica distinta dos sócios. Assim, apenas nos casos em que se verifica uma utilização abusiva das sociedades[21], funcionando estas como meros veículos de intervenção negocial e se justifique a utilização do instituto da desconsideração ou levantamento da personalidade jurídica é que se poderia extrair conclusões das alegações da AT.

Neste sentido, parte da doutrina[22] e da jurisprudência[23] defende que, não existe negócio consigo mesmo nesta situações, atendendo a que o “facto de ter intervindo no negócio um sócio de duas sociedades não confere a este um interesse individual ou pessoal no negócio, já que, ressalvadas as situações limite de desconsideração da personalidade da sociedade, são distintas a personalidade jurídica das sociedades e dos sócios. Como entidades jurídicas próprias distintas de cada um dos seus sócios, cada sociedade comercial é em si mesma um sujeito de direito, até face àqueles. Daí que a posição jurídica de um sócio não implica um direito sobre os bens da sociedade.”

            Retomando o nosso excurso, em face do disposto no artigo 38.º, n.º 2 da Lei Geral Tributária, para aplicação da cláusula geral anti abuso, os negócios devem ser dirigidos à redução, eliminação ou diferimento temporal de impostos que seriam devidos, não basta que sejam obtidas vantagens fiscais, sendo antes indispensável que a obtenção destas tenha sido um objetivo essencial ou principal visado pelos sujeitos passivos[24].

No preenchimento do elemento que contempla a motivação fiscal do Contribuinte o legislador optou por uma solução intermédia exigindo que a obtenção da vantagem fiscal seja o motivo principal dos atos ou negócios, devendo o Tribunal apreciar, a ponderação sobre a intenção fiscal, objetivamente e de acordo com fatores e critérios de razoabilidade económica e não através da motivação psicológica do Contribuinte[25].

O apuramento da motivação do agente (da finalidade do negócio) é uma conclusão extraída dos factos dados como provados.

E como acima referido, o(s) ato(s) ou negócio(s) jurídico(s) escolhido(s) têm uma substância, económica, que se pode dizer predominante na sua relação com a vantagem fiscal (comparativa) objetivamente decorrente dessa escolha.

            Ou seja, a AT não logrou fazer prova da ausência de total fundamento económico da operação de reestruturação, da sua artificialidade e do seu propósito essencialmente fiscal, por seu turno, o Requerente fez prova das vantagens económico empresarias da criação da SGPS no contexto específico das empresas do grupo e da conjuntura económica que se adivinhava, à data, com a chegada da crise do sub prime, nomeadamente demonstrou a bondade da decisão de criar a poupança que permitiu reagir e sair da crise e a criação de um grupo mais robusto e focado no negócio que permitiu gerar meios financeiros, o que só foi possível devido à gestão centralizada focada no crescimento, quer nacional quer internacional.

            Sendo cumulativos os requisitos de aplicação da cláusula geral anti abuso, a constatação da não utilização de meios artificiosos ou fraudulentos e com abuso de formas jurídicas e da inexistência de atos ou negócios jurídicos essencial ou principalmente dirigidos à obtenção de vantagens fiscais são suficientes para concluir pela ilegalidade da aplicação do artigo 38.º da LGT.

            Procede, assim, o pedido de pronuncia arbitral com fundamento em vício de violação de lei por não verificação dos pressupostos da aplicação da cláusula geral anti-abuso.

           

  1. Questões de conhecimento prejudicado

 

Fica prejudicada, por desnecessária, a análise dos demais argumentos usados pela Requerente para sustentar a ilegalidade dos atos de liquidação adicional de IRS postos em crise pela AT.

 

  1. Decisão

 

Nestes termos, acordam os árbitros deste Tribunal Arbitral em julga procedente o pedido de pronuncia arbitral e em consequência:

  1. Anular as liquidações de IRS n.º 2021... e n.º 2021... referentes, respetivamente, aos anos de 2017 2018;
  2. Anular as decisões das reclamações graciosas n.ºs ...2022... e ...2022... .

 

  1. Valor do Processo

 

Fixa-se, em conformidade com o disposto no artigo 306.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil, no artigo 97.º-A, n.º 1, al. a), e n.º 3 do Código de Procedimento e Processo Tributário, aplicáveis por força das alíneas a), c) e e) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT, o valor do processo em € 216.664,49 (duzentos e dezasseis mil seiscentos e sessenta e quatro euros e quarenta e nove cêntimos) que constitui a importância do imposto objeto de impugnação nas liquidações sindicadas.

 

  1. Custas

 

De harmonia com o disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e nos artigos 3.º, n.º 1, alínea a) e n.º 2 e 4.º, n.º 5 do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 4.284,00, nos termos da Tabela I do mencionado Regulamento, a cargo da Requerida.

Lisboa, 2 de abril de 2024

Notifique-se.

Os Árbitros

 

 

 

Rui Duarte Morais

 

 

Nuno Maldonado de Sousa

 

 

Cristina Coisinha



[1] Que avaliou as participações sociais socorrendo-se do métodos dos fluxos de caixa

[2] «O procedimento de aplicação das CGAA e a segurança jurídica», Estudos em Homenagem ao Professor Doutor António Carlos dos Santos, Ed. Almedina, 2021.

[3] «Exceção e autoridade de caso julgado – algumas notas provisórias», Julgar Online, novembro de 2018.

[4] Frase de Oliver W Homes.

[5] Acórdão do TJUE, de 21.02.2006, proferido no processo C-255/02, “Halifax”.

[6] Manual de Direito Fiscal (Volume II), Centro de Estudos Fiscais, 1996, pág. 101

[7] Patrícia Anjos Azevedo, “Breves notas sobre o planeamento fiscal, as suas fronteiras e as medidas anti abuso”, in A Fiscalidade como instrumento de Recuperação Económica, Ed. Vida Económica, 2011, págs. 291 a 313.

[8] Foi introduzido o artigo 32.º A no CPT-

[9] Gustavo Lopes Courinha – A Cláusula Geral Anti-Abuso no Direito Tributário Contributos para a sua Compreensão, Ed. Almedina, 2004 pag. 15.

[10] Redação conferida pela Lei n.º 30-G/2000, de 29 de dezembro

[11] António Lima Guerreiro, Lei Geral Tributária anotada, Editora Reis dos Livros, 2001.

[12] Redação dada pela Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro.

[13] Acórdão do TCAS de 15.02.2011, Processo n.º 04255/10; Processo n.º 377/2014-T de 22.05.2015; Processo n.º 222/2020-T,

[14] Cfr. Gustavo Courinha Lopes, obra citada, pag. 211.

[15] Cfr. Gustavo Courinha Lopes, obra citada, pag. 165.

[16] Manual de Direito Fiscal, Almedina, 2018, pag. 374.

[17] Saldanha Sanches, «Abuso de Direito em Matéria Fiscal: Natureza, Alcance e Limites», Ciência e Técnica Fiscal, n.º 398, pag. 36.

[18] Pedro Menezes Cardoso, em Os Desafios da Maioridade da Cláusula Geral Anti-Abuso: Análise Estática e Dinâmica do seu Estudo Evolutivo, AAFDL Editora, 2017

[19] artigo 6º nº 5 do CSC

[20] Menezes Cordeiro, Manual do Direito das Sociedades, Vol. I, pag. 726, Edição 2007.

[21] Pedro Cordeiro, A desconsideração da Personalidade Jurídica das Sociedades Comerciais, AAFDL, Lisboa, 1999, pag. 104; José A. Engrácia Antunes, Os grupos de sociedades — estrutura e Organização Jurídica da empresa plurissocietária, 2.ª Ed., Almedina, Maio de 2002, pág. 559; Menezes Cordeiro, O Levantamento da Personalidade Colectiva, Almedina, 2002, pag. 102

[22] J. Duarte Pinheiro, «O negócio consigo mesmo», Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Inocêncio Galvão Teles, Vol. IV, 142 e segs

[23] Acórdãos do STJ de 15.05.97, 18.05.2006, 03.02.2009, 05.02.2009 e mais recentemente o Acórdão do TRC de 01.01.2024, em www.dgsi.pt.

[24] Processo n.º 254/2022-T

[25] José Maria Fernandes Pires, Lei Geral Tributária anotada e comentada, 2015, Almedida, pag, 325 e Gustavo Lopes Courinha