Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 262/2023-T
Data da decisão: 2024-03-07  IRC IVA  
Valor do pedido: € 332.228,07
Tema: Métodos Indiretos; IVA; direito à dedução; IRC; dedutibilidade de gastos; depreciações e amortizações.
Versão em PDF

Sumário:

I -No caso da matéria tributável ser determinada por métodos indiretos, tal ocorre para a sua totalidade, não sendo possível um apuramento simultâneo parcialmente direto e indireto.

II -Um determinado gasto pode ser considerado dedutível em sede de IRC, mas o IVA suportado em relação ao mesmo não ser dedutível ao IVA liquidado pelo sujeito passivo, uma vez que são diversas as exigências (particularmente formais) de dedução em sede de um e de outro imposto. Em IRC a dedutibilidade do gasto deve ser aceite demonstrada que esteja a conexão entre o gasto e a atividade da sociedade suscetível de gerar rendimentos; em sede de IVA é de atender aos requisitos documentais expressamente consagrados na lei nacional e reconhecidos na legislação e jurisprudência europeias.

III -A aferição da dedutibilidade de gastos em IRC e do IVA suportado em relação a tais gastos deverá assentar numa análise casuística da empresa e de cada uma das despesas ou tipos de despesas em causa.

IV -O TJUE tem sido consistente em considerar como não dedutível o IVA que foi liquidado no âmbito do regime geral, quando deveria ter sido aplicado o mecanismo de autoliquidação, admitindo como exceção para o pedido de reembolso à autoridade tributária o caso de impossibilidade ou excessiva dificuldade de tal ser obtido do vendedor, o que caberia à Requerente provar.

V -O cadastro de ativos fixos tangíveis da empresa deve ter informação que permita confirmar a manutenção do contributo dos bens para a atividade operacional, critério prévio à dedução fiscal da depreciação, decidida em cada ano, e independentemente do ano a que se refere a aquisição, sendo aquele o suporte – identificativo do contributo para a atividade operacional - que terá de ser mantido por 10 anos. Não tendo sido feita prova do contributo operacional de certos bens, nem sequer concretamente identificados, para ter praticado certas depreciações, devem as mesmas ser desconsideradas.

 

DECISÃO ARBITRAL

 

Os Árbitros Prof.ª Doutora Regina de Almeida Monteiro (Presidente), Dr. Luís Cupertino Ferreira e Dr. João Taborda da Gama (Adjuntos), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formar o Tribunal Arbitral Coletivo, acordam no seguinte:

 

RELATÓRIO

SOCIEDADE A..., S.A., titular do número de identificação de pessoa coletiva..., com sede na ..., n.º ..., ...-... Lisboa (doravante, a “Requerente”), veio nos termos e para os efeitos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º, n.º 3, alínea a), 6.º, n.º 2, alínea a) e 10.º e seguintes do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (doravante, “RJAT”), em conjugação com o artigo 99.º, alínea a) e o artigo 102.º, n.º 1, alínea f) e n.º 2, ambos do Código de Procedimento e de Processo Tributário (doravante, “CPPT”), requerer a constituição do tribunal arbitral coletivo, em que é Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (doravante, a “Requerida” ou “AT”), tendo em vista a declaração de ilegalidade dos atos de liquidação adicional de IVA n.º ..., do período 1601M, n.º ..., do período 1602M, n.º ..., do período 1603M, n.º ..., do período 1604M, n.º ..., do período 1605M, n.º..., do período 1606M, n.º 2022..., do período 1607M, n.º 2022..., do período 1607M, n.º ..., do período 1608M, n.º..., do período 1609M, n.º ..., do período 1610M, n.º..., do período 1611M, n.º..., do período 1612M, n.º..., do período 1701M, n.º..., do período 1702M, n.º..., do período 1703M, n.º..., do período 1704M, n.º ..., do período 1705M, n.º ..., do período 1706M, n.º ..., do período 1707M, n.º ..., do período 1708M, n.º ..., do período 1709M, n.º ..., do período 1710M, n.º..., do período 1711M, n.º..., do período 1712M, n.º..., do período 1801M, n.º..., do período 1802M, n.º..., do período 1803M, n.º..., do período 1804M, n.º..., do período 1805M, n.º ..., do período 1806M, n.º..., do período 1807M, n.º..., do período 1808M, n.º ..., do período 1809M, n.º ..., do período 1810M, e respetivas liquidações de juros e demonstrações de acertos de contas, que apuraram um valor a pagar de € 7.124,99, e de IRC n.º 2022..., do período de 2016, e n.º 2022..., do período de 2017, e respetivas liquidações de juros e demonstrações de acertos de contas, que apuraram um valor a pagar de € 325.103,08, perfazendo a quantia global de € 332.228,07, e bem assim, que se determine a condenação da Requerida no reembolso dos montantes alegadamente indevidamente pagos, acrescidos de juros indemnizatórios.

De acordo com os artigos 5.º, n.º 3, alínea a) e 6.º, n.º 2, do RJAT, o Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa designou como árbitros os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

O Tribunal Arbitral foi constituído no CAAD, em 21 de junho de 2023, conforme comunicação do Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD.

Notificada para o efeito, a Requerida apresentou a sua Resposta extemporaneamente, tendo a mesma sido desentranhada dos autos.

Por despacho arbitral proferido em 13 de setembro de 2023, ao abrigo do artigo 18.º do RJAT, foi determinada a dispensa de prova testemunhal e notificadas as partes para virem apresentar alegações escritas simultâneas no prazo de 20 dias.

Em 22 de setembro de 2023 a Requerida veio juntar aos autos o Processo Administrativo instrutor.

O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído, à face do preceituado na alínea e) do n.º 1 do artigo 2.º, e do n.º 1 do artigo 10.º, ambos do RJAT.

As partes estão devidamente representadas gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade (artigo 4.º e n.º 2 do artigo 10.º, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

Não há nulidades.

Tanto a Requerente como a Requerida apresentaram alegações em 9 de outubro de 2023.

A Requerente alega, em síntese:

  1. Que com início em janeiro de 2019, foi alvo de inspeções tributárias, sendo uma externa de âmbito parcial em sede de IVA ao período de 2018/111 (OI2019...), outra de âmbito geral ao período de 2016 (OI2019...) e outra ainda de âmbito parcial em sede de IRC e de IVA ao período de 2017 (OI2019...), sendo as conclusões de tais procedimentos sintetizadas num único Relatório de Inspeção (o “RIT”).
  2. Que o Relatório contém, simultaneamente, correções aritméticas e alegada determinação de matéria coletável em sede de IRC e IVA por métodos indiretos, as quais foram incorporadas nas liquidações impugnadas no presente processo arbitral.
  3. Que a “determinação por métodos indiretos” mais não é do que meras correções aritméticas, ou seja, a aplicação de um método diferente para operar a dedução de IVA e de gastos em IRC, até pelo facto de a Requerida apenas ter aplicado tais “métodos indiretos” à determinação dos gastos dedutíveis com eletricidade e não à totalidade da matéria coletável relevante para estes impostos.
  4. Que, tendo aceite parte das correções propostas pelos Serviços de Inspeção Tributária (“SIT”), as restantes correções, no valor de € 424.147,02 (sendo o montante de € 61.101,04 relativo a correções em sede de IVA e o montante de € 363.045,98 relativo a correções em sede de IRC) são contestadas no presente Pedido de Pronúncia Arbitral (“PPA”) por se encontrarem feridas de ilegalidade, e que é na medida em que incorporam as correções contestadas e consideradas ilegais que eventualmente deverão ser anuladas as liquidações de IRC e IVA em crise.

A Requerida, nas suas alegações, pugna pela incompetência material dos tribunais arbitrais no presente caso, por estarmos perante a impugnação de um ato de determinação de matéria coletável por métodos indiretos e, no mais, reitera a integral validade e conformidade legal das correções aritméticas patentes no RIT e contestadas pela Requerente.

MATÉRIA DE FACTO

A.1. Factos dados como provados

A Requerente é uma sociedade anónima, cujo objeto social compreende a “exploração agrícola de propriedades, quer suas quer alheias, e todas as operações que lhe respeitem ou a completem, exploração pecuária, exploração de caça e fomento de actividades e recursos cinegéticos, seu aproveitamento turístico e operações conexas e administração de quaisquer bens próprios” (cfr. informação pública acessível em https://publicacoes.mj.pt/DetalhePublicacao.aspx).

A Requerente desenvolve a sua atividade nos terrenos da Herdade ..., concelho de ... .

Os terrenos e imóveis de ... foram ocupados na segunda metade de 1975 e, posteriormente, expropriados nos termos da Portaria n.º 492/76, de 6 de agosto, só sendo entregues aos seus proprietários após decisão de 30.11.1978 (cfr. documento n.º 22 junto ao PPA).

No âmbito da sua atividade, a Requerente participa em estudos relativos, entre outras matérias, à Caça e Biodiversidade (cfr. documento n.º 20 junto ao PPA e não contestado pela Requerida).

A Requerente colabora também, no quadro da sua atividade, com o desenvolvimento de estudos relativos ao programa SOS ... (cfr. documento n.º 21 junto ao PPA e não contestado pela Requerida).

A Requerente participa em estudos destinados a monitorizar e a assegurar a conservação da natureza na região onde se encontra, que é classificada como área de reintrodução do lince ibérico, espécie protegida, incluída no anexo II da Diretiva 92/43/CEE, do Conselho, de 21 de maio, relativa à preservação dos habitats naturais e da fauna e da flora selvagens e no anexo II da Convenção de Berna relativa à Conservação da Vida Selvagem e dos Habitats Naturais da Europa (cfr. facto alegado no artigo 116.º do PPA e não contestado).

A Requerente contabilizou, nos exercícios de 2016 e 2017, gastos faturados pela B..., SA, no valor de € 2.845,43, por exercício, relativo à utilização da reserva de caça em 2016 e em 2017 (cfr. PPA e Processo Administrativo).

Contabilizou também um gasto, em 2016, no montante de € 50.000,00 relativo ao aluguer do direito de caça, relativo a fatura emitida pela C..., SA.

Existem relações familiares entre os membros dos órgãos de administração da Requerente, da B... e C..., com parcial coincidência dos administradores das três sociedades.

No exercício de 2016, a Requerente deduziu prejuízos fiscais no valor de € 802.586,03 ao resultado apurado para efeitos de IRC.

Em setembro, outubro e dezembro de 2016 e em abril de 2017, os fornecedores de serviços de construção civil D..., Lda., E..., F... Unipessoal, Lda., G..., S.A. e H... Lda. emitiram faturas à Requerente, nas quais liquidaram e cobraram IVA.

Tais faturas são as seguintes:

  • fatura n.º 1/259 de D... (automatismo para porta) = 435,72 € (20/09/2016);
  • fatura n.º 1 1600/000042 de E... (C. Civil/Lisboa) = 1.379,77 € (19/10/2016);
  • fatura n.º Fac A/16353 de F... (instalações elétricas) = 243,07 € (01/10/2016);
  • fatura n.º 1 1600/000054 de E... (C. Civil/Lisboa) = 1.909,00 € (27/12/2016);
  • fatura n.º 1 1600/000055 de E... (C. Civil/Lisboa) = 1.725,00 € (30/12/2016);
  • fatura n.º ZFT 1/6300000704 de G... (infraestruturas elétricas) = 20.384,48 € (29/12/2016);
  • fatura n.º FACT 116/17 de H... (construção vedações) = 6.325,00 € (30/12/2016);
  • fatura n.º FACT 117/4 de H... (construção vedações) = 517,50 € (10/04/2017).

Através do registo contabilístico 1200031 efetuado no Diário 30 em 12-12-2016, A Requerente deduziu IVA no valor de € 9.600,00, documentado pela fatura n.º 19/2916, emitida à Requerente pela Sociedade I... Lda, NIF ... em 2016-12-12, na qual constam os seguintes elementos descritivos/caracterizadores das operações:

  • Designação: “Prestação de serviços com a afetação de mão-de-obra para as atividades agrícolas florestais e cinegéticas em ... em 2016";
  • Quantidade: “1,00 (Um)”;
  • Preço unitário: “160.000,00”;
  • Total: “160.000,00”;
  • Incidência (IVA): “160.000,00”;
  • Taxa IVA: “6%”;
  • IVA: “9.600,00” (cfr. ponto III.1.1.3, p. 13/79 do RIT e alegações da Requerida).

A Requerente também deduziu, em sede de IRC, o gasto suportado pelo pagamento da mencionada fatura emitida pela Sociedade I..., Lda.

O edificado da herdade que se apresenta como consumidor de eletricidade tem uma área útil total de 1.539,44 m2, dos quais 154,90 m2 de área útil não se encontravam ocupados nos anos de 2016 a 2018 (“casas 3, 4 e 5”).

Da área efetivamente ocupada (de 1.384,54 m2) era afeta à atividade empresarial uma área de 27,88 m2, correspondente à área útil do edifício autónomo do escritório – conferir Processo Administrativo.

Ao abrigo das ordens de serviço n.º OI2019..., com despacho de 14.01.2019 do Chefe da Divisão de Inspeção Tributária da Direção de Finanças de Beja, n.º OI2019... e n.º OI2019..., com despacho de 25.01.2019 do Chefe da Divisão de Inspeção Tributária da Direção de Finanças de Beja, a Requerente foi objeto de procedimentos de inspeção tributária externa de âmbito parcial em sede de IVA ao período de 2018/111 (OI2019...), de âmbito geral ao período de 2016 (OI2019...) e de âmbito parcial em sede de IRC e de IVA ao período de 2017 (OI2019...), todos com início em 11.04.2019 (cfr. Processo Administrativo e PPA).

No contexto desses procedimentos inspetivos, a Requerente não apresentou documentos comprovativos dos valores de aquisição nem do cálculo de amortizações e depreciações relativos a ativos adquiridos anteriormente a 2009, nem, quanto a vários ativos e equipamentos identificados no RIT, documentação de suporte à respetiva atividade operacional nos exercícios sob análise em sede inspetiva.

Em 03.03.2020, a Requerente foi notificada do projeto de relatório de inspeção tributária (“Projeto de Relatório”), no qual os SIT propuseram para correções à matéria tributável, através de avaliação direta, no valor total de € 630.248,17 no que respeita ao IRC e de € 81.232,29 no que concerne ao IVA (cfr. facto alegado no artigo 5.º do PPA e Processo Administrativo).

Para além destas correções, os SIT consideraram ter aplicado métodos indiretos ao efetuarem uma divisão relativa aos gastos com eletricidade, pois entenderam que esses gastos não eram totalmente dedutíveis em sede de IRC e IVA (cfr. facto alegado no artigo 6.º do PPA e Alegações da Requerida).

Os SIT entenderam que a totalidade do gasto incorridos com a eletricidade, nos valores de € 9.090,07, € 10.860,83 e € 1.913,38, respeitantes aos períodos de 2016, 2017 e 2018, respetivamente, não era integralmente dedutível e, por isso, aplicaram um método diferente para a determinação destes gastos (mas não da globalidade da matéria coletável em IVA ou IRC), entendendo que, com este procedimento, estavam a determinar a matéria tributável em sede de IRC e IVA por métodos indiretos (cfr. facto alegado no artigo 7.º do PPA e Alegações da Requerida).

O IVA apurado com recurso a métodos indiretos totalizaria € 5.772,59 (cfr. RIT).

O IRC apurado com recurso a métodos indiretos totalizaria € 16.997,48 (cfr. RIT).

Por força desse modo de determinação da matéria coletável, entenderam os SIT desconsiderar os prejuízos fiscais deduzidos pela Requerente em 2016 (cfr. RIT).

A Requerente deduziu pedido de revisão da matéria tributável fixada por métodos indiretos em 15.05.2020, ao abrigo do disposto nos artigos 86.º, n.º 5 e 91.º da LGT e nos artigos 57.º do Código do IRC e 90.º do Código do IVA (“Procedimento de Revisão”) (cfr. documento n.º 3 junto ao PPA e Processo Administrativo).

Findo o Procedimento de Revisão, indeferido pela Requerida, foram emitidas as liquidações adicionais de IVA: n.º..., do período 1601M, n.º ..., do período 1602M, n.º..., do período 1603M, n.º ..., do período 1604M, n.º..., do período 1605M, n.º ..., do período 1606M, n.º..., do período 1608M, n.º ..., do período 1609M, n.º ..., do período 1610M, n.º..., do período 1611M, n.º ..., do período 1612M, n.º ..., do período 1701M, n.º..., do período 1702M, n.º ..., do período 1703M, n.º ..., do período 1704M, n.º..., do período 1705M, n.º ..., do período 1706M, n.º ..., do período 1707M, n.º..., do período 1708M, n.º ..., do período 1709M, n.º ..., do período 1710M, n.º ..., do período 1711M, n.º..., do período 1712M, n.º..., do período 1801M, n.º..., do período 1802M, n.º..., do período 1803M, n.º..., do período 1804M, n.º..., do período 1805M, n.º ..., do período 1806M, n.º..., do período 1807M, n.º ..., do período 1808M, n.º ..., do período 1809M, n.º ..., do período 1810M, ou seja, todas as liquidações de IVA aqui impugnadas com exceção das liquidações de IVA n.º 2022..., do período 1607M e n.º 2022..., do período 1607M, que são impugnadas no presente PPA por estarem inquinadas, segundo a Requerente, de ilegalidade por erro nas correções aritméticas que lhe serviram de base.

A Requerente procedeu ao pagamento da totalidade dos montantes liquidados, ou seja, de € 332.228,07 (cfr. documento n.º 18 junto ao PPA).

A.2. Factos dados como não provados

Não existem factos relevantes para a decisão que não tenham sido considerados provados.

A.3. Fundamentação da matéria de facto provada e não provada 

Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT). 

Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. art. 596.º do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT). 

Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110.º, n.º 7, do CPPT, a prova documental e o Processo Administrativo juntos aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados. 

 Não se deram como provadas nem não provadas as alegações feitas pelas partes, e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insuscetíveis de prova e cuja veracidade se terá de aferir em relação à concreta matéria de facto acima consolidada.

 

DO DIREITO

Como resulta dos factos provados, a Requerente é uma sociedade anónima cujo objeto social compreende a “exploração agrícola de propriedades, quer suas quer alheias, e todas as operações que lhe respeitem ou a completem, exploração pecuária, exploração de caça e fomento de actividades e recursos cinegéticos, seu aproveitamento turístico e operações conexas e administração de quaisquer bens próprios”.

As correções apuradas no RIT foram as seguintes (com a identificação pelo respetivo item):

a) Identificadas como meramente aritméticas:

i) Em sede de IVA (no total de 81.222,29 €):

III-1.1.1 Registo duplicado = 11,60 €;

III-1.1.2 Âmbito do n.º 2 do art.º 19 do CIVA (documento ilegível) = 26,59 €;

III-1.1.3 Âmbito do n.º 6 do art.º 19 do CIVA (pela descrição) = 9.600,00 €;

III-1.1.4 Falta de inversão do sujeito passivo = 32.919,54 €

III-1.2.1 Aquisição e reparação de mobiliário, artigos domésticos e de decoração (n.1-a.20 CIVA) = 20.985,78 €

III-1.2.2 Aquisições de serviços de televisão (n.1-a.20 CIVA) = 578,61 €;

III-1.2.3 Aquisições de gás propano e butano (n.1-a.20 CIVA) = 2.087,72 €;

III-1.2.4 Aquisições de vinhos e espumantes (n.1-a.20 CIVA) = 117,22 €;

III-1.2.5 Utilização e aluguer de reservas de caça (n.1-a.20 CIVA) = 12.808,94 €;

III-1.2.6 Manutenção e conservação de imóveis (n.1-a.20 CIVA) = 1.781,42 €;

III-1.3.1 Aquisições de água engarrafada (n.1-a.21 CIVA) = 230,12 €;

III-1.3.2 Reparação de viatura turismo (n.1-a.21 CIVA) = 74,75 €.

ii) Em sede de encargos dedutíveis em IRC (no total de 630.248,17 €):

III- 2.1.1 Aquisição e reparação de bens, equipamentos, eletrodomésticos, mobiliário, artigos domésticos e decoração = 75.639,63 €;

III- 2.1.2 Aquisições de serviços de televisão = 1.651,94 €;

III- 2.1.3 Aquisições de gás propano e butano = 5.876,49 €;

III- 2.1.4 Utilização e aluguer de reservas de caça = 55.691,06 €;

III- 2.1.5 Aquisição de vinhos, espumantes, champagne, gin e whisky = 18.715,54 €;

III- 2.1.6 Manutenção e conservação de imóveis = 6.974,00 €;

III- 2.1.7 Aquisição de bebidas, produtos alimentares, de higiene pessoal e doméstica = 27.742,28 €;

III- 2.1.8 Ofertas (a...) = 3.249,35 €;

III- 2.1.9 Serviços de lavandaria = 2.216,91 €;

III- 2.1.10 Gastos com o pessoal = 82.641,75 €

III- 2.1.11 Fardas e uniformes para empregados = 986,78 €;

III- 2.1.12 Correções por registos duplicados = 889,11 €;

III- 2.1.13 Depreciação e amortização bens e equipamentos não utilizados =26.180,15 €;

III- 2.2.1 Indevidamente documentados = 160.115,60 €;

III- 2.2.2 Gastos não documentados (depreciações) = 161.677,58 €.

b) Qualificada com métodos indiretos, sendo exclusivamente relativo a faturas de eletricidade, integralmente contabilizadas e como dedutíveis:

i) Em sede de IVA: 5.772,59 € (V-1);

ii) Em sede de encargos dedutíveis em IRC: 16.997,48 € (V-2).

 

Dessas apenas estão em causa nos autos as seguintes correções (identificadas por referência ao RIT), tendo as restantes sido aceites pela Requerente:

a) Identificadas como meramente aritméticas:

i) Em sede de IVA:

III-1.1.3 Âmbito do n.º 6 do art.º 19 do CIVA (pela descrição) = 9.600,00 €;

III-1.1.4 Falta de inversão do sujeito passivo = 32.919,54 €

ii) Em sede de encargos considerados como não dedutíveis em IRC

III- 2.1.4 Utilização e aluguer de reservas de caça = 55.691,06 €;

III- 2.2.1 Indevidamente documentados = 160.115,60 €;

III- 2.2.2 Gastos não documentados (depreciações) = 161.677,58 €.

b) Qualificada com apuradas por métodos indiretos, sendo exclusivamente relativo a facturas de electricidade, integralmente contabilizadas e como dedutíveis:

i) Em sede de IVA: 5.772,59 € (V-1);

ii) Em sede de encargos dedutíveis em IRC: 16.997,48 € (V-2).

Assim, as liquidações impugnadas no PPA são-no na medida em que incorporam as correções contestadas e não a totalidade das correções constantes do RIT.

 

Cumpre apreciar e decidir:

 

a.Questão prévia – Da competência do Tribunal Arbitral para a plena apreciação do Pedido e em particular sobre as liquidações resultantes da aplicação de métodos indiretos

 

A Requerida suscita, nas suas Alegações, a exceção de incompetência da jurisdição arbitral para julgar a presente lide, concretamente no que se refere à apreciação da legalidade das liquidações adicionais resultantes da alegada aplicação de métodos indiretos.

Refere a este respeito a Requerida, nas Alegações, o seguinte:

 

11.

[…] a competência do Tribunal Arbitral […] afere-se pelo disposto a este respeito no RJAT em conjugação com o disposto na Portaria de vinculação (Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).

12.

Portaria através da qual uma das partes, a AT, veio previamente vincular-se à jurisdição dos Tribunais Arbitrais a funcionar sob a égide do CAAD. À qual decidiu assim submeter-se, nos termos e condições que aí definiu.

13.

Ora, se por um lado no RJAT a competência dos Tribunais Arbitrais é estabelecida nos termos do seu art.º 2.º, n.º 1, por outro, nos termos do art.º 2.º da referida Portaria, a AT exclui daquela delimitação de competência a apreciação das pretensões relativas a determinadas situações, a que não aceitou vincular-se.

14.

Incluem-se nessa exclusão, as «Pretensões relativas a atos de determinação da matéria coletável e atos de determinação da matéria tributável, ambos por métodos indiretos, incluindo a decisão do procedimento de revisão», conforme mencionado na alínea b) do art.º 2.º da Portaria de vinculação.

 

15.

Não se incluindo pois – na auto-vinculação da AT à jurisdição dos Tribunais Arbitrais – apreciações por estes de pretensões dos sujeitos passivos relativas a atos de determinação da matéria tributável por métodos indiretos, como é parcialmente o caso.

Ora, antecipe-se, não assiste razão alguma à Requerida nesta matéria.

Desde logo, como bem refere a Requerente nos §58 e 59 das suas Alegações, “os atos postos em crise no pedido de pronúncia arbitral, que constituem o seu objeto e integram a causa de pedir e o pedido, são liquidações adicionais de IVA e de IRC e respetivas liquidações de juros e demonstrações de acertos de contas, como, aliás, resulta evidenciado no cabeçalho, nos artigos 41.º e 42.º e no pedido formulados na p.i.. Não integram o objeto, a causa de pedir e o pedido do pedido de pronúncia arbitral em apreço (i) a apreciação de atos de determinação da matéria tributável por métodos [indiretos], nem (ii) a decisão do procedimento de revisão.

O que, só por si, sempre afastaria a verificação da invocada exceção.

Mas mais:

Por outro lado, e atendendo ao princípio da substância sobre a forma que deve nortear a atuação da AT, há que reconhecer que a operação efetuada pela AT relativamente aos gastos com eletricidade não configura, materialmente, uma determinação da matéria tributável por métodos indiretos, ainda que os SIT lhe tenham atribuído esse nomen iuris (que não vincula este ou qualquer outro tribunal).

De facto, a Requerida considerou que os métodos indiretos se aplicavam a 1,65% da correção da matéria tributável em IRC em 2016 e 4,71% em 2017 e daí retira a aplicação do n.º 3 do artigo 52.º do Código do IRC, repercutindo no imposto apurado a não dedução em 2016 de € 802.586,03 de prejuízos fiscais reportáveis de anos anteriores.

Desde logo, aceitar (apenas) a dedução de 2% dos encargos com eletricidade, relativos a faturas emitidas à Requerente pela N..., S.A. (e são apenas essas as faturas e esses os encargos abrangidos pela “avaliação indireta”), com tal consequência ao nível da dedução de prejuízos fiscais não é aceitável, tendo presente que a utilização de métodos indiretos tem por base a falta de colaboração do contribuinte ou a falta de credibilidade da contabilidade e que, neste contexto, não foi alegada nem provada.

A matéria tributável é determinada, por regra, com base nos elementos declarados pelo contribuinte e eventualmente, num segundo momento, corrigida pela AT, por critérios técnicos, em que se inclui a desconsideração de apuramentos assumidos com base na contabilidade, devidamente fundamentados.

Portanto, e só numa terceira fase se pode recorrer à determinação da matéria coletável por métodos indiretos, para obviar à impossibilidade de apuramento da matéria tributável.

Ora, conforme o n.º 1, do artigo 90.º, da Lei Geral Tributária (“LGT”), o pressuposto necessário para a adoção de métodos indiretos é a “impossibilidade de comprovação e quantificação direta e exata da matéria tributável” e, o que corresponde a desconsiderar, integralmente, portanto, o apuramento da matéria tributável com base na contabilidade.

Ou seja, no caso da matéria tributável ser determinada por métodos indiretos, tal ocorre para a sua totalidade, não existindo o apuramento simultâneo de forma direta e indireta, como intenta fazer a AT no caso dos autos.

Acresce que o n.º 1, do artigo 87.º, da LGT (com epígrafe “Realização da avaliação indireta”), e no caso que aqui nos interessa, especificamente relativa à alínea b), determina que a avaliação indireta só pode efetuar-se em caso de “Impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta dos elementos indispensáveis à correcta determinação da matéria tributável de qualquer imposto” e estabelecendo a Lei, no artigo 88.º do mesmo diploma, que tal “pode resultar das seguintes anomalias e incorrecções quando inviabilizem o apuramento da matéria tributável:

a) Inexistência ou insuficiência de elementos de contabilidade ou declaração, falta ou atraso de escrituração dos livros e registos ou irregularidades na sua organização ou execução quando não supridas no prazo legal, mesmo quando a ausência desses elementos se deva a razões acidentais;

b) Recusa de exibição da contabilidade e demais documentos legalmente exigidos, bem como a sua ocultação, destruição, inutilização, falsificação ou viciação;

c) Existência de diversas contabilidades ou grupos de livros com o propósito de simulação da realidade perante a administração tributária e erros e inexactidões na contabilidade das operações não supridos no prazo legal.

d) Existência de manifesta discrepância entre o valor declarado e o valor de mercado de bens ou serviços, bem como de factos concretamente identificados através dos quais seja patenteada uma capacidade contributiva significativamente maior do que a declarada”.

Ou seja, a aplicação deste método, sempre última solução, só pode ocorrer por “anomalias e incorrecções” identificadas e, ainda assim, quando “inviabilizem o apuramento da matéria colectável”.

Ora, no presente caso, a própria AT reconhece que não efetua uma avaliação indireta, mas técnica, para efeitos de imputação de gastos, utilizando um critério de imputação que entendeu aplicável a gastos que não têm uma (outra) forma de serem determinados que não seja através de critérios objetivos, conforme previsto no nº 2 do ponto V. do Ofício Circulado nº 30.103, de 23/04/2008, sendo referido, a título de exemplo, precisamente a área ocupada.

Dito de outra forma, se o contribuinte não tivesse considerado o critério de que a totalidade da área com fornecimento da energia elétrica (100%) era elegível, mas apenas uma parcela, poderia ser utilizado o critério que propôs logo no direito de audição (com base nos consumos disponibilizados) ou o que a AT entendeu como mais adequado (a área ocupada).

Em qualquer dos casos, tal não representa materialmente uma avaliação indireta, desde logo porque não resultou provado e não foi sequer alegado que resulte de “anomalias e incorrecções” que a Lei preveja, ou que inviabilize o “apuramento da matéria colectável”, tendo antes a imputação de gastos e determinação da sua dedutibilidade sido feita com base nas faturas que estavam contabilizadas e às quais foi aplicado, apenas, um critério de aferição, de base objetiva e direta, diferente daquele que havia sido utilizado pela Requerente (em sentido idêntico cfr. a decisão arbitral proferida no processo n.º 828/2019-T e jurisprudência aí citada.

Sobre esta matéria já se pronunciou o Supremo Tribunal Administrativo (“STA”), no Processo nº 01562/14.0BEPRT, por acórdão proferido em 04-07-2022, lapidarmente claro no respetivo Sumário:

“I - Sempre que esteja em causa apenas a qualificação jurídica dos factos fiscalmente relevantes, na medida em que estes sejam efectivamente do domínio da AT, porque incontroversos, desde logo porque revelados pelos contribuintes ou porque cheguem ao seu conhecimento através de terceiros, o Fisco, concluindo pela falta de aderência à realidade dos elementos declarados pelo contribuinte, apenas os poderá corrigir através de meras correcções técnicas/aritméticas.

II - Quando a AT parte da análise da contabilidade do próprio contribuinte, tal significa que as correcções feitas não podem deixar de se considerar correcções técnicas e não correcções por via da aplicação de métodos indirectos, pois que, face aos elementos de facto e contabilísticos recolhidos pela AT, a mesma não estava impedida, de forma directa, de proceder às correcções que levou a efeito, sendo que tais correcções não se basearam em presunções ou indícios, não se partiu de uma realidade desconhecida para se chegar a um concreto valor de imposto a pagar, antes se procedeu a correcções face aos elementos contabilísticos e documentais recolhidos na contabilidade da Recorrente, o que significa que a AT não estava sequer autorizada a socorrer-se dos métodos indirectos para proceder a correcções, uma vez que dispunha de elementos documentais para poder efectuar tais correcções”.

Em conclusão, as correções identificadas no Capítulo V do RIT não correspondem materialmente a uma determinação da matéria coletável com base em métodos indiretos, configurando antes correções meramente aritméticas, com todas as consequências daí decorrentes.

Refira-se, por fim, que esta conclusão do tribunal não cai na exclusão de competência constante do artigo 2.º, alínea b), da Portaria de vinculação, por duas razões: a primeira, pelo facto de verdadeiramente estarem a ser impugnadas liquidações e não um ato de determinação da matéria coletável por métodos indiretos; a segunda porque, como se demonstrou, não existe, materialmente, um ato de determinação da matéria coletável por métodos indiretos para apreciar mas apenas um apuramento de gastos através de um método diferente do inicialmente utilizado pela Requerente.

Improcede assim, pelas duas razões acima explicadas, a exceção de incompetência absoluta deduzida pela Requerida, a qual é de conhecimento oficioso nos termos do artigo 97.º, n.º 1, do Código de Processo Civil.

 

b.Das correções incorporadas nas liquidações impugnadas

Em termos substantivos, neste processo, estão em causa cinco questões, que abaixo se apreciam:

i. Determinação do montante de gastos dedutíveis, em sede de IVA e IRC, relativamente à eletricidade consumida nos edifícios da herdade ... (itens V-1 e V-2 do RIT).

ii. Dedutibilidade da fatura referente a serviços de mão-de-obra para as atividades agrícolas florestais e cinegéticas, em sede de IVA e assunção de gasto fiscal em IRC, no montante de, respetivamente, 9.600 € e 160.000 €.

iii. Dedutibilidade das faturas relativas a utilização de reserva de caça e aluguer do direito de caça, em sede de IVA e assunção de gasto fiscal em IRC no montante de, respetivamente, 12.808,94 € e 55.691,06 €.

iv. Dedutibilidade de IVA nas faturas emitidas no âmbito do regime geral, à taxa de 23%, quando deveriam ter sido assumidas ao abrigo do mecanismo de inversão do sujeito passivo, aplicável aos serviços de construção civil, à mesma taxa, estando em causa o montante de 32.919,54 € de imposto.

v. Dedutibilidade à matéria tributável de IRC de 130.357,44 € de depreciações, relativas ao ativo fixo tangível que entrou em funcionamento anteriormente a 2009.

 

Analisemos então cada questão, conjuntamente em sede de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) e Imposto sobre o Rendimento das pessoas Colectivas (IRC), quando aplicável, dada a correlação que existe entre as dedutibilidades.

 

i.Determinação do montante de gastos dedutíveis, em sede de IVA e IRC, relativamente à eletricidade consumida nos edifícios da herdade ... (itens V-1 e V-2 do RIT)

Tendo em vista o que se expendeu acima relativamente à não procedência da exceção de incompetência deduzida nesta matéria, cumpre agora aferir se, em face dos factos provados, a correção aritmética operada pelos SIT nesta matéria cumpre com a lei aplicável.

O que é dizer se o critério adotado faz ou não sentido na medida em que as contagens desagregadas apresentadas pela Requerente no anexo 5 ao Doc. n.º 1 junto ao PPA não indicam ou provam os efetivos montantes despendidos a este propósito.

Ora como ficou provado nos Factos, sendo a área útil total dos edifícios de 1.539,44 m2, retirando 154,90 m2 de área útil não ocupada nos anos de 2016 a 2018 (“casas 3, 4 e 5”), restam 1.384,54 m2 de área ocupada.

Dessa, apenas 27,88m2 foram considerados como afetos à atividade empresarial, correspondendo à área útil do edifício autónomo do escritório, que consubstancia 2% da área ocupada total.

O critério de repartição da AT (i.e., aceitação do gasto correspondente a 2% da área ocupada porque afeta à atividade e não aceitação dos restantes 98%), seja em sede de IVA (€ 5.772,59) seja em matéria dedutível em IRC (€ 16.997,48), afigura-se um critério aritmético adequado e plausível, com base na área do fornecimento que não foi demonstrado que tivesse afetação empresarial, mas antes utilização pessoal, ainda que para morada de funcionários.

Improcede assim, nesta parte, o pedido, sendo de manter as referidas correções de IVA (€ 5.772,59) e IRC (€ 16.997,48), na qualidade de correções aritméticas.

Não obstante, tendo em conta o que se decidiu em sede de julgamento da exceção, designadamente quanto à requalificação das correções aqui em causa, cumpre deixar claro que impende sobre a Requerida a obrigação, nos termos do artigo 100.º, n.º 1, da LGT, de retirar todas as consequências do facto de estas correções não se configurarem como provenientes da aplicação de métodos indiretos mas como correções técnicas, nomeadamente ao nível da desaplicação à liquidação de IRC de 2016 aqui em causa do disposto no artigo 52.º, n.º 3 do Código do IRC. Com efeito, caso tenham sido desconsiderados quaisquer prejuízos com fundamento na determinação da matéria coletável por métodos indiretos, devem os mesmos ser aceites e dados como reportáveis, se efetivamente cumprirem os demais requisitos legais.

Para tanto, determina-se expressamente a anulação parcial da liquidação de IRC relativa ao exercício de 2016 ora impugnada na medida em que desconsidere os mencionados prejuízos, por erro nos pressupostos de utilização de avaliação indireta, traduzido na violação dos artigos 52.º, n.º 3, 87.º, n.º 1 e 90.º, n.º 1, todos do Código do IRC, razão pela qual se considera prejudicada, por desnecessária, a apreciação da invocada inconstitucionalidade alegada pela Requerente.

 

ii.Dedutibilidade de IVA e assunção de gasto fiscal em IRC da fatura referente a serviços de mão-de-obra para as atividades agrícolas florestais e cinegéticas (itens III-1.1.3 e III- 2.2.1 do RIT).

Está aqui em causa a fatura n.º 19/2916 de 12/12/2016 da Sociedade I..., Lda., no montante de € 160.000, acrescido de IVA, à taxa de 6%, no valor de € 9.600.

Para o que teremos de responder à seguinte questão: podemos considerar que, sem qualquer informação ou documento complementar, (só) a menção daquele valor na factura como referente a “prestação de serviços com a afectação de mão-de-obra para as actividade agrícolas florestais e cinegéticas em ... em 2016”, cumpre os requisitos para a dedução em IVA e a aceitação como gasto em IRC?

Vejamos, primeiro, quanto ao IVA:

O artigo 226.º da Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de Novembro de 2006, determina:

Sem prejuízo das disposições específicas previstas na presente diretiva, as únicas menções que devem obrigatoriamente figurar, para efeitos do IVA, nas faturas emitidas em aplicação do disposto nos artigos 220. ° e 221.º são as seguintes:

[...]

6) A quantidade e natureza dos bens entregues ou a extensão e natureza dos serviços prestados;

7) A data em que foi efetuada, ou concluída, a entrega de bens ou a prestação de serviços ou a data em que foi efetuado o pagamento por conta, referido nos pontos 4) e 5) do artigo 220.º, na medida em que essa data esteja determinada e seja diferente da data de emissão da fatura; […]”.

Já o n.º 5 do artigo 36.º do Código do IVA identifica os elementos a constar nas faturas, nomeadamente:

a) Os nomes, firmas ou denominações sociais e a sede ou domicílio do fornecedor de bens ou prestador de serviços e do destinatário ou adquirente, bem como os correspondentes números de identificação fiscal dos sujeitos passivos de imposto;

b) A quantidade e denominação usual dos bens transmitidos ou dos serviços prestados, com especificação dos elementos necessários à determinação da taxa aplicável;

c) O preço, líquido de imposto, e os outros elementos incluídos no valor tributável;

d) As taxas aplicáveis e o montante de imposto devido;

e) O motivo justificativo da não aplicação do imposto, se for caso disso;

f) A data em que os bens foram colocados à disposição do adquirente, em que os serviços foram realizados ou em que foram efectuados pagamentos anteriores à realização das operações, se essa data não coincidir com a da emissão da factura.

No caso de a operação ou operações às quais se reporta a factura compreenderem bens ou serviços sujeitos a taxas diferentes de imposto, os elementos mencionados nas alíneas b), c) e d) devem ser indicados separadamente, segundo a taxa aplicável”.

Nos termos da alínea a), do n.º 1 do artigo 20.º do Código do IVA, “só pode deduzir-se o imposto que tenha incidido sobre bens ou serviços adquiridos, importados ou utilizados pelo sujeito passivo para a realização das operações” de “transmissões de bens e prestações de serviços sujeitas a imposto e dele não isentas”.

A Lei Geral Tributária (LGT) determina, no artigo 75.º (com epígrafe “Declaração e outros elementos dos contribuintes”):

“1 - Presumem-se verdadeiras e de boa-fé as declarações dos contribuintes apresentadas nos termos previstos na lei, bem como os dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade ou escrita, quando estas estiverem organizadas de acordo com a legislação comercial e fiscal, sem prejuízo dos demais requisitos de que depende a dedutibilidade dos gastos.

2 - A presunção referida no número anterior não se verifica quando:

a) As declarações, contabilidade ou escrita revelarem omissões, erros, inexactidões ou indícios fundados de que não reflectem ou impeçam o conhecimento da matéria tributável real do sujeito passivo;

b) O contribuinte não cumprir os deveres que lhe couberem de esclarecimento da sua situação tributária, salvo quando, nos termos da presente lei, for legítima a recusa da prestação de informações; […]”.

Dado que o IVA é um imposto com enquadramento legal especificamente comunitário, que o quadro normativo nacional apenas pode transpor, incluindo as exceções que estejam previstas, é conveniente começar por analisar a jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE).

Precisamente no acórdão de 15/09/2016, do processo C-516/14 do TJUE (Barlis 06 - Investimentos Imobiliários e Turísticos. S.A. vs Autoridade Tributária e Aduaneira), invocado na PI, mas cuja leitura integral não foi tida em conta, a decisão foi nos seguintes termos:

O artigo 226.º da Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado, deve ser interpretado no sentido de que faturas que só contenham a menção «serviços jurídicos prestados desde determinada data até ao presente», como as que estão em causa no processo principal, não respeitam, em princípio, as exigências previstas no n.º 6 deste artigo e que faturas que só contenham a menção «serviços jurídicos prestados até ao presente» não respeitam, em princípio, as exigências previstas no referido n.º 6 nem as exigências previstas no n.º 7 do mesmo artigo, o que cabe, todavia, ao órgão jurisdicional de reenvio verificar.

O artigo 178.º, alínea a), da Diretiva 2006/112 deve ser interpretado no sentido de que se opõe a que as autoridades tributárias nacionais possam recusar o direito a dedução do imposto sobre o valor acrescentado pelo simples facto de o sujeito passivo possuir uma fatura que não cumpre os requisitos exigidos pelo artigo 226.º,n.os 6 e 7, desta diretiva, quando essas autoridades dispõem de todas as informações necessárias para verificar se os requisitos substantivos relativos ao exercício desse direito se encontram satisfeitos”.

Portanto, embora o TJUE considere que as lacunas que existam nas facturas possam ser superadas por informação complementar, no caso em que tal não ocorre, não se verifica o direito à dedução do IVA.

Ora, tal foi então devidamente tido em conta no Processo que originou aquele reenvio prejudicial para o TJUE, nº 3/2014-T do CAAD, na decisão da Árbitro Alexandra Coelho Martins, de 06/12/2016, em que foi comprovado que a indevida menção na fatura de apenas “serviços jurídicos prestados”, nesse caso, foi superada documentalmente (n/ sublinhados):

“…, conclui-se que a Requerente cumpriu o ónus que sobre si recaía de demonstrar a substância dos serviços jurídicos que lhe foram prestados pela sociedade de advogados, através da junção de documento[s] detalhados que contêm de forma circunstanciada e temporalmente delimitada a descrição das actividades e tarefas desenvolvidas, ficando acautelada, desta forma a função de controlo da Autoridade Tributária e Aduaneira …”.

No presente processo, desde logo e do ponto de vista meramente formal, afigura-se que a denominação de “prestação de serviços com a afectação de mão-de-obra para as actividades agrícolas florestais e cinegéticas” carecia de uma densificação mais precisa para cumprir com os requisitos nacionais e europeus que conduzem à dedutibilidade do IVA suportado.

Se nas transmissões de bens será suficiente mencionar a quantidade de cada bem, devidamente explicitado, e o seu valor unitário, já nas prestações de serviços, pela sua predominância imaterial, é imprescindível que esteja identificada não apenas a natureza quanto a sua extensão.

Aliás, a Diretiva em causa apenas identifica a “quantidade e natureza” relativamente aos bens, e, não por acaso, antes a “extensão e natureza” na prestação de serviços.

Ou seja, na prestação de serviços, é necessário, por um lado, explicitar, em concreto, a que correspondem, e, por outro, a identificação da quantidade tem de permitir aferir os valores efetivamente unitários. Portanto, não é “uma” a unidade a que correspondem os serviços em causa mas será algo como “x pessoas, por y horas em cada z unitário”.

Claro que, desde logo no caso de serviços continuados, tal poderá ser cumprido simplesmente por referência a um orçamento ou auto de medição, cuja informação é suposto seja disponibilizada para efeitos de pagamento e seguramente terá de ser facultada como resposta a ofício da AT, o que não ocorreu.

Portanto, nesta questão, a Requerente absolutamente nada identificou, em concreto ou documentalmente, nas várias oportunidades de que dispôs.

Aliás, ao invés do referido no artigo 66.º do PPA, a AT não questionou apenas a conformidade legal do documento, tendo indicado que necessitava de informações que “permitissem esclarecer a natureza e extensão dos serviços titulados” pela fatura em causa, conforme consta na página 14 do RIT, em sede de IVA, onde pode ler-se o seguinte:

“… a fatura em referência não descreve de forma clara, objetiva e exata, o negócio estabelecido entre os agentes económicos, ao não identificar as datas e os locais efetivos da sua prestação, se os trabalhadores prestaram os serviços sob direção e orientação da entidade contratante ou da entidade contratada, fator determinante para definição da taxa de IVA aplicável, não indica a natureza concreta dos serviços agrícolas e florestais efetuados, também este, fator determinante para definição da taxa de IVA aplicável pois, apenas aos serviços agrícolas e silvícolas constantes nas verbas 4.1 e 4.2 da Lista I anexa ao código do IVA é aplicável a taxa reduzida de 6%, não quantifica nem valoriza separadamente os serviços cinegéticos aos quais e aplicável a taxa normal de IVA de 23%”.

Ora, fruto das especiais exigências de descrição formal ou de complemento da informação relativa à operação em causa por outros meios, que no caso não se verificaram, em sede de IVA, julga este tribunal ser de manter a correção proposta, no valor de € 9.600, nesta parte decaindo a Requerente.

 

Quanto ao IRC:

É referido na página 40 do RIT, em sede de IRC, que “[…] a fatura em referência não descreve de forma clara, objetiva e exata, o negócio estabelecido entre os agentes económicos, ao não identificar as datas e os locais efetivos da sua prestação (não é crível que, trabalhos de natureza diferenciada como os trabalhos agrícolas, florestais e cinegéticos tenham sido realizados nas mesmas datas e locais, pelo mesmo numero de trabalhadores ou com a duração das mesmas horas de trabalho) não indica o número de trabalhadores ou em alternativa as horas de trabalho efetivamente fornecidas e o seu efetivo preço unitário e não indica em concreto os serviços agrícolas (operações de sementeira, plantio, colheita ou outras), florestais (operações de plantio, limpeza, desmatação ou outras) cinegéticos (operações de instalação de comedouros ou bebedouros para as espécies cinegéticas ou outro tipo de serviços) nem tão pouco a sua extensão, inviabilizando desta forma qualquer avaliação quanta à conexão e necessidade da natureza dos serviços e da respetiva quantidade, dimensão ou extensão com as operações económicas praticadas pela A...”.

Conforme ensinou Gustavo Lopes Courinha, no seu Manual do Imposto sobre as Pessoas Colectivas, a aceitação de um gasto tem quatro requisitos: a contabilização, a licitude, a documentação e a ligação com os ganhos, concretizando que “o critério hoje relevante na lei é, portanto, o da exigência de uma relação entre o gasto e a actividade societária” – cfr. pp. 103 a 107.

Tais critérios eram, diga-se, já quase unanimemente adotados na jurisprudência e doutrina anteriores à Reforma de 2014, que se pronunciavam no sentido de serem menores, em IRC face ao regime de IVA, as exigências de formalismos na comprovação de gastos para que os mesmos fossem considerados dedutíveis, pugnando praticamente toda a doutrina por uma interpretação do conceito de indispensabilidade então vigente como uma relação de conexão entre o gasto e a atividade da empresa (sobre o tema, extensivamente, v. Tomás Castro Tavares, Da relação de dependência parcial entre a contabilidade e o direito fiscal na determinação do rendimento tributável das pessoas colectivas: algumas questões, Ciência e Técnica Fiscal, CEF-DGI, Lisboa, 1999, e António Moura Portugal, A Dedutibilidade dos Custos na Jurisprudência Fiscal Portuguesa, Coimbra Editora, 2004).

Relativamente aos encargos dedutíveis, estabelece o artigo 23.º do Código do IRC que:

“1 - Para a determinação do lucro tributável, são dedutíveis todos os gastos e perdas incorridos ou suportados pelo sujeito passivo para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC.

2 - Consideram-se abrangidos pelo número anterior, nomeadamente, os seguintes gastos e perdas:

a) Os relativos à produção ou aquisição de quaisquer bens ou serviços, tais como matérias utilizadas, mão-de-obra, energia e outros gastos gerais de produção, conservação e reparação;

[…]

e) Os relativos a análises, racionalização, investigação, consulta e projetos de desenvolvimento;

[…]

g) Depreciações e amortizações;

[…]

3 - Os gastos dedutíveis nos termos dos números anteriores devem estar comprovados documentalmente, independentemente da natureza ou suporte dos documentos utilizados para esse efeito.

4 - No caso de gastos incorridos ou suportados pelo sujeito passivo com a aquisição de bens ou serviços, o documento comprovativo a que se refere o número anterior deve conter, pelo menos, os seguintes elementos:

a) Nome ou denominação social do fornecedor dos bens ou prestador dos serviços e do adquirente ou destinatário;

b) Números de identificação fiscal do fornecedor dos bens ou prestador dos serviços e do adquirente ou destinatário, sempre que se trate de entidades com residência ou estabelecimento estável no território nacional;

c) Quantidade e denominação usual dos bens adquiridos ou dos serviços prestados;

d) Valor da contraprestação, designadamente o preço;

e) Data em que os bens foram adquiridos ou em que os serviços foram realizados.

[…]

6 - Quando o fornecedor dos bens ou prestador dos serviços esteja obrigado à emissão de fatura ou documento legalmente equiparado nos termos do Código do IVA, o documento comprovativo das aquisições de bens ou serviços previsto no n.º 4 deve obrigatoriamente assumir essa forma. […]”

Ora, não há dúvida de que o montante em causa (€ 160.000) foi deduzido com base numa fatura, ainda que a mesma, para efeitos de dedução de IVA, possa não cumprir escrupulosamente todos os requisitos formais (razão pela qual julga este tribunal não ser de aceitar a dedução do IVA referido na mesma).

Por outro lado, a Requerida não coloca em causa a efetiva prestação dos serviços indicados na fatura, apenas mencionando que os mesmos não se encontram devidamente detalhados quanto ao número de trabalhadores envolvidos e concretas tarefas desempenhadas.

Dito de outra forma, a Requerida não suscita qualquer indício de que aquela fatura seja falsa, sendo certo que a escrita do contribuinte goza da presunção de veracidade que lhe é dada pelo artigo 75.º da LGT e que recai sobre a AT, nos termos do artigo 74.º do mesmo diploma, o ónus da prova dos factos constitutivos do seu direito (de corrigir os valores declarados pelos contribuintes) – neste sentido, v. Acórdão do TCA Sul proferido em 08/07/2021, no âmbito do processo n.º 311/03.3BTLRS

Analisado o objeto da Requerente e atividade que comprovadamente exerce (devidamente mencionada, sem contestação, no RIT), não se encontra razão para obstar à dedução, para efeitos de IRC, de um gasto proveniente de “serviços com a afetação de mão-de-obra para as atividades agrícolas florestais e cinegéticas em ... em 2016”, sem que esteja por qualquer modo indiciada no processo a falsidade da fatura em que se encontra suportada tal despesa.

Nestes termos, julga este tribunal procedente o pedido nesta parte, anulando-se a mencionada correção em sede de IRC e a liquidação relativa ao exercício de 2016 na parte em que incorpora a mesma. 

iii.Dedutibilidade de IVA e assunção de gasto fiscal em IRC das faturas relativas a utilização de reserva de caça e aluguer do direito de caça (itens III-1.2.5 e III- 2.1.4 do RIT).

Neste âmbito, estão em discussão as seguintes três faturas (no total de € 12.808,94 em sede de IVA e € 55.691,06 de encargo em IRC):

-   Fac n.º A 16/48 emitida em 30/12/2016 pela B..., S.A. (“B...”), de utilização de reserva de caça nesse ano, no montante de € 2.845,53 (acrescido de IVA à taxa de 23%);

-   Fac. n.º 2016/1707 emitida em 31/12/2016 pela C..., S.A. (“C...”), de aluguer do direito de caça nesse ano, no montante de € 50.000 (acrescido de IVA à taxa de 23%);

-   Fac. n.º A 17/44 emitida em 21/12/2017 pela B..., S.A. (“B...”), de utilização de reserva de caça nesse ano, no montante de 2.845,53 € (acrescido de IVA à taxa de 23%).

O Acórdão do STA de 15/11/2017, proferido no proc. n.º 0372/16 refere que:

“[…] Dito de outro modo, só não serão indispensáveis os custos que não tenham relação causal e justificada com a actividade produtiva da empresa. […]

Assim, o controlo a efectuar pela AT sobre a verificação deste requisito da indispensabilidade tem de ser pela negativa, ou seja, a AT só deverá desconsiderar como custos fiscais os que claramente não tenham potencialidade para gerar incremento dos ganhos, não podendo «o agente administrativo competente para determinar a matéria colectável arvorar-se a gestor e qualificar a indispensabilidade ao nível da boa e da má gestão, segundo o seu sentimento ou sentido pessoal; basta que se trate de operação realizada como acto de gestão, sem se entrar na apreciação dos seus efeitos, positivos ou negativos, do gasto ou encargo assumido para os resultados da realização de proveitos ou para a manutenção da fonte produtora» (VÍTOR FAVEIRO, Noções Fundamentais de Direito Fiscal Português, volume II, página 601).

Ou seja, sendo a regra a liberdade de iniciativa económica e devendo a tributação das empresas incidir fundamentalmente sobre o seu rendimento real (cfr. o já referido art. 104.º, n.º 2, da CRP), a norma do n.º 1 do art. 23.º do CIRC, na redacção vigente à data, ao limitar a relevância dos custos aos «que comprovadamente forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora» tem de ser entendida como permitindo a relevância fiscal de todas as despesas efectivamente concretizadas que sejam potencialmente adequadas a proporcionar proveitos ou ganhos, independentemente do resultado (êxito ou inêxito) que em concreto proporcionaram.

[…]

O que significa que, nos termos do citado art.º 23.º do CIRC, serão considerados gastos fiscais todos aqueles encargos que sejam assumidos de acordo com um propósito empresarial, ou seja, no interesse da empresa e tendo em vista a prossecução do respectivo objecto social. A utilização daquele preceito legal para desconsiderar fiscalmente um custo efectivamente suportado circunscreve-se às situações de confusão entre o património empresarial e o património pessoal dos sócios, bem como àquelas em que a empresa, em detrimento do seu património, pretende beneficiar terceiros. Dito de outro modo, «se o encargo foi determinado por outras motivações (interesse pessoal dos sócios, administradores, credores, outras sociedades do mesmo grupo, parceiros comerciais, etc.), então tal custo não deve ser havido por indispensável» (RUI DUARTE MORAIS, Apontamentos ao IRC, Coimbra, 2007, pág. 87.).

A aferição da indispensabilidade deverá, pois, assentar numa análise casuística da empresa e de cada uma das despesas ou tipos de despesas em causa. […]”.

Portanto, nesta questão, teremos de determinar em que medida o encargo de utilização de reserva de caça ou aluguer do direito de caça, em 2016 e 2017, no montante de, respetivamente, € 52.845,53 e € 2.845,53 poderia contribuir para gerar rendimento.

No direito de audição, invocou a Requerente que:

a utilização de reservas de caça e o aluguer de direito de caça tiveram como objetivo a realização de uma avaliação do modo como outras entidades de localização geográfica e atividade próximas à da Exponente fazem a gestão do seu território, mormente em matéria de caça”.

E que seria um encargo dedutível porque relacionado com o seu objeto social de “exploração agrícola de propriedades, quer suas quer alheias, e todas as operações que lhe respeitem ou a completem, exploração pecuária, exploração de caça e fomento de actividades e recursos cinegéticos, seu aproveitamento turístico e operações conexas e administração de quaisquer bens próprios”.

Acrescentando que “a circunstância de existirem administradores comuns entre a Exponente, a C... e a B... não permite concluir, coma afirmam os SIT, que os administradores da Exponente tivessem conhecimento sabre a gestão da zona de caça turística explorada por aquelas sociedades” porque “a avaliação da zona de caça turística da C... e da  B... foi efetuada pela administração da Exponente mediante o efetivo exercício da atividade cinegética por parte de quem dispõe de competências técnicas para a avaliação necessária”.

Reiterando no PPA, no artigo 114.º, que “para poder continuar a avaliar alternativas à atividade agrícola que, por força da natureza do terreno, não é uma atividade rentável por si só, a Requerente tem necessidade de conhecer boas práticas aplicadas em terrenos próximos e similares ao seu, para além de desenvolver estudos que se encontram intimamente relacionados com a sua atividade e que só são possíveis mediante a realização de atividades como as contestadas pelos SIT”.

Mais referiu, no artigo 142.º que “a utilização de reservas de caça e o aluguer de direito de caça tiveram como objetivo a realização de uma avaliação do modo como outras entidades de localização geográfica e atividade próximas à da Requerente fazem a gestão do seu território, mormente em matéria de caça, no quadro da análise estratégica e de sustentabilidade feita pela Requerente”,

Concluindo no artigo 145.º que “a utilização de reservas de caça e o aluguer do direito de caça foram utilizados no contexto da avaliação que foi efetuada por um dos administradores da Requerente (com formação e competências técnicas especializadas) mediante o efetivo exercício da atividade cinegética”.

 Invocou ainda, no artigo 118. º, que “a circunstância de existirem administradores comuns entre a Requerente, a C... e a B... não permite concluir, como afirmam os SIT, que os administradores da Requerente tivessem de ter conhecimento sobre a gestão da zona de caça turística explorada por aquelas sociedades”.

Ora, do alegado pela Requerente e face ao apurado nos procedimentos inspetivos que culminaram na emissão do RIT, resultam evidentes algumas contradições que se impõe levar em conta no julgamento da presente causa.

Em resposta ao ofício n.º ... de 11/11/2019 da AT (p. 63 do RIT), a aqui Requerente informou que “[…] a atividade de avaliação foi realizada pela administração da A... […]” que “dispõe de competências técnicas para a avaliação necessária” sendo que “os trabalhos compreenderam deste modo, a verificação dos terrenos das entidades objeto de análise e a realização de atividades de caça nessas mesmas entidades […]”.

Foi indicado ter a referida avaliação sido realizada “por um dos administradores”, sem que o mesmo seja identificado e não tendo a mesma sido consubstanciada pelo menos referida em qualquer documento, tendo sido “mediante o efetivo exercício da atividade cinegética”.

A Requerente defendeu no direito de audição que, conforme mencionado na página 66 do RIT, “resulta clara a necessidade de serviços de utilização de reservas de caça e de aluguer de reservas de caça para o exercício da atividade da exponente e, por conseguinte, a dedutibilidade dos gastos suportados com estes serviços nos termos do artigo 23º, nº 1 e nº 2 do Código do IRC” e, na página 68, que a “A... realiza estudos relativos à caça e biodiversidade e junta 2 documentos (documentos 2 e 3)” também constantes do PPA como docs. n.os 20 e 21

Sucede que, tal como invoca a AT no RIT, “analisando os referidos documentos, verifica-se que, esses estudos não foram realizados pela  A... A  A... colaborou nesses estudos, um deles foi realizado por GR Dick Potts, conhecido especialista em caça (nomeadamente em perdizes) e biodiversidade, levado a efeito em..., e o outro foi realizado pelo Centro de lnvestigação em Biodiversidade e Recursos Genéticos da Universidade do Porto denominado SOS ..., sabre a doença hemorrágica viral do coelho bravo, realizado em grande parte do território nacional, ambos sem qualquer interesse para o caso em apreciação. Com interesse para o caso em apreciação seria o estudo que a A... alega ter realizado mas não apresenta”.

Concluindo a AT, e bem, no entender deste tribunal, que “assim, contrariamente ao defendido no ponto 57, embora os gastos estejam comprovados, pois existem as faturas que os comprovam, não estão fundamentados pois não existe qualquer documento que os fundamente e consequentemente ateste a relação entre as caçadas efetuadas pelos administradores noutras zonas de caça turística que a A... pagou e as faturas documentam e o objeto societário que torne estes gastos indispensáveis, não existe relação com os proveitos ou ganhos da A... pois, nada indicia e, fundamentalmente, nada comprova, que o objetivo dessas caçadas, seja o invocado no ponto 59 (e em tantos outros) das alegações”.

Acresce que, e de forma talvez mais impressiva, não logrou a Requerente justificar a relevante objeção levantada pela AT na página 64 do RIT nos termos da qual “de acordo com as faturas em questão, a A... alugou à C..., o direito de exploração cinegética da Zona de Caça Turística Herdade ... em 2016. Significa isto que, para avaliar o modo como a C... faz a gestão do seu território, mormente em matéria de caça, a administração da A... decidiu alugar a exploração da dita reserva durante um ano, ou seja, nesse ano foi a A... que explorou a reserva. Ora, como pode o objetivo desta aquisição ser a avaliação do modo como a C... explora a reserva de caça se, com essa aquisição, foi a própria A... a fazer essa exploração?”.

Aqui, ao contrário do que sucede na fatura relativa à prestação de serviços “com a afectação de mão-de-obra para as actividade agrícolas florestais e cinegéticas em ... em 2016” cujo valor se considerou dedutível em sede de IRC, não é clara a ligação entre o referido na fatura e a obtenção de ganhos sujeitos a IRC requerida pelo artigo 23.º do respetivo Código – como poderia a A... avaliar o modo como a C... gere o seu território se foi a A... a geri-lo durante o período em causa?

Face ao exposto, e na medida em que a Requerente não logrou dissipar as dúvidas legítimas levantadas pela AT em sede inspetiva, entende este tribunal julgar improcedente o pedido nesta parte, mantendo-se integralmente as correções de IRC (no total de € 55.691,06) e IVA (no valor de € 12.808,94) impugnadas e as liquidações que as incorporam nessa mesma medida.

 

iv.Dedutibilidade do IVA nas faturas emitidas no âmbito do regime geral, à taxa de 23%, quando deveriam ter sido assumidas ao abrigo do mecanismo de inversão do sujeito passivo, aplicável aos serviços de construção civil, à mesma taxa, estando em causa o montante de 32.919,54 € de imposto (item III-1.1.4. do RIT).

 

As faturas que estão aqui em causa decorrem da prestação de serviços de construção civil à Requerente por entidades terceiras, não estando em discussão que às mesmas é aplicável o regime estabelecido nas alíneas a) e j) do n.º 1 do artigo 2.º do Código do IVA, ao abrigo do qual a liquidação e pagamento do imposto é da responsabilidade do adquirente, podendo, caso seja aceite e na medida do seu enquadramento, ocorrer simultaneamente a dedução do IVA assim suportado.

Concretamente as faturas em causa, já indicadas nos Factos Provados, são as seguintes:

  • fatura n.º 1/259 de D... (automatismo para porta) = 435,72 € (20/09/2016);
  • fatura n.º 1 1600/000042 de E... (C. Civil/Lisboa) = 1.379,77 € (19/10/2016);
  • fatura n.º Fac A/16353 de F... (instalações elétricas) = 243,07 € (01/10/2016);
  • fatura n.º 1 1600/000054 de E... (C. Civil/Lisboa) = 1.909,00 € (27/12/2016);
  • fatura n.º 1 1600/000055 de E... (C. Civil/Lisboa) = 1.725,00 € (30/12/2016);
  • fatura n.º ZFT 1/6300000704 de G... (infraestruturas elétricas) = 20.384,48 € (29/12/2016);
  • fatura n.º FACT 116/17 de H... (construção vedações) = 6.325,00 € (30/12/2016);
  • fatura n.º FACT 117/4 de H... (construção vedações) = 517,50 € (10/04/2017).

Ao abrigo destas faturas, deveria a Requerente ter procedido à liquidação de um valor total de € 32.919,54 € de IVA.

A referida alínea j), do n.º 1, do artigo 2.º, do Código do IVA determina que são sujeitos passivos do imposto “as pessoas singulares ou colectivas referidas na alínea a) que disponham de sede, estabelecimento estável ou domicílio em território nacional e que pratiquem operações que confiram o direito à dedução total ou parcial do imposto, quando sejam adquirentes de serviços de construção civil, incluindo a remodelação, reparação, manutenção, conservação e demolição de bens imóveis, em regime de empreitada ou subempreitada”.

Por outro lado, o n.º 8 do artigo 19.º do mesmo Código estabelece que “nos casos em que a obrigação de liquidação e pagamento do imposto compete ao adquirente dos bens e serviços, apenas confere direito a dedução o imposto que for liquidado por força dessa obrigação”.

Para analisar esta questão devemos ter especialmente em consideração os Acórdãos do Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE), dado que estamos a tratar de matéria que é relativa a imposto harmonizado e sujeito a regras especificamente comunitárias, sendo que as disposições nacionais são predominantemente de mera transposição, salvos casos pontuais de isenções ou derrogações.

A Requerente transcreveu, em sede de audição e no PPA dois parágrafos do Acórdão relativo ao Processo C-111/14 de 23/04/2015 (GST - Sarviz Germania), concretamente o §98, onde pode ler-se que “o princípio do sistema comum do IVA consiste em aplicar aos bens e aos serviços um imposto geral sobre o consumo exatamente proporcional ao preço destes, pelo que a Administração Fiscal não poderá cobrar um montante de IVA superior ao calculado desta forma” e o §97, em que se refere que “as medidas que os Estados-Membros têm a faculdade de adotar para garantir a cobrança exata do imposto e evitar a fraude não devem exceder o necessário para alcançar esses objetivos. Por conseguinte, não podem ser utilizadas de uma forma que ponha em causa a neutralidade do IVA, que constitui um princípio fundamental do sistema comum do IVA instituído pelo direito da União nesta matéria”.

Ora, neste processo, a O..., com sede na Alemanha, prestou serviços técnicos e de consultoria à P..., com sede na Bulgária.

Por ter considerado que a O... não dispunha, aquando da prestação desses serviços no período em causa, de um estabelecimento estável no território búlgaro, a P... liquidou o IVA relativo aos referidos serviços, nos termos do procedimento de reversão do sujeito passivo, tendo sido recusado pela Administração Fiscal o direito à sua dedução do imposto, com o fundamento de que esta não dispunha do correspondente documento fiscal exigido.

Posteriormente, a Administração Fiscal búlgara declarou que a O... dispunha, no período em que prestou serviços à P..., de um estabelecimento estável e estava sujeita ao IVA relativamente a esses serviços.

A O... pagou a quantia reclamada pela Administração Fiscal em 2 de Março de 2012 e, em 5 de Setembro de 2012, apresentou um pedido de reembolso do imposto pago que foi recusado.

Sendo a questão levantada: “O órgão jurisdicional de reenvio salienta também que o facto de o IVA ter sido cobrado duas vezes, uma vez ao prestador e outra ao destinatário, e de ter sido recusado o reembolso ao prestador e a dedução do imposto ao destinatário, é contrário ao princípio da neutralidade do IVA”.

A decisão neste processo foi a seguinte:

1) O artigo 193.º da Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado, conforme alterada pela Diretiva 2010/88/UE do Conselho, de 7 de dezembro de 2010, deve ser interpretado no sentido de que o imposto sobre o valor acrescentado é devido unicamente pelo sujeito passivo que presta um serviço, quando esse serviço foi prestado a partir de um estabelecimento estável situado no Estado-Membro onde esse imposto é devido.

2) O artigo 194.º da Diretiva 2006/112/CE, conforme alterada pela Diretiva 2010/88/UE, deve ser interpretado no sentido de que não permite à Administração Fiscal de um Estado-Membro considerar como devedor do imposto sobre o valor acrescentado o destinatário de um serviço prestado a partir de um estabelecimento estável do prestador, quando tanto este como o destinatário desse serviço estão estabelecidos no território do mesmo Estado-Membro, ainda que o destinatário já tenha pago esse imposto com base na suposição errada de que o referido prestador não dispunha de um estabelecimento estável nesse Estado.

3) O princípio da neutralidade do imposto sobre o valor acrescentado deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma disposição nacional que permite à Administração Fiscal recusar ao prestador de serviços o reembolso do imposto que pagou, quando foi negado ao destinatário desses serviços, que também pagou o referido imposto pelos mesmos serviços, o direito à respetiva dedução, com o fundamento de que não dispunha do correspondente documento fiscal, sendo que a lei nacional não permite a regularização dos documentos fiscais quando existe um aviso de liquidação adicional definitivo”.

Portanto, este processo não é relativo ao adquirente dos serviços, que liquidou e não deduziu o IVA (e que não foi recusado pelo TJUE), mas ao prestador, que liquidou e não obteve o reembolso, estando, portanto, em causa duas liquidações de IVA sem qualquer dedução.

Já ocorrer uma liquidação sem dedução pode verificar-se, se esta não for legalmente devida.

Pelo que não existe qualquer fundamento para pretender retirar alguma consequência para o presente processo.

No processo C-342/87 de 13/12/1989 (Genius Holding BV vs Staatssecretaris van Financiën), estava em causa saber se a dedução só era aceite quando o imposto mencionado na fatura era devido, referindo o Acórdão que:

“[…] nos termos do artigo 17. °, n.º 2, alínea a), da sexta directiva, o sujeito passivo está autorizado a deduzir do imposto de que é devedor «o imposto sobre o valor acrescentado devido ou pago em relação a bens que lhe tenham sido fornecidos ou que lhe devam ser fornecidos e a serviços que lhe tenham sido prestados ou que lhe devam ser prestados por outro sujeito passivo».

A requerente no processo principal e a Comissão sustentam que esta disposição deve ser interpretada no sentido de que permite a dedução de qualquer imposto mencionado na factura.

Consideram que a interpretação segundo a qual só os impostos que correspondem aos fornecimentos de bens e às prestações de serviços podem ser objecto de dedução é contrária à finalidade do regime das deduções, que visa assegurar, tal como o Tribunal realçou no seu acórdão de 14 de Fevereiro de 1985, Rompelman (268/83, Recueil, p. 655), a total neutralidade quanto à carga fiscal de todas as actividades económicas, quaisquer que sejam os seus fins ou resultados, na condição de que tais actividades sejam elas mesmas sujeitas ao IVA. Sendo certo que, por força do artigo 21. °, n.º 1, alínea c), da sexta directiva, qualquer pessoa que mencione o imposto sobre o valor acrescentado numa factura ou em qualquer outro documento que a substitua é devedora de tal imposto, mesmo quando ele não é legalmente devido, a exclusão, neste caso, do direito à dedução implicaria a submissão de uma actividade ao imposto, contrariamente ao princípio da neutralidade do IVA. […]

A este respeito, deve realçar-se, para começar, que na redacção do artigo 17.°, n.º 2, alínea a), o Conselho se afastou tanto da redacção do artigo 11.°, n.º 1, alínea a), da segunda directiva do Conselho de 11 de Abril de 1967 (JO 71,p. 1303) como da redacção do artigo 17.°, n.º 2, alínea a), da proposta da Comissão para a sexta directiva (JO C 80 de 5.10.1973, p. 1), nas quais o direito à dedução se alargava a qualquer imposto facturado por motivo de bens entregues e de serviços prestados ao sujeito passivo.

Da alteração feita aos textos referidos deve inferir-se que o exercício do direito à dedução está limitado apenas aos impostos devidos, isto é, aos impostos que correspondam a uma operação submetida ao IVA ou que sejam pagos na medida em que sejam devidos.

Esta interpretação do artigo 17. °, n.º 2, alínea a), é confirmada por outras disposições da sexta directiva.

Segundo o artigo 18.°, n.º 1, alínea a), para exercer o direito à dedução, o sujeito passivo deve possuir uma factura emitida nos termos do n.º 3 do artigo 22.°, cuja alínea b) exige que ela mencione claramente o preço líquido de imposto e o imposto correspondente a cada taxa diferente e, se for o caso, a isenção. De acordo com estas disposições, a menção do imposto correspondente aos fornecimentos de bens e às prestações de serviços é um elemento da factura, do qual depende o exercício do direito à dedução. Em consequência, este direito está excluído em relação a qualquer imposto que não corresponda a uma operação determinada quer porque o imposto é mais elevado que o legalmente devido quer porque a operação em causa não está submetida ao IVA.

Além disso, segundo o artigo 20. °, n.º 1, alínea a), «a dedução inicialmente operada é ajustada segundo as modalidades fixadas pelos Estados-membros, designadamente...quando a dedução for superior ou inferior à dedução a que o sujeito passivo tinha direito». Resulta desta disposição que, sempre que a dedução inicialmente praticada não corresponda ao montante do imposto legalmente devido, deve ser ajustada, mesmo que corresponda ao montante do imposto mencionado numa factura ou num documento equivalente.

Esta interpretação do artigo 17. °, n.º 2, alínea a), é a que melhor permite prevenir a fraude fiscal, que se tornaria mais fácil no caso de qualquer imposto facturado poder ser deduzido.

No que respeita, por fim, ao argumento invocado pela requerente no processo principal e pela Comissão, segundo o qual o facto de se limitar o exercício do direito à dedução apenas aos impostos que correspondam a fornecimentos de bens e a prestações de serviços poria em causa o princípio da neutralidade do IVA, deve realçar-se que, para assegurar a aplicação deste princípio, compete aos Estados-membros prever, nas suas ordens jurídicas internas, a possibilidade de correcção de qualquer imposto indevidamente facturado desde que quem emita a factura demonstre a sua boa fé”.

Tendo sido declarado que “o exercício do direito à dedução previsto na sexta Directiva 77/3 8 8/CEE do Conselho, de 17 de Maio de 1977, não se estende ao imposto que é devido exclusivamente por estar mencionado na factura”.

No processo C-35/05, de 15/03/2007 (Reemtsma Cigarettenfabriken GmbH vs Ministero delle Finanze) estavam em causa as regras sobre o reembolso do imposto sobre o valor acrescentado aos sujeitos passivos não estabelecidos no território do país (JO L 331, p. 11; EE 09 F1 p. 116; a seguir «Oitava Directiva»), referindo o Acórdão que:

“[…] A Reemtsma é uma empresa cuja sede está situada na Alemanha e que não dispõe de um estabelecimento estável em Itália.

Em 1994, uma empresa italiana forneceu-lhe serviços de publicidade e marketing, pelos quais lhe cobrou um montante de total de 175 022 025 ITL a título de IVA.

O IVA foi cobrado à Reemtsma e pago à Administração Fiscal italiana [pelo fornecedor].

A Reemtsma requereu então o reembolso parcial de dois montantes de IVA pagos a título do ano de 1994 que considerou ter pago indevidamente por as prestações em causa terem sido efectuadas a favor de um sujeito passivo estabelecido num Estado-Membro que não a República Italiana, no caso em apreço a Alemanha, razão pela qual o IVA era devido neste último Estado-Membro.

As autoridades fiscais nacionais indeferiram este pedido de reembolso e a Reemtsma recorreu desta decisão para os órgãos jurisdicionais italianos. Tanto na primeira como na segunda instância foi negado provimento ao recurso, com o fundamento de que as facturas emitidas se referiam a serviços de promoção publicitária e de marketing não sujeitos a IVA pelo facto de a condição territorial não estar preenchida, já que tinham sido prestados a um sujeito passivo tributável noutro Estado-Membro. […]

A Reemtsma considera que o facto de se limitar o direito ao reembolso apenas ao IVA dedutível não significa que o imposto que foi indevidamente facturado e pago à Administração Fiscal não possa ser objecto de reembolso. Com efeito, o artigo 21.°, n.° 1, alínea c), da Sexta Directiva, na interpretação que lhe foi dada pelo acórdão do Tribunal de Justiça de 17 de Setembro de 1997, Langhorst (C-141/96, Colect., p. I--5073), opõe-se ao princípio segundo o qual o direito à dedução apenas se aplica aos impostos devidos. Considera que o direito à dedução do referido imposto é um dos principais instrumentos que permitem assegurar o princípio da neutralidade do IVA e que, por conseguinte, esse direito não pode ser limitado. […]

A título preliminar, importa recordar que, no n.º 13 do acórdão Genius Holding, já referido, o Tribunal de Justiça declarou que o exercício do direito à dedução está limitado aos impostos devidos, isto é, aos impostos que correspondam a uma operação submetida ao IVA ou que sejam pagos na medida em que sejam devidos.

Por conseguinte, decidiu que este direito à dedução não se estende ao IVA que é devido, por força do disposto no artigo 21. °, n.º 1, alínea c), da Sexta Directiva, exclusivamente por estar mencionado na factura (v., designadamente, acórdão Genius Holding, C-342/87). A este respeito, o Tribunal de Justiça confirmou posteriormente esta jurisprudência nos acórdãos de 19 de Setembro de 2000, Schmeink & Cofreth e Strobel (C-454/98, Colect., p. I-6973, n.º 53), e de 6 de Novembro de 2003, Karageorgou e o. (C-78/02 a C-80/02, Colect., p. I-13295, n.º 50). […]

Além disso, a Oitava Directiva visa estabelecer as modalidades de reembolso do IVA pago num Estado-Membro por sujeitos passivos estabelecidos noutro Estado--Membro. Tem assim por objectivo harmonizar o direito ao reembolso tal como resulta do n.º 3 do artigo 17. ° da Sexta Directiva (v., designadamente, acórdão 13 de Julho de 2000, Monte Dei Paschi Di Siena, C-136/99, Colect., p. I-6109, n.º 20). Com efeito, como resulta do n.º 20 do presente acórdão, os artigos 2.° e 5.° da Oitava Directiva remetem explicitamente para o artigo 17.° da Sexta Directiva.

Nestas condições, uma vez que o direito à dedução, na acepção do referido artigo 17.°, não se pode estender ao IVA indevidamente facturado e pago à autoridade fiscal, deve concluir-se que este mesmo IVA não pode ser objecto de um reembolso em conformidade com as disposições da Oitava Directiva”.

Tendo sido decidido que “1) Os artigos 2.° e 5.° da Oitava Directiva 79/1072/CEE do Conselho, de 6 de Dezembro de 1979, relativa à harmonização das legislações dos Estados-Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios - Regras sobre o reembolso do imposto sobre o valor acrescentado aos sujeitos passivos não estabelecidos no território do país, devem ser interpretados no sentido de que o imposto sobre o valor acrescentado não devido que foi facturado por erro ao beneficiário das prestações e seguidamente pago à Administração Fiscal do Estado-Membro do lugar destas prestações não pode ser objecto de reembolso nos termos destas disposições.

2) Com excepção dos casos expressamente previstos pelas disposições do artigo 21.°, n.º 1, da Sexta Directiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de Maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados-Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios - Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria colectável uniforme, na redacção da Directiva 92/111/CEE do Conselho, de 14 de Dezembro de 1992, é unicamente o fornecedor quem deve ser considerado o devedor do imposto sobre o valor acrescentado perante as autoridades fiscais do Estado-Membro do lugar das prestações.

3) Os princípios da neutralidade, da efectividade e da não discriminação não se opõem a uma regulamentação nacional, como a em causa no processo principal, segundo a qual apenas o fornecedor pode requerer o reembolso dos montantes indevidamente pagos a título do imposto sobre o valor acrescentado às autoridades fiscais e o destinatário dos serviços pode intentar uma acção cível para repetição do indevido contra este fornecedor.

No entanto, se o reembolso do IVA se tornar impossível ou excessivamente difícil, os Estados-Membros devem prever os instrumentos necessários para permitir ao referido destinatário recuperar o imposto indevidamente facturado, de modo a que o princípio da efectividade seja respeitado”.

No processo C-564/15, de 26/04/2017 (Tibor Farkas vs  Nemzeti Adó-és Vámhivatal Dél-alföldi Regionális Adó Főigazgatósága), estava em causa a aplicação do regime geral do IVA quando deveria ter sido observado o regime de autoliquidação, referindo o Acórdão que “[…] T. Farkas defende que a Administração Tributária húngara lhe negou o direito à dedução do IVA devido a um vício de forma, a saber, que a fatura em causa tinha sido emitida segundo o regime de tributação comum, em vez de segundo o regime de tributação por autoliquidação, violando assim o direito da União. Considera que a decisão que lhe impõe o pagamento do diferencial de imposto é injustificada pelo facto de o vendedor em causa ter pago à Fazenda Pública o IVA em causa. […]

O órgão jurisdicional de reenvio considera que, na prática, a decisão da Administração Tributária húngara impede T. Farkas de exercer o seu direito à dedução. Tendo em conta que, em conformidade com a Diretiva 2006/112 e a jurisprudência do Tribunal de Justiça, o direito à dedução do IVA só pode ser negado quando se tenha demonstrado a existência de fraude fiscal, a referida decisão não parece ser proporcionada ao objetivo prosseguido pelo regime de tributação por autoliquidação. […]

O Tribunal de Justiça já declarou que o artigo 199.º, n.º 1, alínea g), da Diretiva 2006/112 constitui uma exceção ao princípio recordado no artigo 193.º desta diretiva, segundo o qual o IVA é devido por sujeitos passivos que efetuem entregas de bens ou prestações de serviços tributáveis, e deve, por isso, ser interpretado estritamente. O referido artigo 199.º permite com efeito aos Estados-Membros recorrer, nas situações indicadas no n.º 1, alíneas a) a g), ao mecanismo de autoliquidação, em virtude do qual o devedor de IVA é o sujeito passivo destinatário da operação sujeita a IVA (v., neste sentido, acórdão de 13 de junho de 2013, Promociones y Construcciones BJ 200, C-125/12, EU:C:2013:392, n.os 23 e 31). […]

O órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se as disposições da Diretiva 2006/112 e os princípios da neutralidade fiscal e da proporcionalidade devem ser interpretados no sentido de que se opõem a que, numa situação como a do processo principal, o adquirente de um bem seja privado do direito à dedução do IVA que pagou indevidamente ao vendedor com base numa fatura emitida segundo as regras relativas ao regime comum do IVA, quando à operação em causa era aplicável o mecanismo de autoliquidação, no caso de o vendedor ter pagado o referido imposto à Fazenda Pública. […]”.

Tendo sido decidido, na parte que interessa para este processo, que “as disposições da Diretiva 2006/112, conforme alterada pela Diretiva 2010/45, e os princípios da neutralidade fiscal, da efetividade e da proporcionalidade devem ser interpretados no sentido de que não se opõem a que, numa situação como a do processo principal, o adquirente de um bem seja privado do direito à dedução do imposto sobre o valor acrescentado que pagou indevidamente ao vendedor com base numa fatura emitida segundo as regras de tributação do regime comum do imposto sobre o valor acrescentado, quando à operação em causa era aplicável o mecanismo de autoliquidação, no caso de o vendedor ter pagado o referido imposto à Fazenda Púbica. Contudo, esses princípios exigem, desde que o reembolso, pelo vendedor ao adquirente, do imposto sobre o valor acrescentado indevidamente faturado seja impossível ou excessivamente difícil, nomeadamente em caso de insolvência do vendedor, que o adquirente possa pedir a devolução diretamente à autoridade tributária”.

Fica, pois, patente que o TJUE tem sido consistente na aceitação da não dedução do IVA que foi liquidado no âmbito do regime geral quando deveria ter sido aplicado o mecanismo de autoliquidação, admitindo como exceção para o pedido de reembolso à autoridade tributária o caso de impossibilidade ou excessiva dificuldade de tal ser obtido do vendedor.

Ora, o n.º 8, do artigo 19.º, do Código do IVA, estabelece que “nos casos em que a obrigação de liquidação e pagamento do imposto compete ao adquirente dos bens e serviços, apenas confere direito a dedução o imposto que for liquidado por força dessa obrigação”,

Sendo que, no presente processo, nada foi alegado sobre a impossibilidade de recurso a ação cível sobre os fornecedores e o Projeto de Relatório de Inspeção Tributária foi notificado em 03-03-2020, pelo que não colhe o argumento aduzido no artigo 101.º do PPA de que estava ultrapassado o prazo de quatro anos de regularização do imposto, previsto no n.º 2 do artigo 98.º do Código do IVA, relativamente às faturas em causa, que foram emitidas em setembro, outubro e dezembro de 2016 e abril de 2017, e quando em nenhuma fase do processo foi contestada a aplicação do regime de inversão do sujeito passivo.

Em conclusão, entende este tribunal julgar improcedente o pedido nesta parte, mantendo-se as correções relativas à não dedutibilidade do montante de € 32.919,54 de IVA liquidado nas faturas mencionadas no início desta seção, mantendo-se consequentemente, e nessa medida, as liquidações de IVA que as incorporam

v.Dedutibilidade à matéria tributável de IRC de € 130.357,44 de depreciações, relativas ao ativo fixo tangível que entrou em funcionamento anteriormente a 2009 (item III- 2.2.2 do RIT).

Estão aqui em causa as depreciações, em 2016 e 2017, dos seguintes bens (identificadas no total de 161.0677,58 € no RIT, sendo 80.838,79 € em cada ano):

 

 

 

Relativamente às normas aplicáveis, o artigo 21.º do Decreto Regulamentar n.º 25/2009 identifica que:

1 - Os sujeitos passivos devem incluir, no processo de documentação fiscal previsto nos artigos 130.º do Código do IRC e 129.º do Código do IRS, os mapas de depreciações e amortizações de modelo oficial, apresentando separadamente:

a) Os elementos que entraram em funcionamento até 31 de Dezembro de 1988;

b) Os elementos que entraram em funcionamento a partir 1 de Janeiro de 1989;

c) Os elementos que foram objecto de reavaliação ao abrigo de diploma de carácter fiscal. […]

3 - A contabilidade organizada nos termos do artigo 123.º do Código do IRC e do artigo 117.º do Código do IRS deve permitir o controlo dos valores constantes dos mapas referidos no n.º 1, em conformidade com o disposto no presente decreto regulamentar e na demais legislação aplicável”.

Por sua vez, o n.º 1, do artigo 123.º do Código do IRC determina que “as sociedades comerciais ou civis sob forma comercial, as cooperativas, as empresas públicas e as demais entidades que exerçam, a título principal, uma atividade comercial, industrial ou agrícola, com sede ou direção efetiva em território português, bem como as entidades que, embora não tendo sede nem direção efetiva naquele território, aí possuam estabelecimento estável, são obrigadas a dispor de contabilidade organizada nos termos da lei que, além dos requisitos indicados no n.º 3 do artigo 17.º, permita o controlo do lucro tributável”.

Embora seja jurisprudência assente que a obrigatoriedade de dispor da documentação de suporte da contabilidade se mantém apenas por um período de 10 anos, o que está aqui em causa não são as inerentes faturas, mas antes a fundamentação daquelas amortizações praticadas em 2016 e 2017, para o que teremos de considerar diversos factos.

O RIT refere, sem que tal seja contestado pela Requerente, que os edifícios em causa relativamente a esta questão estão omissos na respetiva matriz predial e não possuem qualquer licenciamento para o exercício de atividades económicas, nomeadamente relacionadas com restauração, bebidas ou alojamento, o que também tem relevância em alguns dos pontos a seguir identificados.

Por outro lado, a Requerente, reconheceu que só o escritório está a ser utilizado na atividade produtiva, conforme mencionado na página 6 do RIT, sobre a afetação dos referidos edifícios, nos termos do ponto 95 do direito de audição, ao considerar que, na correção da imputação dos gastos de eletricidade, “para além da área útil do escritório, os SIT deveriam ter, pelo menos, excluído também a área útil da Casa 2 e da Casa 6, as quais, como reconhecido no Projeto de Relatório, constituem a residência da funcionária da Exponente J... e do seu marido K... (Casa 2) e dos funcionários da Exponente L... e M...(Casa 6)”.

E reconhece ainda a Requerente, no artigo 191.º do PPA que “estão em causa maioritariamente ativos relativos a construções correspondentes aos imóveis identificados no Relatório (cfr. II.3.5.3, p. 6/79), que são utilizados por funcionários da Requerente, bem como para apoio à atividade da Requerente”, não tendo sido produzida prova nos autos relativamente ao modo como estes imóveis constituem apoio à atividade.

Na verdade, nos dois artigos seguintes do PPA a Requerente apenas indica, sem produzir prova, que “importa salientar que a Requerente desenvolveu já atividades de turismo rural conexas com as atividades principais desenvolvidas, no âmbito do seu objeto social, o qual compreende, entre outras, a “(…) exploração de caça e fomento de actividades e recursos cinegéticos, seu aproveitamento turístico e operações conexas (…)” e “ora, a circunstância de a atividade de turismo rural ter-se reduzido fortemente em momentos de crise económico-financeira não permite pôr em causa a utilização dos ativos para efeitos de desenvolvimento, ainda que pontual, desta actividade”.

Compulsados os autos, não existe nos mesmos qualquer prova relativamente à atividade produtiva nos imóveis e eventual enquadramento de apoio, nem sequer de forma “pontual”, em 2016, 2017 e 2018, face às vendas e serviços prestados naqueles anos, identificados na página 5 do RIT.

Adicionalmente, e numa lógica de coerência, é de realçar que, em todas as rúbricas em que a AT negou a dedutibilidade das amortizações relativas aos bens com data de aquisição em que não tinha decorrido o prazo de 10 anos para conservação da documentação, a Requerente aceitou as correções em causa [relativas a bens no montante de € 106.434,01 (item III- 2.1.13 do RIT)].

Sendo de referir, na mesma linha, que foram integralmente aceites pela Requerente as correções decorrentes da não consideração dos gastos com o pessoal, expressa no RIT, no montante de € 82.641,75 €, por não terem “qualquer conexão nem se afigurarem necessários para garantir ou obter os rendimentos sujeitos a tributação”, tendo em conta a categoria profissional e as funções exercidas, predominantemente associadas a tarefas em habitações particulares instaladas naqueles edifícios.

Ao que acresce, ao nível da documentação e comprovação de gastos dedutíveis, que não cumprem com as normas aplicáveis identificações tão singelas como “Edifícios”, “Reparação de telhados” ou “Obras de pavimentação” e sem indicação do correspondente imóvel (se registado autonomamente) ou pelo menos de uma forma de identificar o concreto edificado referido ou em que foram executadas obras ou reparações.

Do mesmo modo, a inscrição de um ativo pelo valor de € 1.526.067 requer documentação comprovativa adequada, seja quanto ao valor que lhe é atribuído seja quanto à sua concreta localização, não bastando uma mera inscrição como “Construção 6”.

Na verdade, a inscrição contabilística de edifícios e construções deve indicar os elementos relativos ao cadastro predial, do imóvel ou do terreno, por exemplo, com a simples menção do artigo matricial, ainda que determinados edifícios instalados num dado prédio não se encontrem autonomamente descritos do ponto de vista predial ou inscritos na matriz.

Com efeito, tal indicação é necessária também para aferir se no valor imputado ao edifício ou construção foi tida em conta a parcela referente ao terreno, que não é amortizável, quando aplicável.

Na mesma linham verifica-se que não se encontram devidamente identificados diversos itens, denominados apenas como Equipamento “X” sem qualquer outra descrição, não sendo por isso possível apurar nem as razões que conduzem aos valores contabilisticamente atribuídos aos mesmos nem as taxas de amortização aplicáveis, seja nos termos do Decreto-Regulamentar n.º 2/90, seja ao abrigo do Decreto Regulamentar n.º 25/2009.

Tal omissão de identificação impede também a verificação de que tais ativos – que na verdade não se sabe quais são - se mantinham na esfera jurídica da Requerente nos exercícios em causa.

Adicionalmente, saliente-se que a aceitação fiscal da depreciação não ocorre apenas porque existe uma prática reiterada de anos anteriores, sem estarem identificados, em concreto, os respetivos bens, porque, previamente a esse encargo, existe a obrigatoriedade de tais depreciações dedutíveis serem relativas a ativos utilizados na atividade operacional.

Logo, terá de existir informação de suporte relativamente à atividade operacional do bem, não necessariamente dependente da fatura inicial, mas pelo menos de uma qualquer forma de identificação inequívoca.

Portanto, o que está aqui em causa não são as faturas de suporte do lançamento na contabilidade dos ativos fixos tangíveis, mas, antes, a comprovação da sua utilização na atividade operacional nos exercícios em causa.

É que cada ativo fixo tangível deverá ter uma ficha de inventário de modo a que seja possível identificar, com facilidade, o bem e o local em que se encontra, bem como os respetivos acréscimos e diminuições, ou outras alterações ocorridas no inventário dos bens e para que se possa proceder ao controlo físico.

Dito de outra forma, terá o cadastro de ativos fixos tangíveis da empresa de ter informação que permita confirmar a manutenção do contributo para a atividade operacional, critério prévio à dedução fiscal da depreciação, decidida em cada ano, e independentemente daquele a que se refere a aquisição, sendo aquele o suporte – identificativo do contributo para a atividade operacional - que terá de ser mantido por 10 anos e que não foi disponibilizado nem aos SIT nem nos presentes autos.

Tendo a Requerente apenas alegado que não dispunha dos elementos relativos ao lançamento no ano de aquisição e que não tinha essa obrigação, mas não estando tal aqui em causa, resultando antes que na verdade não foi feita prova do contributo operacional de certos bens, nem sequer concretamente identificados, para ter praticado aquelas depreciações, não pode este tribunal julgar de outro modo que não o de considerar o pedido improcedente nesta matéria, mantendo as mencionadas correções de IRC de 2016 e 2017, no total de € 161.0677,58, sendo de € 80.838,79  em cada ano e, nessa medida, as liquidações que as incorporam.

IV. Dos juros indemnizatórios

A Requerente pede expressamente a condenação da Requerida no pagamento de juros indemnizatórios “calculados à taxa de 4% sobre o valor indevidamente pago pela Requerente” os quais “deverão ser contados desde a data do pagamento indevido, até à data do processamento da respetiva nota de crédito.”

Ora, como vimos acima nos Factos Provados, a Requerente procedeu ao pagamento integral do valor exigido nas liquidações adicionais aqui impugnadas.

O direito a juros indemnizatórios é regulado no artigo 43.º da LGT, que estabelece, no que aqui interessa, o seguinte:

Artigo 43.º

Pagamento indevido da prestação tributária

1 – São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

2 – Considera-se também haver erro imputável aos serviços nos casos em que, apesar da liquidação ser efectuada com base na declaração do contribuinte, este ter seguido, no seu preenchimento, as orientações genéricas da administração tributária, devidamente publicadas.

[…]

4. A taxa dos juros indemnizatórios é igual à taxa dos juros compensatórios.

5. No período que decorre entre a data do termo do prazo de execução espontânea de decisão judicial transitada em julgado e a data da emissão da nota de crédito, relativamente ao imposto que deveria ter sido restituído por decisão judicial transitada em julgado, são devidos juros de mora a uma taxa equivalente ao dobro da taxa dos juros de mora definida na lei geral para as dívidas ao Estado e outras entidades públicas.

 

A Requerida defende que não há erro dos serviços.

 

No entanto, tal como referido na decisão arbitral proferida no processo n.º 625/2020-T, “como há muito vem entendendo o Supremo Tribunal Administrativo, a imputabilidade para efeitos de juros indemnizatórios apenas depende da prática de um ato ilegal, por iniciativa da Administração Tributária”, sendo certo que “constitui erro imputável aos serviços e pode servir de base à responsabilidade por juros indemnizatórios a falta do próprio serviço, nomeadamente a prática de uma liquidação ilegal e, por isso ilícita” – cfr. Acórdão do STA de 21 de janeiro de 2015, proferido no processo n.º 0632/14.

Assim, no caso em apreço, tendo sido anulada parcialmente a liquidação adicional de IRC relativa ao exercício de 2016, por ter sido anulada a correção à matéria tributável de € 160.000 acima referida e determinada a aceitação dos prejuízos fiscais a que supra se aludiu, e não sendo os erros subjacentes às liquidações imputáveis à Requerente, eles são imputáveis à Requerida Autoridade Tributária e Aduaneira.

Por isso, tem a Requerente direito a juros indemnizatórios calculados sobre a quantia que vier a determinar-se ter sido paga a mais, por força da anulação ora decidida, juros esses que devem ser contados desde a data em que o pagamento da liquidação adicional de IRC de 2016 foi efectuado, até ao integral reembolso à Requerente do valor de € 234.464,23 à taxa legal supletiva, nos termos dos artigos 43.º, n.º 4, e 35.º, n.º 10, da LGT, do artigo 61.º do CPPT, do artigo 559.º do Código Civil e da Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril.

 

V. DA DECISÃO

Termos em que, com os fundamentos acima expostos, se decide neste Tribunal Arbitral julgar parcialmente procedente o pedido, anulando-se parcialmente a liquidação de IRC n.º 2022..., do período de 2016, na medida em que:

i) desconsiderar a dedução de prejuízos fiscais, por erro nos pressupostos de utilização de avaliação indireta, traduzido na violação dos artigos 52.º, n.º 3, 87.º, n.º 1 e 90.º, n.º 1, todos do Código do IRC; e

ii) incorpora uma correção ilegal, por violação do artigo 23.º do Código do IRC, no valor de € 160.000, mas mantendo-se na ordem jurídica quer a liquidação de IRC n.º 2022..., relativa ao exercício de 2017, quer as liquidações de IVA impugnadas (ainda que com diferente configuração jurídica das correções nas mesmas incorporadas) e, em consequência, condenando-se a Requerida à integral reposição da situação nos termos do artigo 100.º da LGT, designadamente reembolsando a Requerente de todos os montantes indevidamente pagos, no valor estimado de € 234.464,23, acrescidos de juros indemnizatórios até integral pagamento. Custas a pagar pelas partes na proporção do decaimento, como adiante se detalhará.

A referida estimativa do valor indevidamente pago, na liquidação de IRC de 2016, resulta de, tendo em conta que a matéria colectável considerada pela AT foi de € 2.269.690,72, sendo a mesma do lucro tributável, por não ter aceitado a dedução dos prejuízos reportados:

i) a decisão considera, primeiro, que o lucro tributável é de € 2.109.690,72, pela dedução do gasto de € 160.000 donde, com uma redução de 3% na derrama estadual (€ 4.800) e 1,5% na derrama municipal (€ 2.400), somando € 7.200;

ii) depois, a matéria colectável será de € 1.307.104,69 (pela dedução integral do reporte de prejuízos de € 802.586,03), pelo que o IRC será de € 274,491,98 (à taxa de 21%), o que corresponde, face à liquidação por € 476.635,05 €, em redução de € 202.143,07;

iii) por fim, com a redução daquele montante de € 209.343,07 (7.200,00+202.143,07), e à taxa de 4%, traduziria uma redução anual nos juros compensatórios de € 8.373,72 donde, nos três anos em causa, será de € 25.121,16;

iv) pelo que o total de redução da liquidação será de € 234.464,23 (209.343,07+25.121,16).

 

VI. VALOR DO PROCESSO

Fixa-se o valor do processo em € 380.431,56, correspondente a € 325.103,08 em IRC (referente à totalidade das liquidações adicionais de 2016 e 2017, expressamente mencionado pela Requerente) e € 55.328,48 em IVA (€ 9.600,00, € 32.919,54 e € 12.808,94 de imposto, cuja dedução não foi aceite pela Requerida), nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, alíneas a) e b), do CPPT, e 32.º, n.º 2 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, aplicáveis por força das alíneas a) e c) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

VII. CUSTAS

No presente processo o tribunal depara-se com dois valores para efeitos do cálculo das custas a suportar pelas partes, na proporção do respetivo decaimento: o primeiro, correspondente ao atribuído no pedido de pronúncia arbitral (€ 332.228,07) e o segundo, determinado nesta decisão, por aplicação das normas legais relevantes, que atendem à utilidade económica do pedido, ou seja, € 380.431,56, nos quais obteve a Requerente vencimento relativamente ao montante de € 234.464,23, acima identificado, ou seja, numa proporção de 61,63%, ficando 38,37% da responsabilidade da Requerente.

 

Como se entendeu no acórdão n.º 151/2013-T, de 15 de novembro, sobre a situação da existência de valores diferentes para efeitos de custas, “o facto de o valor do litígio, para efeitos de determinação da competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, ser o que resulta da aplicação subsidiária do CPPT, não obsta a que seja outro o valor para efeitos de custas, pois trata-se de matéria que tem a ver exclusivamente com as receitas do CAAD, que é uma entidade privada, e, como se disse, a regulamentação do regime de custas foi deixada pelo artigo 12.º do RJAT, na sua exclusiva disponibilidade, ao estabelecer que «é devida taxa de arbitragem, cujo valor, fórmula de cálculo, base de incidência objetiva e montantes mínimo e máximo são definidos nos termos de Regulamento de Custas a aprovar, para o efeito, pelo Centro de Arbitragem Administrativa»”.

Ora, a taxa de arbitragem é definida a partir do valor da causa (artigo 3.º do RCPAT), que, por sua vez, se fixa “de acordo com as regras previstas na lei do processo respectivo” [artigo 11.º do Regulamento das Custas Processuais (“RCP”)].

Ou seja, a fixação do valor da causa para efeitos da fixação da taxa de justiça ou arbitral, segue os mesmos termos da fixação do valor da causa para os restantes efeitos, tal como refere SALVADOR DA COSTA: “assim, o valor da causa para efeitos de competência do tribunal, forma de processo de execução, admissão ou não de recurso e exigência ou não de patrocínio judiciário, também instrumentaliza a determinação do valor da causa para efeito de pagamento de taxa de justiça” – cfr. As Custas Processuais – Análise e Comentário, 7.ª Ed., Almedina, Coimbra: 2018, p. 168).

Por outro lado, o CPPT não estabelece qualquer regra relativa à forma de fixação do valor da causa para efeitos de pagamento de taxa de justiça, apenas regulando os montantes a ter em conta para efeitos de valor da causa no artigo 97.º-A. Da mesma forma, o RJAT limita-se a remeter o regime da fixação das custas para o RCPAT, que, por sua vez, não refere se o valor da causa para efeitos de fixação das custas é o fixado oficiosamente ou o apresentado pelas partes.

Como vimos, considera este Tribunal, por aplicação das normas relevantes, que a utilidade económica do pedido é superior à indicada pela Requerente no PPA. Contudo, na senda das decisões arbitrais proferidas nos processos n.os 151/2013-T, 579/2018-T 649/21-T, 197/2022-T, fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 5.814,00 correspondente ao valor da causa inicialmente indicado pela Requerente (€ 332.228,07), nos termos da Tabela I do RCPAT, atendendo sobretudo ao facto de ser esse o valor das liquidações concretamente impugnadas.

As custas são, como se referiu, a pagar pelas partes na proporção do decaimento, ou seja, em 61,63% pela Requerida, correspondentes a € 3.583,17, e em 38,37%, correspondentes a € 2.230,83 pela Requerente, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, do RJAT, e artigo 4.º, n.º 4, do citado Regulamento.

 

Notifique-se.

Lisboa, 7 de março de 2024

 

Os Árbitros,

 

_________________

(Prof.ª Doutora Regina de Almeida Monteiro - Presidente)

 

 

________________

(Dr. Luís Cupertino Ferreira - Adjunto)

com declaração de voto

 

 

______________________

(Dr. João Taborda da Gama - Adjunto)

com declaração de voto

 

 

Declaração de voto

Não acompanho a decisão arbitral, exclusivamente na aceitação de gasto fiscal em IRC do montante de € 160.000,00, relativo à fatura n.º 19/2916 de 12/12/2016, da “I..., Lda”, com a menção genérica de prestação de “serviços com a afectação de mão-de-obra para as atividades agrícolas e florestais (silvícolas) e cinegéticas em ... em 2016” (item III- 2.2.1 do RIT).

Do ponto de vista meramente formal, existem três condições que não foram cumpridas na emissão daquela factura, por dela estarem ausentes: a “quantidade”, a “denominação usual dos serviços prestados” e a “data” em que tal ocorreu.

Porque a unidade não foi “uma”, a denominação de prestação de “serviços com a afectação de mão-de-obra para as actividades agrícolas e florestais (silvícolas) e cinegéticas” é tão lata que não indica sequer a que se refere em concreto e a data não pode ser “em 2016”.

Sendo que a AT, no âmbito do IRC, não questionou apenas a conformidade legal do documento, mas considerando que a factura não descreve de “forma clara, objetiva e exata, o negócio estabelecido entre os agentes económicos ao não identificar as datas e os locais efetivos da sua prestação… não indica o número de trabalhadores ou em alternativa as horas de trabalho efetivamente fornecidas e o seu efetivo preço unitário e não indica em concreto os serviços agrícolas (operações de sementeira, plantio, colheita ou outras), florestais (operações de plantio, limpeza, desmatação ou outras) cinegéticos (operações de instalação de comedouros ou bebedouros para as espécies cinegéticas ou outro tipo de serviços) nem tão pouco a sua extensão, inviabilizando desta forma qualquer avaliação quanta à conexão e necessidade da natureza dos serviços e da respetiva quantidade, dimensão ou extensão com as operações económicas praticadas pela A...”.

Ao invés do que resulta da argumentação da Requerente, a estipulação das condições para a dedutibilidade do artº 23º do CIRC não se iniciam nem esgotam nos nº 3, 4 e 6, para o que seria suficiente dispor de uma factura devidamente emitida (e apesar de considerarmos que aqui não ocorre).

Porque esta condição necessária tem subjacente outra, sem o que não é suficiente de per si, conforme se retira do nº 3 (n/ sublinhado):” os gastos dedutíveis nos termos dos números anteriores devem estar comprovados documentalmente …”.

Ou seja, a aferição da questão dos termos de emissão duma factura não pode desconsiderar as condições, efectivamente determinantes, do nº 1 (meramente exemplificadas depois no nº 2): “para a determinação do lucro tributável, são dedutíveis todos os gastos e perdas incorridos ou suportados pelo sujeito passivo para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC”.

Resulta, portanto, que as condições impostas para a formalização das facturas, em sede de IVA mas também de IRC, são um requisito necessário mas não suficiente.

Não pode o contribuinte, ainda que tivesse uma factura que cumprisse os requisitos formais, invocar que essa é a única condição para a sua aceitação, sobretudo tendo em conta o montante aqui envolvido.

Pelas referidas disposições legais, as menções nas facturas têm de permitir, primeiro, identificar as operações mas, depois, têm ainda de ter enquadramento na actividade.

Porque só com informação mais completa podemos depois também aquilatar da conciliação da justificação dos encargos com a potencialidade para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a imposto.

Precisamente pela doutrina referida no PPA, de Rui Duarte Morais, mas cuja consequência não foi é retirada, "o sujeito passivo deve ser admitido a complementar a prova da existência do custo através do recurso a quaisquer meios admitidos em direito" pois "a não aceitação, por razões de índole meramente formal, da dedutibilidade de um custo que efetivamente foi suportado, corresponderia à tributação por um lucro que não existe, a um imposto a que não subjaz a correspondente capacidade contributiva" [Apontamentos ao Imposto sobre o Rendimento das pessoas Colectivas, Almedina, 2007, p. 80 (embora então ainda no âmbito da versão do CIRC anterior à Reforma de 2014)].

Mas acrescentamos que, depois, adita ainda o Professor que ”tenha ou não invocado factos que considera justificativos da necessidade do custo em sede de audição prévia, o sujeito passivo sempre os poderá trazer ao processo de reclamação ou impugnação. E, aqui, segundo entendemos, cabe-lhe o ónus da alegação, até porque, de outra forma, tais factos dificilmente serão conhecidos. A Administração fiscal e o tribunal não sabem (nem, normalmente, terão condições para saber) o “porquê” da decisão que originou tal custo” [Ibidem, p. 90].

Acontece, portanto, que poderia a Requerente ter completado a informação, solicitada pela AT, pelo Oficio Nº ... de 26/09/2019, no sentido de esclarecer a natureza efectiva e a extensão em concreto dos serviços em causa, sem concretização e sendo que nada foi indicado, seja no direito de audição ou no PPA, em que apenas se cingem a afirmar que consideram cumpridos, neste contexto, os aspectos meramente formais estipulados no CIRC e a invocar jurisprudência genérica e que não está aqui em causa.

Portanto, não se trata de transformar uma factura num dossier, de lombada larga, mas de dispor e disponibilizar informação que a enquadre e justifique, a final.

Ou seja, os requisitos para a emissão da factura não invalidam que exista (necessariamente) documentação de suporte adicional. Quem decide, primeiro, aceitar uma factura e, depois, proceder à sua liquidação, não o faz só com base nesse documento (último, mas não único), em montante relevante, como está aqui em causa.

Ora, o que a Requerente deveria de ter feito era facultar documentos que concretizassem tanto a natureza efectiva quanto a extensão concreta da prestação de “serviços com a afectação de mão-de-obra para as atividades agrícolas e florestais (silvícolas) e cinegéticas em...”.

Tal corresponderia à inventariação, que teria de ter ocorrido, relativamente às pessoas (e tipologias de funções), datas, locais abrangidos, tarefas efectuadas, meios utilizados e preços unitários, o que era aliás do interesse tanto do prestador como do adquirente dos serviços.

Porque indicar apenas € 160.000,00 de serviços, “em 2016”, não permite, primeiro, identificar a que se referem em concreto e, depois, avaliar a necessária consistência do gasto, que também terá de ser ponderado pelas suas parcelas: horas, locais, tarefas, pessoas e encargo unitário.

Aliás, a menção foi de tal forma genérica que nem foi identificado se os referidos serviços foram em actividades agrícolas ou florestais e cinegéticas, dado que estas são tributadas à taxa de 23% em IVA e apenas as primeiras são à liquidada com 6%.

Sendo que o facto dos dois intervenientes na operação serem entidades relacionadas não impede ou inviabiliza a prestação de serviços, mas apenas justifica a fundamentada determinação das condições acordadas e praticadas.

Consequentemente, acompanho a presente decisão arbitral ao considerar que “nesta questão, a Requerente absolutamente nada identificou, em concreto ou documentalmente, nas várias oportunidades de que dispôs” sobre os serviços que estão em causa, mas já não que tal seja desconsiderado para efeitos de IRC e apenas relevado no âmbito do IVA.

Face ao exposto, entendo que a factura nº 19/2916 de 12/12/2016 da Sociedade I..., Lda, no montante de € 160.000,00 (acrescido de IVA), não tem aceitação em sede de IRC.

(Luís Cupertino Ferreira)

 

 

Declaração de voto

Na senda de uma outra decisão arbitral que recentemente que fui chamado a proferir e que não se encontra ainda publicada, bem como do acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul proferido em 17 de janeiro de 2019, relativamente ao processo n.º 62/18.4BCLSB, entendo que, ao abrigo do artigo 97.º-A, n.º 1, alínea b), do CPPT, sempre que da requerida anulação de liquidações possa resultar um acréscimo de dedução de prejuízos fiscais (ou a possibilidade de dedução destes quando, por efeito da liquidação adicional ou correções à matéria coletável tal dedução estivesse inviabilizada, como sucede no presente caso), o montante dos prejuízos que podem potencialmente passar a ser deduzidos integra a utilidade económica do pedido e, nesse sentido, devem ser atendidos em sede de fixação do valor da causa e, consequentemente, no cálculo da proporção do decaimento das partes. Por essa razão, teria fixado ao presente processo o valor de € 1.226.733,05, correspondente à soma do valor das correções concretamente impugnadas (€ 424.147,02) e do valor de prejuízos fiscais cuja dedução me parece que também se pretendia obter, ainda que indiretamente, através do presente processo (i.e. € 802.586,03).

 

(João Taborda da Gama)