Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 326/2023-T
Data da decisão: 2024-03-19   Outros 
Valor do pedido: € 135.603,35
Tema: ASSB – Adicional de solidariedade sobre o sector bancário – Princípio igualdade – Princípio da capacidade contributiva.
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SUMÁRIO:

As normas conjugadas dos artigos 1.º, n.º 2, 2.º e 3.º, n.º 1, alínea a) do anexo VI a que se refere o artigo 18.º da Lei n.º 27-A/2020, de 24 de Julho, que definem a incidência subjectiva do ASSB, são materialmente inconstitucionais, por violação dos princípios da igualdade e da capacidade contributiva.

 

DECISÃO ARBITRAL

 

Os Árbitros Carla Castelo Trindade, Armando Oliveira e Sílvia Oliveira, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formar o Tribunal Arbitral, decidem no seguinte:

 

  1. RELATÓRIO
  1. A... – SUCURSAL EM PORTUGAL, com o número único de pessoa colectiva ... e com morada na Rua ..., n.º..., ...-..., Lisboa (adiante “Requerente”), veio requerer a constituição de Tribunal Arbitral, ao abrigo do disposto nos artigos 95.º, n.º 1 e 2 da Lei Geral Tributária (“LGT”), e ao abrigo da alínea a), do n.º 1, do artigo 2.º e dos artigos 10.º e seguintes do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”), com vista à pronúncia deste Tribunal relativamente à anulação da decisão de indeferimento da reclamação graciosa e, mediatamente, do acto de autoliquidação do Adicional de Solidariedade sobre o Sector Bancário (“ASSB”), sobre o qual aquela decisão versou, que consiste na autoliquidação referente ao passivo apurado no final de 2021 e autoliquidado em Dezembro de 2021, no valor de € 135.603,35, peticionando ainda a condenação da Autoridade Tributária e Aduaneira (adiante “AT” ou “Requerida”) ao reembolso do montante pago acrescido de juros indemnizatórios.
  2. A Requerente fundamentou o seu pedido, em suma, com base nos seguintes argumentos:

O ASSB é um imposto especial sobre o sector bancário que não se confunde com a Contribuição sobre o Sector Bancário (“CSB”).

O ASSB é um imposto que não tem carácter excepcional e cuja receita é integralmente afecta ao Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social (“FEFSS”), o que viola o princípio geral da não consignação de receitas previsto na Lei de Enquadramento Orçamental (“LEO”).

A receita proveniente do ASSB não se encontra discriminada de forma concreta e individualizada no Orçamento do Estado e no Orçamento Suplementar para 2020, pelo que não é possível apurar com segurança e clareza a caracterização, a natureza e a classificação daquela receita, o que viola o princípio da especificação orçamental consagrado na LEO e na Constituição da República Portuguesa (“CRP”).

Caso o ASSB seja qualificado como uma contribuição verifica-se que não existe qualquer prestação pública que justifique, ainda que de modo difuso, a sujeição da Requerente a imposto, já que a receita deste consiste num recurso exclusivo do FEFSS, que visa unicamente financiar os mecanismos de protecção prestados pela segurança social destinados às pessoas singulares residentes em Portugal, o que significa que a Requerente enquanto sucursal de um banco estrangeiro nunca poderá beneficiar de segurança social.

Caso o ASSB seja qualificado como imposto, constata-se que a sua estrutura viola o princípio da capacidade contributiva. Isto porque a sua base de incidência objectiva abrange os principais complementos do balanço e incide de forma desajustada sobre um determinado grupo de contribuintes que acabam por suportar sectorialmente o que deveria ser imposto a todos os contribuintes, já que se tributa exclusivamente o sector bancário quando existem outros sectores que beneficiam igualmente da isenção de IVA e que contribuem igualmente para essa despesa fiscal.

Nos termos dos artigos 18.º e 49.º do Tratado de Funcionamento da União Europeia (“TFUE”), são proibidas as restrições à liberdade de estabelecimento dos nacionais de um Estado-Membro da União Europeia no território de outro Estado‑Membro, sendo que o artigo 54.º do TFUE equipara as pessoas singulares nacionais às sociedades constituídas em conformidade com a legislação de um Estado‑Membro e que aí tenham a sua sede estatutária, a sua administração central ou o seu principal estabelecimento.

A liberdade de estabelecimento proíbe todas as medidas nacionais susceptíveis de dificultar ou tornar menos atraente a constituição e a gestão de empresas, bem como a criação de agências, sucursais ou filiais num Estado-Membro, pelas sociedades sedeadas ou estabelecidas (residentes) noutro Estado-Membro.

O ASSB incide sobre o passivo, deduzido, quando aplicável, dos elementos do passivo que integram os fundos próprios e dos depósitos abrangidos pela garantia do Fundo de Garantia de Depósitos e pelo Fundo de Garantia do Crédito Agrícola Mútuo (ou equivalente).

Sucede que as sucursais não têm personalidade jurídica, efectuando directamente, no todo ou em parte, operações inerentes à actividade da instituição de crédito não residente que integram, o que significa que não têm capitais e fundos próprios tal como estes são considerados e contabilizados para efeito das instituições de crédito residentes em Portugal.

O regime do ASSB determina que, no caso das sucursais, o respectivo passivo relevante para a aplicação do ASSB inclui todas as dívidas para com a sede e/ou outras sucursais desta, as quais são, assim, e sem qualquer distinção, consideradas dívidas para com terceiros, negando-se qualquer relevância ao free capital.

Mas mesmo que se admitisse que uma sucursal poderia reconhecer o seu capital alocado como capital próprio, a verdade é que estas continuariam a ser objecto de um tratamento discriminatório quando comparadas com instituições de crédito residentes, já que existe um conjunto vasto de elementos que “segundo as normas de contabilidade aplicáveis” poderiam ser “reconhecidos como capitais próprios” que estão presentes nas instituições de crédito residentes, e não nas sucursais, mas que as sucursais não têm, por serem apenas emitidos por entidades com personalidade jurídica, designadamente obrigações convertíveis, obrigações participantes, acções preferenciais remíveis ou contingent convertible bonds.

No fundo, o regime jurídico do ASSB impossibilita as sucursais de instituições de crédito não residentes de deduzirem ao passivo os capitais próprios, colocando-as numa situação mais desfavorável face às sucursais residentes, que são tributadas pelo seu passivo “líquido” e não pelo seu “passivo” bruto. Ao estarem as sucursais e as instituições de crédito residentes numa situação objectivamente comparável e ao não existirem razões imperiosas de interesse geral que justifiquem a discriminação enunciada, conclui-se que o ASSB é incompatível com a liberdade de estabelecimento.

Acresce que a Directiva 2014/59/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de Maio de 2014, que estabelece um enquadramento harmonizado a nível europeu para a recuperação e a resolução de instituições de crédito e de empresas de investimento estabeleceu os critérios gerais a nível europeu para determinar a fixação e o cálculo das contribuições das instituições de crédito para os mecanismos nacionais de financiamento das medidas de resolução e para efeitos de financiamento do Fundo Único de Resolução.

O ASSB consubstancia um tributo sui generis não previsto na Directiva que viola o regime harmonizado europeu no que respeita ao sistema de tributação do sector bancário, medidas de resolução e ao seu financiamento através da tributação do passivo deste sector. Isto sem contar que a imposição do ASSB à Requerente determina uma sobreposição insanável de tributação que contraria o TFUE e a Directiva, designadamente por consistir numa restrição do acesso ao mercado por via da violação das liberdades fundamentais.

Por um lado, porque o legislador europeu excluiu a possibilidade de os Estados‑Membros tributarem as sucursais de bancos domiciliados noutros Estados‑Membros, determinando que a sua tributação respeita o princípio da sede e não o da fonte.

Por outro lado, porque o passivo da Requerente é duplamente tributado, duas vezes em Portugal através da CSB e do ASSB e uma vez na Alemanha através das contribuições previstas na Directiva.

Por fim, o ASSB viola o princípio da concorrência livre, igual e não falseada que enforma do direito da União Europeia, já que as instituições de crédito residentes noutros Estado-Membro e que aqui disponham de sucursal sofrem uma oneração acrescida que prejudica a sua actuação no mercado europeu e põe em causa os objectivos da harmonização concretizada pela Directiva 2014/59/UE.

  1. O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi apresentado em 4 de Maio de 2023, tendo sido aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e notificado à AT em 5 de Maio de 2023.
  2. A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no artigo 6.º, n.º 2, alínea a) e do artigo 11.º, n.º 1, alínea a), ambos do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou os signatários como árbitros do Tribunal Arbitral colectivo, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável. As partes foram notificadas dessa designação em 23 de Junho de 2023, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alínea b), do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD.
  3. Em conformidade com o disposto no artigo 11.º, n.º 1, alínea c), do RJAT, o Tribunal Arbitral colectivo ficou constituído em 11 de Julho de 2023, sendo que a Requerida foi notificada, a 12 de Julho de 2023, para apresentar a sua resposta e remeter ao Tribunal cópia do processo administrativo.
  4. Em 2 de Outubro de 2023, a Requerida apresentou resposta e juntou aos autos o processo administrativo, tendo-se defendido por impugnação e requerido a sua absolvição dos pedidos com base, em síntese, nos seguintes fundamentos:

O ASSB é um imposto indirecto que visa compensar a não tributação em IVA da generalidade das operações financeiras e que está indissociavelmente associado ao contexto histórico da pandemia da COVID-19 e aos custos da resposta à crise pandémica.

A consignação das receitas do ASSB ao FESS tem enquadramento legal na Lei de Bases da Segurança Social e na LEO que prevê como excepção ao princípio da não consignação a afectação de receitas fiscais ao financiamento da segurança social e dos seus diferentes sistemas e subsistemas.

O ASSB foi aprovado no âmbito do Orçamento Suplementar 2020, tendo a estimativa das respectivas receitas sido incluída no Mapa X – Receitas da Segurança Social por Classificação Económica, rúbrica 06 – Transferências correntes – Estado, sendo certo que a identificação do tipo de tributo está devidamente efectuada e respeita o princípio da anualidade.

O ASSB não é um imposto discriminatório por não abranger outros sectores de actividade isentos de IVA.

Ao contrário do que sucede com a generalidade das isenções daquele imposto que têm subjacente razões de política económica, social ou ambiental, no caso dos serviços financeiros a isenção de IVA deve-se à dificuldade em determinar o valor tributável em uma parte substancial das suas operações. Esta isenção é colmatada em parte com a sujeição a Imposto do Selo, contudo, não só as taxas deste imposto se afiguram substancialmente inferiores à taxa média do IVA, como ficam de fora da sua incidência as restantes operações em que intervêm instituições de crédito, designadamente transacções financeiras e locações financeiras. As isenções em IVA representam justamente excepções ao princípio da igualdade, que implicam perda de receita fiscal, distorção e desigualdade entre operadores, mas também de desigualdade na distribuição do esforço tributário. Assim, a introdução do ASSB representa um propósito de justiça fiscal e não de penalização do sector bancário.

O regime do ASSB não comporta um tratamento discriminatório baseado na nacionalidade/residência das instituições de crédito, razão pela qual não viola a liberdade de estabelecimento prevista nos artigos 18.º, 26.º e 49.º do TFUE.

Não se encontra vedado às sucursais de instituições de crédito residentes noutros Estado-Membros a dedução de capitais próprios, estando na disponibilidade da sucursal qualificar os fundos que lhe são afectos pela sede como passivo ou como capital próprio, em função, entre outros critérios, de serem, ou não, passíveis de remuneração e do carácter de permanência.

As sucursais e os restantes sujeitos passivos do ASSB estão sujeitos às mesmas regras contabilísticas e de apuramento da base de incidência de imposto, independentemente da respectiva nacionalidade, de tal forma que a não dedução de capitais próprios, caso a sucursal os não tenha, não significa a existência de um tratamento diferenciado.

O ASSB não consiste numa forma de financiamento das medidas de resolução nem do Fundo Único de Resolução, posto que não se encontra abrangido pela referida Directiva e isto explica que o legislador tenha ignorado todo o enquadramento europeu resultante da Directiva 2014/59/EU e da sua transposição para o direito nacional. Ao não estar o ASSB relacionado com os mecanismos nacionais de financiamento das medidas de resolução, não se verifica qualquer situação de dupla tributação.

  1. Em 4 de Outubro de 2023, ao abrigo do princípio da autonomia do Tribunal Arbitral na condução do processo previsto no artigo 16.º, alínea c), do RJAT, o Tribunal determinou a suspensão dos autos nos termos do artigo 272.º, n.º 1, do CPC aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT até comunicação da resposta do TJUE no âmbito do processo n.º C-340/22, que teve origem no reenvio prejudicial formulado pelo Tribunal Arbitral no âmbito do processo n.º 502/2021-T, que tem por base as mesmas questões de facto e de direito.
  2. A 26 de Dezembro de 2023, pelo facto de o TJUE ter proferido acórdão no âmbito do processo de reenvio prejudicial n.º C-340/22, foi proferido despacho arbitral a cessar a suspensão da instância. No referido despacho foram ainda as partes notificadas para, querendo, pronunciarem-se sobre o que tivessem por conveniente, designadamente quanto ao teor daquele acórdão, no prazo de dez dias.
  3. A 11 de Janeiro de 2024, a Requerente apresentou requerimento no sentido de solicitar a prorrogação do prazo para alegar complementarmente em 15 (quinze) dias adicionais, “(…) justamente pesando a importância e complexidade inerentes ao Acórdão em discussão, tendo em vista a boa decisão da causa”. Este pedido foi objecto de despacho arbitral, de 12 de Janeiro de 2024, nos termos do qual se prorrogou o prazo anteriormente concedido por mais 5 dias contados do termo efectivo do prazo inicialmente concedido, passando este a terminar a 22 de Janeiro de 2024.
  4. A 22 de Janeiro de 2024 veio a Requerente apresentar requerimento quanto ao teor do Acórdão do TJUE acima referido e anexar documentos ao processo, tendo concluído como no pedido, tendo a Requerida apresentado requerimento, em 25 de Janeiro de 2024, sobre as mesmas questões e documentos anexados pela Requerente.
  5. A 6 de Fevereiro de 2024, foi a Requerente notificada de despacho arbitral no sentido de vir manifestar junto dos autos se mantinha ou não interesse na realização da reunião arbitral a que alude o artigo 18.º do RJAT para efeitos de produção de prova testemunhal, tendo a Requerente declinado tal interesse através de requerimento apresentado em 14 de Fevereiro de 2024.
  6. A 7 de Fevereiro de 2024, no seguimento do acórdão proferido pelo TJUE e ao abrigo do princípio da colaboração, cooperação, da justiça, da descoberta da verdade material a Requerida apresentou requerimento para trazer ao conhecimento deste Tribunal o Acórdão exarado pelo Supremo Tribunal Administrativo (“STA”) no âmbito do processo n.º 0938/17.6BELRS, de 21-09-2022.
  7. Em 21 de Fevereiro de 2024, a Requerente, ao abrigo do princípio do contraditório e do princípio da cooperação, respondeu ao requerimento apresentado pela Requerida em 7 de Fevereiro de 2024, reiterando o teor decisório pretendido com o pedido arbitral.
  8. Em 13 de Março de 2024, foi proferido despacho arbitral a dispensar a reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT bem como a apresentação de alegações, ao abrigo dos princípios da autonomia do Tribunal arbitral na condução do processo, da celeridade, simplificação e informalidade processuais previstos nos artigos 16.º, alínea c), 19.º e 29.º, n.º 2, todos do RJAT.
  9.  
  1. SANEAMENTO
  1. O pedido arbitral foi tempestivamente apresentado e o Tribunal Arbitral colectivo foi regularmente constituído, nos termos dos artigos 5.º e 10.º, n.º 1, alínea a) do RJAT. As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e estão regularmente representadas, em conformidade com o disposto nos artigos 4.º e 10.º, n.º 2, ambos do RJAT, e dos artigos 1.º a 3.º da Portaria n.º 112‑A/2011, de 22 de Março.
  2. Para apreciar a competência material do Tribunal Arbitral para conhecer do pedido, revela-se necessário qualificar previamente o tributo cuja declaração de ilegalidade é suscitada no presente processo. Esta mesma questão foi apreciada pelo Tribunal Arbitral no acórdão proferido em 21 de Março de 2023, no âmbito do processo n.º 598/2022-T, da seguinte forma:

Qualificação jurídica do Adicional de Solidariedade sobre o Sector Bancário

6. Analisado, em traços gerais, o regime jurídico do Adicional de Solidariedade sobre o Sector Bancário, cabe ainda uma referência preliminar quanto à qualificação jurídica que lhe poderá ser atribuída.

A LGT, aprovada em 1998, no seu artigo 3.º, passou a incluir entre os diversos tipos de tributos, os impostos e outras espécies criadas por lei, designadamente as taxas e as contribuições financeiras a favor das entidades públicas, definindo, em geral, os pressupostos desses diversos tipos de tributos no subsequente artigo 4.º.

Aí se explicita que “os impostos assentam essencialmente na capacidade contributiva, revelada, nos termos da lei, através do rendimento ou da sua utilização e do património” (n.º 1), e as taxas assentam na prestação concreta de um serviço público, na utilização de um bem do domínio público ou na remoção de um obstáculo jurídico ao comportamento dos particulares” (n.º 2). No que se refere às contribuições especiais, o n.º 3 desse artigo apenas especifica que “[a]s contribuições especiais que assentam na obtenção pelo sujeito passivo de benefícios ou aumentos de valor dos seus bens em resultado de obras públicas ou da criação ou ampliação de serviços públicos ou no especial desgaste de bens públicos ocasionados pelo exercício de uma atividade são consideradas impostos”.

Em tese geral, o imposto constitui uma “prestação pecuniária, coativa e unilateral, exigida por uma entidade pública com o propósito de angariação de receita”, ao passo que a taxa se caracteriza como “prestação pecuniária e coativa, exigida por uma entidade pública, em contrapartida de prestação administrativa efetivamente provocada ou aproveitada pelo sujeito passivo”, distinguindo-se essas duas espécies de tributos pelo seu carácter de unilateralidade ou bilateralidade (cfr., na linha de outros Autores, Sérgio Vasques, Manual de Direito Fiscal, Coimbra, 2015, págs. 214 e 240).

Por seu lado, a constitucionalização das contribuições financeiras resultou da alteração introduzida no artigo 165.º, n.º 1, alínea i), da Lei Fundamental, pela revisão constitucional de 1997, que autonomizou as contribuições financeiras a favor das entidades públicas como uma terceira categoria de tributos.

A doutrina tem caracterizado as contribuições financeiras como um tertium genus de receitas fiscais, que poderão ser qualificadas como taxas coletivas, na medida em que visam retribuir os serviços prestados por uma entidade púbica a um certo conjunto ou categoria de pessoas. Como referem Gomes Canotilho/Vital Moreira, “a diferença essencial entre os impostos e estas contribuições bilaterais é que aqueles visam financiar as despesas públicas em geral, não podendo, em princípio, ser consignados a certos serviços públicos ou a certas despesas, enquanto que as segundas, tal como as taxas em sentido estrito, visam financiar certos serviços públicos e certas despesas públicas (responsáveis pelas prestações públicas de que as contribuições são contrapartida), aos quais ficam consignadas, não podendo, portanto, ser desviadas para outros serviços ou despesas” (Constituição da República Portuguesa Anotada, I vol., 4ª edição, Coimbra, pág. 1095).

Neste sentido, as contribuições são tributos com uma estrutura paracomutativa, dirigidos à compensação de prestações presumivelmente provocadas ou aproveitadas pelos contribuintes, distinguindo-se das taxas que são tributos rigorosamente comutativos e que se dirigem à compensação de prestações efetivas (Sérgio Vasques, ob. cit., pág. 287).

Trata-se, neste caso, de tributos de natureza bilateral ancorados numa lógica grupal ou de equivalência de grupo, por oposição ao que sucede com a figura das taxas, que se alicerça num princípio de equivalência estrita ou individual, e que, nessa medida, são uma categoria de tributo cujo facto tributário se constitui em função de um nexo bilateral derivado para o qual influem os sujeitos passivos do grupo a que pertencem (cfr. Filipe de Vasconcelos Fernandes, O (Imposto) Adicional de Solidariedade sobre o Sector Bancário, AAFDL Editora, Lisboa, 2020, pág. 86-87 e nota 132). E que dependem, do mesmo modo, do preenchimento de três diferentes requisitos: a homogeneidade do grupo, que pressupõe uma distinção face à carga impositiva geral que incide sobre a generalidade dos contribuintes, a responsabilidade de grupo, que implica uma relação específica entre o cada grupo homogéneo e certas necessidades de ordem financeira, e a utilidade de grupo, que tem por base o facto de estes tributos assentaram num princípio de equivalência de grupo, de forma a que a receita é utilizada no interesse de todo o grupo, e não especificamente de um contribuinte individual (idem, págs. 87-90).

Como se deixou dito, o ASSB tem por objetivo reforçar os mecanismos de financiamento do sistema de segurança social, como forma de compensação pela isenção de imposto sobre o valor acrescentado (IVA) aplicável à generalidade dos serviços e operações financeiras e constitui receita geral do Estado que é integralmente consignada ao Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social.

E, assim, ao contrário do que sucede com a Contribuição sobre o Sector Bancário (CSB), que foi consensualmente caracterizada como uma contribuição financeira (cfr., por último o acórdão do STA de 25 de janeiro de 2023, Processo n.º 01622/20, e a jurisprudência nele citada), não pode ser atribuída essa mesma natureza ao ASSB, na medida em que não existe conexão entre os objetivos que presidem à sua criação e uma qualquer responsabilidade acrescida do setor bancário, como também não há uma relação específica de proximidade entre o grupo de sujeitos passivos e ónus de custear o serviço público de segurança social, nem subsiste qualquer benefício para o grupo por efeito da carga fiscal com que é diferenciadamente onerado. E, nesses termos, não se verificam os requisitos típicos de homogeneidade, responsabilidade e utilidade de grupo que possam justificar a caracterização do ASSB como contribuição financeira (idem, págs. 91-96).

E, por maioria de razão, está excluído que o ASSB possa integrar o conceito de taxa, uma vez que não estão em causa qualquer dos pressupostos enumerados no artigo 4.º, n.º 2, da LGT que permitam evidenciar o carácter de bilateralidade do tributo.

Em face a todo o exposto, o ASSB constitui um imposto especial sobre o sector bancário, que, não obstante apresentar um âmbito de incidência semelhante à Contribuição sobre o Sector Bancário (CSB), não se limita a estabelecer uma nova taxa sobre a matéria coletável dessa contribuição, nem um novo imposto sobre a coleta, e, nesse sentido, não corresponde a um adicional ou a um adicionamento, mas a um imposto autónomo (sobre o conceito de adicional e de adicionamento, cfr. Casalta Nabais, Direito Fiscal, 11.ª edição, Coimbra, pág. 79; no sentido da qualificação do ASSB como imposto, Filipe de Vasconcelos Fernandes, ob. cit., pág. 92, e a decisão arbitral proferida no Processo n.º 504/2021-T).”.

  1. Ora, com base na argumentação acabada de citar, também este Tribunal Arbitral colectivo entende que o ASSB é um tributo que se qualifica como um imposto, o que de resto também é consensual entre as partes. Por conseguinte, o Tribunal Arbitral julga-se materialmente competente para conhecer do pedido.
  2. O processo não enferma de nulidades, nem existem outras excepções ou questões prévias que cumpram conhecer e que obstem à apreciação do mérito da causa.
  1. MATÉRIA DE FACTO
  1. Preliminarmente, e no que diz respeito à matéria de facto, importa salientar que o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas Partes, cabendo‑lhe, sim, o dever de seleccionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da matéria não provada [cfr. artigo 123.º, n.º 2, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) e artigo 607.º, n.ºs 3 e 4, do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e), do RJAT].
  2. Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito.

§1 – Factos provados

  1. Analisada a prova produzida nos presentes autos, com relevo para a decisão da causa consideram-se provados os seguintes factos:
  1. A Requerente é a sucursal em Portugal da B..., instituição de crédito de direito alemão com sede e efectiva administração na Alemanha;
  2. Em 9 de Dezembro de 2022, a Requerente procedeu à autoliquidação do ASSB referente à média anual dos saldos finais do passivo de cada mês relativo às contas do ano de 2021, mediante a submissão da declaração Modelo 57;
  3. Na sequência da submissão daquela declaração foi apurado um montante de ASSB no valor de € 135.603,35, que foi integralmente pago pela Requerente;
  4. Em 16 de Dezembro de 2022, a Requerente apresentou reclamação graciosa quanto à autoliquidação do ASSB;
  5. Em 1 de Fevereiro de 2023, foi proferido despacho de indeferimento, pelo Chefe de Divisão de Serviço Central da Divisão de Justiça Tributária da Unidade dos Grandes Contribuintes, ao abrigo de delegação de competências;
  6. Em 5 de Maio de 2023, a Requerente apresentou o presente pedido arbitral.

§2 – Factos não provados

  1. Com relevo para a decisão do presente processo, não existem factos que se tenham considerado como não provados.

§3 – Fundamentação da fixação da matéria de facto

  1. Os factos pertinentes para o julgamento da causa foram seleccionados e conformados em função da sua relevância jurídica, determinada com base nas posições assumidas pelas partes, no teor dos documentos juntos aos autos pela Requerente e pela Requerida (processo administrativo), tendo sido valorados e apreciados de acordo com o princípio da livre apreciação dos factos, conforme resulta do artigo 16.º, alínea e) do RJAT e dos artigos 596.º, n.º 1 e 607.º, n.ºs 4 e 5, do CPC , aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.
  1. MATÉRIA DE DIREITO

§1 – Ordem de conhecimento dos vícios

  1. Uma vez que a Requerente imputou diversos vícios aos actos tributários aqui contestados, cumpre fixar a respectiva ordem de apreciação, tendo para o efeito presente que não foi invocado nenhum vício conducente à nulidade daqueles actos, mas tão só vícios conducentes à mera anulabilidade.
  2. Quanto a estes, prevê-se no artigo 124.º, n.ºs 1 e 2, alínea b) do CPPT aplicável ex vi artigo 19.º, n.º 1, alínea a) do RJAT que sempre que os vícios não sejam imputados numa relação de subsidiariedade – como acontece no presente caso –, o julgador deverá fixar, segundo o seu prudente critério, a ordem que assegurar a mais estável ou eficaz tutela dos interesses ofendidos.
  3. Assim, serão apreciados, de forma sucessiva, o vício de violação do princípio da igualdade, o violação do direito da União Europeia e o vício de violação da lei de enquadramento orçamental.
  4. A título prévio, cumpre ainda enquadrar, em traços gerais, o regime jurídico do ASSB.

§2 – Enquadramento jurídico do ASSB

  1. O regime jurídico do ASSB consta no artigo 18.º e respectivo anexo VI da Lei n.º 27‑A/2020, de 24 de Julho, que aprovou o Orçamento Suplementar para 2020. O intuito da sua criação residiu no reforço dos mecanismos de financiamento do sistema de segurança social através da consignação ao FEFSS da receita arrecadada com a respectiva cobrança, conforme resulta do n.º 2, do artigo 1.º e do artigo 9.º do citado anexo VI. A criação do ASSB e a sua aplicação exclusiva ao sector bancário foi justificada, de acordo com o estabelecido no n.º 2, do artigo 1.º, do referido anexo VI, enquanto forma de compensação pela isenção de IVA aplicável à generalidade dos serviços e operações financeiras, aproximando por esta via a carga fiscal suportada pelo sector financeiro à que onera os demais sectores.
  2. Desta forma, o ASSB constitui um imposto especial sobre o sector bancário que, não obstante apresentar um âmbito de incidência semelhante à CSB, não se limita a estabelecer uma nova taxa sobre a matéria colectável dessa contribuição, nem um novo imposto sobre a colecta, e, nesse sentido, não corresponde a um adicional ou a um adicionamento, mas a um imposto autónomo.
  3. Relativamente à incidência subjectiva deste imposto, previu-se no artigo 2.º, n.º 1, do citado anexo VI que são sujeitos passivos do ASSB (a) as instituições de crédito residentes em Portugal, (b) as filiais em Portugal de instituições de crédito residentes noutros Estados e (c) as sucursais em Portugal de instituições de crédito residentes noutros Estados. Para efeitos de aplicação do ASSB deve entender-se por instituições de crédito, filiais e sucursais as entidades definidas nas alíneas u), w) e ll) do artigo 2.º-A do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, aprovado em anexo ao Decreto-Lei n.º 298/92, de 31 de Dezembro.
  4. Quanto à incidência objectiva, determinou-se no do artigo 3.º do citado anexo VI que o ASSB incide sobre o passivo ajustado e sobre o valor nocional dos instrumentos financeiros derivados fora do balanço, ambos apurados contabilisticamente no final do exercício.
  5. Em concreto, determinou-se naquele artigo o seguinte:

Artigo 3.º

Incidência objetiva

O adicional de solidariedade sobre o sector bancário incide sobre:

a) O passivo apurado e aprovado pelos sujeitos passivos deduzido, quando aplicável, dos elementos do passivo que integram os fundos próprios, dos depósitos abrangidos pela garantia do Fundo de Garantia de Depósitos, pelo Fundo de Garantia do Crédito Agrícola Mútuo ou por um sistema de garantia de depósitos oficialmente reconhecido nos termos do artigo 4.º da Directiva 2014/49/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de abril de 2014, relativa aos sistemas de garantia de depósitos ou considerado equivalente nos termos do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 156.º do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, dentro dos limites previstos nas legislações aplicáveis, e dos depósitos na Caixa Central constituídos por caixas de crédito agrícola mútuo pertencentes ao sistema integrado do crédito agrícola mútuo, ao abrigo do artigo 72.º do Regime Jurídico do Crédito Agrícola Mútuo e das Cooperativas de Crédito Agrícola, aprovado em anexo ao Decreto-Lei n.º 24/91, de 11 de janeiro;

b) O valor nocional dos instrumentos financeiros derivados fora do balanço apurado pelos sujeitos passivos.

  1. A quantificação da base de incidência, no que concerne à delimitação do passivo, é feita no artigo 4.º do citado anexo VI da seguinte forma:

Artigo 4.º

Quantificação da base de incidência

1 – Para efeitos do disposto na alínea a) do artigo anterior, entende-se por passivo o conjunto dos elementos reconhecidos em balanço que, independentemente da sua forma ou modalidade, representem uma dívida para com terceiros, com exceção dos seguintes:

a) Elementos que, segundo as normas de contabilidade aplicáveis, sejam reconhecidos como capitais próprios;

b) Passivos associados ao reconhecimento de responsabilidades por planos de benefício definido;

c) Os depósitos abrangidos pelo Fundo de Garantia de Depósitos e pelo Fundo de Garantia do Crédito Agrícola Mútuo relevam apenas na medida do montante efetivamente coberto por esses Fundos;

d) Passivos resultantes da reavaliação de instrumentos financeiros derivados;

e) Receitas com rendimento diferido, sem consideração das referentes a operações passivas; e

f) Passivos por ativos não desreconhecidos em operações de titularização.

2 – Para efeitos do disposto na alínea a) do artigo anterior, observam-se as regras seguintes:

a) O valor dos fundos próprios, incluindo os fundos próprios de nível 1 e os fundos próprios de nível 2, compreende os elementos positivos que contam para o seu cálculo de acordo com o disposto na parte II do Regulamento (UE) 575/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho de 2013, relativo aos requisitos prudenciais para as instituições de crédito e para as empresas de investimento e que altera o Regulamento (UE) n.º 648/2012, tendo em consideração as disposições transitórias previstas na parte X do mesmo Regulamento que, simultaneamente, se enquadrem no conceito de passivo tal como definido no número anterior;

b) Os depósitos abrangidos pela garantia do Fundo de Garantia de Depósitos, pelo Fundo de Garantia do Crédito Agrícola Mútuo ou por um sistema de garantia de depósitos oficialmente reconhecido nos termos do artigo 4.º da Directiva 2014/49/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de abril de 2014, ou considerado equivalente nos termos do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 156.º do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, dentro dos limites previstos nas legislações aplicáveis relevam apenas na medida do montante efetivamente coberto por esses Fundos.”.

  1. Posto isto, cumpre então apreciar os vícios imputados pela Requerente aos actos tributários impugnados, tendo para o efeito em conta a ordem anteriormente fixada.

§3 - Violação do Princípio da Igualdade

  1. No pedido arbitral invocou a Requerente que o regime jurídico do ASSB viola o princípio constitucional da igualdade, por um lado, porque não incide sobre manifestações de riqueza (rendimento, património ou consumo) e, por outro lado, porque a incidência subjectiva do imposto foi delimitada de forma arbitrária, o que se deve ao facto de o legislador querer onerar as entidades isentas de IVA e de apenas terem sido sujeitos a imposto um pequena parte do universo de entidades que beneficiam daquela isenção.
  2. Esta mesma questão foi já objecto de apreciação pelos Tribunais Arbitrais, designadamente nos processos n.ºs 598/2022-T, 599/2022-T, 21/2023-T, 104/2023-T, 327/2023-T e 379/2023-T. Por todos, vejam-se as considerações do Tribunal Arbitral no acórdão proferido em 21 de Março de 2023, no âmbito do processo n.º 598/2022‑T:

Conforme refere CASALTA NABAIS, o princípio da igualdade fiscal tem ínsita sobretudo «a ideia de generalidade ou universalidade, nos termos da qual todos os cidadãos se encontram adstritos ao cumprimento do dever de pagar impostos, e da uniformidade, a exigir que semelhante dever seja aferido por um mesmo critério - o critério da capacidade contributiva. Este implica assim igual imposto para os que dispõem de igual capacidade contributiva (igualdade horizontal) e diferente imposto (em termos qualitativos ou quantitativos) para os que dispõem de diferente capacidade contributiva na proporção desta diferença (igualdade vertical)» (Direito Fiscal, 11ª edição, Coimbra, 2021, págs. 154-155).

Configurando-se o princípio geral da igualdade como uma igualdade material, o princípio da capacidade contributiva – segundo o mesmo autor - enquanto tertium comparationis da igualdade no domínio dos impostos, não carece de um específico e directo preceito constitucional. O seu fundamento constitucional é o princípio da igualdade articulado com os demais princípios e preceitos da respetiva “constituição fiscal” e, em especial, aqueles que decorrem já dos princípios estruturantes do sistema fiscal que constam dos artigos 103.º e 104.º da Constituição (ob. cit., pág. 155).

Como pressuposto e critério da tributação, o princípio da capacidade contributiva – dentro da mesma linha de entendimento - «afasta o legislador fiscal do arbítrio, obrigando-o a que na seleção e articulação dos factos tributários, se atenha a revelações da capacidade contributiva, ou seja, erija em objeto e matéria coletável de cada imposto um determinado pressuposto económico que seja manifestação o dessa capacidade e esteja presente nas diversas hipóteses legais do respetivo imposto» (ob. cit., pág. 157).

Também o Tribunal Constitucional tem analisado o princípio da igualdade fiscal sob o prisma da capacidade contributiva, como se pode constatar designadamente no acórdão n.º 142/2004, onde se consigna que «[o] princípio da capacidade contributiva exprime e concretiza o princípio da igualdade fiscal ou tributária na sua vertente de uniformidade – o dever de todos pagarem impostos segundo o mesmo critério – preenchendo a capacidade contributiva o critério unitário da tributação».

O reconhecimento do princípio da capacidade contributiva como critério destinado a aferir da inadmissibilidade constitucional de certa ou certas soluções adotadas pelo legislador fiscal, tem conduzido também à ideia, expressa por exemplo no acórdão do Tribunal Constitucional n.º 348/97, de que a tributação conforme com o princípio da capacidade contributiva implicará «a existência e a manutenção de uma efetiva conexão entre a prestação tributária e o pressuposto económico selecionado para objeto do imposto, exigindo-se, por isso, um mínimo de coerência lógica das diversas hipóteses concretas de imposto previstas na lei com o correspondente objeto do mesmo».

O Tribunal Constitucional tem vindo, portanto, a afastar-se de um controlo meramente negativo da igualdade tributária, passando a adotar o princípio da capacidade contributiva como critério adequado à repartição dos impostos; mas não deixa de aceitar a proibição do arbítrio como um elemento adjuvante na verificação da validade constitucional das soluções normativas de âmbito fiscal, mormente quando estas sejam ditadas por considerações de política legislativa relacionadas com a racionalização do sistema.

Em suma, o princípio da igualdade tributária pode ser concretizado através de vertentes diversas: uma primeira, está na generalidade da lei de imposto, na sua aplicação a todos sem exceção; uma segunda, na uniformidade da lei de imposto, no tratar de modo igual os contribuintes que se encontrem em situações iguais e de modo diferente aqueles que se encontrem em situações diferentes, na medida da diferença, a aferir pela capacidade contributiva; uma última, está na proibição do arbítrio, no vedar a introdução de discriminações entre contribuintes que sejam desprovidas de fundamento racional (cfr. acórdãos do Tribunal Constitucional n.º 306/2010 e n.º 695/2014).

9. Como se deixou exposto, o Adicional de Solidariedade sobre o Setor Bancário tem por objetivo reforçar os mecanismos de financiamento do sistema de segurança social, como forma de compensação pela isenção de imposto sobre o valor acrescentado (IVA) aplicável à generalidade dos serviços e operações financeiras e incide sobre instituições de crédito sediadas em território português e filiais ou sucursais em Portugal de instituições de crédito com sede principal e efetiva fora do território português (artigos 1.º e 2.º).

Tem uma estrutura de incidência objetiva e subjetiva similar ao previsto para a Contribuição sobre o Sector Bancário (artigo 3.º), com a significativa diferença de a receita do adicional de solidariedade sobre o setor bancário constituir receita geral do Estado, consignada ao Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social (artigo 9.º).

Importa fazer notar, num primeiro momento, que, não obstante a similitude de incidência com a Contribuição sobre o Setor Bancário (CSB), o ASSB não pode ser entendido como uma tributação acessória ou adicional do CSB, nem constitui uma contribuição de estabilidade financeira.

(…)

Como se concluiu no acórdão do STA de 19 de Junho de 2019 (Processo n.º 02340/13), a motivação legislativa constante dos diplomas que regularam a contribuição para o sector bancário e o Fundo de Resolução legitima a ilação de que a contribuição visou, em primeiro lugar e desde o início, atenuar as consequências resultantes das intervenções públicas no sector financeiro, face à situação de crise financeira então desencadeada no âmbito desse mesmo sector, reconduzindo-se a um instrumento de apoio na prevenção dos inerentes riscos do sistema, não se destinando a colmatar necessidades genéricas de financiamento do Estado.

(…)

O ASSB é um verdadeiro imposto que constitui receita geral do Estado e se encontra consignada ao Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social, e, embora destinado a fazer face de modo indistinto às necessidades de financiamento da segurança social, se carateriza como um imposto sectorial na medida em que incide exclusivamente sobre o sector financeiro.

10. A Resolução do Conselho de Ministros n.º 41/2020, de 6 de junho de 2020, que, na sequência da pandemia causada pelo vírus SARS-CoV-2, aprovou o Programa de Estabilização Económica e Social, refere-se no ponto 4.3.5 à criação de um adicional de solidariedade sobre o setor bancário, “cuja receita é adstrita a contribuir para suportar os custos da resposta pública à atual crise”. Esse mesmo propósito é mencionado na Exposição de Motivos da Proposta de Lei n.º 33/XIV, que originou a Lei n.º 27-A/2020, e a que, num momento anterior, já se fez referência.

O artigo 1.º, n.º 2, do Regime do ASSB, já transcrito, refere ainda que o tributo tem por objetivo reforçar os mecanismos de financiamento do sistema de segurança social, como forma de compensação pela isenção de imposto sobre o valor acrescentado (IVA) aplicável à generalidade dos serviços e operações financeiras, aproximando a carga fiscal suportada pelo setor financeiro à que onera os demais setores.

No entanto, o próprio Relatório da Unidade Técnica de Apoio Orçamental (UTAO), incidente sobre a proposta de alteração da lei orçamental para 2020 (Relatório n.º 13/2020), consigna que “a iniciativa legislativa não tem justificação no contexto COVID-19, antes sendo apresentada pelo Governo para contribuir, de modo permanente, para a diversificação das fontes de financiamento das pensões pagas pelo sistema previdencial da Segurança Social Pública” e acrescenta que, “do ponto de vista técnico, não se entende a necessidade de justificar publicamente a criação do imposto como sendo uma compensação por o sector das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras estar isento de IVA nas transmissões efetuadas”, quando “deveria também dizer-se que as operações deste sector são tributadas por uma miríade de taxas do imposto do selo”.

E, com efeito, dificilmente se compreende a justificação fornecida pelo legislador quando pretende associar a sujeição das instituições de crédito ao ASSB à despesa fiscal decorrente da isenção aplicável a serviços e operações financeiras.

A isenção de IVA relativamente a operações bancárias e financeiras está expressamente prevista na Diretiva 2006/112/CE (artigo 135.º) e artigo 9.º, n.º 27, do Código do IVA limita-se a efetuar a transposição dessa regra para o direito interno. E, por outro lado, o conteúdo das isenções não pode ser alterado pelos Estados Membros, dado que estão em causa conceitos autónomos de direito europeu que têm por objetivo evitar divergências na aplicação do regime do IVA, devendo ainda ser objeto de uma interpretação restritiva, na medida em que constituem derrogações ao princípio geral segundo o qual o imposto sobre o valor acrescentado é cobrado sobre todas as prestações de serviços efetuadas a título oneroso por um sujeito passivo (cfr. acórdãos do TJUE, nos Processos n.ºs C-348/1987 e C-455/05).

Acresce que, como esclarece CLOTILDE CELORICO PALMA, “[a]s isenções em sede de IVA assumem uma natureza objetiva, ou seja, para efeitos da sua concessão releva essencialmente a natureza da atividade prosseguida e não a natureza jurídica da entidade que prossegue a atividade”. Além de que as isenções em IVA têm uma lógica diferente das isenções concedidas no âmbito dos impostos sobre o rendimento. Como refere a mesma Autora, “[a]o passo que nestes impostos, a isenção libera o beneficiário do pagamento do imposto, no IVA as situações de isenção clássica traduzem-se na não liquidação do imposto nas operações ativas por parte sujeito passivo beneficiário (o beneficiário paga imposto mas não liquida). Isto é, nas suas operações passivas (aquisições de bens e prestações de serviços) os sujeitos passivos de IVA não beneficiam de isenção” (Introdução sobre o Imposto sobre o Valor Acrescentado, Coimbra, 6.ª edição, págs. 172-174).

Na situação prevista no artigo 135.º da Diretiva IVA, como explica ainda SÉRGIO VASQUES, trata-se de “isenções simples ou incompletas que não conferem direito à dedução do imposto suportado a montante, pelo que o sujeito passivo, não liquidando IVA imposto sobre a operação isenta, não deduz o imposto em que incorra nas aquisições destinadas à sua realização”. E, nesse sentido, “o sujeito passivo passa a ocupar posição idêntica à do consumidor final, suportando na sua esfera o imposto relativo às suas aquisições”, pelo que a isenção não representa um verdadeiro benefício para o sujeito passivo, como sucede com a generalidade das isenções de imposto, na medida em que acaba por suportar o peso do imposto por via das suas aquisições, originando um imposto oculto pela incorporação do IVA incorrido a montante no preço dos bens e serviços prestados a terceiros (O Imposto sobre o Valor Acrescentado, Coimbra, 2015, págs. 312-313; em idêntico sentido, ANGELINA TIBÚRCIO, Código do IVA e RITI Notas e Comentários, Coimbra, 2014, pág. 160).

Por outro lado, como refere o Autor há pouco citado, as isenções de IVA relativas a serviços financeiros são motivadas por razões de ordem técnica que respeitam à dificuldade em apurar o valor acrescentado inerente a essas operações e, em especial, no que se refere à determinação da matéria coletável e do montante do IVA dedutível (ob. cit., págs. 318-319, e ainda o acórdão do TJUE, no Processo n.º C-455/05, considerando 24.)

Num outro plano de análise, importa ainda reter que a isenção de IVA para serviços e operações financeiras tem como contraponto a sujeição das operações financeiras a imposto do selo, nos termos da verba 17 da Tabela Geral do Imposto do Selo, sendo sintomático, quanto ao nível de dependência entre os dois impostos, que o artigo 1.º, n.º 2, do Código do Imposto do Selo exclua do âmbito de incidência objetiva do imposto “as operações sujeitas a imposto sobre o valor acrescentado e dele não isentas”. Como assinala SALDANHA SANCHES, “o imposto do selo assume a sua vocação de tributar aquilo que não pode ser tributado de outra forma” e ao contribuinte assiste o direito de ser tributado da forma que melhor se adequa ao normal funcionamento da economia de mercado e ao princípio da tributação segundo a capacidade contributiva do sujeito passivo (Manual de Direito Fiscal, 3ª edição, Coimbra, pág. 435).

Em todo este contexto, não é possível determinar objetivamente o critério de diferenciação que conduziu o legislador a sujeitar as instituições de crédito a um imposto especial sobre o sector bancário, nem é possível discernir qual a sua real fundamentação.

Encontrando-se a medida legislativa descrita como sendo um tributo destinado a compensar a isenção de IVA de que beneficia o setor financeiro, não se compreende que, simultaneamente, sejam excluídas outras categorias de atividades que se encontram igualmente isentas e que poderão revelar idêntica ou superior capacidade contributiva. E não é tido em devida consideração, na aplicação da medida, que as isenções previstas na Diretiva, e transpostas para o direito interno pelo artigo 9.º do Código do IVA, são de carácter obrigatório, e, no que se refere aos serviços e operações financeiras previstos no artigo 135.º da Diretiva, essas isenções são motivadas pelas dificuldades práticas de apuramento do valor acrescentado e de aplicação do imposto, e não por qualquer propósito de favorecimento fiscal. O legislador desconsidera ainda que a isenção simples, que é aplicável ao caso, não confere o direito à dedução do imposto a montante, e não representa, por isso, uma efetiva vantagem para o sujeito passivo, que acaba por suportar a incidência do imposto através das suas aquisições. Além de que não se tem em linha de conta que essa isenção, no direito nacional, já é contrabalançada pelo imposto do selo, que abrange a generalidade das operações financeiras, tal como sucede, em geral, na legislação dos Estados Membros, em que as operações relativamente às quais se afasta a aplicação da diretiva, são sujeitas a impostos especiais (cfr. SÉRGIO VASQUES, O Imposto sobre o Valor Acrescentado, citado, pág. 317).

Em todo este condicionalismo, a criação do ASSB como um imposto especial incidente sobre o sector bancário, como forma de compensar a isenção de IVA, configura-se como uma diferenciação arbitrária na medida em que o critério utilizado não apresenta um mínimo de coerência nem se encontra materialmente justificado.

11. As condicionantes da criação do ASSB justifica ainda que se recoloque a questão sob o prisma da capacidade contributiva.

Como ressalta do disposto no artigo 4.º, n.º 1, da LGT, em linha com o artigo 104.º da Constituição, “os impostos assentam essencialmente na capacidade contributiva, revelada, nos termos da lei, através do rendimento ou da sua utilização e do património”, pelo que são esses os indicadores possíveis do critério de repartição dos impostos. Nesse mesmo sentido, SÉRGIO VASQUES considera que, em razão do princípio da capacidade contributiva, “os impostos devem adequar-se à força económica do contribuinte e por isso o seu alcance mais elementar está na exigência de que o imposto incida sobre manifestações de riqueza e que todas as manifestações de riqueza lhe fiquem sujeitas”. E sublinha que, “para que o imposto corresponda à força económica de quem o paga, é forçoso que incida sobre realidades economicamente relevantes, realidades que se podem reconduzir sinteticamente ao rendimento, ao património e ao consumo” (Manual de Direito Fiscal, Coimbra, 2015, pág. 295).

Como explicita FILIPE DE VASCONCELOS FERNANDES (ob. cit., págs. 107-109), o rendimento corresponde ao produto imputável, regularmente e durante um certo período, a uma fonte durável, designadamente ao trabalho (salários, comissões, etc.), ao património (rendas, juros, etc.) ou a uma combinação integrada de trabalho e património (lucros de uma exploração industrial ou comercial). Por outro lado, o rendimento pode corresponder, além do rendimento consumido, à diferença, num determinado período, entre o património final e inicial do contribuinte, compreendendo o rendimento não consumido ou aforrado, os bens adquiridos a título gratuito ou aleatório e as valorizações do ativo, na conceção de rendimento-acréscimo. Os impostos sobre o consumo tributam o rendimento através da sua manifestação em atos de despesa, ou seja, o rendimento propriamente gasto com a aquisição de bens ou serviços. Podem revestir a forma de impostos gerais (IVA) ou de impostos especiais (IEC), apresentando em comum a circunstância de onerarem a transmissão de bens ou serviço. Os impostos sobre o património incidem sobre o rendimento acumulado que, entretanto, foi transformado em valor patrimonial tributário, quer considerado estaticamente o património em si mesmo (IMI), quer numa perspetiva dinâmica, tributando-se o património apenas no momento da respetiva transmissão (IMT).

No caso do ASSB, como conclui o mesmo Autor, não está em causa qualquer modalidade de tributação do rendimento, mas tão só a sujeição a imposto de uma parte das componentes do passivo. Do mesmo modo que não se trata da oneração de atos de despesa, que pudesse reconduzir-se a um imposto sobre atividades financeiras ou sobre transações financeiras. E, por outro lado, ainda que pudesse dizer-se, de um ponto de vista contabilístico e financeiro, que os elementos do passivo que são objeto de tributação por via do ASSB integram o balanço dos sujeitos passivos, não poderá entender-se que estamos aí perante modalidade de tributação do património.

A ausência de uma cabal correspondência entre o ASSB e um concreto índice de valoração de capacidade contributiva coloca em causa a viabilidade constitucional do imposto, na medida em que impossibilita o estabelecimento de qualquer tipo de relação causal entre o objeto da tributação que é imposto aos sujeitos passivos e um efetivo incremento de capacidade contributiva, sobretudo quando não está em causa uma contrapartida pela prevenção de riscos sistémicos em que as instituições de crédito possam estar envolvidas (como sucedia com a CSB), mas uma exclusiva medida de angariação de receita.

Como se refere no acórdão do Tribunal Constitucional n.º 217/15, o princípio da capacidade contributiva assume um valor paramétrico fundamentalmente como condição da tributação, de molde a impedir que determinado imposto atinja uma riqueza ou rendimento que não existe, vedando a exação de uma capacidade de gastar que verdadeiramente não se verifica. Em idênticos termos, o acórdão do Tribunal Constitucional n.º 142/2004 consigna que a capacidade contributiva preenche o critério unitário da tributação, entendendo-se esse critério como sendo aquele em que “a incidência e a repartição dos impostos se deverá fazer segundo a capacidade económica ou capacidade de gastar (-) de cada um e não segundo o que cada um eventualmente receba em bens ou serviços públicos (critério do benefício)”.

No caso do ASSB, não se denota qualquer relação entre a incidência real do imposto e os fatores que possam revelar uma maior capacidade contributiva, quando é certo, como se deixou dito, que o critério de repartição do imposto, na hipótese, corresponde a uma lógica de solidariedade assente no falso pressuposto de que as instituições de crédito poderão suportar um agravamento da carga fiscal porque se encontram isentas de IVA relativamente aos serviços financeiros que prestam.

Em conclusão:

(…)

As normas conjugadas dos artigos 1.º, n.º 2, 2.º e 3.º, n.º 1, alínea a), Lei n.º 27‑A/2020, de 24 de julho, são inconstitucionais, por violação do princípio da igualdade, na dimensão da proibição do arbítrio, e por violação do princípio da capacidade contributiva, enquanto decorrência do princípio da igualdade tributária.”.

  1. Tendo em conta as conclusões acabadas de citar, às quais este Tribunal Arbitral adere, declara-se materialmente inconstitucional o regime do ASSB, nas concretas normas consagradas nos artigos 1.º, n.º 2, 2.º e 3.º, n.º 1, alínea a), do anexo VI à Lei n.º 27‑A/2020, de 24 de Julho, por violação dos princípios da igualdade (tributária) e da capacidade contributiva, que decorrem dos artigos 13.º, 103.º e 104.º da CRP.
  2. Em face do exposto, julga-se procedente a ilegalidade imputada pela Requerente aos actos tributários impugnados nos presentes autos, impondo-se a sua anulação em conformidade.

§4 - Questões de conhecimento prejudicado

  1. Resultando do exposto a declaração de ilegalidade da autoliquidação de ASSB que é objecto do presente processo, fica prejudicado, por ser inútil (artigos 130.º e 608.º, n.º 2, do CPC), o conhecimento dos restantes vícios que lhes são imputados pela Requerente, designadamente a violação do direito da União Europeia cuja concreta apreciação foi relegada pelo TJUE no processo n.º C-340/22 para os órgãos jurisdicionais nacionais, bem como o vício de violação da lei de enquadramento orçamental.
  2. Na verdade, o artigo 124.º do CPPT, subsidiariamente aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, do RJAT, ao estabelecer uma ordem de conhecimento de vícios, pressupõe que, julgado procedente um vício que assegura a eficaz tutela dos direitos dos impugnantes, não é necessário conhecer dos restantes, pois, se fosse sempre necessário apreciar todos os vícios imputados ao acto impugnado, seria indiferente a ordem do seu conhecimento.
  3. Pelo exposto, não se toma conhecimento dos restantes vícios invocado pela Requerente.

§5 - Juros Indemnizatórios

  1. A Requerente pede ainda a condenação da Requerida no pagamento de juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43.º da LGT.
  2. De harmonia com o disposto na alínea b), do artigo 24.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a Administração Tributária, nos exactos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo, cabendo-lhe “restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito”, o que está em sintonia com o preceituado no artigo 100.º da LGT, aplicável por força do disposto na alínea a), do n.º 1, do artigo 29.º do RJAT.
  3. Ainda nos termos do n.º 5 do artigo 24.º do RJAT “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previstos na Lei Geral Tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário”, o que remete para o disposto nos artigos 43.º, n.º 1, e 61.º, n.º 5, de um e outro desses diplomas.
  4. Assim, na sequência de declaração de ilegalidade do acto de autoliquidação do ASSB em resultado da declaração de inconstitucionalidade das normas em que aquele se fundamenta, há lugar ao pagamento de juros indemnizatórios, nos termos dos artigos 43.º, n.º 3, alínea d) da LGT e 61.º, n.º 5, do CPPT, calculados à taxa dos juros legais (artigos 35.º, n.º 10, e 43.º, n.º 4, da LGT), sobre a quantia que a Requerente pagou, desde a data do pagamento indevido do imposto até à data do processamento da respectiva nota de crédito.

§6 - Responsabilidade pelo pagamento das custas arbitrais

  1. De harmonia com o disposto no artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, “da decisão arbitral proferida pelo tribunal arbitral consta a fixação do montante e a repartição pelas partes das custas directamente resultantes do processo arbitral” sendo que nos termos do disposto no artigo 527.º, n.º 1 do CPC ex vi 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT, deve ser estabelecido que será condenada em custas a Parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento da acção, quem do processo tirou proveito. Nos termos do n.º 2 do referido artigo concretiza-se a expressão “houver dado causa”, segundo o princípio do decaimento, entendendo que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção em que o for.
  2. No caso em análise, tendo em consideração o acima exposto, atribuiu-se a responsabilidade integral por custas à Requerida, de acordo com o disposto no artigo 12.º, n.º 2 e 22.º, n.º 4 do RJAT e artigo 4.º, n.º 5 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

V. DECISÃO

Nestes termos, tendo em consideração as conclusões acima apresentadas, decide este Tribunal Arbitral colectivo:

  1. Declarar materialmente inconstitucional as normas consagradas nos artigos 1.º, n.º 2, 2.º e 3.º, n.º 1, alínea a), do anexo VI à Lei n.º 27 A/2020, de 24 de Julho, por violação dos princípios da igualdade (tributária) e da capacidade contributiva, que decorrem dos artigos 13.º, 103.º e 104.º da CRP;
  2. Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral formulado pela Requerente e declarar a ilegalidade e consequente anulação do acto tributário de autoliquidação do ASSB referente ao período de tributação de 2021, no valor de € 135.603,35, bem como da decisão de indeferimento da reclamação graciosa contra ele deduzida;
  3. Condenar a Autoridade Tributária no reembolso do imposto agora anulado, com a incidência de juros indemnizatórios, calculados desde a data do pagamento indevido do imposto até à data do processamento da respectiva nota de crédito;
  4. Condenar a Requerida no pagamento integral das custas do processo.

VI. VALOR DO PROCESSO

Atendendo ao disposto no artigo 97.º-A do CPPT, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT, e do artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 135.603,35.

VII. CUSTAS

Nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, as custas são no valor de € 3.060,00, a suportar pela Requerida, conforme o disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem.

VIII. NOTIFICAÇÃO AO MINISTÉRIO PÚBLICO

Nos termos do disposto no artigo 17.º, n.º 3, do RJAT, notifique-se o representante do Ministério Público junto do Tribunal Central Administrativo Sul, para efeitos do recurso previsto no n.º 3 do artigo 72.º da Lei do Tribunal Constitucional.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 19 de Março de 2024

 

A Árbitra Presidente,

 

 

Carla Castelo Trindade

 

O Árbitro Adjunto,

 

 

Armando Oliveira

(Relator)

 

A Árbitra Adjunta,

 

Sílvia Oliveira