SUMÁRIO:
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A Contribuição de Serviço Rodoviário (CSR) é um tributo que se qualifica como “imposto” e não como “contribuição”, pelo que os Tribunais Arbitrais são competentes para apreciar a legalidade da sua liquidação.
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A falta de identificação dos atos de liquidação de CSR contestados, cuja declaração de ilegalidade e anulação se requer, quando não suprida, implica a ineptidão do pedido arbitral.
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A legitimidade processual para contestar a legalidade dos atos de liquidação daquele imposto é dos sujeitos passivos legalmente incumbidos da sua liquidação e pagamento.
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Além desses, só podem impugnar a liquidação os contribuintes que suportem o imposto por repercussão legal e não por repercussão voluntaria, no âmbito de relações jurídicas de direito privado.
DECISÃO ARBITRAL
Relatório
O Árbitro António Barros Lima Guerreiro, designado pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para integrar o Tribunal Arbitral, decide no seguinte:
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RELATÓRIO
1.A A..., S.A., NIPC ..., Requerente, que exerce a título principal a atividade de comércio por grosso de vestuário e acessórios, veio, ao abrigo do art. 17º do RJAT, com fundamento na presunção de indeferimento tácito do pedido de promoção de revisão oficiosa, apresentado junto da Direção de Finanças do Porto, em 02/01/2023, impugnar as liquidações de Contribuição de Serviço Rodoviário (CSR), refletidas nas faturas emitidas pelas sociedades elencadas no documento junto sob o nº 2 anexo à Petição Inicial (PI), enquanto fornecedoras de gasolina e gasóleo rodoviário adquiridos no período compreendido entre 1 /1/2018 e 13/12/2022, liquidado pela Alfândega do Porto.
2. De acordo com a Requerente, as referidas fornecedoras de combustíveis repercutiram nas faturas emitidas a CSR correspondente a cada um dos consumos que refletem , dos quais 117.226.6 litros respeitariam a gasóleo e 1.699,99 litros a gasolina. tendo aquela sociedade suportado integralmente o valor da CSR, num total global de €13.126,15.
3. Baseia-se a presente impugnação arbitral na alegada desconformidade da CSR com o Direito da União Europeia, em especial com o nº 2 do art. 1º da Diretiva nº 2007/118/_CE, na interpretação sufragada pelo TJUE, no Despacho proferido em 07/02/2022, no procº C-460/21.
4. Invoca igualmente ser parte legítima para peticionar o reembolso da CSR, enquanto entidade que, embora não revestindo a posição de sujeito passivo relativamente às liquidações de CSR em causa, suportou a CSR por via da repercussão.
5. O pedido de constituição do Tribunal Arbitral apresentado pela Requerente em 20/7/2023 foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Requerida.
6. No pedido arbitral a Requerente invocou , em síntese:
-A CSR, aprovada pela Lei n.º 55/2007, de 31/8, está em antinomia com o regime geral dos impostos especiais de consumo vertido na Diretiva 2008/118/CE do Conselho, conforme entendeu o Tribunal de Justiça da União Europeia (“TJUE”) no despacho Vapo Atlantic proferido no processo n.º C-460/21;
- Tal antinomia resulta do facto de a CSR não prosseguir “motivos específicos”, na aceção do nº 2 do art. 1º da Diretiva 2008/118/CE, uma vez que “as suas receitas têm essencialmente como fim assegurar o financiamento da rede rodoviária nacional, não podendo considerar‑se como suficiente, para estabelecer uma relação direta entre a utilização das receitas e um “motivo específico”, os objetivos genéricos de redução da sinistralidade e de sustentabilidade ambiental”;
- Neste sentido, os atos tributários praticados ao abrigo das normas internas que conformam o regime jurídico da CSR padecem do vício de ilegalidade abstrata por violação de norma do direito da União Europeia de parâmetro hierárquico superior;
- O direito da União Europeia vincula todos os serviços do Estado, o que significa que a AT estava obrigada a desaplicar as referidas normas internas com fundamento na apontada desconformidade com o direito da União Europeia, por forma a evitar a consequente ilegalidade abstrata dos putativos atos de aplicação;
- Uma vez que a AT não o fez, conclui-se que o erro (ilegalidade) ínsito nos atos tributários objeto do presente processo é imputável aos serviços, que deviam ter procedido à respetiva revisão nos termos previstos na 2ª parte do n.º 1 do art. 78.º da Lei Geral Tributária (LGT);
- Devem assim ser anulados os atos tributários objeto do presente processo arbitral e, em consequência, devolvidas à Requerente as quantias pela mesma suportadas a título de CSR, no montante global de € 13.126,15.
- Tais consumos e o seu pagamento constam do seguinte rol, que identifica fornecedor a fornecedor o montante pago , o período a que se reportam e o seu valor, bem como a data e os nºs das faturas emitidas pelos vendedores:
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7. A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto ambos do RJAT, o Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou o signatário como árbitro do Tribunal Arbitral, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável.
8- As partes foram notificadas dessa designação em 6/9/2023, não tendo manifestado recusar a designação do árbitro, nos termos conjugados da alínea b) do nº 1 do art. 11º do RJAT e dos arts. 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD.
9.Em conformidade com o disposto no artigo 11.º, n.º 1, alínea c), do RJAT, o Tribunal Arbitral ficou constituído em 26/9/2023 , sendo que naquela mesma data foi a Requerida notificada para apresentar resposta , o que fez a 9/10/2024,
10.Nessa resposta, invocou, em suma, o seguinte:
-A identificação pela Requerente do ato ou atos tributários é um requisito essencial de aptidão do pedido de pronúncia arbitral.
-No pedido arbitral a Requerente limitou-se a identificar as faturas de aquisição aos seus fornecedores sem identificar qualquer ato tributário de liquidação, o que determina a nulidade de todo o processo e absolvição da Requerida da instância por verificação de exceção de ineptidão da petição inicial, conforme arts. 186.º, n.º 1, 576.º, n.ºs 1 e 2, 577.º alínea b) e 278.º, n.º 1, alínea b), do Código de Processo Civil (“CPC”), aplicáveis ex vi artigo 29.º do RJAT.
- Decorre dos arts. 15.º, n.º 2 e 16.º do Código dos Impostos Especiais de Consumo (“CIEC”) aplicáveis ex vi artigo 5.º da Lei n.º 55/2007, de 31 de Agosto, que o reembolso só poderá ser solicitado pelos sujeitos passivos que tenham procedido à introdução no consumo dos produtos em território nacional e provem o pagamento do respetivo imposto;
- A Requerentes não procedeu à introdução no consumo da CSR e não demonstrou ter suportado o pagamento do imposto, bem como o respetivo encargo não ter sido transferido em parte ou na sua totalidade para os vários intervenientes na cadeia comercial, única circunstância em que poderia ser considerada consumidora final dos combustíveis.
-A não ser que a Requerente fosse efetiva titular do direito ao reembolso, esta careceria de legitimidade que sustentasse a sua pretensão, o que determina a absolvição da Requerida da instância nos termos da alínea d) do nº 1 do art. 278.º, dos n.ºs 1 e 3 do afrt. 576º e do art. 579.º todos do CPC, aplicáveis ex vi da alínea e) do art. 2º do Código de Procedimento e Processo Tributário (“CPPT”);
-A espécie tributária da CSR é qualificada como contribuição financeira e não como imposto, encontrando-se, assim, excluída do âmbito material da arbitragem tributária, por força do disposto nos arts. 2.º e 3.º do RJAT e do art. 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 2273 , a chamada Portaria de Vinculação, tal como entendeu a Decisão Arbitral n.º31/2023-T.
11- A 20/3/2023, o Tribunal Arbitral dispensaria, por estar em causa matéria exclusivamente de direito, a realização da reunião prevista no art. 18º do RJAT, bem como a apresentação de alegações.
II. SANEAMENTO
12. O Tribunal Arbitral coletivo foi regularmente constituído, as partes de personalidade e capacidade judiciárias e estão regularmente representadas, em conformidade com o disposto nos artigos 4.º e 10. as referidas fornecedoras de combustíveis repercutiram nas respetivas faturas a CSR correspondente a cada um dos consumos, dos quais litros 117.226.6 respeitam a gasóleo e 1.699,99 a gasolina. tendo aquela suportado integralmente o valor da CSR, num total global de €13.126,1
13. Para efeitos de saneamento do processo cumpre apreciar as exceções de incompetência do Tribunal Arbitral e da ilegitimidade das Requerentes. o que será feito por esta ordem a título prévio no âmbito da análise do mérito da causa, logo após a fixação da matéria de facto provada e não provada. Caso se conclua pela procedência dessas exceções, fica prejudicado o conhecimento da exceção da ineptidão da PI: mesmo que por hipótese as insuficiências desta fossem sanadas, por não identificar os atos impugnados, manter-se-iam as exceções da competência e da ilegitimidade.
III. MATÉRIA DE FACTO.
§1 Factos provados.
14.Em 2/1/2023, a Requerente deduziu junto da Direção de Finanças do Porto um pedido de promoção de revisão oficiosa com vista à anulação das liquidações de CSR e dos consequentes atos de repercussão alegadamente consubstanciados nas faturas que lhe foram emitidas pela referida fornecedora de combustíveis .
15. Tal pedido ainda não tinha sido decidido na data da entrada da PI.
16.A Requerente não é um dos operadores elencados no art. 4º do CIEC, sendo a sua atividade principal o comércio por grosso de vestuário e acessórios..
17 Nessa qualidade, salvo nos casos em que os não destine a uma atividade económica, não é consumidora final dos combustíveis que adquiriu.
18. As referidas fornecedoras de combustíveis faturaram á Requerente CSR , num total global de €13.126,15, dos quais 117.226.6 litros respeitam a gasóleo e 1.699,99 litros a gasolina. tendo aquela suportado integralmente o valor da CSR incorporado nessas faturas, num total global de €13.126,15.
19. Tais faturas são identificadas pela data, nº e autoria, motivo pelo qual se deve entender que a Requerente deu cumprimento ao ónus do nº 2 do art. 74º da LGT§2 § 2 – Factos não provados
20. A Requerente não identificou pela data e nº as liquidações de CSR incorporadas nas faturas, que imputa à Alfândega do Porto , não invocou nem provou que tivesse desenvolvido junto dos fornecedores quaisquer diligências para obter essa identificação nem indicou o modo como ela pode ser obtida pelo tribunal.
§3 Fundamentação dos factos provados.
21. O Tribunal Arbitral tem o dever de selecionar os factos pertinentes para a decisão da causa, com base na sua relevância jurídica e tendo em consideração as várias soluções plausíveis das questões de Direito suscitadas pelas partes, bem como o dever de discriminar os factos provados e não provados. Porém, o Tribunal Arbitral não tem um dever de pronúncia quanto a toda a matéria de facto alegada pelas partes, em conformidade com o disposto no nº 2 do art. 123. do CPPT e no nº 1 do art, 596.º e no nº 3 do art. 667º ambos do CPC, aplicáveis ex vi alíneas a) e e) do nº 1 do art. 29º do RJAT.
22. O Tribunal formou a sua íntima e prudente convicção quanto aos factos provados e não provados através do exame de todos os elementos probatórios carreados aos autos, que foram apreciados e avaliados com base no princípio da livre apreciação dos factos e nas regras da experiência, normalidade e racionalidade, em conformidade com os ditames fixados na alínea e) do art. 16º do RJAT e nos nºs 4 e 5 do art. 607.º,do CPC aplicáveis ex vi da alínea e) do nº 1 do art. 29º do RJAT.
V- MATÉRIA DE DIREITO
§1 – Incompetência do Tribunal Arbitral.
23. A competência dos Tribunais Arbitrais é delimitada no RJAT nos seguintes termos:
“Artigo 2.º
Competência dos tribunais arbitrais e direito aplicável
1 - A competência dos tribunais arbitrais compreende a apreciação das seguintes pretensões:
a) A declaração de ilegalidade de atos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta;
b) A declaração de ilegalidade de atos de fixação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de atos de determinação da matéria colectável e de actos de fixação de valores patrimoniais”. (negrito nosso)
24. Tal âmbito material consta da Portaria de Vinculação(nº 112-A, 2011, de 22/2, da seguinte forma:
“Artigo 2.º
Objeto da vinculação
Os serviços e organismos referidos no artigo anterior vinculam-se à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD que tenham por objeto a apreciação das pretensões relativas a impostos cuja administração lhes esteja cometida referidas no n.º 1 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, com excepção das seguintes:
a) Pretensões relativas à declaração de ilegalidade de atos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário;
b) Pretensões relativas a atos de determinação da matéria coletável e atos de determinação da matéria tributável, ambos por métodos indirectos, incluindo a decisão do procedimento de revisão;
c) Pretensões relativas a direitos aduaneiros sobre a importação e demais impostos indiretos que incidam sobre mercadorias sujeitas a direitos de importação;
d) Pretensões relativas à classificação pautal, origem e valor aduaneiro das mercadorias e a contingentes pautais, ou cuja resolução dependa de análise laboratorial ou de diligências a efetuar por outro Estado membro no âmbito da cooperação administrativa em matéria aduaneira,
e) Pretensões relativas à declaração de ilegalidade da liquidação de tributos com base na disposição antiabuso referida no n.º 1 do artigo 63.º do CPPT, que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos do n.º 11 do mesmo artigo.”
25. A vinculação do competência material dos Tribunais Arbitrais apenas abrange a apreciação da legalidade de atos de liquidação de impostos e não dos tributos sem essa natureza, como as taxas e demais contribuições financeiras a favor de entidades públicas, em que a CSR não se insere.
Obviamente, não interessa para tal a designação da espécie tributária em concreto, mas a sua substância: historicamente o legislador nacional deu a designação de contribuições a espécies tributárias que a doutrina e jurisprudência maioritárias qualificam de impostos.
26. Nas decisões arbitrais proferidas nos processos n.ºs 31/2023-T, 508/2023 e 520/2023-T a CSR foi qualificada como uma contribuição, o que levou aqueles Tribunais Arbitrais a julgar procedente a exceção de incompetência material.
No acórdão proferido no processo n.º 520/2023-T, referiu-se a este respeito o seguinte:“(…) nem se pode aceitar, à face da presunção de que o legislador soube exprimir o seu pensamento em termos adequados (artigo 9.º, n.º 3, do Código Civil), que fosse atribuída à CSR a designação de «contribuição» se legislativamente se pretendesse que ela fosse considerada como um «imposto» e não como uma das «demais contribuições financeiras a favor das entidades públicas» a que aludem o artigo 165.º, n.º 1, alínea i) da CRP e o artigo 3.º, n.º 2, da LGT. A expressão do pensamento em termos adequados faz-se necessariamente através da expressão correcta e não uma outra que o dissimule.
Assim, em boa hermenêutica, é de concluir que o artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, quando se refere a «impostos», está a reportar-se apenas aos tributos a que legalmente é atribuída tal designação (como, por exemplo, o IVA, o IRC e o IRS) e àqueles que, embora tenham outra designação, a própria lei explicitamente considera «impostos» (como sucede com as «contribuições especiais que assentam na obtenção pelo sujeito passivo de benefícios ou aumentos de valor dos seus bens em resultado de obras públicas ou da criação ou ampliação de serviços públicos ou no especial desgaste de bens públicos ocasionados pelo exercício de uma atividade», que o n.º 3 do artigo 4.º da LGT identifica e expressamente considera «impostos»). E, paralelamente, aquele artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011 não se estará a reportar a tributos que pela lei são denominados como «taxas» ou «contribuições financeiras a favor das entidades públicas», que não se enquadrem na definição das referidas «contribuições especiais», mesmo que, após análise aprofundada das suas características pelo tribunal previamente definido como competente, se possa concluir que devem ser considerados como impostos especiais, designadamente para efeitos de aplicação das exigências constitucionais relativas a impostos.
No caso da CSR, é manifesto que não se está perante uma «contribuição especial» enquadrável no conceito definido no n.º 3 do artigo 4.º da LGT, pois não assenta «na obtenção pelo sujeito passivo de benefícios ou aumentos de valor dos seus bens em resultado de obras públicas ou da criação ou ampliação de serviços públicos ou no especial desgaste de bens públicos ocasionados pelo exercício de uma atividade», pelo que não há suporte literal mínimo para que seja considerada, na perspetiva legislativa, um dos «impostos» a que alude o artigo 2.º da Portaria n.º 112-/2011.”.
27. Em sentido contrário, pronunciaram-se os Tribunais Arbitrais nas decisões proferidas nos processos n.ºs 564/2020-T, 629/2021-T, 304/2022-T, 305/2020-T, 644/2022-T, 665/2022‑T, 702/2022-T, 24/2023-T, 113/2023-T, 294/2023-T e 410/2023-T, que qualificaram a CSR como imposto e, consequentemente, consideraram-na arbitrável. Por todos, cita‑se nesta sede o acórdão proferido no processo n.º 644/2022-T, que registou a este respeito o seguinte:
“Afigura-se a este tribunal que a CSR, não obstante um nomen iuris que pareceria integrá-la na categoria das “contribuições financeiras a favor de entidades públicas” (art. 165º, 1, i) da CRP), preenche todos os requisitos de conteúdo pecuniário, carácter coativo, unilateralidade, definitividade, ausência de cariz sancionatório, tendo como credor o Estado ou outros entes públicos, e a afectação à realização de fins públicos – que definem um imposto.
Essa qualificação não se modifica pela circunstância de surgirem algumas correspetividades como a da obtenção de receitas para financiamento da utilização de vias públicas – pois as contribuições que assentam no especial desgaste de bens públicos são impostos, como estabelece o art. 4º, 3 da LGT.
Falta à CSR o carácter de comutatividade, bilateralidade ou sinalagmaticidade grupal ou coletiva que é necessária à contribuição financeira. O seu regime não determina, para o sujeito ativo respetivo, qualquer dever de prestar específico, qualquer contraprestação exigível pelo contribuinte, o que significa que tem o carácter unilateral de um verdadeiro imposto (quando muito, alguma “paracomutatividade”, referente à compensação de prestações de que os sujeitos passivos são presumíveis causadores ou beneficiários – mas não a correspetividade bilateral estrita de uma taxa, sem uma contrapartida aproveitada ou provocada individualmente pelo sujeito passivo, como sucede numa taxa).
Basta percebermos que, enquanto a CSR é estabelecida a favor da Infraestruturas de Portugal (inicialmente, Estradas de Portugal), sendo esta a entidade titular da correspondente receita, os sujeitos passivos da contribuição são as empresas comercializadoras de combustíveis rodoviários, e, portanto, não são os destinatários da atividade da Infraestruturas de Portugal. Na sua conceção, a CSR incide sobre a gasolina e o gasóleo rodoviário sujeitos ao imposto sobre os produtos petrolíferos e energéticos e dele não isentos, e é devida pelos sujeitos passivos do ISP, sendo aplicável à sua liquidação, cobrança e pagamento o disposto no Código dos Impostos Especiais de Consumo.
Trata-se, assim, de um imposto de receita consignada (a consignação, desacompanhada de qualquer comutatividade, não subverte a sua natureza), e esta conclusão reforça-se com a posição veiculada pelo Tribunal de Contas na Conta Geral do Estado de 2008 (…)
Lembremos, por fim, que a CSR nasceu, com a Lei nº 55/2007, de 31 de Agosto, como um mero desdobramento do ISP, e, sobre este último, nem o nomen iuris permite dúvidas sobre a respetiva natureza.
Não há, nesse ponto, qualquer paralelo entre a CSR e a CESE (Contribuição Extraordinária Sobre o Sector Energético), relativamente à qual uma decisão arbitral (Proc. n.º 714/2020-T) entendeu procedente a exceção de incompetência ratione materiae. A CESE, criada pela Lei do Orçamento do Estado para 2014, é tida como uma contribuição extraordinária cuja receita é consignada ao Fundo para a Sustentabilidade Sistémica do Sector Energético (FSSSE), criado pelo Decreto-Lei n.º 55/2014, de 9 de Abril, tendo por base, portanto, uma contraprestação de natureza grupal, na medida em que constitui um preço público a pagar pelo conjunto de pessoas singulares ou coletivas que integram o sector energético nacional, o que configura uma bilateralidade genérica ou difusa – que pura e simplesmente não encontramos na CSR.”
28. Acompanha este Tribunal Arbitral a jurisprudência maioritária que qualifica a CSR como um imposto sobre o consumo de combustíveis e não como uma taxa ou contribuição financeira a favor da Infra-estruturas de Portugal. Tal qualificação resulta, não apenas do direito nacional, como do princípio do primado do direito comunitário, consagrado no art. 8º , nº 3, da Constituição da República Portuguesa (CRP) e do efeito direto da norma do art. 1º, nº 2, da Diretiva nº 2007/118/CE, que pode ser invocado diretamente pelos tribunais junto dos tribunais nacionais como seria o caso da pretensão que originou o Despacho no processo nº C/ 460/2021
29. Para justificar que a CSR não é um imposto, as referidas Decisões Arbitrais invocam que a Lei nº 55/2007 que destacou do CIEC a CSR , a designou como contribuição
30.O facto, no entanto , não é relevante: o legislador nacional, na verdade, tem designado de contribuições prestações tributárias que sempre foram consideradas meros impostos: é o caso de Contribuição Autárquica ( CA), que assentava no princípio do benefício, e das contribuições da entidade patronal para a segurança social, que , ao contrário das contribuições dos trabalhadores, não se enquadram na figura de prémio de seguro de direito público. Tais figuras incluem-se na reserva relativa da Assembleia da República na criação de impostos.
31.Essa jurisprudência tem um sólido suporte doutrinário.
32. Na recolha de Casalta Nabais “Estudos sobre a Tributação dos Transportes e do Petróleo “, Almedina, Coimbra, 2019, pgs. 42-43, refere-se, a propósito da CSR (e de outras figuras aí referidas), “estarmos perante tributos que, atenta a sua estrutura unilateral, se configuram como efetivos impostos, muito embora dada a titularidade activa das correspondentes relações tributárias (e o destino da sua receita), tenham clara natureza parafiscal.”. Como o A. escreve em Direito Fiscal, 11.ª ed, Almedina, Coimbra, 2021, pp. 53-54, “o critério para a distinção entre os tipos de tributos [reporta-se] exclusivamente à estrutura da relação tributária, ao tipo de relação que se estabelece entre os respetivos sujeito ativo e passivo, e não à titularidade activa dessa relação (…) É, pois, a estrutura bilateral da relação jurídica, em que assentam tanto as taxas como as contribuições financeiras, que revela a natureza comutativa destes tributos….
33. Procurando identificar os critérios de distinção das taxas, das contribuições financeiras*, das contribuições especiais e dos impostos, [Suzana Tavares da Silva, As Taxas e a Coerência do Sistema Tributário, 2.ª ed., Coimbra Editora, Coimbra, 2013] recorre, para a delimitação dos contornos das contribuições financeiras, aos critérios desenvolvidos pelo Tribunal Constitucional Alemão:1) incidir sobre um grupo homogéneo; 2) manter uma proximidade com a obrigação tributária e as suas finalidades; 3) corresponder a uma relação encargo/benefício capaz de demonstrar que as receitas geradas são fruídas pelos membros do grupo” (pg. 91).”
Segundo essa autora.
“a CSR apresenta diferenças muito significativas em relação ao comum das contribuições financeiras, sejam elas contribuições para a segurança social, quotas para associações públicas, “taxas” de regulação ou as “grandes contribuições” que foram surgindo a título transitório e se vão mantendo (Contribuição sobre o Sector Bancário, Contribuição Extraordinária sobre o Sector Energético - CESE, Contribuição Extraordinária sobre a Indústria Farmacêutica, …).
Em primeiro lugar, nessas contribuições para a segurança social, quotas para associações públicas, “taxas de regulação” e “contribuições”, o sujeito passivo é o contribuinte (na CESE há mesmo uma proibição da sua repercussão), enquanto que na CSR um e outro são diferentes: o sujeito passivo (quem tem de entregar o imposto ao Fisco) é o introdutor dos produtos no mercado e o contribuinte (quem tem de suportar a exação fiscal) é o adquirente dos combustíveis (incluindo, como a já citada jurisprudência arbitral evidencia, adquirentes de combustíveis que nada têm a ver com a utilização das estradas a cargo da Infraestruturas de Portugal).
Em segundo lugar, o nexo grupal – que faria das contribuições financeiras uma espécie de taxas coletivas – não se estabelece com os sujeitos passivos da CSR, mas sim com terceiros não participantes na relação tributária. (…).
Em terceiro lugar, enquanto nas contribuições para a segurança social, quotas para associações públicas, “taxas de regulação” e “contribuições” é a pertença ao grupo que permite de imediato a identificação do devedor – sendo a indução de um custo ou a obtenção de um benefício presumida a partir dessa inclusão nele – na CSR não há nenhum grupo prévio a que se possa imputar o pagamento: é porque se paga a CSR que se supõe que se integra o grupo. (…).
Em quarto lugar, o princípio da equivalência – a que se recorre para conferir unidade de sentido às contribuições financeiras*, equiparando-se o pagamento feito à repartição, tendencialmente idêntica (ou, pelo menos, com base em características dadas e estáveis), dos custos especificamente gerados pelo grupo homogéneo (ou dos benefícios auferidos pelo grupo homogéneo, como nas “taxas” das autoridades reguladoras, ou, forçando mais ou menos a nota, nas tais “grandes contribuições”) – assume na CSR uma ligação a um índice variável: o do consumo dos “grandes combustíveis rodoviários”*. Com a agravante de o presumido benefício não ter uma relação direta com esse índice variável: por um lado, as vias da Rede Rodoviária Nacional (que foram concessionadas, em 2007, à EP - Estradas de Portugal, E.P.E.) não são a totalidade das estradas nacionais (além das auto-estradas concessionadas, e da rede municipal – urbana e rural –, o Plano Rodoviário Nacional prevê a transferência para as autarquias das estradas que não estejam nele incluídas).
Noutras palavras: a utilidade proporcionada pela circulação nas estradas a cargo da Infraestruturas de Portugal não é segmentável da que é proporcionada pelas demais; por outro lado, uma fração crescente dos utilizadores dessa sub-parcela das vias de circulação automóvel – a rede rodoviária nacional – não fica sujeita a essa “contribuição”: o dos utilizadores dela com veículos eléctricos ou velocípedes. (…)
Em quinto lugar, e não obstante – como já referido – não ser bom critério determinar a natureza de um tributo a partir da sua consignação material ou orgânica*, certo é que a EP - Estradas de Portugal, E.P.E. só gastava o dinheiro em estradas (e no mais necessário a poder fazê-lo, incluindo as suas despesas correntes), mas, com a fusão, em 2015, com a Rede Ferroviária Nacional - REFER E.P.E. para dar origem à Infraestruturas de Portugal, isso deixou de ser assim.”
33. Segundo a jurisprudência mais recente do STA essa natureza bilateral ou comutativa está presente:
- Na contribuição extraordinária do sector bancário, CSB, acórdão de 5 /7/2023, proc, 0510/20.3BELRS e jurisprudência aí referida, cuja receita é afeta ao Fundo de Resolução, com o consequente benefício, para as instituições de crédito, da estabilidade do sistema financeiro.
- Na contribuição extraordinária do setor energético , CESE, acórdão de 18/112023, cuja função é a assegurar a sustentabilidade sistémica do setor energético.
- Na contribuição para o setor farmacêutico, acórdão de 10 de maio de 2023, proc, 0191/20.4 BELRS, que é receita do Serviço Nacional de Saúde.
Não está essa natureza bilateral refletida na CSR, por faltarem notoriamente os requisitos da homogeneidade de grupo, responsabilidade de grupo e participação comum nos benefícios .
34. Na mesma linha, Tribunal de Contas, a pp. 90 do seu Parecer sobre a Conta Geral do Estado de 2008 (https://erario.tcontas.pt/pt/actos/parecer-cge/2008/pcge2008-v1.pdf ), consideraria o seguinte.
“Face ao conteúdo normativo das disposições legais aplicáveis aos vários aspetos de que se reveste a problemática da contribuição de serviço rodoviário e tendo em conta os artigos 103.º, 105.º e 106.º da Constituição, a Lei de enquadramento orçamental e a legislação fiscal aplicável, o Tribunal de Contas considera que a contribuição de serviço rodoviário tem as características de um verdadeiro imposto ou, pelo menos, que dada a sua natureza não pode deixar de ser tratada como imposto pelo que, sendo considerada como receita do Estado, não pode deixar de estar inscrita no Orçamento do Estado, única forma de o Governo obter autorização anual para a sua cobrança.”” Na contribuição extraordinária do sector bancário, CSB, acórdão de 5 de julho de 2023, proc, 0510/20.3BELRS e jurisprudência aí referida, cuja receita é afeta ao Fundo de Resolução, com o consequente benefício, para as instituições de crédito, da estabilidade do sistema financeiro
§ 3- Legitimidade das partes
35. Ainda que se admitisse que a Requerente suportou por repercussão o encargo da CSR, seria sempre parte ilegítima para deduzir impugnação ou pedido de pronúncia arbitral pelos motivos que se passam a expor .
36. Parte da jurisprudência arbitral tem-se pronunciado no sentido , na repercussão legal, da legitimidade do repercutido para impugnar as liquidações efetuadas ao repercutente (Decisões Arbitrais nºs 294/2023-T, 299 /2023- T, 332 /2023- T, 374 /2023- T, 379 /2023- T, 409 /2023- T, 410 /2023- T, 467/2023- T,490/2023-T, 496/2023-T e 534/2023-T )
37. Outra parte tem-se pronunciado desfavoravelmente a essa legitimidade, abstendo-se , por isso, de decidir sobre o mérito ( Decisões Arbitrais nº s 24/2023-T, 75/2023- T, 113/2023-T, 523/2023- T, 375/2023- T, 477/2023- T 644/2023-T e 702/2023-T.
38. De acordo com o art. 15 º do CIEC, uma norma específica de legitimidade procedimental para requerer o reembolso da CSR, já citada:
“1 – Constituem fundamento para o reembolso do imposto pago, desde que devidamente comprovados, o erro na liquidação, a expedição ou exportação dos produtos sujeitos a imposto, bem como a retirada dos mesmos do mercado, nos termos e nas condições previstas no presente Código.
2 - Podem solicitar o reembolso os sujeitos passivos referidos no n.º 1 e na alínea a) do n.º 2 do artigo 4.º que tenham procedido à introdução no consumo dos produtos em território nacional e provem o pagamento do respetivo imposto.
3 - O pedido de reembolso deve ser apresentado na estância aduaneira competente no prazo de três anos a contar da data da liquidação do imposto, sem prejuízo do disposto na alínea a) do artigo 17.º e na alínea a) do artigo 18.º
4 - O reembolso só pode ser efetuado desde que o montante a reembolsar seja igual ou superior a (euro) 25”.
39- Essa norma reserva, assim, a legitimidade para requerer o reembolso do ISP e, inerentemente, da CRS aos sujeitos passivos do imposto enunciados no art. 4º do CIEC , ou seja, os operadores que introduzem no consumo os bens sujeitos a IEC e CSR, em virtude da remissão do nº 1 do art. 5º da Lei nº 55/2007, com exclusão dos repercutidos.
40. A jurisprudência arbitral que sustenta a legitimidade do repercutido e o consequente direito a uma decisão de mérito da causa tem-se baseado na parte final da alínea a) do nº 4 do art. 18º da LGT, que, após declarar não ser sujeito passivo quem suporta o imposto por repercussão legal, admite que aquele goza do direito de reclamação, impugnação ou recurso de acordo com as leis tributárias.
41. O nº 1 do art. 20º da Constituição da República (CRP) garante, com efeito, aos cidadãos o acesso a uma justiça fiscal plena, eficaz e efetiva que garante, entre outras consequências, o direito de reclamação, impugnação ou recurso não apenas dos atos formalmente administrativos, mas de todos os atos lesivos, independentemente da forma. Esse princípio não é, no entanto, incompatível com a necessidade da racionalização dos meios processuais, indispensável à eficácia da justiça: apenas exige que a cada direito ou meio processual corresponda, pelo menos, um meio processual adequado , a exercer conforme os casos junto dos tribunais para o fazer valer em juízo
42. Apenas na repercussão legal e não na repercussão voluntária cuja fonte não é a lei, mas a vontade das partes, tal direito vem legalmente garantido ao repercutido: o fato de , para impugnar os atos de repercussão, este não ter acesso â jurisdição arbitral por não integrar o universo definido no art. 15º do CIEC não prejudica o acesso aos tribunais estaduais ou arbitrais,. Para impugnar a liquidação.
43. Assim, tal possibilidade apenas pode ser exercida desde que cumulativamente :
a ) O repercutido tenha suportado efetivamente o imposto, o que é ao impugnante que cabe provar, salvo quando os elementos probatórios constem dos arquivos da administração tributária e o interessado proceda junto destas á sua correta indicação.
b) Quando a repercussão seja legal, no sentido de obrigatória ou resultar de um direito potestativo do repercutente da incorporação do imposto suportado no preço do bem, com exclusão, assim, da mera repercussão económica de fonte negocial, no âmbito das relações de direito privado entre repercutente e repercutido.
44. No direito interno, tal dever de repercussão legal é, na primeira modalidade , imposto no artigo 37º, nº 1, do Código do IVA, ainda que com as exceções previstas no nº 3 dessa norma legal e, na segunda modalidade, no artigo 3º do Código do imposto de Selo, mas não é imposto pelo CIEC, nem na Lei nº 55/2007.
45.Basta para haver repercussão legal que o sujeito passivo do IVA, que tenha procedido ao pagamento do imposto, possa exigir ao cliente o reembolso do imposto que tiver pago ao Estado, com fundamento na lei..
46. O CIEC não impõe qualquer dever ou direito potestativo de repercussão aos operadores referidos no art. 4º., pelo essa repercussão, quando exista, é meramente voluntária, ainda que se admita a repercussão no consumidor final ser inerente a qualquer imposto sobre o consumo.
47. Tal repercussão , a ter ocorrido , não resultou de qualquer imposição legal, mas de, em geral, os fornecedores terem de refletir, no âmbito das relações de direito privado com os seus clientes , os custos suportados na sua atividade comercial que, por serem sociedades comerciais, visarem a obtenção do lucro(nesse sentido, Decisão Arbitral nº 375/2023- T).
48.No sentido de que a repercussão nos impostos especiais de consumo é um fenómeno exterior à relação tributária, mas uma mera condição de legitimação política ,em virtude de a função última desses impostos ser fazer pagar o consumidor pelo custo social das suas escolhas, Sérgio Vasques e Tânia Carvalhais Pereira, Coimbra, 2016 “Os impostos especiais de consumo”, pgs. 104 e sgs.
49. Também, sendo a repercussão voluntária, a AT carece de legitimidade processual passiva.
50. Segundo a jurisprudência consolidada do STA (Acórdão do Pleno de 4/2/2023, proc. 0506/17.2 BEALM, a propósito de outra caso de repercussão voluntária, não legal, a da taxa de ocupação do sub-solo, na impugnação judicial do ato de repercussão de um tributo intentada contra entidade pública, a legitimidade processual passiva é atribuída a quem seja imputável o ato impugnado, no caso o repercutente, não relevando tal entidade ser de direito público ou privado.
51. Ora, o ato de repercussão do imposto que a Requerente considera ter sido ilegalmente liquidado, a provar-se, foi da autoria das Requerentes e não da AT, o que deveria sempre implicar que esta fosse absolvida da instância.
52. É certo que o art. 2º do CIEC, na redação do art. 3º da Lei nº 24-E/2022, de 30 de Dezembro, dispõe agora que os impostos especiais de consumo obedecem ao princípio da equivalência, procurando onerar os contribuintes na medida dos custos que estes provocam, designadamente nos domínios do ambiente e da saúde pública, sendo repercutidos nos mesmos, em concretização de uma regra geral de igualdade tributária, norma eu, segundo o art. 6º dessa Lei, teria carácter interpretativo.
53. No entanto, tal norma não transformou retroativamente uma repercussão voluntaria em repercussão legal.
54. Tal tese contenderia com a fundamentação do Despacho do proc- C-460/21 do TJUE, que concluiria a CSR não caber na exceção do nº 1 do art. 2º da Diretiva nº 2007/118/CE , por o seu objetivo não ser o desincentivo da utilização dos combustíveis rodoviários, mas o financiamento da rede rodoviária nacional .
55- O artigo 6º da Lei nº 24-E/2022 é,, com efeito, uma norma falsamente interpretativa, sendo , à luz desse Despacho do TJUE, é materialmente inovatória, não concedendo aos operadores que porventura não tivessem repercutido o imposto aos adquirentes de combustíveis a quando da realização da operações, o direito de o fazer retroativamente (sobre o caráter falsamente interpretativo do tipo de normas de tipo idêntico, como, entre outras, o art, 154º da Lei nº 7-A/2016, de 30/3), que visam frequentemente contornar, de modo artificial, a proibição constitucional da retroatividade dos impostos, consagrado no artigo 104º, nº 3, da CRP, Acórdão do Tribunal Constitucional nº 196/2021).
56. Esse pretenso carácter interpretativo é igualmente prejudicado por nenhuma corrente jurisprudencial ou doutrinária relevante sustentar, antes da entrada em vigor da Lei nº 24- A/2022, a posição “interpretada” pelo referido art. 6º.
57. Na interpretação e aplicação do artigo 2º do CIEC sempre foi entendido, antes da Lei nº 22-E/2022, que é um imposto de repercussão voluntária, como , aliás, admitiria implicitamente o Despacho do proc, C-460/2021.
58.De acordo com a referida alínea a) do nº 4 do art. 18º da LGT, em princípio, apenas o repercutido que não assuma a qualidade de sujeito passivo ou seja, o consumidor final que não adquire os bens e serviços no âmbito de uma atividade económica tem o direito de reclamar, impugnar ou do art. 9º e alínea a) do nº 4ª do art. 18º da LGT em conjugação com os nºs 1 e 4 do art 9º do CPPT( Código do IVA e do RITI , Anotado e Comentado , Coimbra, 2014, Notas e Comentários de António Carlos Santos e Clotilde Palma 347,e sgs.) ,
59. Ora, a Requerente não invocou nem provou que tivesse adquirido os combustíveis em causa fora do âmbito da sua atividade estatutária ou , mais largamente, de qualquer atividade económica.
60. Ficam, assim, prejudicadas, dada a manifesta inutilidade, já que a Requerente é parte ilegítima:
a ) A apreciação da exceção da ineptidão da petição inicial , já que, mesmo que esta fosse suprida, a Requerente não deixaria de ser parte ilegítima
b) A apreciação da exceção da procedência do presente pedido de pedido do enriquecimento sem causa da Requerente..
c) A apreciação da exceção da extemporaneidade da reclamação graciosa presumidamente indeferida.
Não são é igualmente apreciada a defesa por impugnação deduzida pela Requerida, em que esta se opõe á doutrina do Despacho no proc. c-460/2021..
61. Considera-se , assim, verificada a exceção dilatória de ilegitimidade da Requerente, o que determinaria sempre a absolvição da Requerida da instância nos termos do disposto nos arts. 9.º do CPPT, 65.º da LGT, da alínea a) do nº 1 do art. 55.º e dos nºs 2 e 4, alínea e) do art. 89º do CPTA, aplicáveis ex vi do art. 29º, nº 1, do RJAT.
DECISÃ0
a)Julgar procedente a exceção dilatória de de ilegitimidade quanto ao pedido de declaração de ilegalidade dos atos de liquidação de CSR e, em consequência, absolver a Requerida da instância;
b)Condenar a Requerente no pagamento das custas do processo.
VI. VALOR DO PROCESSO
Atendendo ao disposto no artigo 97.º-A do CPPT, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT, e do artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € de €13.126,15.
VII. CUSTAS
Nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, as custas são no valor de € 918,00, a suportar pela Requerente, conforme ao disposto nos arts. 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e art. 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem.
Notifique-se.
A 25 de Março de 2024
O Árbitro
(António Barros Lima Guerreiro )