Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 329/2023-T
Data da decisão: 2024-03-08   Outros 
Valor do pedido: € 129.495,26
Tema: Adicional de Solidariedade sobre o Setor Bancário. Violação do princípio da igualdade. Retroatividade. Compatibilidade com a Diretiva 2014/59/EU; Inexistência de dupla tributação; Compatibilidade com a Lei de Enquadramento Orçamental.
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SUMÁRIO:

  1. Tendo sido expressamente assumido pelo legislador como um imposto destinado a compensar a isenção de IVA, mas não se aplicando a outros setores de atividade igualmente isentos de IVA por razões técnicas e não extrafiscais, como as atividades de seguro e resseguro, o ASSB traduz-se numa violação arbitrária do princípio da igualdade tributária, ínsito no artigo 13º da Constituição da República Portuguesa, na sua vertente da generalidade dos impostos;
  2. Incidindo sobre um conjunto de passivos dos bancos, e caracterizando-se por uma total opacidade quanto à manifestação de riqueza que se pretende atingir com tal base tributável, o ASSB traduz-se numa violação arbitrária do princípio da igualdade tributária, ínsito no artigo 13º da Constituição Portuguesa, na sua vertente da tributação segundo a capacidade contributiva;
  3. Sendo a base de incidência do ASSB, nos termos dos artigos 3º e 4º do Regime do ASSB, constituída pelo volume anual de um conjunto de passivos dos bancos, determinado, esse volume anual, pela média dos saldos mensais, quando a Lei que criou o imposto (Lei n.º 27-A/2020, de 24 de julho) entrou em vigor, os saldos do primeiro semestre do ano de 2020 já se tinham verificado. Sendo assim, o facto tributário já tinha completado a sua formação no momento em que a lei entrou em vigor, pelo que o imposto, relativamente ao ano de 2020, encontra-se ferido de retroatividade própria ou autêntica;
  4. O ASSB não viola a Diretiva 2014/59/UE29 (Diretiva sobre Recuperação e Resolução Bancárias), pois esta destina-se apenas a harmonizar um sistema de contribuições destinadas a garantir procedimentos relativos à recuperação e resolução das entidades financeiras, e não pretende harmonizar a tributação do setor bancário, não colidindo com um imposto sobre o setor bancário destinado a compensar a isenção de IVA e a financiar o sistema de segurança social;
  5. A aplicação do ASSB nos anos 2020 e 2021 não induz dupla tributação (jurídica), pois não estamos perante duas normas de incidência diferentes, do mesmo imposto, que atinjam o mesmo facto tributário, nem perante o mesmo facto tributário; de qualquer modo, a dupla tributação interna não é, em geral, ilegal ou inconstitucional;
  6. O ASSB não viola o princípio da não consignação dos impostos, pois a sua consignação ao financiamento do Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social (artigo 9º do Regime do ASSB) enquadra-o na exceção ao princípio da não consignação de quaisquer receitas à cobertura de determinadas despesas, contemplada na alínea c) do artigo 16.º da Lei de Enquadramento Orçamental;
  7. O ASSB viola a regra da discriminação orçamental das receitas e despesas do Estado, uma vez que sendo aprovado pela Lei que aprovou o Orçamento Suplementar do ano 2020 (Lei nº 27-A/2020, de 24 de julho), não podia estar previsto no Orçamento de Estado aprovado pela   Lei n.º 2/2020, de 31 de Março, e a sua receita não está prevista nesse orçamento suplementar. Esta violação da regra da discriminação orçamental das receitas fere a liquidação, não o imposto, de ilegalidade.

 

DECISÃO ARBITRAL

Os árbitros Fernando Araújo (presidente), Nina Aguiar (relatora) e João Pedro Rodrigues (vogal) designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 11.07.2023, acordam:

 

I - RELATÓRIO

A..., S.A., pessoa coletiva e matrícula n.º ..., apresentou, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 2.º, n.º 1, alínea a), artigo 6.º, n.º 2, alínea a), e artigo 10.º, n.º 1, alínea a), do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”) e dos artigos 1.º e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, pedido de constituição de tribunal arbitral, com vista à declaração de ilegalidade dos seguintes atos tributários:

  1. Autoliquidação de Adicional de Solidariedade sobre o Setor Bancário número..., relativa ao ano 2020, através da qual foi autoliquidado imposto no valor de € 45.249,53;
  2. Autoliquidação de Adicional de Solidariedade sobre o Setor Bancário número..., relativa ao ano 2021, através da qual foi autoliquidado imposto no valor de € 38.394,58;
  3. Autoliquidação de Adicional de Solidariedade sobre o Setor Bancário número..., relativa ao ano 2022, através da qual foi autoliquidado imposto no valor de € 45.851,15;
  4. Indeferimento tácito da reclamação graciosa apresentada no dia 12 de dezembro de 2022, contra as referidas autoliquidações.

É Requerida a Autoridade Tributária.

Por decisão do Presidente do Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa foram os signatários designados como árbitros, integrando um coletivo arbitral. Nestas circunstâncias, e em conformidade com o disposto na alínea c) do n.º 1 e n.º 8 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral foi constituído em 11.07.2023.

Por despacho do tribunal de 11.07.23, nos termos do artigo 17.º, n.ºs 1 e 2 do RJAT, a AT foi notificada para, no prazo de 30 dias, apresentar resposta, devendo, no mesmo prazo, ser remetida cópia do processo administrativo.

Por despacho de 06.11.2023, o Tribunal Arbitral decidiu prescindir da reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT e convidou as Partes a apresentar alegações finais escritas.

O Requerente apresentou alegações em 16.11.2023. A Requerida não apresentou alegações.

 

II - SANEAMENTO

O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído e é competente para apreciar o pedido.

As Partes gozam de personalidade e capacidade judiciária e encontram-se devidamente representadas.

O processo não padece de vícios que o invalidem e não existem incidentes que importe decidir.

A cumulação de pedidos é admissível ao abrigo do art.º 104.º, n.º 1 al. b) CPPT, aplicável ao processo tributário por força da al. a) do nº 1 do art.º 29.º do RJAT, uma vez que a apreciação dos pedidos cumulados tem por base as mesmas circunstâncias de facto, e os mesmos são suscetíveis de ser decididos com base na aplicação das mesmas normas a situações de facto do mesmo tipo.

 

III – POSIÇÃO DAS PARTES

 

  1. Do Requerente
  • O ASSB destina-se a financiar o sistema de Segurança Social, a pretexto de uma “compensação” pela putativa vantagem decorrente da isenção de IVA do setor bancário;
  • A distinção entre impostos, por um lado, e, por outro, taxas e contribuições financeiras (categorias previstas no art.º 4º da LGT) assenta, essencialmente, no caráter unilateral dos impostos e no caráter bilateral das taxas e das contribuições financeiras, ainda que esta bilateralidade se revele de forma distinta relativamente a cada uma destas últimas figuras;
  • As taxas materializam a tributação de utilizações ou aproveitamentos individualizados do exercício, seja pelo Estado seja por outras entidades públicas, das funções e tarefas públicas de interesse geral;
  • Já as contribuições financeiras distinguem-se dos impostos na medida em que se destinam à compensação de prestações que apenas presumivelmente são provocadas ou aproveitadas pelo sujeito passivo, constituindo, nessa medida, tributos simplesmente paracomutativos;
  • Por seu turno, os impostos estão dissociados de qualquer prestação administrativa ou compensação, direta ou difusa, por parte do Estado ou outra entidade pública, razão pela qual são caracterizados como tributos rigorosamente unilaterais;
  • Os impostos constituem, segundo a doutrina, “uma prestação pecuniária, singular e reiterada, que não apresenta uma conexão com qualquer contraprestação retributiva específica, exigida por uma entidade pública a uma outra entidade (sujeito passivo) utilizada exclusiva ou principalmente para cobertura de despesas públicas;
  • Ora, é precisamente esta a natureza do ASSB, relativamente ao qual não existe qualquer bilateralidade, sequer potencial ou difusa;
  • E nem se diga que a natureza do ASSB é distinta por ter sido aprovada como um adicional à CSB, e esta ser, segundo os tribunais, qualificada como uma contribuição financeira;
  • Como bem explica o tribunal singular constituído junto do CAAD no âmbito do processo n.º 504/2021-T, o ASSB é “um imposto autónomo da Contribuição do Sector Bancário (CSB), não obstante a aparente coincidência de base de incidência objectiva e subjectiva, porque visa a satisfação de necessidades públicas próprias e tem regulamentação própria, apesar de designado de “adicional”, mas sem referência a qualquer outro imposto de que seja assumido como adicional;”
  • Com efeito, o propósito da CSB é declaradamente distinto, e sem discutir nesta sede a respetiva evolução, certo é que o produto da CSB se encontra afeto ao Fundo de Resolução nacional, destinando-se a financiar duas medidas de resolução já aplicadas e, portanto, perfeitamente identificáveis e identificadas: a medida de resolução aplicada ao Banco Espírito Santo, S.A., em agosto de 2014, e a medida de resolução aplicada ao BANIF – Banco Internacional do Funchal, S.A., em dezembro de 2015;
  • Por seu turno, tal como avança a doutrina, “o ASSB não pode integrar-se na categoria das contribuições de estabilidade financeira (“financial stability contribution”), dada a sua manifesta ausência de legitimação enquanto tributo que vise, de alguma forma, concretizar um princípio de responsabilidade pelo risco por parte dos sujeitos passivos, associado à conexão dos respetivos balanços patrimoniais ao problema do risco sistémico bancário;
  • O setor bancário não apresenta com a Segurança Social, nenhuma especial conexão que permita considerar que o Requerente e os demais sujeitos passivos do ASSB podem retirar da obrigação de liquidação e pagamento do ASSB um qualquer benefício, sequer potencial ou difuso, não existindo nenhuma razão, ao nível do enquadramento dos trabalhadores do Requerente, que permita concluir que este onera particularmente o regime da Segurança Social, quando comparado com as demais entidades empregadoras;
  • Atenta a natureza do ASSB e o fim a que se destina, e que se prende exclusivamente com o financiamento da Segurança Social, entende o Requerente que o mesmo viola o princípio da igualdade ínsito no artigo 13.º da CRP, ao onerar mais gravosamente o setor bancário do que os demais setores de atividade, sem qualquer justificação para o efeito;
  • O regime jurídico do ASSB esforça-se por justificar esta maior oneração do setor bancário com o (novo) encargo tributário ao prever, logo no artigo 1.º, n.º 2, do regime jurídico do ASSB, que tal imposição surge “como forma de compensação pela isenção de impostos sobre o valor acrescentado (IVA) aplicável à generalidade dos serviços e operações financeiras, aproximando a carga fiscal suportada pelo setor financeiro à que onera os demais setores;”
  • Esforça-se, mas não logra tal desiderato, por duas ordens de razão:

a) Em primeiro lugar, porque o setor financeiro – e, em concreto, as instituições de crédito como o aqui Requerente – já suportam uma carga fiscal equivalente, senão muito superior, “à que onera os demais setores”; e

b) Em segundo lugar, porque ainda que assim não fosse, e se pudesse afirmar que o setor financeiro suporta menos tributos do que os demais setores – o que, reitere-se, não é verdade, mas que se concebe a benefício de raciocínio – nunca a justificação para o ASSB poderia assentar na identificada isenção de IVA, pois ela determina, em si mesma, uma maior oneração (entenda-se, uma desvantagem) para o setor financeiro do que para os demais setores;

  • O valor do ASSB não é dedutível para efeitos de apuramento do lucro tributável dos exercícios de 2020, 2021 e 2022 (cf. artigo 10.º do regime jurídico do ASSB), o que também por essa via implica uma maior oneração das instituições de crédito como o aqui Requerente, em sede de Imposto sobre o rendimento das Pessoas Coletivas (“IRC”);
  • O que, per se, determina a violação de outra dimensão do princípio da igualdade, qual seja a da tributação de acordo com a capacidade contributiva dos sujeitos passivos e da tributação das empresas pelo respetivo lucro real, o que gera um vício de inconstitucionalidade autónomo, como melhor se identificará infra;
  • Pelo exposto, crê o Requerente que resulta evidente que se a carga fiscal do setor financeiro não se aproxima à dos “demais setores” é porque ela excede a carga fiscal destes últimos, e não o contrário;
  • A identificada isenção de IVA não é, nem pode ser apresentada como uma vantagem do setor bancário: pelo contrário, ela implica a limitação do direito à dedução do IVA pelo Requerente, determinando – mais uma vez – um aumento da carga fiscal que incide sobre o setor;
  • A isenção de IVA aplicável “à generalidade dos serviços e operações financeiras” é uma isenção incompleta, de onde resulta que as operações em causa estão isentas de IVA e não conferem o direito à dedução do IVA pago a montante, na aquisição de bens e serviços afetos à atividade;
  • Mas não só: a isenção do IVA, quando aplicada aos serviços e operações financeiras, abre também a porta para a tributação das respetivas operações em sede de Imposto do Selo, ao abrigo do disposto no artigo 1.º, n.º 2, do respetivo Código;
  • Além disso, o ASSB não assenta em nenhuma manifestação de capacidade contributiva dos sujeitos passivos, pois, em conformidade com o disposto no artigo 3.º do regime jurídico do ASSB, este imposto incide sobre “o passivo apurado e aprovado pelos sujeitos passivos (…)” e/ou sobre “o valor nocional dos instrumentos financeiros derivados fora do balanço apurado pelos sujeitos passivos;”
  • Desta forma, o ASSB viola o princípio da igualdade, uma vez que não tem como pressuposto a capacidade contributiva do sujeito passivo;
  • O ASSB é, ainda, materialmente inconstitucional, por violação do princípio da proibição da retroatividade da lei fiscal, ínsito no artigo 103.º, n.º 3, da CRP, bem como do princípio da tutela da confiança, que se encontra intimamente ligado ao primeiro, pelo menos no que respeita ao ASSB pago em 2020;
  • Tal violação decorre de o tributo incidir sobre matéria coletável gerada no primeiro semestre de 2020, quando a lei 27-A/2020 estabelece, expressamente, que as disposições nela contidas entram em vigor no dia seguinte ao da sua publicação, ou seja, em 25 de julho de 2020;
  • Desta forma, e em virtude da norma transitória do art.º 21º da Lei 27-A/2022:
  • O imposto liquidado e pago em dezembro de 2020 teve como base de incidência a média semestral dos saldos do primeiro semestre de 2020;
  • O imposto liquidado e pago em dezembro de 2021 teve como base de incidência a média semestral dos saldos do segundo semestre de 2020;
  • O imposto liquidado e pago em dezembro de 2022 teve como base de incidência o passivo refletido no ano de 2021.
  • Assim, em dois anos completos de vigência do imposto, foram autoliquidados e pagos três ASSB;
  • Criou-se, desta forma, uma situação inédita que faz incidir dois impostos – o ASSB pago em 2020 e o ASSB pago em 2021 – sobre os saldos registados na contabilidade no ano de 2020, redundando em dupla tributação e, no caso do imposto liquidado em dezembro de 2020, em retroatividade autêntica, em violação da proibição de retroatividade da lei fiscal estabelecido no art.º 103º, nº 3 da CRP;
  • Na parte em que determina que o ASSB do primeiro semestre de 2020 deve ser calculado sobre a média semestral dos saldos finais de cada mês, o artigo 21.º da Lei 27-A/2020 viola, pelo menos, o princípio da segurança jurídica, na dimensão do princípio da proteção da confiança legítima, com acolhimento no artigo 2.º da Constituição, o que torna ilegítima a liquidação e cobrança do ASSB a todo o ano de 2020;
  • O ASSB é ainda incompatível com a Diretiva 2014/59/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de maio de 2014, que estabelece um enquadramento para a recuperação e a resolução de instituições de crédito e de empresas de investimento e que altera a Diretiva 82/891/CEE do Conselho (“Diretiva 2014/59/UE”), e o Regulamento Delegado (UE) 2015/63 da Comissão de 21 de outubro de 2014, que complementa a Diretiva 2014/59/UE do Parlamento Europeu e do Conselho no que se refere às contribuições ex ante para os mecanismos de financiamento da resolução (“Regulamento Delegado 2015/63”), ambos aplicáveis desde janeiro de 2015 e, como tal, plenamente aplicáveis na data das Autoliquidações;
  • De acordo com a Diretiva 2014/59/UE e com o Regulamento Delegado 2015/63, os tributos aplicados pelos Estados-membros às instituições financeiras abrangidas pelo seu âmbito de aplicação destinam-se, exclusivamente, à cobertura dos custos de financiamento de eventuais medidas de resolução;
  • Atenta a consignação das receitas relativas a esses tributos ao FUR, proíbe-se, por conseguinte, a manutenção de tributos nacionais anteriormente cobradas com vista ao financiamento de eventuais medidas de resolução;
  • Nestes termos há que concluir que o regime jurídico do ASSB viola diretamente a Diretiva 2014/59/UE, uma vez que, como resulta do artigo 1.º, n.º 2, do respetivo regime jurídico, se destina exclusivamente a financiar o sistema previdencial da Segurança Social;
  • O ASSB, sendo um imposto, e tendo a sua receita consignada ao financiamento da segurança social, viola o princípio da não consignação das receitas dos impostos, estabelecido no art.º 16º da Lei de Enquadramento Orçamental (Lei nº 151/2015 de 11 de setembro);
  • O ASSB viola o princípio da especificação, estabelecido no art.º 17º da Lei de Enquadramento Orçamental, pois não se encontra incluído no anexo I previsto no art.º 3º do DL nº 26/2002, de 14 de fevereiro.

O Requerente termina pedindo a anulação da decisão de indeferimento da reclamação graciosa e das subjacentes autoliquidações do ASSB pago em 2020, 2021 e 2022, com a consequente restituição do imposto pago e dos respetivos juros indemnizatórios.

 

  1. Da Requerida

Em síntese, a Requerida alega o seguinte:

  • Em relação à natureza do tributo em causa, a Requerida considera, não discordando do Requerente, que o ASSB é um imposto;
  • Quanto à alegada violação do princípio da igualdade, ela não ocorre uma vez que a isenção de IVA de que beneficia a maior parte das operações bancárias, essa sim, constitui uma desigualdade de tratamento em favor das entidades bancárias;
  • Essa desigualdade/vantagem em favor das entidades bancárias não é compensada pela sujeição das operações bancárias a imposto do selo, uma vez que a taxa do IS é muito inferior à taxa média do IVA, além de que uma parte importante das operações bancárias está isenta de imposto do selo (por força da al. e) do art.º 7º, nº 1 do CIS;
  • Sendo certo que o setor financeiro ocupa uma posição muito relevante na economia portuguesa, a não incidência de tributação indireta sobre uma parte relevante das suas operações, nomeadamente das que se traduzem em aplicações de capitais e investimento, poderá suscitar não só questões de perda de receita fiscal e de distorção e desigualdade entre operadores, mas também de desigualdade na distribuição do esforço tributário;
  • Ainda quanto à alegada violação do princípio da capacidade contributiva, o ASSB é um imposto indireto, o que desde logo exclui uma potencial violação do princípio da tributação das empresas de acordo com o rendimento real, o que configura uma expressão de capacidade contributiva no âmbito dos impostos diretos;
  • O argumento de que o ASSB tem natureza retroativa, ao aplicar-se a factos tributários decorridos antes da sua entrada em vigor, também não colhe;
  • Resulta do regime jurídico que criou o ASSB (art. 18.º da Lei n.º 27-A/2020), mais precisamente do art. 3.º e do art. 4.º, que a base de incidência do ASSB “é calculada por referência à média anual dos saldos finais de cada mês, que tenham correspondência nas contas anuais do próprio ano a que respeita o adicional, tal como aprovadas no ano seguinte;”
  • Em concreto, no que concerne ao ASSB respeitante ao primeiro semestre de 2020, em causa nos presentes autos, o artigo 21.º da Lei nº. 27-A/2020, estabeleceu o seguinte regime transitório (....)”;
  • O que se constata desde logo é que a base de incidência do ASSB para o primeiro semestre de 2020 é a que resulta dos artigos 3.º e 4.º do respetivo regime, por remissão expressa da al. a) do n.º 1 do artigo citado;
  • Nos termos do artigo 3.º do regime do ASSB, a base de incidência do imposto coincide com o «passivo apurado e aprovado pelos sujeitos passivos deduzido, quando aplicável, dos elementos do passivo que integram os fundos próprios (…)»;
  • Nos termos do n.º 4 do artigo 4.º do regime do ASSB, aquela base de incidência é «calculada por referência à média anual dos saldos finais de cada mês, que tenham correspondência nas contas anuais do próprio ano a que respeita o adicional, tal como aprovadas no ano seguinte.»
  • Por esse efeito, o que releva na formação do facto tributário sujeito a ASSB é o momento do apuramento e aprovação das contas e não o «facto material de contabilisticamente ser apurada a existência de passivo»;
  • Por esse efeito, o que releva na formação do facto tributário sujeito a ASSB é o momento do apuramento e aprovação das contas e não o «facto material de contabilisticamente ser apurada a existência de passivo»;
  • O mesmo se aplica, portanto, ao ASSB relativo ao primeiro semestre de 2020, que, por remissão expressa da alínea a) do artigo 21.º da Lei nº. 27-A/2020, incide sobre a «base de incidência apurada nos termos dos artigos 3.º e 4.º do regime do ASSB;
  • Significa isto que o ASSB do primeiro semestre de 2020 não deixa de incidir outrossim sobre «os passivos apurados e aprovados» pelo sujeito passivo [deduzidos dos fundos próprios de base (Tier 1), dos complementares (Tier 2) e dos depósitos abrangidos do Fundo de Garantia de Depósitos];
  • Implica também que, na formação do facto tributário do ASSB relativo ao primeiro semestre de 2020, não se prescinde dessas “complexas operações de avaliação” nem se pode deixar de ter em conta os “ajustamentos posteriores à data de balanço”
  • O que se estabelece naquela alínea a) do artigo 21.º da Lei nº. 27-A/2020, é a forma de “cálculo” daquela base de incidência, feito com referência à média semestral dos saldos finais de cada mês que tenham correspondência, - não nas contas do ano seguinte, como se verifica no ASSB incidente sobre as contas anuais (artigo 4.º n.º 4 do regime) - mas nas contas relativas ao primeiro semestre de 2020, «tal como publicadas em cumprimento da obrigação estabelecida no Aviso do Banco de Portugal n.º 1/2019, de 31 de janeiro, que atualiza o enquadramento normativo do Banco de Portugal sobre os elementos de prestação de contas»;
  • Ora, do Aviso do Banco de Portugal n.º 1/2019, de 31 de janeiro, resultam obrigações de prestação de contas intercalares que impendem sobre os sujeitos passivos do ASSB, cujos relatórios são objeto de divulgação pública e que, necessariamente, são objeto de operações de apuramento e aprovação em termos equivalentes às contas anuais;
  • Por outro lado é factual que o balanço de final de cada período (quer seja anual ou trimestral) só fica 'fechado' com a divulgação de contas, o que implica que possa haver (e há, por norma) ajustamentos com base em análises mais aprofundadas feitas às contas (e.g. imparidades), que mudem o valor do balanço ou dos resultados face à fotografia inicial.
  • Não por acaso o legislador remete expressamente o cálculo da base de incidência do ASSB do primeiro semestre de 2020 para uma obrigação de prestação e divulgação de contas que vincula legalmente as instituições financeiras sujeitas ao ASSB. Tal obrigação de prestação e divulgação de contas, os chamados relatórios intercalares, é obviamente sujeita a aprovação pelo sujeito passivo – ao contrário do que se diz na decisão ora Recorrida;
  • Mas mesmo que se entenda inexistir uma obrigação legal de aprovação de contas, não significa que as contas intercalares não sejam aprovadas – que o são – e muito menos que não sejam objeto de operações de apuramento em termos equivalentes às contas anuais – que também o são;
  • Em face do exposto, é forçoso concluir que, no momento em que entrou em vigor o regime do ASSB, ainda não tinha ocorrido o facto que determina o pagamento do imposto;
  • A Diretiva 2014/59/UE29 (Diretiva sobre Recuperação e Resolução Bancárias ou DRRB) introduziu regras que harmonizam os mecanismos e as regras para fazer face às crises bancárias, uma vez que a diversidade dessas regras constituía um obstáculo ao bom funcionamento do mercado único;
  • A DRRB não harmonizou todas as contribuições, taxas, e muito menos todo o sistema de tributação do setor bancário, pelo que os Estados-Membros continuam a ser livres de cobrar qualquer imposto ou taxa (não discriminatório — ver infra) às instituições sob a sua competência orçamental, desde que os objetivos desse imposto ou taxa não sejam os mesmos que os previstos pela DRRB para os mecanismos de financiamento da resolução;
  • Esta margem de liberdade deixada aos Estados Membros ao abrigo da DRRB inclui o poder de aplicar tais impostos ou taxas às sucursais de instituições estabelecidas noutros Estados-Membros, uma vez que as isenções das sucursais ao abrigo da DRRB apenas dizem respeito aos mecanismos de financiamento da resolução;
  • A DRRB harmonizou a cobrança de contribuições financeiras pelos Estados-Membros às instituições abrangidas pelo âmbito de aplicação da diretiva apenas no que diz respeito ao financiamento da resolução. O objetivo da DRRB não é a harmonização de todo o sistema de tributação do setor bancário. Embora os fundos obtidos através dos mecanismos nacionais de financiamento possam ser transferidos para os orçamentos gerais dos Estados-Membros, devem obrigatoriamente ser «afetados» ao financiamento da resolução;
  • O ASSB não é uma forma de financiamento das medidas de resolução nem do Fundo Único de Resolução, posto que não se encontra abrangido pela referida Diretiva e isto explica que o legislador tenha ignorado - e bem - todo o enquadramento europeu resultante da Diretiva 2014/59/EU e da sua transposição para o direito nacional;
  • De acordo com o estabelecido no n.º 2 do artigo 1.º do regime que cria o ASSB, este “tem por objetivo reforçar os mecanismos de financiamento do sistema de segurança social, como forma de compensação pela isenção de imposto sobre o valor acrescentado (IVA) aplicável à generalidade dos serviços e operações financeiras, aproximando a carga fiscal suportada pelo setor financeiro à que onera os demais setores;
  • As receitas provenientes do imposto adicional de solidariedade são exclusivamente afetadas ao Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social (a seguir «FEFSS»), cujo único objetivo é financiar os mecanismos de proteção garantidos pela segurança social e destinados às pessoas singulares residentes em Portugal;
  • Ao contrário do alegado, não se verifica uma situação de dupla tributação. Verifica-se uma situação de dupla tributação quando sobre a mesma realidade incidem dois impostos, o que, in casu, é totalmente impossível de ocorrer, visto que, dos tributos elencados pelo Requerente, apenas o ASSB é um imposto. Não obstante, quanto à questão da dupla tributação, o Requerente não faz prova nenhuma dos factos que alega (ónus que a si competia, nos termos do art.º 74.º da Lei Geral Tributária (LGT) e art.º 342.º do Código Civil), o que por si só impede que se possa concluir pela alegada dupla tributação;
  • O ASSB não viola o princípio da não consignação dos impostos, por se destinar ao financiamento da segurança social,  enquadrando-se na alínea c) do n.º 2 do artigo 16.º da LEO, que configura uma exceção ao princípio da não consignação, formulada nos seguintes termos: “c) As receitas afetas ao financiamento da segurança social e dos seus diferentes sistemas e subsistemas, nos termos legais;”
  • Pelo mesmo motivo também não colhe a argumentação expendida na petição inicial relativamente ao carácter excecional e temporário da medida, nos termos da alínea f) do n.º 2 e n.º 3 do artigo 16.º da LEO. Pelo que, também neste aspeto, improcede a argumentação da Requerente, devendo manter-se na ordem jurídica a autoliquidação impugnada;
  • A Requerente não tem razão ao alegar violação do princípio da especificação orçamental das receitas e despesas do Estado, dado que, o ASSB foi aprovado no âmbito do Orçamento Suplementar de 2020 pela Assembleia da República, verificando-se assim que este órgão soberano concedeu autorização à Administração Tributária para a liquidação e cobrança do ASSB no ano de 2020.

A Requerida termina concluindo não existir qualquer erro de facto e ou de direito na autoliquidação impugnada que leve à procedência da impugnação judicial, concluindo consequentemente pela improcedência do pedido de juros indemnizatórios.

 

  1. Do Requerente em alegações

O Requerente apresentou as suas alegações escritas em 16.11.2023, e nelas reforça a sua argumentação no sentido de que:

  • O ASSB viola o princípio da igualdade tributária, pois, aplicando-se apenas ao setor bancário, constitui uma discriminação fiscal arbitrária;
  • O ASSB viola o princípio da capacidade contributiva, pois não tem por base uma manifestação da capacidade contributiva dos sujeitos passivos;
  • O ASSB viola a proibição de retroatividade dos impostos, no que diz respeito ao primeiro semestre do ano de 2020,  já que o imposto desse período, pago no final desse ano, foi calculado e autoliquidado “por referência à média semestral dos saldos finais de cada mês, que tenham correspondência nas contas relativas ao primeiro semestre de 2020, no caso do adicional de solidariedade devido em 2020”, sem que tenha ocorrido qualquer “aprovação de contas” em momento prévio à liquidação.
  • O regime jurídico do ASSB viola a Diretiva 2014/59/UE e o Regulamento Delegado 2015/63
  • O regime jurídico do ASSB viola o princípio da não consignação dos impostos
  • O ASSB viola a regra orçamental da especificação, já que o Decreto-Lei n.º 26/2002, de 14 de fevereiro (alterado pelo artigo 80.º do Decreto-Lei n.º 29-A/2011, de 1 de março, e pelo artigo 156.º do Decreto-Lei n.º 33/2018, de 15 de maio) não tem qualquer referência à cobrança de receita que resulte de um imposto como o ASSB; e a inclusão de uma estimativa de receita do ASSB no Mapa X (Receitas da Segurança Social por Classificação Económica, rúbrica 06 – Transferências correntes – Estado” da Lei n.º 27-A/2020 (Orçamento Suplementar 2020), que criou o imposto, sendo uma menção colocada “em bloco” para a receita total do Segurança Social, não cumpre as exigências do princípio da especificação;

 

IV – QUESTÕES A DECIDIR

São questões a decidir no presente processo:

  1. Saber se o Adicional de Solidariedade Sobre o Setor Bancário (ASSB) viola o princípio da igualdade tributária decorrente do princípio da igualdade consagrado no art.º 13.º da Constituição da República Portuguesa, ao incidir apenas sobre as entidades do setor bancário;
  2. Saber se o Adicional de Solidariedade Sobre o Setor Bancário (ASSB) viola o princípio da capacidade contributiva, ínsito no princípio da igualdade tributária, consagrado no art.º 13.º da Constituição da República Portuguesa, ao incidir sobre um conjunto de passivos dos bancos, não sendo o passivo de uma entidade nem rendimento, nem património, nem despesa;
  3. Saber se o Adicional de Solidariedade Sobre o Setor Bancário (ASSB) viola a proibição de retroatividade dos impostos, prevista no artigo 103º, nº 3 da Constituição da República Portuguesa;
  4. Saber se o Adicional de Solidariedade Sobre o Setor Bancário (ASSB) viola a Diretiva 2014/59/UE29 (Diretiva sobre Recuperação e Resolução Bancárias);
  5. Saber se a autoliquidação impugnada originou uma situação de dupla tributação e, em caso afirmativo, tal dupla tributação é geradora de ilegalidade da autoliquidação;
  6. Saber se o Adicional de Solidariedade Sobre o Setor Bancário (ASSB) viola o princípio da não consignação dos impostos;
  7. Saber se o Adicional de Solidariedade Sobre o Setor Bancário (ASSB) viola a regra da não consignação dos impostos da especificação orçamental das receitas e despesas do Estado.

 

V - MATÉRIA DE FACTO

O Tribunal Arbitral dá como provados os seguintes factos:

  1. O Requerente é uma instituição de crédito com sede e direção efetiva em Portugal.
  2. Em 11 de dezembro de 2020, o Requerente procedeu à entrega da declaração modelo 57 com o número de identificação ..., através da qual efetuou a autoliquidação do ASSB pago em 2020, pelo valor de € 45.249,53;
  3. Em 13 de dezembro de 2021, o Requerente procedeu à entrega da declaração modelo 57 com o número de identificação ..., através da qual efetuou a autoliquidação do ASSB pago em 2021, pelo valor de € 38.394,58;
  4. Em 29 de junho de 2022, o Requerente procedeu à entrega da declaração modelo 57 com o número de identificação ..., através da qual efetuou a autoliquidação do ASSB pago em 2022, pelo valor de € 45.851,15;
  5. O ASSB foi autoliquidado tendo por base a publicação das contas do Requerente nos termos do artigo 4.º do Aviso n.º 1/2019, do Banco de Portugal;
  6. No que respeita ao ASSB pago em 2020, os ficheiros correspondentes foram enviados para o Banco de Portugal, nos termos previstos no Aviso n.º 1/2019, do Banco de Portugal, em 1 de outubro de 2022;
  7. Em 12 de dezembro de 2022, o Requerente apresentou Reclamação Graciosa contra as três autoliquidações, referentes aos anos de 2020, 2021 e 2022;
  8. A Reclamação Graciosa foi apreciada e decidida pela Unidade de Grandes Contribuintes, com o n.º ...2022...;
  9. Através do Ofício n.º ...-DJT/2022, de 22 de dezembro de 2022, da Divisão de Justiça Tributária da Unidade dos Grandes Contribuintes, o Requerente foi notificado para exercer o seu direito de audição prévia sobre o projeto de decisão de indeferimento da Reclamação Graciosa;
  10. O Requerente optou pelo não exercício do direito de audição sobre o Projeto de Indeferimento;
  11. A AT convolou em definitiva a posição expressa no projeto de indeferimento, notificando o Requerente, através do Ofício n.º ...-DJT/2023, de 1 de fevereiro de 2023, da Divisão de Justiça Tributária da UGC, da decisão de indeferimento.

O Tribunal não dá como provados ou não provados quaisquer outros factos com relevância para o julgamento da causa.

Relativamente à fundamentação da matéria de facto, o Tribunal não está obrigado a pronúncia sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de selecionar apenas a que interessa para a decisão, levando em consideração a causa (ou causas) de pedir que fundamentam o pedido formulado pelo autor (cfr. artigos 596.º, n.º 1 e 607.º, n.ºs 2 a 4, do CPC e dizer se a considera provada ou não provada (cf. ainda o artigo 123.º, n.º 2, do Código do Processo e Procedimento Tributário (CPPT), ex vi artigo 29º do RJAT).

Segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal baseia a sua decisão, em relação às provas produzidas, na sua íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a sua experiência de vida e de conhecimento das pessoas (cfr. artigo 607.º, n.º 5 do CPC).

Somente quando a força probatória de certos meios se encontra pré-estabelecida na lei (v.g. força probatória plena dos documentos autênticos - cfr. artigo 371.º do Código Civil) é que não domina na apreciação das provas produzidas o princípio da livre apreciação.

A matéria de facto dada como provada tem génese nos documentos juntos pelo Requerente bem como no processo administrativo, de que foi junta cópia pela AT, os quais, analisados de forma crítica, constituem a base da convicção do Tribunal quanto à realidade dos factos descrita supra.

 

VI – DISCUSSÃO DE DIREITO

 

Antes de entrar na análise das questões controvertidas, importa declarar a total concordância do Tribunal Arbitral com a qualificação do Adicional de Solidariedade sobre o Setor Bancário (doravante ASSB) como um imposto. A natureza jurídica do tributo em causa poderia, efetivamente, suscitar dúvidas, uma vez que o mesmo foi concebido e é apresentado pelo legislador como um adicional à Contribuição sobre o Setor Bancário. Sendo um adicional a um tributo qualificado pelo legislador como contribuição financeira, o ASSB teria, em princípio, a mesma natureza jurídica.

No entanto, como é claramente explicado no parecer junto pelo requerente, e o qual, neste ponto específico, se acolhe, para poder ser qualificado como contribuição financeira, o ASSB teria que ter a característica da comutatividade genérica ou grupal, o que exigiria que a receita do tributo fosse destinada a financiar despesas públicas ou especialmente provocadas pela atividade dos sujeitos passivos do tributo, ou dirigidas a permitir ou melhorar as condições da atividade dos sujeitos passivos. Tal comutatividade não se verifica no ASSB, uma vez que este incide sobre as instituições de crédito, suas sucursais e filiais, constituindo o seu produto uma receita geral do Estado, embora consignada ao financiamento da Segurança Social, através do Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social (art.º 9º do regime jurídico do ASSB, constante do Anexo VI da Lei n.º 27-A/2020, de 24 de Julho). Não existindo, pois, qualquer comutatividade no tributo.

Assente, assim, que nos encontramos perante um imposto, podemos tratar de analisar as questões controvertidas, das quais depende a decisão da causa.

Quanto à ordem por que se conhecerão as questões suscitadas, aplicando-se o disposto no art.º 124º do CPPT (aplicável ao processo arbitral tributário por força do art.º 29º, nº 1, al. c) do RJAT), não tendo sido arguidos vícios que possam conduzir à declaração de inexistência ou nulidade dos atos impugnados, nem estabelecendo o Requerente uma relação de subsidiariedade entre os vícios arguidos, ela será a seguinte:

  1. Saber se o Adicional de Solidariedade Sobre o Setor Bancário (ASSB) viola o princípio da igualdade tributária decorrente do princípio da igualdade consagrado no art.º 13.º da Constituição Portuguesa, ao incidir apenas sobre as entidades do setor bancário;
  2. Saber se o Adicional de Solidariedade Sobre o Setor Bancário (ASSB) viola o princípio da capacidade contributiva;
  3. Saber se o Adicional de Solidariedade Sobre o Setor Bancário (ASSB) viola a proibição de retroatividade dos impostos;
  4. Saber se o Adicional de Solidariedade Sobre o Setor Bancário (ASSB) viola a Diretiva 2014/59/UE29 (Diretiva sobre Recuperação e Resolução Bancárias);
  5. Saber se a autoliquidação impugnada originou uma situação de dupla tributação e, em caso afirmativo, tal dupla tributação é geradora de ilegalidade das autoliquidações;
  6. Saber se o Adicional de Solidariedade Sobre o Setor Bancário (ASSB) viola o princípio da não consignação dos impostos;
  7. Saber se o Adicional de Solidariedade Sobre o Setor Bancário (ASSB) viola a regra da discriminação orçamental das receitas e despesas do Estado.

 

  1.   Questão de saber se o Adicional de Solidariedade Sobre o Setor Bancário (ASSB) viola o princípio da igualdade tributária decorrente do princípio da igualdade consagrado no art.º 13.º da Constituição da República Portuguesa, ao incidir apenas sobre as entidades do setor bancário.

 

Alega o Requerente que o ASSB viola o princípio da igualdade tributária, ínsito no artigo 13.º da CRP, ao “onerar mais gravosamente o setor bancário do que os demais setores de atividade, sem qualquer justificação para o efeito.”

No artigo 97º da PI, o Requerente acrescenta que, “dito de outro modo, o ASSB foi confessadamente criado com o objetivo de reforçar os mecanismos de financiamento do sistema de segurança social, mas impõe tal tributo – e, como tal, esse objetivo – apenas e só aos sujeitos passivos do ASSB que, nos termos do disposto no artigo 2.º do regime jurídico do ASSB, são (i) as instituições de crédito com sede principal e efetiva da administração situada em território português, (ii) as filiais, em Portugal, de instituições de crédito que não tenham a sua sede principal e efetiva da administração em território português, e (iii) as sucursais em Portugal de instituições de crédito com sede principal e efetiva fora do território português.”

O artigo 13.º da CRP consagra o princípio geral da igualdade, do qual resulta, designadamente, a exigência de criação de direito igual, com os corolários da proibição da discriminação e do arbítrio (J. Gomes Canotilho, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 7.ª ed., Coimbra, 2003, pp. 426 e ss). Para além da proibição da discriminação e do arbítrio, o princípio da igualdade postula um tratamento igual de todos os cidadãos perante os encargos públicos. Decorre do princípio da igualdade perante os encargos públicos que os custos do contrato social devem ser repartidos por todos os cidadãos de acordo com um critério de igualdade dos sacrifícios, à luz do qual a imposição de sacrifícios especiais a um número determinado ou determinável de pessoas deve ser excecional e encontrar-se materialmente justificado. Qualquer tratamento fiscal diferenciado deve ter um fundamento material legítimo. Um tratamento diferenciado que beneficie ou onere especialmente uma determinada classe de contribuintes deve estar devidamente justificado por critérios aceitáveis à luz do quadro jurídico-constitucional nacional.

O princípio da igualdade tributária não se encontra consagrado de forma autonomizada na Constituição Portuguesa, mas decorre do princípio da igualdade reconhecido no art.º 13º da Lei Fundamental (Ac. TC nº 620/2015, proc. 305/2015, relator Cons. Cura Mariano). Numa primeira aproximação, o princípio da igualdade tributária traduz-se na ideia de que se deve, no plano tributário, tratar “de modo igual o que é igual e de modo diferente o que é diferente” (Ibidem).

A doutrina e a jurisprudência, e em especial a jurisprudência do Tribunal Constitucional, têm afirmado que o princípio da igualdade tributária se desdobra em duas vertentes principais: a “generalidade” ou “universalidade” e a “tributação segundo a capacidade contributiva”.

Quanto à “generalidade” ou “universalidade” dos impostos, divisamos na jurisprudência do Tribunal Constitucional duas formulações com sentidos distintos. Num primeiro sentido, “generalidade” refere-se ao dever fundamental de pagar impostos e significa que todos os cidadãos (incluídas pessoas coletivas) ficam sujeitas ao pagamento de impostos. Neste sentido, pode citar-se o acórdão nº 348/97 (Ac. TC nº 348/97, proc. 63/96, relator Cons. Monteiro Diniz), em que se afirma: “No âmbito dos impostos fiscais que aqui interessa considerar (...), a sua repartição deve assim obedecer ao princípio da igualdade tributária, fiscal ou contributiva que se concretiza na generalidade e na uniformidade dos impostos, sendo que, como ensina Teixeira Ribeiro (...) "generalidade quer dizer que todos os cidadãos estão adstritos ao pagamento de impostos, não havendo entre eles, portanto qualquer distinção de classe, de ordem ou de casta, isto é, de índole meramente política”.

Num segundo sentido, “generalidade” significa “generalidade da lei de imposto”. Pode citar-se como exemplo o acórdão nº 695/2014 (Ac. TC nº 695/2014, proc. 1265/2013, relator Cons. Fernandes Cadilha), em que se lê: “o princípio da igualdade tributária pode ser concretizado através de vertentes diversas: uma primeira, está na generalidade da lei de imposto, na sua aplicação a todos sem exceção”.

A segunda aceção é bastante mais exigente do que a primeira, porquanto impõe que cada lei de imposto, individualmente considerada, seja aplicada a todos os cidadãos sem distinção, enquanto a primeira apenas obriga a que todos os cidadãos paguem impostos, ie deem a sua contribuição para o financiamento das despesas públicas. O caso sub judice é bem ilustrativo do diferente alcance das duas aceções do princípio da generalidade dos impostos, porquanto o que está em causa é a aplicação de um determinado imposto a um conjunto delimitado de sujeitos passivos. Por outras palavras, a lei do imposto não se aplica nem se destina a ser aplicada a todos os cidadãos, cabendo ao Tribunal Arbitral examinar se daí resulta uma ofensa do princípio da igualdade na sua vertente de generalidade.

Em primeiro lugar, importa observar que o princípio da generalidade na aceção de “aplicação da lei de imposto a todos, sem exceção” não é entendido, no ordenamento jurídico-tributário português, com um valor absoluto, mas como um princípio que admite na realidade frequentes exceções, concretizadas, desde logo, nos múltiplos regimes de isenção fiscal existentes nos vários impostos. Como é sabido, as isenções fiscais são, efetivamente, ruturas com o princípio da igualdade tributária, que, no entanto, se legitimam pelos seus fins extrafiscais, desde que estes fins extrafiscais, por sua vez, estejam também firmemente justificados por valores constitucionalmente afirmados. Será nesta base que se poderá fundamentar a maioria das isenções contidas no art.º 9º do CIVA, como as isenções dos serviços de saúde, de assistência social, dos serviços postais ou de educação. Nestes casos, o desagravamento fiscal constitui o objetivo da isenção, como forma de o Estado contribuir financeiramente para essas atividades e desse forma, em alguns casos, estimulá-las.

Acontece, porém, que também se encontram isentas de IVA as operações financeiras bancárias e as operações de seguro e resseguro (alínea 27 do art.º 9.º do CIVA), sendo que a isenção destas operações não se justifica, ao contrário das anteriores, por fins extrafiscais.

É algo nebulosa a razão pela qual, aquando da adoção, pelo Conselho das Comunidades Europeias, do sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado, em 1967[1], foi tomada a decisão de isentar deste imposto os serviços financeiros e os de seguros. A maioria dos autores enfatizam as razões técnicas, relacionadas com a dificuldade em determinar o preço dos serviços financeiros.[2] Outros autores, porém, referem também razões políticas e históricas.[3] O que parece isento de dúvida é que não existe uma justificação extrafiscal por trás da isenção de IVA que se aplica aos serviços financeiros (bem aos de seguro e resseguro) desde então até à atualidade. A isenção de IVA sobre as operações bancárias constitui assim não apenas uma rutura com o princípio da generalidade dos impostos, na aceção de aplicação universal das leis fiscais, mas uma rutura que não se justifica por razões extrafiscais, a confirmar e reforçar a nossa anterior conclusão de que o princípio da generalidade (da lei) do imposto não é um princípio absoluto, no direito tributário português, mas comporta exceções.

Tal não pode, porém, significar uma relativização do princípio, exigindo-se dos tribunais que procurem delimitar as razões que podem justificar as exceções ao mesmo. Na maioria das vezes, como já referimos, as exceções ao princípio são justificadas por razões de extrafiscalidade: através da isenção de imposto, o legislador visa atingir objetivos políticos (sociais, económicos, ambientais, etc.) constitucionalmente protegidos. A legitimidade das isenções fiscais, quando justificadas por razões de extrafiscalidade constitucionalmente respaldadas, decorre da própria Constituição, que prevê a concessão de benefícios fiscais em diversas situações (vg. artigos 85º (Cooperativas e experiências de autogestão), 95º (Redimensionamento do minifúndio) e 103.º, n.º 2 (Sistema fiscal)).

Posto isto, não há dúvida de que o regime do ASSB envolve uma rutura com o princípio da generalidade da lei de imposto, ao criar um imposto que se aplica apenas a um grupo restrito de “cidadãos”, as entidades bancárias. Também não há dúvida de que tal regime não é justificado por quaisquer razões de extrafiscalidade, sendo, pelo contrário, assumido pelo legislador que o imposto tem fins puramente fiscais: reforçar o financiamento da segurança social. Mas se o princípio da “generalidade da lei de imposto” admite, como vimos, exceções, e se ao abrigo dessa possibilidade foi concedida aos serviços bancários isenção de IVA, sem que para isso existam razões de extrafiscalidade que compensem os restantes cidadãos contribuintes por esse alívio fiscal, afigura-se lógico reconhecer ao legislador a liberdade de contrabalançar esse regime de exceção com outro regime de exceção, o qual poderá, até, justificar-se precisamente com o princípio da igualdade tributária. Poderíamos dizer que estaríamos aqui, ainda, perante o princípio da igualdade no sentido em que ele tem sido entendido quer pelo Tribunal Constitucional quer pela doutrina, no sentido de que o princípio da igualdade postula “que se dê tratamento igual a situações de facto essencialmente iguais e tratamento desigual para as situações de facto desiguais (proibindo, inversamente, o tratamento desigual de situações iguais e o tratamento igual das situações desiguais)” (ac. TC Acórdão nº 232/2003 de 13-05-2003, relator Rui Moura Ramos).; e no mesmo sentido, a jurisprudência aí citada: Acórdãos nºs 186/90, 39/88, 187/90, 188/90, 330/93, 381/93, 516/93 e 335/94). Sendo que a atividade financeira e as atividades de seguro e resseguro não podes ser tributadas em IVA por razões técnicas, que consistem numa impossibilidade de determinar o respetivo valor acrescentado, esta é uma desigualdade que justifica um tratamento desigual no âmbito do Imposto sobre o Valor Acrescentado e que justificaria um tratamento desigual que procurasse compensar essa não tributação.

Além, disso, como o Tribunal Constitucional já por várias vezes afirmou, o princípio da igualdade tributária tem de ser compatibilizado com a liberdade de conformação do legislador (acórdão nºs 395/2021, proc. 954/17, relatora M. J. Rangel de Mesquita; 485/2018, proc. 441/17, relator Cons. Pedro Machete; 590/2015, proc. 542/14, relator Cons. Fernando Ventura; 711/2006, proc. 1067/06, relator Cons. Pamplona de Oliveira).

Mais uma vez, impõe-se aos tribunais procurar o limite da liberdade de conformação do legislador, no confronto com o princípio da generalidade da lei de imposto. A esta questão também já respondeu o Tribunal Constitucional inúmeras vezes. Como se diz no último dos arestos citados, “averiguar (...) da existência de um particularismo suficientemente distinto para justificar uma desigualdade de regime jurídico, e decidir das circunstâncias e fatores a ter como relevantes nessa averiguação, é tarefa que primariamente cabe ao legislador, que detém o primado da concretização dos princípios constitucionais e a correspondente liberdade de conformação. Por isso, o princípio da igualdade se apresenta fundamentalmente aos operadores jurídicos, em sede de controlo da constitucionalidade, como um princípio negativo, como proibição do arbítrio”.

Ora, no caso do ASSB, o próprio legislador justifica a criação do ASSB dizendo (art.º 1º n.º 2 do regime do ASSB) que “o adicional de solidariedade sobre o setor bancário tem por objetivo reforçar os mecanismos de financiamento do sistema de segurança social, como forma de compensação pela isenção de imposto sobre o valor acrescentado (IVA) aplicável à generalidade dos serviços e operações financeiras, aproximando a carga fiscal suportada pelo setor financeiro à que onera os demais setores.” Ou seja, o ASSB aplica-se apenas aos bancos porque visa compensar a isenção dos serviços bancários em IVA, aproximando a carga fiscal suportada pelo setor financeiro à que onera os demais setores de atividade”, o que se afigura uma razão consistente com o princípio da igualdade tributária, na vertente de distribuição equitativa do esforço fiscal e, portanto, razão suficiente para afirmar que não se verifica uma diferenciação arbitrária.

O Requerente opõe que tal ratio legislativa não é válida, por uma série de razões: a isenção de IVA dos serviços bancários não é completa, implicando que os bancos não podem deduzir o IVA suportado; as operações bancárias estão na sua maioria sujeitas a imposto do selo; e as duas razões somadas fazem com que o setor bancário suporte uma carga fiscal superior, e não inferior, aos demais setores de atividade. Ora, o Requerente não demonstra que assim é. Por exemplo, não é veiculada qualquer informação quantitativa sobre o peso do IVA suportado na atividade bancária; nenhuma comparação entre o peso do imposto do selo incidente sobre a atividade dos bancos e o IVA que incidiria caso aquela não estivesse isenta deste imposto (sendo certo que as taxas de IS sobre as operações bancárias vão da taxa mínima de 0,04% à taxa máxima de 4%, contra uma taxa média de 23% no IVA); nenhuma informação quantitativa sobre o peso da fiscalidade na atividade bancária. Mas em todo o caso uma tal apreciação não poderia ficar a cargo do Tribunal, pois isso exorbitaria o campo do direito. Seria, como se diz no citado aresto do Tribunal Constitucional, entrar em particularismos técnicos que só ao legislador cabe avaliar.

Não é, contudo, despiciendo o facto de a Comissão Europeia, numa comunicação emitida em 2010,[4] ter afirmado: “Em qualquer ação futura em matéria de tributação do setor financeiro, a Comissão terá em conta a necessidade de criar as condições para uma tributação justa e equilibrada do setor financeiro, contribuindo para criar condições de concorrência mais equitativas para o setor financeiro no mercado interno, tanto em relação aos sectores não financeiros como a nível interno, a fim de minimizar as atuais distorções devido à isenção de IVA dos serviços financeiros e de reduzir uma possível dupla tributação transfronteiriça.” No cotejo com a posição veiculada pela Comissão Europeia, não se afigura ser de tomar prima facie como válida e sem qualquer demonstração nesse sentido, a afirmação do Requerente de que o setor financeiro não se encontra numa posição fiscal vantajosa criada pela isenção de IVA.

O que se mostra certo é a existência de razões, invocadas expressamente pelo legislador, que objetivamente podem afastar a hipótese de uma decisão arbitrária, e sustentar a opção legislativa de criar um regime fiscal que, considerado isoladamente, consistiria numa rutura com o princípio da generalidade da lei de imposto.

Contudo, se a razão da criação o ASSB fosse realmente a que ficou descrita, para que o tributo pudesse ser compatível com o subprincípio da generalidade dos impostos, seria forçoso que todas as atividades que, por razões técnicas (não extrafiscais), não são abrangidas pelo IVA, como as operações de seguro e resseguro, ficassem abrangidas pelo novo tributo. O que não acontece. Uma vez que o legislador também não esclarece por que motivo apenas as atividades bancárias são abrangidas pelo novo imposto, há concluir estarmos perante uma situação de arbítrio legislativo, e precisamente aquele arbítrio proibido pelo princípio da igualdade. Com efeito, como se diz no Acórdão n.º 695/2014 (rel: Carlos Fernandes Cadilha) “o princípio da igualdade tributária pode ser concretizado através de vertentes diversas: (...)uma última, está na proibição do arbítrio, no vedar a introdução de discriminações entre contribuintes que sejam desprovidas de fundamento racional.” Parece ser o caso do ASSB, tal como se encontra configurado, e pelas razões que foram sendo expostas.

Pelo que que há que concluir que o ASSB viola, efetivamente, o princípio da igualdade tributária, na sua vertente de generalidade da lei do imposto, que decorre do art.º 13º da CRP.

 

  1. Questão de saber se o Adicional de Solidariedade Sobre o Setor Bancário (ASSB) viola o princípio da tributação segundo a capacidade contributiva.

 

Alega também o Requerente que os atos de liquidação se encontram feridos de ilegalidade por violação do princípio da igualdade tributária, mas agora na sua vertente de uniformidade, ou seja, por violação do princípio da tributação de acordo com a capacidade contributiva.

Diz o Requerente, após observar que o ASSB incide sobre “o passivo apurado e aprovado pelos sujeitos passivos (…)” e/ou sobre “o valor nocional dos instrumentos financeiros derivados fora do balanço apurado pelos sujeitos passivos”, que, “encontrando a sua razão de ser na necessidade de reforço dos mecanismos de financiamento do sistema de segurança social, e incidindo sobre o passivo registado na contabilidade do Requerente, o ASSB não encontra qualquer fímbria de conexão com a sua capacidade contributiva. Mais: o ASSB não encontra, sequer, qualquer conexão com uma verdadeira tributação sobre o lucro das empresas, mesmo que este fosse estimado ou pelo menos aproximado, como legal e constitucionalmente se impõe”.

Como já anteriormente referido, o princípio da igualdade comporta, além do princípio da generalidade ou universalidade (do dever de pagar impostos e da lei de imposto) o princípio da tributação de acordo com a capacidade contributiva. A capacidade contributiva, ie. a capacidade que cada sujeito tem de contribuir para as despesas públicas é o critério que permite comparar os sujeitos para aferir a sua igualdade ou desigualdade e a medida da sua desigualdade, e distribuir a carga fiscal equitativamente.

Efetivamente, como alega o Requerente, os impostos assentam na capacidade contributiva e isto em duas aceções. Por um lado, teoricamente, a detenção, por parte de um sujeito passivo, de capacidade contributiva é um pressuposto da tributação. Se uma determinada pessoa não detém capacidade contributiva, não deverá ficar sujeita a imposto. Esta noção de capacidade contributiva “absoluta”, diga-se assim, é imposta pelo conjunto dos direitos fundamentais consagrados na Constituição Portuguesa que seriam vulnerados se o Estado tributasse aqueles que não têm capacidade contributiva (direito à vida, direito à saúde, à habitação, à família, à paternidade, etc.) É ainda esta noção de capacidade contributiva “absoluta” que está na origem da exclusão da tributação do chamado “mínimo de existência”, regulado no art.º 70º do CIRS, e também, de certo modo, no princípio da tributação das empresas de acordo com o seu rendimento real. Numa segunda aceção, os impostos assentam na capacidade contributiva no sentido em que é através da capacidade contributiva que se alcança a igualdade tributária, estando a lei de imposto vinculada ao respeito dessa equalização pela capacidade contributiva.

Também é um facto que a capacidade contributiva se manifesta através de rendimento, do património e da despesa, tal como enuncia o art.º 104º da CRP. No entanto, o legislador não está impedido de fazer incidir os impostos sobre bases tributárias que entenda refletirem indiretamente o rendimento, a despesa ou o património. Nem a Constituição, no seu art.º 104º, o impede de tal, nem o art.º 4º, nº 1 da LGT, mais taxativo a este respeito, se impõe ao legislador, não sendo essa lei, como é sabido, nem uma lei constitucional, nem uma lei ordinária com valor reforçado.

Só que, no caso do ASSB, o legislador não desvela ainda que de forma mínima qual a manifestação de riqueza que pretende atingir, e a mesma não se pode extrair de nenhum elemento estrutural do tributo. Em suma, é totalmente indeterminável qual a manifestação de capacidade contributiva que o legislador pretendeu atingir com o ASSB. E é esta opacidade total, relativamente a um elemento que tem obrigatoriamente que estar presente na estrutura de um imposto – o seu assentamento na capacidade contributiva - que, em nossa opinião, acaba por se traduzir por uma violação do princípio da igualdade. Se é certa a possibilidade de existirem entidades ou realidades económicas que, por razões técnicas, não podem ser submetidas a certos tributos, e por esse motivo diferentes tributos atingirão diferentes categorias de entidades e diferentes realidades económicas, no final, para que o princípio da igualdade tributária seja atingido, todos e cada um dos impostos que formam o sistema fiscal há de atingir uma forma de capacidade contributiva, que seja contraponível às restantes manifestações de capacidade contributiva que estão na base do conjunto dos impostos.

Neste ponto particular, não podemos deixar de concordar com o douto parecer junto pelo Requerente, em que o ASSB “padece de uma verdadeira indeterminabilidade estrutural que acaba por o colocar em rota de colisão com as próprias exigências do princípio da legalidade fiscal”. Subscrevemos ainda o referido parecer quando diz que “o ASSB, desligado da habilidosa e artificial ligação que o legislador construiu para o atrelar à CSB, [acabava] por ficar um imposto sem o correspondente chão de um tributo unilateral.” E por isso, por ser impossível determinar qual o pressuposto do imposto em termos de capacidade contributiva, por ser um imposto “sobre os bancos”, ele acarreta também, por essa via, uma inadmissível discriminação das entidades bancárias, com a consequente violação do princípio da igualdade fiscal.

A partir deste ponto, pode considerar-se prejudicado o conhecimento das restantes questões levantadas pelo Requerente. Apesar disso, pela importância de que essas questões se revestem, entende o Tribunal arbitral dever conhecer das mesmas, o que se segue.

 

  1. Questão de saber se o Adicional de Solidariedade Sobre o Setor Bancário (ASSB) viola a proibição de retroatividade dos impostos.

O Requerente entende ainda que o ASSB é materialmente inconstitucional, por violação do princípio da proibição da retroatividade da lei fiscal, ínsito no artigo 103.º, n.º 3, da CRP, bem como do princípio da tutela da confiança, que se encontra intimamente ligado ao primeiro, pelo menos no que respeita ao ASSB pago em 2020.

De acordo com o art.º 3º do regime jurídico do ASSB, o imposto incide sobre:

  1. O passivo apurado e aprovado pelos sujeitos passivos deduzido, quando aplicável, dos elementos do passivo que integram os fundos próprios, dos depósitos abrangidos pela garantia do Fundo de Garantia de Depósitos, pelo Fundo de Garantia do Crédito Agrícola Mútuo ou por um sistema de garantia de depósitos oficialmente reconhecido nos termos do artigo 4.º da Diretiva 2014/49/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de abril de 2014, relativa aos sistemas de garantia de depósitos ou considerado equivalente nos termos do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 156.º do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, dentro dos limites previstos nas legislações aplicáveis, e dos depósitos na Caixa Central constituídos por caixas de crédito agrícola mútuo pertencentes ao sistema integrado do crédito agrícola mútuo, ao abrigo do artigo 72.º do Regime Jurídico do Crédito Agrícola Mútuo e das Cooperativas de Crédito Agrícola, aprovado em anexo ao Decreto-Lei n.º 24/91, de 11 de janeiro;
  2. O valor nocional dos instrumentos financeiros derivados fora do balanço apurado pelos sujeitos passivos.

O art.º 4º contém as regras para a quantificação da base, dizendo que “[P]ara efeitos do disposto na alínea a) do artigo anterior, entende-se por passivo o conjunto dos elementos reconhecidos em balanço que, independentemente da sua forma ou modalidade, representem uma dívida para com terceiros, com exceção dos seguintes (...)”. O mesmo preceito, no nº 2, contém ainda uma série de regras sobre o que deve considerar-se nos conceitos de “passivo” e de “valor nocional dos instrumentos financeiros derivados fora do balanço”.

Tendo a lei que criou o imposto (Lei 27-A/2020) sido publicada em 24 de julho de 2020 e entrado em vigor em 25 de julho de 2020, o legislador introduziu nela, no art.º 21º, uma norma transitória visando a aplicação do imposto nos anos de 2020 e 2021.

Dispõe o nº 1 dessa disposição:

“1 - Em 2020 e 2021, a liquidação e o pagamento do adicional de solidariedade sobre o setor bancário previsto no regime que consta do anexo VI à presente lei efetua-se de acordo com as seguintes regras:

a) A base de incidência apurada nos termos dos artigos 3.º e 4.º do regime é calculada por referência à média semestral dos saldos finais de cada mês, que tenham correspondência nas contas relativas ao primeiro semestre de 2020, no caso do adicional de solidariedade devido em 2020, e nas contas relativas ao segundo semestre de 2020, no caso do adicional de solidariedade devido em 2021, publicadas em cumprimento da obrigação estabelecida no Aviso do Banco de Portugal n.º 1/2019, de 31 de janeiro, que atualiza o enquadramento normativo do Banco de Portugal sobre os elementos de prestação de contas;

b) A liquidação é efetuada pelo próprio sujeito passivo, através de declaração de modelo oficial aprovada por portaria do membro do Governo responsável pela área das finanças, que deve ser enviada até ao dia 15 de dezembro de 2020 e 2021, respetivamente;

c) O adicional de solidariedade sobre o setor bancário deve ser pago até ao último dia do prazo estabelecido na alínea anterior, nos termos previstos no n.º 1 do artigo 40.º da lei geral tributária, aprovada em anexo ao Decreto-Lei n.º 398/98, de 17 de dezembro.”

Relembre-se que, no caso do Requerente, lhe foi liquidado ASSB relativamente aos anos de 2020, 2021 e 2022.

O Requerente entende que, ao ser liquidado imposto sobre o ano de 2020, quando a lei apenas entrou em vigor no dia 25 de julho de 2020, tal consiste numa aplicação retroativa da lei e, por conseguinte, essa liquidação é ilegal por ofensa ao princípio da proibição de retroatividade dos impostos.

O Requerente ainda salvaguarda que a aplicação do imposto ao segundo semestre de 2020 possa não ser retroativa, uma vez que nos termos da al. a) do nº 1 do art,º 21º citado, “[A] base de incidência (...) é calculada por referência à média semestral dos saldos finais de cada mês, que tenham correspondência nas contas relativas ao primeiro semestre de 2020, no caso do adicional de solidariedade devido em 2020, e nas contas relativas ao segundo semestre de 2020, no caso do adicional de solidariedade devido em 2021, publicadas em cumprimento da obrigação estabelecida no Aviso do Banco de Portugal n.º 1/2019, de 31 de janeiro, que atualiza o enquadramento normativo do Banco de Portugal sobre os elementos de prestação de contas”.

Uma vez que “a média semestral dos saldos finais de cada mês”, no caso do segundo semestre de 2020, só poderia ser apurada no final do segundo semestre de 2020, isto é, em 31 de dezembro de 2020, e já estando o imposto em vigor nesta data, poderia – o Requerente não é taxativo a este respeito – ficar afastada a hipótese de retroatividade.

Sobre a questão, diz a Autoridade Tributária que não existe retroatividade na aplicação do imposto ao ano de 2020 porquanto resulta dos artigos 3º e 4º do Regime do ASSB que a base  “é calculada por referência à média anual dos saldos finais de cada mês, que tenham correspondência nas contas anuais do próprio ano a que respeita o adicional, tal como aprovadas no ano seguinte.” E “[P]or esse efeito, o que releva na formação do facto tributário sujeito a ASSB é o momento do apuramento e aprovação das contas e não o «facto material de contabilisticamente ser apurada a existência de passivo»”. Acrescentando ainda que “[Q]ue a formação do facto tributário no ASSB só se verifica com o apuramento e aprovação das contas”.

Não podemos acompanhar esta interpretação. Uma coisa é a realização do facto tributário, outra a sua quantificação, ou até a sua cognoscibilidade. Como sabemos, nem sempre o facto tributário é cognoscível no momento em que se realiza, sendo esta uma situação comum no direito fiscal, que tem apenas a ver com a dificuldade no conhecimento e quantificação do facto tributário. Tomemos como exemplo o que acontece no âmbito do IRC, cujo art.º 17º, referente à determinação da base, é, aliás, em tudo semelhante ao art.º 21º, nº 1, al. a) da Lei n.º 27-A/2020.

Nos termos daquele preceito, “O lucro tributável das pessoas coletivas e outras entidades mencionadas na alínea a) do n.º 1 do artigo 3.º é constituído pela soma algébrica do resultado líquido do período e das variações patrimoniais positivas e negativas verificadas no mesmo período e não refletidas naquele resultado, determinados com base na contabilidade e eventualmente corrigidos nos termos deste Código.”

Ora, considerando o lucro tributável do ano N – base tributável do ano N – ele só irá ser conhecido e quantificado com base nas contas desse ano, que serão, com normalidade, aprovadas no primeiro trimestre do ano seguinte. Não quer isto dizer que o lucro tributável aprovado nas contas que foram efetivamente preparadas e aprovadas no ano N1 seja lucro tributável do ano N1. E por isso nunca se dirá que o facto tributável, no IRC, apenas se verifica com a aprovação das contas. A aprovação das contas dá a conhecer o facto tributário, quer na sua existência, pois as contas permitem apurar se existe lucro, quer na sua quantidade, pois as contas quantificam o lucro.

Independentemente dos considerandos anteriores, o Tribunal Constitucional (Ac. TC nº 149/2024, proc. 638/2022. Rel: José António Teles Pereira) já se pronunciou sobre a retroatividade da aplicação do ASSB ao ano de 2020, tendo-o feito nos seguintes termos:

“2.5 Recordemos, antes de mais, que a norma transitória sub judice prevê que a base de incidência prevista no Regime do ASSB, no caso do adicional de solidariedade devido em 2020, é calculada por referência à média semestral dos saldos finais de cada mês, que tenham correspondência nas contas relativas ao primeiro semestre de 2020 publicadas em cumprimento da obrigação estabelecida no Aviso do Banco de Portugal n.º 1/2019, de 31 de janeiro, que atualiza o enquadramento normativo do Banco de Portugal sobre os elementos de prestação de contas.

Considerando que o ASSB foi criado pela Lei n.º 27-A/2020, de 24 de julho, que entrou em vigor em 25/07/2020, salta à vista que os factos tributários principais se situam no passado relativamente à publicação e entrada em vigor daquele diploma.

A recorrida AT invoca que “[…] o que releva na formação do facto tributário sujeito a ASSB é o momento do apuramento e aprovação das contas e não o «facto material de contabilisticamente ser apurada a existência de passivo»” e que “[…] a formação do facto tributário no ASSB só se verifica com o apuramento e aprovação das contas”. O argumento, porém, não convence. Poderia, eventualmente, relevar se o imposto não tivesse de ser pago ainda no ano 2020, até 15 de dezembro (artigo 21.º, n.º 1, alínea b), da Lei n.º 27-A/2020, de 24 de julho), o que implica, naturalmente, que o facto tributário se encontre totalmente verificado. Não vale, pois, para esta hipótese, designadamente, a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo (referida no Acórdão n.º 268/2021, ao apreciar a questão prévia da utilidade do recurso), relativa à Contribuição sobre o Setor Bancário.

Afirmar, como faz a AT, que a “formação do facto tributário do ASSB relativo ao primeiro semestre de 2020, não se prescinde dessas ‘complexas operações de avaliação’ nem se pode deixar de ter em conta os ‘ajustamentos posteriores à data de balanço’, que se verificam com o apuramento e aprovação das contas”, quando essas contas apenas podem ser aprovadas em 2021, após o encerramento do exercício anual (cfr. artigo 65.º do Código das Sociedades Comerciais), e o imposto tem de ser liquidado em dezembro de 2020 é um contrassenso. Ao situar a liquidação ainda em 2020, o legislador não pode invocar um facto tributário ainda em formação, porque a liquidação, enquanto ao final que determina o montante de imposto a pagar, pressupõe necessariamente um facto tributário já formado.”

O Tribunal conclui que “[E]m suma, é apenas o apuramento contabilístico do saldo médio do primeiro semestre de 2020 – e não o seu reflexo nas contas anuais – que releva para a incidência do imposto, pelo que a respetiva tributação por lei entrada em vigor em 25/07/2020 só pode ter-se como irremediavelmente retroativa e, consequentemente, violadora do disposto no artigo 103.º, n.º 3, da Constituição.

Perfilhando a posição do Tribunal Constitucional neste recente aresto, julga-se também inconstitucional a aplicação do ASSB ao exercício de 2020, por violação do princípio da proibição de retroatividade dos impostos.

 

  1. Questão de saber se o Adicional de Solidariedade Sobre o Setor Bancário (ASSB) viola a Diretiva 2014/59/UE29 (Diretiva sobre Recuperação e Resolução Bancárias)

O Requerente alega ainda que o ASSB é incompatível com a Diretiva 2014/59/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de maio de 2014, que estabelece um enquadramento para a recuperação e a resolução de instituições de crédito e de empresas de investimento e que altera a Diretiva 82/891/CEE do Conselho (“Diretiva 2014/59/UE”), e o Regulamento Delegado (UE) 2015/63 da Comissão de 21 de outubro de 2014, que complementa a Diretiva 2014/59/UE do Parlamento Europeu e do Conselho no que se refere às contribuições ex ante para os mecanismos de financiamento da resolução (“Regulamento Delegado 2015/63”), ambos aplicáveis desde janeiro de 2015 e, como tal, plenamente aplicáveis na data das Autoliquidações.

A questão de saber se o Adicional de Solidariedade Sobre o Setor Bancário (ASSB) viola a Diretiva 2014/59/UE29 (Diretiva sobre Recuperação e Resolução Bancárias) foi recentemente decidida pelo Tribunal de Justiça da União Europeia, no acórdão proferido sobre o caso C‑340/22 (ac. TJUE de 21.12.2023, C‑340/22, Cofidis, ECLI:EU:C:2023:1019), que teve por objeto uma questão prejudicial suscitada num processo de impugnação de uma liquidação de ASSB perante um tribunal arbitral constituído junto do CAAD.

No processo de reenvio, o tribunal arbitral formulou as seguintes questões prejudiciais:

  1. A Diretiva [2014/59] opõe‑se à tributação, num Estado‑Membro, das sucursais de instituições financeiras residentes noutro Estado‑Membro da União Europeia, através de uma legislação como o regime doméstico português do [ASSB] caso o tributo incida sobre o passivo ajustado e sobre o valor nocional dos instrumentos financeiros derivados fora do balanço e cujas receitas não são afetas aos mecanismos nacionais de financiamento das medidas de resolução e para efeitos de financiamento do Fundo Único de Resolução?
  2. A liberdade de estabelecimento prevista no artigo 49.° do TFUE opõe‑se a uma legislação nacional, como a que está em causa no regime doméstico português do [ASSB], que permite deduzir ao passivo apurado e aprovado certos elementos do passivo que contam para o cálculo dos [capitais] próprios de nível 1 e os [capitais] próprios de nível 2, de acordo com o disposto na parte II do [Regulamento n.° 575/2013], tendo em consideração as disposições transitórias previstas na parte IX do mesmo Regulamento, que apenas podem ser emitidos por entidades com personalidade jurídica, isto é, que não podem ser emitidos por sucursais de instituições de créditos não residentes?»

Das duas questões colocadas, só a primeira releva para a apreciação dos presentes autos, já que, não se estando, no caso presente, perante uma sucursal de uma instituição de crédito não residente, a questão da possível diferença de tratamento entre sucursais de entidades de residentes e entidades residentes não se coloca.

Quanto à primeira questão o Tribunal responde o seguinte:

“22.  Primeiro, nos termos do artigo 1.°, n.° 1, da Diretiva 2014/59, esta estabelece regras e procedimentos relativos à recuperação e resolução das entidades enumeradas nessa disposição.

23      Segundo, como resulta dos considerandos 1 e 5 desta diretiva, esta foi adotada na sequência da crise financeira, que demonstrou a necessidade de prever instrumentos adequados para tratar a insolvência, nomeadamente, das instituições de crédito, fazendo suportar os riscos correspondentes aos seus acionistas e credores, e não aos contribuintes. Em conformidade com o considerando 103 da referida diretiva, incumbe com efeito ao setor financeiro, no seu conjunto, financiar a estabilização do sistema financeiro.

24      Terceiro, neste contexto, as contribuições pagas por estas instituições ao abrigo da mesma diretiva não constituem impostos, mas procedem, pelo contrário, de uma lógica baseada na garantia (v., neste sentido, Acórdão de 15 de julho de 2021, Comissão/Landesbank Baden‑Württemberg e CUR, C‑584/20 P e C‑621/20 P, EU:C:2021:601, n.° 113).

25      A Diretiva 2014/59 não tem, portanto, de forma alguma por finalidade harmonizar a fiscalidade das instituições de crédito que exercem uma atividade na União.

26      Por conseguinte, a Diretiva 2014/59 não pode obstar à aplicação de um imposto nacional, como o ASSB, que incide sobre o passivo das referidas instituições e cujas receitas visam financiar o sistema nacional de segurança social, sem apresentar nenhuma relação com a resolução e a recuperação dessas mesmas instituições. A circunstância de a forma de cálculo desse imposto apresentar semelhanças com a das contribuições pagas por força da Diretiva 2014/59 é irrelevante a este respeito.

27      Assim, importa responder à primeira questão que a Diretiva 2014/59 deve ser interpretada no sentido de que não se opõe a uma regulamentação nacional que cria um imposto que onera o passivo das instituições de crédito, cuja forma de cálculo é alegadamente semelhante à das contribuições pagas por estas instituições ao abrigo desta diretiva, mas cujas receitas não são afetas aos mecanismos nacionais de financiamento de medidas de resolução.”

A decisão do Tribunal é clara e por si só elucidativa quanto à questão colocada pelo Requerente nos presentes autos. A Diretiva 2014/59 estabelece regras e procedimentos relativos à recuperação e resolução das entidades enumeradas no seu artigo 1.°, n.° 1; a diretiva prevê que as instituições financeiras paguem contribuições para formação de fundos de garantia a utilizar em caso de insolvência das mesmas instituições; o ASSB não se destina à formação de fundos de garantia, existindo no ordenamento nacional uma contribuição financeira com esse objetivo; a diretiva não pretendeu harmonizar a tributação sobre as entidades financeiras, pelo que não impede que outros tributos, com uma configuração e uma ratio diferentes, sejam criados sobre os bancos.

Não existe, pois, incompatibilidade entre o ASSB e a Diretiva 2014/59, pois esta apenas harmoniza o sistema de tributação das instituições financeiras no âmbito das contribuições para a formação de fundos de garantia a utilizar em caso de insolvência ou risco de insolvência dos bancos.

 

  1. Questão de saber se a autoliquidação impugnada originou uma situação de dupla tributação e, em caso afirmativo, tal dupla tributação é geradora de ilegalidade da autoliquidação.

Poderá ser útil começar por referir os vários tipos de dupla tributação que a doutrina habitualmente distingue. A primeira é a dupla tributação jurídica internacional, que ocorre quando a mesma base tributável é tributada em duas jurisdições diferentes com a mesma qualificação (rendimento, lucro, volume de negócios, etc.) No caso dos autos esta forma de dupla tributação está afastada à partida, uma vez que não está em causa uma tributação em duas jurisdições diferentes (ac. STA,10.11.2021, proc. nº 0255/17.1BESNT. Rel: Joaquim Condesso)

Passando à dupla tributação que ocorre dentro do mesmo ordenamento jurídico, a modalidade mais frequente é a da “chamada dupla tributação económica.” Na dupla tributação económica, a mesma base tributável (a mesma riqueza) é tributada duas vezes, sob as vestes de dois factos tributários distintos (vg. lucro e dividendos), na esfera de sujeitos distintos, e normalmente no âmbito de dois impostos distintos.[5] É o caso da dupla tributação económica dos lucros, que, sendo tributados uma primeira vez, com a qualificação de lucro empresarial, na esfera jurídica da sociedade, podem ser seguidamente tributados, já com a qualificação jurídica de dividendos, na esfera jurídica dos sócios, e eventualmente, mas não necessariamente, num imposto distinto (no ordenamento nacional tanto os lucros como os dividendos poderão ser tributados quer no IRC quer no IRS). Outro caso evidente de dupla tributação económica é o da tributação de certas transmissões onerosas de imóveis (compra e venda) em IMT e em Imposto do Selo.

Uma segunda espécie de dupla tributação no plano interno seria a “dupla tributação jurídica interna”. Aqui estaríamos perante a múltipla (dupla) tributação, já não apenas da mesma riqueza, mas do mesmo facto tributário (mesma fattispecie), sob o mesmo imposto, na esfera do mesmo sujeito passivo[6], quer porque o facto se subsume a duas diferentes previsões de facto tributário da mesma lei, quer porque o mesmo facto se subsume múltiplas vezes, mercê das normas de funcionamento do imposto, à mesma previsão de facto tributário da mesma lei[7]. Na prática, a distinção não é muito relevante, pelas razões que a seguir se expõem.

Ao contrário do que acontece em alguns ordenamentos nossos vizinhos, em que algumas formas de dupla tributação interna são expressamente proibidas, como em Itália (em que a dupla tributação jurídica do rendimento é expressamente proibida[8]) e na Alemanha, em que a Constituição Federal proíbe a dupla tributação no plano do federalismo fiscal[9]), no nosso ordenamento não existe qualquer proibição, nem na lei ordinária nem na Constituição, do fenómeno da dupla tributação.

A jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo tem vindo a firmar-se no sentido de que a dupla tributação interna (económica ou jurídica) não é, em princípio, contrária ao ordenamento constitucional tributário, podendo mesmo ser querida pelo legislador (STA 12.07.2006, proc. 0126/06; STA 02.05.2012, proc. 0693/11; STA 30.11.2010, proc. 0513/10). Contudo, a dupla tributação jurídica interna pode traduzir-se numa violação de princípios constitucionais, como o princípio da igualdade, o princípio da proibição de confisco, ou o princípio da proibição do arbítrio.

No caso dos autos, é, desde logo, pelo menos, questionável se estamos perante uma dupla tributação, dependendo a solução de considerarmos estarmos perante uma única previsão do facto tributário ou perante duas previsões do facto tributário, e também de considerarmos estarmos perante um único facto tributário ou de dois factos tributários. Se tivermos um único facto tributário e uma única previsão de facto tributário, a situação não será de dupla tributação, mas de duplicação de coleta.

Vejamos. A norma de incidência principal no ASSB é o art.º 3º do Regime Jurídico do ASSB, que dispõe:

Artigo 3.º

Incidência objetiva

O adicional de solidariedade sobre o setor bancário incide sobre:

  1. O passivo apurado e aprovado pelos sujeitos passivos deduzido, quando aplicável, (...);
  2. O valor nocional dos instrumentos financeiros derivados fora do balanço apurado pelos sujeitos passivos.

 

O art.º 4º dita a forma como se quantifica a base do imposto definida no art.º 3º, da seguinte forma:

Artigo 4.º

Quantificação da base de incidência

(...)

4 - A base de incidência apurada nos termos do artigo 3.º e dos números anteriores é calculada por referência à média anual dos saldos finais de cada mês, que tenham correspondência nas contas anuais do próprio ano a que respeita o adicional, tal como aprovadas no ano seguinte.

 

Conclui-se, assim, que a base de incidência do ASSB é um conjunto de passivos dos bancos, calculado por referência à média anual dos saldos finais de cada mês, que tenham correspondência nas contas anuais do próprio ano a que respeita o imposto. Ou seja, como o passivo vai variando ao longo do ano, o que se tributa não é o “passivo do ano”, mas a média anual dos saldos do passivo apurados mensalmente. Porque assim é, os mesmos passivos podem integrar a base tributável mais do que uma vez, em condições normais.

O art.º 21º da Lei n.º 27-A/2020, de 24 de Julho, norma transitória para os anos de 2020 e 2021, apresenta-se, por seu turno, como uma norma sobre determinação da matéria coletável, dizendo:

Artigo 21.º

Disposição transitória

1 - Em 2020 e 2021, a liquidação e o pagamento do adicional de solidariedade sobre o setor bancário previsto no regime que consta do anexo VI à presente lei efetua-se de acordo com as seguintes regras:

  1. A base de incidência apurada nos termos dos artigos 3.º e 4.º do regime é calculada por referência à média semestral dos saldos finais de cada mês, que tenham correspondência nas contas relativas ao primeiro semestre de 2020, no caso do adicional de solidariedade devido em 2020, e nas contas relativas ao segundo semestre de 2020, no caso do adicional de solidariedade devido em 2021, publicadas em cumprimento da obrigação estabelecida no Aviso do Banco de Portugal n.º 1/2019, de 31 de janeiro, que atualiza o enquadramento normativo do Banco de Portugal sobre os elementos de prestação de contas;
  2. A liquidação é efetuada pelo próprio sujeito passivo, através de declaração de modelo oficial aprovada por portaria do membro do Governo responsável pela área das finanças, que deve ser enviada até ao dia 15 de dezembro de 2020 e 2021, respetivamente;
  3. O adicional de solidariedade sobre o setor bancário deve ser pago até ao último dia do prazo estabelecido na alínea anterior, nos termos previstos no n.º 1 do artigo 40.º da lei geral tributária, aprovada em anexo ao Decreto-Lei n.º 398/98, de 17 de dezembro.

Ou seja, a base de incidência – o passivo tributável – do ano 2020 corresponde à média dos saldos mensais determinada no final do primeiro semestre de 2020. A base de incidência do ano 2021 corresponde à média dos saldos mensais determinada no final do segundo semestre de 2020. Não estamos, assim, perante duas normas de incidência diferentes, pois a norma de incidência continua a ser o art.º 3º, e de acordo com esta norma a base de incidência é o passivo. Também não se pode dizer que estejamos perante o mesmo facto tributário pois, uma vez que, como já antes ficou demonstrados, os mesmos passivos podem integrar a base tributável mais do que uma vez, o que interessa é apenas e só o momento por referência ao qual se apura a média de saldos mensais de passivos. E neste caso, não há dúvida, as médias são apuradas por referência a momentos distintos.

 

  1. Questão de saber se o Adicional de Solidariedade Sobre o Setor Bancário (ASSB) viola o princípio da não consignação dos impostos.

Iremos seguir de perto, quanto a este ponto, o que foi considerado e decidido no processo arbitral nº 104/2023-T, por concordarmos inteiramente com o seu teor.

O nº 2 do art.º 1º do Regime do ASSB estabelece que o adicional de solidariedade sobre o setor bancário “tem por objetivo reforçar os mecanismos de financiamento do sistema de segurança social, como forma de compensação pela isenção de imposto sobre o valor acrescentado (IVA) aplicável à generalidade dos serviços e operações financeiras, aproximando a carga fiscal suportada pelo setor financeiro à que onera os demais setores.”

O art.º 9º do mesmo regime, soba epígrafe “consignação”, por sua vez, diz que “[A] receita do adicional de solidariedade sobre o setor bancário constitui receita geral do Estado, sendo integralmente consignado ao Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social.

Estabelece o nº 1 do art.º 16º da LEO (Lei de Enquadramento Orçamental) que “[N]ão pode afetar-se o produto de quaisquer receitas à cobertura de determinadas despesas”, estabelecendo o princípio da não consignação das receitas fiscais.

Mas o nº 2 do mesmo preceito, contudo, enumera uma série de exceções ao princípio, entre as quais se encontram, na al. c) “[A]s receitas afetas ao financiamento da segurança social e dos seus diferentes sistemas e subsistemas, nos termos legais”.

A partir daqui transcrevemos a decisão arbitral do Processo nº 104/2023-T, que elabora a questão de forma perfeitamente clara:

“(...) o Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social é um património autónomo que tem por objetivo assegurar a estabilização financeira do sistema contributivo de Segurança Social, constituindo-se como uma reserva.

Ora, o n.º 1 e n.º 5 do artigo 90.º da Lei de Bases da Segurança Social, Lei n.º 4/2007, de 16 de janeiro, sob a epigrafe “Formas de financiamento”, dispõe que:

“1 - A proteção garantida no âmbito do sistema de proteção social de cidadania é financiada por transferências do Orçamento do Estado e por consignação de receitas fiscais.

(…)

5 - Podem constituir ainda receitas da ação social as verbas consignadas por lei para esse efeito, nomeadamente as provenientes de receitas de jogos sociais.”

Assim sendo, a segurança social não apresenta unicidade na sua forma de financiamento, recorrendo desde transferências do OE, a consignação de receitas fiscais e a contribuições.

Como resultado do princípio de diversificação das fontes de financiamento, a segurança social apresenta, na própria LBSS, art.º 92, as diversas fontes admissíveis para o seu financiamento e, como tal, constituem fontes de financiamento, as quotizações dos trabalhadores, as contribuições das entidades empregadoras, as transferências do Estado e outras entidades públicas, as receitas fiscais legalmente previstas, os rendimentos de património próprio e os rendimentos do património consignados ao reforço do fundo de estabilização financeira da segurança social, o produto de comparticipação previsto na lei ou regulamentos, o produto de sanções pecuniárias, as transferências de organismos estrangeiros e o produto de eventuais excedentes da execução do OE de cada ano, bem como outras legalmente previstas ou permitidas.

Perante o exposto, assente que o ASSB é consignado, por lei, ao FEFSS, é inequívoco que se enquadra na exceção ao princípio da não consignação de quaisquer receitas à cobertura de determinadas despesas, contemplada na alínea c) do artigo 16.º da LEO. Pelo mesmo motivo, acompanhamos o argumento da Requerida que também não colhe a argumentação expendida na petição inicial relativamente ao carácter excecional e temporário da medida, nos termos da alínea f) do n.º 2 e n.º 3 do artigo 16.º da LEO.”

Acompanhando integralmente, como já antes foi expresso, a interpretação defendida na referida decisão arbitral, consideramos que o ASSB não viola a regra orçamental da não consignação das receitas fiscais, uma vez que se contém nas exceções admitidas ao princípio pela própria Lei de Enquadramento Orçamental.

 

  1. Questão de saber se o Adicional de Solidariedade Sobre o Setor Bancário (ASSB) viola a regra da especificação orçamental das receitas e despesas do Estado.

 

O art.º 105º da CRP dispõe, em matéria de orçamento do Estado:

Artigo 105.º

Orçamento

1. O Orçamento do Estado contém:

a) A discriminação das receitas e despesas do Estado, incluindo as dos fundos e serviços autónomos;

b) O orçamento da segurança social.

(...)

3. O Orçamento é unitário e especifica as despesas segundo a respetiva classificação orgânica e funcional, de modo a impedir a existência de dotações e fundos secretos, podendo ainda ser estruturado por programas.

(...)

Em concretização do disposto neste preceito constitucional, a Lei de Enquadramento Orçamental (Lei nº 151/2015, de 11 de setembro), estipula, no seu art.º 17º, nº 2:

“(...)

2 - As receitas são especificadas por classificador económico e fonte de financiamento.

(...)

É um facto que o Orçamento do Estado para 2020 (Lei n.º 2/2020, de 31 de Março) não faz qualquer referência às receitas do ASSB, nem poderia fazer, dado que o imposto não se encontrava ainda criado no momento em que a Lei do Orçamento do Estado foi aprovada.

Mas, como observa a Autoridade Tributária, o ASSB foi aprovado pela Lei que aprovou o Orçamento Suplementar do mesmo ano (Lei nº 27-A/2020, de 24 de julho), o qual integra o orçamento do Estado para 2020, o que faz com o que o imposto seja mencionado no orçamento do Estado de 2020, por via da lei suplementar. Mas tal não significa nem se traduz automaticamente numa previsão da receita.

Sobre esta questão, o Supremo Tribunal Administrativo pronunciou-se recentemente, nos seguintes termos (STA, 12-04-2023, proc. 0371/12.5BESNT. Rel: Pedro Vergueiro):

“(…) Inexistem dúvidas quanto à necessidade de especificação das receitas e das despesas, por força do princípio da discriminação orçamental, de acordo com o qual o orçamento, enquanto «previsão, em regra anual, das despesas a realizar pelo Estado e dos processos de as cobrir, incorporando a autorização concedida à Administração Financeira para cobrar as receitas e realizar as despesas e, limitando os poderes financeiros da Administração em cada período anual» (Cfr. António de Sousa Franco, em «Finanças Públicas e Direito Financeiro», vol. I, 4.ª edição, Coimbra, p. 54.), deve especificar suficientemente as receitas previstas e as despesas fixadas.

A obrigação de especificação das receitas e das despesas orçamentais resulta da alínea a) do n.º 1 e do n.º 3 do art.º 105.º da CRP, onde se estabelece que o Orçamento do Estado contém «[a] discriminação das receitas e despesas do Estado, incluindo as dos fundos e serviços autónomos», e que «[o] Orçamento prevê as receitas necessárias para cobrir as despesas, definindo a lei as regras da sua execução, as condições a que deverá obedecer o recurso ao crédito público e os critérios que deverão presidir às alterações que, durante a execução, poderão ser introduzidas pelo Governo nas rubricas de classificação orgânica no âmbito de cada programa orçamental aprovado pela Assembleia da República, tendo em vista a sua plena realização”.

(...)”

Resumindo, as receitas do ASSB tinham que estar previstas no Orçamento do Estado (aliás, nos sucessivos orçamentos do Estado, por força da alínea a) do n.º 1 e do n.º 3 do art.º 105.º da CRP), independentemente da classificação com que devessem lá constar, ou do nível de desagregação que lhes deveria ser dado.

Não há dúvida de que as receitas do ASSB não constavam do Orçamento do Estado aprovado pela Lei n.º 2/2020, de 31 de Março, uma vez que nessa data o imposto ainda não tinha sido criado. E quanto ao Orçamento Suplementar, aprovado pela Lei n.º 27-A/2020, de 24 de julho, as receitas previstas com a cobrança do ASSB também não constam del.

Desta forma, não se cumpriu, quanto ao ASSB, a regra constitucional da discriminação orçamental, o que torna as liquidações do imposto ilegais. Acompanhando Lopes de Sousa, “a falta de inscrição orçamental de receita liquidada sujeita a tal inscrição será um vício do ato tributário gerador da sua ilegalidade abstrata, equiparável aos vícios de inexistência do tributo (…)” (LOPES DE SOUSA, J, Código de Procedimento e Processo Tributário, Anotado e Comentado, Vol III, 6.ª ed, 2011 pág. 451).

Assim, as liquidações em causa são também ilegais por falta de inscrição orçamental da respetiva receita.

 

VII – DECISÃO

Por tudo o exposto, o Tribunal Arbitral julga procedente o pedido de anulação, com base em violação do princípio constitucional da igualdade tributária, quer na sua vertente de universalidade, que na sua vertente de tributação de acordo com a capacidade contributiva, dos atos impugnados, que são:

  1. Autoliquidação de Adicional de Solidariedade sobre o Setor Bancário número..., relativa ao ano 2020, através da qual foi autoliquidado imposto no valor de € 45.249,53;
  2. Autoliquidação de Adicional de Solidariedade sobre o Setor Bancário número ..., relativa ao ano 2021, através da qual foi autoliquidado imposto no valor de € 38.394,58;
  3. Autoliquidação de Adicional de Solidariedade sobre o Setor Bancário número..., relativa ao ano 2022, através da qual foi autoliquidado imposto no valor de € 45.851,15;
  4. Indeferimento tácito da reclamação graciosa apresentada no dia 12 de dezembro de 2022, contra as referidas autoliquidações.

 

VIII - VALOR DO PROCESSO

Em conformidade com o disposto nos artigos 306.º, n.º 2 do CPC e 97.ºA do CPPT, e artigo 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, o valor do pedido é fixado em 129.495,26 € (cento e vinte e nove mil, quatrocentos e noventa e cinco euros e vinte e seis cêntimos).

 

IX - CUSTAS ARBITRAIS

Nos termos do disposto nos artigos 12.º, n.º 2 e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e no artigo 4.º, n.º 4 do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o valor da taxa de arbitragem em 3.060,00 € (três mil e sessenta euros), nos termos da Tabela I do mencionado Regulamento, a cargo da Requerida, a Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

X – NOTIFICAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO

Notifique-se o Ministério Público, nos termos do art. 17.º, 3 do RJAT.

 

Registe-se e notifique-se.

 

Lisboa, 8 de março de 2024

 

Os Árbitros

 

(Fernando Araújo - presidente)

 

(Nina Aguiar –relatora)

 

 

(João Pedro Rodrigues –vogal)

 



[1] Segunda Diretiva do Conselho 67/228/EEC de 11 de abril de 1967 sobre a harmonização da legislation dos Estados Membros relativa a impostos sobre o volume de negócios – Estrutura e procedimentos para a aplicação do sistema comum de um imposto sobre o valor acrescentado, JOCE 1303/67 14.04.67.

[2] Rita de La Feria, The EU VAT treatment of insurance and financial services (again) under review, EC Tax Review, 2007, 2, p. 74; Claus Bohn Jespersen, Intermediation of Insurance and Financial Services in European VAT, Wolter Kluwer Law & Business, 2011, p. 184;  Oskar Henkow, Financial activities in European VAT – A theoretical and legal research of the European VAT system and the actual and preferred treatment of financial activities, Kluwer Law International, 2008, p. 97.

[3] Claus Bohn Jespersen, op. cit., p. 182.

[4] Comissão Europeia, Communication from the Commission to the European Parliament, the Council, the Eeuropean Economic and Social Committee and the Committee of the Regions. Taxation of the financial sector. Brussels, 7.10.2010. COM(2010) 549 final.

[5] Alguma doutrina prefere reservar para este fenómeno a designação de “duplo fardo fiscal” (Witscher, T., Sachliche Versischerungsteuerbarkeit, Vol. 34, LIT Verlag, Berlim, 2022, p. 196.

[6] Lang, J., §7 Allgemeines Steuerschuldrecht, in Tipke/Lang, Steuerrecht, 18ª ed., Colónia, Otto Schmidt, 2005, p. 176.

[7] Lang, J., Ibidem.

[8] Artigo 163 Testo unico delle imposte sui redditi (TUIR). (D.P.R. 22 dicembre 1986, n. 917)

[9] Artigo 105 da Constituição alemã.