Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 630/2023-T
Data da decisão: 2024-03-06  IVA  
Valor do pedido: € 49.673,60
Tema: Intempestividade do pedido de pronúncia arbitral.
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SUMÁRIO:

Nos termos da alínea a) do n.º 1 do art.º 10 do RJAT, o pedido de pronúncia arbitral deve ser apresentado no prazo de 90 dias contado do termo do prazo de pagamento voluntário das liquidações de imposto e de juros compensatórios.

 

DECISÃO ARBITRAL

A Árbitra do Tribunal Singular, Dra. Raquel Montes Fernandes, designada pelo Conselho Deontológico do CAAD – Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formar o presente Tribunal Arbitral, constituído em 15.11.2023, decide o seguinte:

 

  1. RELATÓRIO

A A..., S.A., doravante designada por “Requerente”, com o número de identificação fiscal ...  e sede na ..., ..., ...-... ..., tendo sido notificada do ato tributário de liquidação adicional de IVA n.º 2023..., referente a 2019/12, no montante de € 44.374,19, e das liquidações de juros compensatórios n.ºs 2023... e 2023..., no valor total de € 5.299,41, apresentou, em 05.09.2023, pedido de constituição de Tribunal Arbitral Singular, ao abrigo do disposto no art.º 2, n.º 1, alínea e) e art.º 10, ambos do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (“RJAT”), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, conjugado com o art.º 99, alínea a) do Código de Procedimento e de Processo Tributário (“CPPT”), sendo Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante designada por “AT” ou “Requerida”).

 

A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, de acordo com os art.ºs 5, n.º 2, alíneas a) e b) e 6, n.º 1 do RJAT, o Conselho Deontológico do CAAD designou como árbitra singular deste Tribunal Arbitral a signatária, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável.

 

Em 27.10.2023 foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de a recusar, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

 

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do art.º 11 do RJAT, o Tribunal Arbitral foi constituído, em 15.11.2023, conforme comunicação do Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD.

 

Notificada para o efeito, a Requerida apresentou Resposta em 18.12.2023, defendendo por exceção (caducidade do direito de ação) e por impugnação que o pedido de pronúncia arbitral sub judice devia ser julgado improcedente. Na mesma data foi junto o respetivo processo administrativo.

 

Em 14.01.2024 foi proferido despacho arbitral a convidar a Requerente a exercer o direito ao contraditório quanto à exceção suscitada, o que veio a acontecer por requerimento de 30.01.204. Em 14.02.2024 foi notificado às partes o despacho do Tribunal a dispensar a reunião do art.º 18 do RJAT, uma vez que a matéria de exceção já havia sido objeto de resposta por parte da Requerente, e a comunicar a intenção do Tribunal em pronunciar-se, de imediato, sobre a exceção de intempestividade do pedido suscitada, dispensando, por se revelarem atos desnecessários e inúteis à decisão do caso, a produção de prova testemunhal e a apresentação de alegações finais. 

 

 

  1. SANEAMENTO

O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído, à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 1, do RJAT.

 

As Partes estão devidamente representadas, têm personalidade e capacidade judiciárias e mostram-se legítimas.

 

Suscitam-se questões quanto à tempestividade do pedido de pronúncia arbitral, atendendo ao disposto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a) do RJAT, contado a partir dos factos previstos no artigo 102.º n.º 1, alínea b) do CPPT, matéria que será objeto de análise deste Tribunal infra.

 

 

  1. MATÉRIA DE FACTO

 

  1. Factos provados

 

  1. A Requerente é uma sociedade comercial que exerce a atividade de fabricação de máquinas para a indústria de panificação e alimentar (CAE 028930).
  2. A Requerente é sujeito passivo de IRC e de IVA, enquadrada, no que respeita a este último, no regime normal de periodicidade mensal.
  3. A Requerente tem sede social na ..., Lote ... .
  4. A Requerente foi objeto de uma inspeção externa, de âmbito parcial, a IRC e IVA, ao ano de 2019, tendo em vista comprovar e verificar o cumprimento de obrigações fiscais, conforme ordem de serviço n.º OI2021....
  5. O referido processo inspetivo teve início em 10.05.2022 e fim em 04.04.2023, tendo sido objeto de prorrogação, em dezembro de 2022, por 3 meses, com motivo em complexidade das situações em análise.
  6. Em sede de inspeção, foram apuradas correções em sede de IRC e de IVA; porém, in casu foram apenas contestadas as correções de IVA.
  7. Em 10.01.2019 a Requerente celebrou com a B..., Lda., que entretanto alterou a sua designação social para C..., Lda. (doravante designada C...), um “Contrato de Arrendamento para Fim Comercial & Industrial” (doravante designado por Contrato de Arrendamento), junto pela Requerente como Documento 3;
  8. No âmbito deste Contrato de Arrendamento, a Requerente cedia, por 25 anos, as instalações do ... da ... (onde anteriormente exercia as suas funções, antes de se mudar para o Lote ...) à C..., mediante o pagamento de uma contrapartida mensal, sujeita a IVA, exceto o período entre 10.01.2019 e 30.09.2019, em que a cedência do espaço foi realizada gratuitamente a título de comodato;
  9. Do mencionado Contrato de Arrendamento resultava a necessidade de o espaço industrial em causa necessitar de obras – ao nível do telhado, das fachadas interiores e exteriores, dos pisos, dos muros e portões, etc. – que seriam realizadas a cargo da C...;
  10. Em 21.12.2020 a Requerente e a C...celebraram um “Acordo para Cedência de Exploração”, junto aos autos pela Requerente como Documento 4, no âmbito do qual a Requerente cedeu à C... os três negócios aí identificados, e nos termos aí acordados, por contrapartida de uma contrapartida anual;
  11. Da inspeção resultaram correções no valor de € 44.374,42, na medida em que a Requerida entendeu que o lote 59 tinha sido afeto a uma atividade isenta de IVA (locação de imóvel subsumível na isenção da alínea 29 do art.º 9 do Código do IVA) e, como tal, havia lugar à respetiva regularização a favor do Estado, a partir de 2019 e até ao final do prazo de regularização de 20 anos, do IVA deduzido na respetiva construção, benfeitorias e outras despesas de investimento;  
  12. Em 14.04.2023 foi emitida pela Requerida a respetiva liquidação adicional de IVA n.º 2023..., no valor de € 44.374,19, com pagamento voluntário até 05.06.2023, que é objeto deste pedido de pronúncia arbitral;
  13. Posteriormente, foram emitidas as liquidações de juros compensatórios n.ºs 2023 ... e 2023..., no valor total de € 5.299,41, igualmente com data limite de pagamento de 05.06.2023;
  14. O presente pedido de pronúncia arbitral foi submetido pelo Requerente em 05.09.2023, solicitando a declaração de ilegalidade das liquidações de IVA e de juros acima identificadas.

 

 

  1. Factos não provados

Com relevo para a decisão do presente processo, não existem factos que se tenham considerado como não provados.

 

 

  1. Fundamentação da decisão da matéria de facto

Relativamente à matéria de facto, o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas Partes, cabendo-lhe, ao invés, o dever de (i) selecionar os factos que importam para a decisão e (ii) discriminar a matéria provada da não provada [cfr. art.º 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT].

 

Os factos foram dados como provados ou não provados com base nos documentos juntos aos autos.

 

 

  1. MATÉRIA DE DIREITO

 

  1. Questão decidenda

De harmonia com o disposto no art.º 124 do CPPT, subsidiariamente aplicável por força do disposto no art.º 29, n.º 1, do RJAT, «na sentença, o tribunal apreciará prioritariamente os vícios que conduzam à declaração de inexistência ou nulidade do acto impugnado e, depois, os vícios arguidos que conduzam à sua anulação» e deverá dar-se prioridade aos «vícios cuja procedência determine, segundo o prudente critério do julgador, mais estável ou eficaz tutela dos interesses ofendidos».

 

No caso em apreço, afigura-se que o vício de intempestividade do pedido de pronúncia arbitral deverá ser apreciado prioritariamente, uma vez que poderá conduzir a uma declaração de exceção dilatória e consequente absolvição da instância.

 

  1. Apreciação do Tribunal

 

O pedido de pronúncia arbitral, apresentado pela Requerente em 05.09.2023, tem por base as liquidações de IVA e de juros compensatórios acima identificadas, resultantes de inspeção externa realizada pela Requerida, com data limite de pagamento voluntário de 05.06.2023.

 

 

 

Dispõe a alínea a) do n.º 1 do art.º 10 do RJAT que o pedido de constituição de tribunal arbitral é apresentado no prazo de 90 dias contado a partir dos factos previstos nos n.ºs 1 e 2 do art.º 102 do CPPT, quanto aos atos suscetíveis de impugnação autónoma (como é o caso de liquidações de imposto e de juros).

 

Por sua vez, os factos constantes do n.º 1 do art.º 102 do CPPT são os seguintes (o n.º 2 deste artigo foi entretanto revogado):

a) Termo do prazo para pagamento voluntário das prestações tributárias legalmente notificadas ao contribuinte;

b) Notificação dos restantes actos tributários, mesmo quando não dêem origem a qualquer liquidação;

c) Citação dos responsáveis subsidiários em processo de execução fiscal;

d) Formação da presunção de indeferimento tácito;

e) Notificação dos restantes actos que possam ser objecto de impugnação autónoma nos termos deste Código;

f) Conhecimento dos actos lesivos dos interesses legalmente protegidos não abrangidos nas alíneas anteriores.  

 

Da conjugação do disposto nas normas acima referidas deve, então, entender-se, estando em causa atos tributários de liquidação de imposto e de juros compensatórios, que o pedido de constituição de tribunal arbitral deve ser apresentado no prazo de 90 dias contado do termo do prazo para pagamento voluntário das mesmas.

 

Conforme referido supra, as liquidações de IVA e de juros compensatórios contestadas nestes autos tinham como termo do prazo para pagamento voluntário o dia 5 de junho de 2023. Como tal, contando-se 90 dias a partir do dia seguinte (06.06.2023), o prazo de 90 dias previsto na alínea a) do n.º 1 do art.º 10 do RJAT terminou em 03.09.2023 que, por se tratar de um domingo, determinou a transferência do último dia do prazo para o primeiro dia útil seguinte, ou seja, 04.09.2023.

 

Não obstante, o pedido de pronúncia arbitral em análise foi apresentado pela Requerente apenas em 05.09.2023, i.e., um dia depois do termo do prazo legal constante da alínea a) do n.º 1 do art.º 10 do RJAT.

 

A Requerente alegou, em resposta à matéria de exceção suscitada pela Requerida, que “deve interpretar-se o RJAT no sentido de ser havido como de 3 meses o prazo de 90 dias previsto na alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º”. No entanto, não só tal interpretação não resulta da norma em causa e, seria, portanto, contrária à sua letra, como não é consistente com a interpretação que tem sido feita pela jurisprudência e pela doutrina nacionais desta norma, e do seu prazo.

 

É certo que o legislador poderia ter optado por uma harmonização dos prazos de recurso ao pedido de pronúncia arbitral (no RJAT) e à impugnação judicial (no CPPT), mas tal não veio a suceder, pelo que a interpretação pretendida pela Requerente não pode prevalecer sobre a letra da lei e a vontade (tal como se encontra expressa) do legislador.

 

Consequentemente, o pedido de pronúncia arbitral é intempestivo, procedendo, assim, a exceção de caducidade do direito de ação alegada pela Requerida, a qual constitui uma exceção dilatória nos termos previstos na alínea k) do n.º 4 do art.º 89 do CPTA, aplicável ex vi artigo 2.º, alínea c), do CPPT e al. c) do n.º 1 do art. 29.º do RJAT.

 

Consequentemente, absolve-se a Requerida da instância, sem conhecer do pedido principal.

 

 

  1. DECISÃO

Nestes termos, este Tribunal Arbitral decide:

a)    Julgar procedente a exceção de intempestividade do pedido de pronúncia arbitral;

b)    Absolver a Requerida da instância;

c)    Condenar a Requerente no pagamento das custas processuais.

 

 

  1. VALOR DO PROCESSO

De harmonia com o disposto no art.º 97-A, n.º 1, do CPPT e art.º 3, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 49.673,60.

 

 

 

  1. CUSTAS

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 2.142,00 (dois mil, cento e quarenta e dois euros), nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerente.

 

Notifique-se.

Lisboa, 6 de março de 2024.

 

(Raquel Montes Fernandes)