Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 189/2023-T
Data da decisão: 2024-03-26  IRC  
Valor do pedido: € 154.082,90
Tema: IRC – Aplicação do artigo 43.º, n.º 7, do CIRC e dedutibilidade de gastos com contribuições suplementares para cobertura de responsabilidades derivadas de variações atuariais negativas.
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DECISÃO ARBITRAL

 

Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.° da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, os árbitros do Tribunal Coletivo, Juiz José Poças Falcão como Presidente, Prof. Doutor Jorge Bacelar Gouveia (vogal) e Dra. Sara Barros (vogal), foram designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formar o Tribunal Arbitral, acordam no seguinte:

 

I. RELATÓRIO

 

1. O A..., S.A. – Sucursal em Portugal, entidade com o número único de matrícula e de identificação fiscal..., com sede na ..., n.º ..., ...-... Lisboa (doravante designado por “Requerente”), tendo sido notificada da decisão final de indeferimento da reclamação graciosa, deduzida contra a autoliquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (“IRC”), relativa ao período de tributação de 2019, ao abrigo do disposto no artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (“Regime da Arbitragem em Matéria Tributária”, abreviadamente “RJAT”) e dos artigos 1.º e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março, veio requerer a constituição de Tribunal Arbitral e formular pedido de pronúncia tendo como objeto a

“declaração de ilegalidade e consequente anulação da decisão de indeferimento da reclamação graciosa n.º ...2022..., da autoria do Chefe de Divisão de Serviço Central, (…)” visando a “correção da autoliquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (“IRC”), referente ao exercício de 2019, através da dedução ao lucro tributável do desvio atuarial negativo apurado e certificado pelo atuário em 2019, relativamente à população «ativa», no montante de € 2.370.068” e o consequente “reembolso do IRC pago em excesso (…) no montante de € 154.082,90”. Considera-se o pedido do “pagamento de juros indemnizatórios, por pagamento em excesso de prestação tributária”.

 

  1. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira (AT).

 

  1. As partes foram devidamente notificadas dos árbitros designados e assim, cumpridos os procedimentos legais e regulamentares, designadamente o disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.° da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Tribunal Arbitral Coletivo foi constituído em 30 de maio de 2023.

 

I-I Posição da Requerente

  1. Pedido Principal

 

  1. Em síntese, argumenta a requerente para fundamentar o seu pedido o seguinte:

 

  1. De acordo com a decisão de indeferimento da reclamação graciosa, a Autoridade Tributária (AT) considera que:

 

  • “(…) O desvio atuarial negativo da população “ativa» em 2019 ascende a € 804.614 (ao invés dos € 2.544.813 considerados pela Requerente), pois entende que as regras de dedutibilidade do artigo 43.º, n.º 7, do CIRC, se aplicam ao agregado dos desvios atuariais registados com colaboradores “ativos” e com “ex-colaboradores»  (…);

 

  • (…) A dedução fiscal daquele desvio atuarial negativo de 2019 não pode exceder a folga do limite de 15% da massa salarial do ano anterior (2018), desconsiderando a folga apurada no próprio ano (2019) (…);

 

  • (…) As contribuições disponíveis para acomodar o desvio atuarial negativo de 2019 são apuradas do seguinte modo (…): “contribuições disponíveis = Contribuições efetuadas para o fundo de pensões – gastos e desvios atuariais negativos contabilizados com o fundo de pensões”[1]”.

 

  1. Para a Requerente, a interpretação da AT é ilegal e entende que “(…) há lugar a uma dedução adicional de € 2.370.068 à matéria coletável, referente aos desvios atuariais negativos apurados e certificados pelo atuário em 2019 relativamente à população «ativa»”, por considerar que:

 

  1. Para efeitos da dedução fiscal prevista no n.º 7 do artigo 43.º do CIRC, apenas devem ser considerados os desvios atuariais da população «ativa» e não o agregado destes com os desvios atuariais da população de «ex-colaboradores»”, dado que são populações efetivamente distintas.

 

  1. Nos termos do n.º 8 do artigo 43.º do CIRC , o legislador optou deliberadamente  por excluir dos limites da massa salarial, os desvios atuariais relativos à população de «pensionistas» , pelo facto de se tratarem de pessoas que já não geram massa salarial, “(…) a mesma ratio legis será necessariamente de aplicar à população de “ex-colaboradores» , por estes, à semelhança dos “pensionistas» , também não gerarem qualquer despesa para a respetiva entidade a título de massa salarial, precisamente por já não serem trabalhadores da entidade”. “(…) O próprio racional que levou à criação de um limite da massa salarial para efeitos das deduções a realizar ao abrigo do artigo 43º do IRC, indica não fazer sentido sujeitar os «pensionistas»  e os «ex-colaboradores»  a tal limite”. 

 

  1. Esta interpretação teleológica sustentada pela Requerente tem, de resto, pleno suporte nas regras de interpretação da lei previstas no artigo 9.º do Código Civil [2], de acordo com as quais “[a] interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada” (sublinhado da Requerente)”.

 

  1. Não conferir o tratamento preconizado pela Requerente aos desvios atuariais dos «ex-colaboradores», levaria ainda a que não fossem tratadas de forma igual situações que são em tudo semelhantes (i.e., desvios atuariais de «pensionistas» e «ex-colaboradores»), vendo-se assim, também por isso, ferido o princípio da igualdade previsto no artigo 13.º da CRP, bem como o princípio constitucional da proporcionalidade previsto no artigo 18.º da CRP”.

 

  1. Entendimento contrário, consistiria num procedimento incoerente ao entendimento vertido pela própria AT, na já mencionada Ficha Doutrinária do processo n.º 1172/2015, de 02.05.2016, dado que “(…) levaria à “tributação” do desvio atuarial positivo apurado em 2019 na população de “ex-colaboradores»  (em termos aritméticos, o raciocínio da AT reduziria o desvio atuarial negativo dedutível, pelo que tal corresponderia na prática a “tributar” este desvio atuarial positivo)”.

 

  1. “Como tal, entendendo o Requerente que os desvios atuarias dos «ex-colaboradores»  se encontram excluídos da disciplina do artigo 43.º, n.º 7, do CIRC, o desvio atuarial positivo apurado em 2019 nesta população (- € 1.740.199) não pode ser deduzido ao desvio atuarial negativo da população “ativa”, sendo de considerar para aferir uma dedução em 2019 um desvio atuarial negativo de € 2.544.813 (em vez dos € 804.614 considerados pela AT)”.

 

  1. Para efeitos da dedução fiscal de € 2.370.068 à matéria coletável, “(…) deve ser considerada a folga de limite da massa salarial apurada no próprio ano[3], 2019 (…) quando muito, ter-se-iam que considerar as folgas acumuladas dos últimos 10 exercícios e nunca apenas a folga do ano anterior)”.

 

Da consideração do limite da massa salarial apurado no próprio ano para efeitos da dedução dos desvios atuariais

 

  1. No essencial, a AT entende que o Requerente não pode, para efeitos de dedução fiscal do desvio atuarial contabilizado em 2019, considerar o limite da massa salarial apurado nesse mesmo exercício, mas sim o limite da massa salarial do ano anterior (i.e., 2018), sustentando que é isso que resulta da alínea b) do n.º 7 do artigo 43.º do CIRC”.

 

  1. O Requerente entende que “a interpretação da AT ignora o racional de funcionamento dos fundos de pensões, em particular do apuramento de desvios atuariais, desconsiderando, igualmente, a literalidade e o espírito do artigo 43.º do CIRC”, dado que “2019 (o próprio ano) ser o ano em que, efetivamente, se verificou a última alteração de pressupostos atuariais (e não o exercício anterior, de 2018, como considera a AT), motivo pelo qual terá forçosamente de ser considerado o limite do próprio ano ao abrigo do artigo 43.º, n.º 7, do CIRC”.

 

  1. Esta factualidade é confirmada pela NIC 19, norma que prescreve o tratamento contabilístico dos “benefícios aos empregados”, incluindo o fundo de pensões: “Uma entidade determina o custo do serviço corrente usando pressupostos atuariais determinados no início do período de relato anual” (cfr. parágrafo 122A da NIC 19) (sublinhado da Requerente)”, preconizando o mesmo tratamento relativamente ao juro líquido (cfr. parágrafo 123A da NIC 19).

 

  1. Desta forma, para o Requerente a última alteração de pressupostos atuarias ocorreu no próprio ano em que foi registado o desvio atuarial em 2019, tendo sido “(…) revistos os pressupostos atuariais do fundo de pensões da Requerente, atualizando-se as responsabilidades por serviços passados, bem como as responsabilidades contabilizadas no próprio ano como custo corrente”.

 

  1. De resto esta factualidade, para além de apoiada na norma contabilística aplicável (a NIC 19), tem completa conexão com a norma fiscal aplicável, a alínea b) do n.º 7 do artigo 43.º do CIRC”, “cujo elemento literal da norma é inequívoco ao estabelecer como limite para a dedução dos desvios atuariais negativos o “montante acumulado” das folgas referentes (i) ao “período constituído pelos 10 períodos de tributação imediatamente anteriores” ou (ii) se inferior, ao “período contado desde […] a última alteração dos pressupostos atuariais”..

 

  1. A interpretação feita pela AT de que 2018 (ano imediatamente anterior ao ano em crise, 2019) foi o último ano em que ocorreram alteração de pressupostos atuariais e, por isso, deverá ser esse o ano a considerar para efeitos da folga da massa salarial, não tem conexão com a literalidade da norma”.

 

Da consideração das folgas acumuladas de limite da massa salarial para efeitos de dedução dos desvios atuariais negativos

 

  • O Requerente considera que se não for considerado exclusivamente o limite da massa salarial do próprio ano de 2019, para efeitos da dedução dos desvios atuariais negativos do ano de 2019, deverá ser considerado “(…) nos termos da primeira parte da alínea b) do n.º 7 do artigo 43.º do CIRC, ou seja, “o montante acumulado das diferenças entre os valores dos limites previstos nos n.ºs 2 ou 3 relativos ao período constituído pelos 10 períodos de tributação imediatamente anteriores”), terá forçosamente que serem consideradas todas as ”folgas” de limite da massa salarial dos últimos 10 exercícios”.

 

  1. Desta forma “as  folgas/montantes acumulados da Requerente são, inequivocamente, suficientes para a dedução fiscal da totalidade da perda atuarial apurada em 2019, relativamente à população de colaboradores «ativos»”, e “no caso concreto nem seria necessário recorrer ao período de 10 anos referido no artigo 43.º, n.º 7, alínea b), do CIRC, sendo suficiente recuar apenas 3 anos para obter folgas/montantes acumulados que possibilitem a dedução fiscal da totalidade da perda atuarial apurada em 2019 (…)” (“folga” acumulada entre 2016 e 2018 de € 5 421 299,62[4]).

 

Em consequência do demonstrado, considera a Requerente que:

  • Por aplicação da alínea b) do n.º 7 do artigo 43.º do CIRC, e considerando que o último ano em que ocorreram alterações de pressupostos atuariais foi o próprio ano (2019), deve ser considerada uma dedução de € 2.370.068 relativa à folga da massa salarial de 2019 (pese embora o desvio atuarial negativo do ano ascenda a € 2.544.813, a dedução do mesmo deve ficar limitada à folga de limite da massa salarial de 2019)”;

 

  • A única alternativa à consideração exclusiva da folga da massa salarial do próprio ano é ser considerada a folga das massas salariais dos últimos 10 exercícios, a qual permitiria inclusive uma dedução superior em 2019, na medida em que tal folga é superior à totalidade do desvio atuarial negativo apurado no ano (€ 2.544.813), conforme acima demonstrado”.

 

Da dedução futura dos montantes que excedem os limites do artigo 43.º do CIRC no momento do respetivo pagamento aos beneficiários, ao abrigo do artigo 18.º, n.º 12, do CIRC

  1. Assim, entende também o Requerente que quaisquer encargos relativos a responsabilidades com benefícios aos empregados que não sejam dedutíveis no momento do seu reconhecimento contabilístico, ao abrigo do artigo 43.º do CIRC, terão, forçosamente, que sê-lo no momento em que ocorra o respetivo pagamento aos beneficiários, ao abrigo do regime do artigo 18.º, n.º 12 do CIRC, pois trata-se de encargos indispensáveis para a atividade do Requerente, logo dedutíveis nos termos do artigo 23.º do CIRC. Caso contrário, estariam feridos de morte os princípios constitucionais da tributação das empresas pelo lucro real, da igualdade e da capacidade contributiva.

 

 

  1.  O apuramento das contribuições disponíveis para acomodar a dedução fiscal do desvio atuarial negativo de 2019, relativo à população ativa, deve ser apurado do seguinte modo: “Contribuições disponíveis = Contribuições efetuadas para o fundo de pensões – gastos e desvios atuariais negativos do fundo de pensões, fiscalmente aceites”.

 

 

  1. A Requerente alega que, na resposta de indeferimento à reclamação graciosa, a Autoridade Tributária, contrariamente ao entendimento a que se vinculou no Despacho n.º 183/2006-XVII, aplica “(…) um critério incoerente no apuramento das contribuições disponíveis, uma vez que, por um lado, considera que devem ser abatidas às contribuições realizadas os gastos/desvios atuariais negativos contabilizados (“ótica contabilística”), mas, por outro lado, entende que não devem ser considerados os desvios atuarias positivos, uma vez que apenas têm relevância fiscal se forem resgatados por parte da empresa (“ótica fiscal”)”.

 

  1. No entendimento da Requerente, “este duplo critério no apuramento das contribuições disponíveis não pode prevalecer, pois ignora totalmente o modo de funcionamento dos fundos de pensões, colocando em causa, a dedução fiscal dos encargos com os fundos de pensões, os quais são indispensáveis à atividade da Requerente”.

 

  1. Atento “o racional inerente ao funcionamento dos fundos de pensões, bem como ao âmbito do regime do artigo 43.º do CIRC, a Requerente entende que o apuramento das contribuições disponíveis tem, necessariamente, que seguir uma “ótica fiscal”, considerando para esse efeito que “contribuições disponíveis= somatório das contribuições efetuadas para o fundo de pensões – somatório dos gastos e desvios atuariais negativos com o fundo de pensões, efetivamente deduzidos fiscalmente”.

 

  1. A Requerente alega que para apurar a folga das contribuições disponíveis  para colmatar a dedução fiscal em 2019 do desvio atuarial negativo apurado na população «ativos» considera o somatório dos gastos e desvios atuariais negativos, efetivamente deduzidos fiscalmente (“ótica fiscal”) e  discorda da Autoridade Tributária que considera para o calculo, o somatório dos gastos e desvios atuarias negativos contabilizados com o fundo de pensões (“ótica contabilística”) e, portanto, a AT utiliza um critério diferente para os desvios atuariais positivos (“ótica fiscal”).

 

  1. Este duplo critério defendido pela AT, não só ignora o modo de funcionamento dos fundos de pensões, como ainda contraria o espírito do legislador reconhecido pela própria AT na Ficha Doutrinária relativa ao processo n.º 1172/2015, por referência ao artº 43º do CIRC: “promover o financiamento efetivo dos fundos de pensões””.

 

  1. Tal entendimento da AT, não tem lugar nem no elemento literal do artigo 43.º do CIRC, nem no seu elemento teleológico, pois conduziria à desconsideração de uma parte substancial das contribuições efetivamente realizadas para o fundo de pensões e, consequentemente, à não dedução fiscal de gastos com responsabilidades com pensões, situação que violaria o artigo 23º do CIRC e os princípios constitucionais da tributação das empresas pelo lucro real, da igualdade e da capacidade contributiva”.

 

  1. Face ao exposto, o Requerente entende que, no final de 2018, dispunha de contribuições disponíveis no valor de € 33.920.694 (atende à diferença entre as contribuições efetuadas para o fundo de pensões ao longo dos anos e os montantes efetivamente utilizados para custear as deduções fiscais do fundo de pensões – “ótica fiscal”) que possibilitem a dedução dos desvios atuariais negativos de 2019 da população de colaboradores «ativos», na parte que não excede o limite da massa salarial previsto no artigo 43.º, n.º 7, alínea b), do CIRC (i.e., dedução de € 2.370.068).

 

  1. Primeiro Pedido Subsidiário

 

 

  1. Alega a Requerente que “subsidiariamente (…) e sem conceder, que sejam considerados os argumentos para aplicação das folgas do limite da massa salarial apuradas nos últimos 10 exercícios, com a correção da autoliquidação de IRC e o respetivo reembolso, no valor de € 116.057,14”.

 

  1. Para a Requerente, a não ser considerado exclusivamente o limite da massa salarial apurada do próprio ano de 2019, de acordo com a última parte do artigo 43.º, n.º 7, alínea b), do CIRC, em face de todos os argumentos expostos, concluindo que, não concedendo, o Tribunal, quanto ao pedido principal, se deve admitir a titulo subsidiário, considerar a aplicação da primeira parte do artigo 43.º, n.º 7, alínea b), do CIRC, logo as folgas de limite da massa salarial acumuladas nos últimos 10 exercícios.

 

  1. Adicionam-se os correspondentes juros indemnizatórios nos termos do artigo 43.º, n.º 1, da LGT, igualmente contabilizados desde a prolação da decisão de indeferimento da reclamação graciosa, tudo com as demais consequências legais”.

 

  1. Segundo Pedido Subsidiário

 

  1. Alega ainda a requerente que, não concedendo e subsidiariamente, assumindo a possibilidade de o Tribunal face aos argumentos expostos não considerar o pedido principal e o primeiro pedido subsidiário, se deve admitir que “o desvio atuarial negativo dedutível é de apenas € 804,614, conforme advoga a AT, por considerar que este valor deve ser apurado com referência ao agregado entre população “ativa» e população de “ex-colaboradores», com o reembolso do IRC pago em excesso que, nesse caso, ascende a apenas € 90,241.95”.

 

  1. Na medida da procedência do pedido anterior, requer-se a condenação da AT no pagamento das custas do processo”.

 

I-II Posição da Requerida

  1. Na Resposta, alega a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT), em síntese:

 

  1. Entende a Requerente que tem a possibilidade de deduzir o montante de € 2.370.068,00 (tratando-se de perdas relacionadas com colaboradores ativos, a sua dedução está sujeita ao limite de 15% da massa salarial previsto no n.º 2 do artigo 43.º do CIRC, que corresponde a € 2.370.068,00)”.

 

  1. Argumenta a Requerida que a pretensão do Requerente, “não encontra qualquer sustentação legal nas disposições legais pertinentes, e que não alegou, nem comprovou os factos necessários para se considerar que as condições impostas pelo n.º 7 do artigo 43.º do Código do IRC se encontram preenchidas”, dado que não demonstrou que:

 

  • O valor que pretende deduzir diz respeito a contribuições suplementares destinadas a acomodar o acréscimo de responsabilidades com fundos de pensões decorrentes da alteração de pressupostos atuariais, nomeadamente para a cobertura de perdas atuariais relacionadas com trabalhadores ativos”, e
  • A existência de uma "folga", correspondente à diferença entre os valores dos limites do n.ºs 2 e 3 do artigo 43.º no período correspondente aos últimos dez períodos, ou, se inferior, o período em que se verificou a última alteração de pressupostos atuariais, e os valores das contribuições efetuadas e aceites com gastos em cada um desses períodos de tributação, ou seja, não ficou demonstrado que dispõe de folga para acomodar as referidas perdas”.

 

  1. Alega a Requerente, nos termos do nº 7 e nº 8 do artigo 43.º, que “os desvios atuariais relativos à população de «ex-colaboradores» devem ser totalmente autonomizados daqueles que respeitam à população «ativa» para efeitos do seu tratamento fiscal, na medida em que considera que se trata de populações efetivamente distintas, e que devem ser enquadradas de forma distinta à luz do CIRC”.

 

  1. Argumenta a Requerida que “estando prevista, em abstrato, no n.º 7 do artigo 43.º do CIRC esta tipologia de situações, é legitimo considerar que qualquer necessidade de efetuar contribuições suplementares” (existência de desvios atuariais negativos) “em virtude de alteração de responsabilidades por serviços passados deverá levar em conta as alterações de pressupostos atuarias ocorrida relativamente quer a trabalhadores no ativo, quer a ex-colaboradores com direitos adquiridos”, mas não individualizáveis, equivalente ao saldo liquido desses desvios.

 

  1. Conclui a Requerida que  “a perda atuarial a considerar para efeitos fiscais, deverá ser o valor líquido dos desvios atuariais resultante da diferença entre a perda atuarial ocorrida em relação a «ativos» e o ganho atuarial obtido relativamente aos «ex-colaboradores» com direitos adquiridos, cifrando-se no montante contabilizado de € 804.614,00 (€ 1.740.199,00 - € 2.544.813,00), por terem cabimento no n.º 7 do artigo 43.º, do CIRC”, sendo tal entendimento partilhado pelo Centro de Arbitragem, veja-se, pois, a Decisão proferida no âmbito do processo n.º 11/2021T CAAD, de 25 de outubro de 2021.

 

  1. A Requerida conclui ainda que “o n.º 7 do art.º 43.º do CIRC é a única disposição que trata do reconhecimento fiscal dos desvios atuariais negativos reconhecidos pela Requerente (em 2019), numa conta de capital (em “outro rendimento integral”), do qual resulta que não decorre qualquer possibilidade de se promover a dedução fiscal daqueles desvios atuariais em resultados ao abrigo de outra norma”, conforme versado na ficha doutrinária referente ao processo n.º  3688/2016, sancionado por Despacho, de 27 de Junho de 2017 e na Decisão Arbitral, processo n.º 11/2021, de 25 de outubro de 2021.

 

  1. A Requerida alega que “para que os encargos suportados com as responsabilidades por pensões possam ser dedutíveis ao abrigo do art.º 43.º, o seu reconhecimento contabilístico como gastos deve ser acompanhado da realização das respetivas contribuições” efetuadas quer no mesmo período de tributação, quer em períodos anteriores.

 

  1. Com efeito, para a Requerida, a dedutibilidade das variações patrimoniais negativas decorrentes das perdas atuariais líquidas reconhecidas em capital próprio está dependente do respeito pelo “(…) requisito básico de que depende o regime do art.º 43.º do CIRC, no que respeita especificamente à dupla exigência de os encargos associados a responsabilidades com pensões de reforma: serem objeto de contabilização em contas de “gastos” ou em “resultados transitados”; e terem sido objeto da adequada cobertura financeira, concretizada quer no mesmo período quer em períodos anteriores, podendo a sua dedutibilidade ser aceite com base naquele dispositivo legal.”

 

  1. A Requerida, no sentido de averiguar se está respeitado o requisito básico de que depende o regime do art.º 43.º do CIRC, procurou apurar o valor das contribuições disponíveis que “(…) decorrem, obviamente, da diferença dos pagamentos efetuados ao Fundo pela Requerente, (…) (regulares e suplementares)) e os valores que aquele Fundo já apurou como gastos e os efeitos dos desvios atuariais negativos já incorridos ao longo do tempo decorrido, que se encontram reconhecidos na contabilidade (ao longo dos diversos períodos) como gastos e variações patrimoniais negativas decorrentes dos desvios atuariais”.

 

  1.  A Requerida refere que o “(…) Requerente apenas apresentou documentos com vista a comprovar os valores contabilizados como gastos nos períodos de tributação compreendidos entre 2012 e 2018”, “o que não permitiu à AT, efetuar uma análise global das contribuições e gastos contabilizados ao longo de todo o tempo de existência do fundo (…).

 

  1.  Face à análise efetuada pela Requerida, esta conclui “(…) no sentido da inexistência de qualquer contribuição disponível para a Reclamante fazer face aos aumentos de responsabilidades decorrentes da alteração de pressupostos atuariais verificada no período de 2019”, dado que no período compreendido “(…) entre 2012 e 2018 foram efetuadas contribuições em dinheiro no valor global de € 8 769 626,00, e que, por outro lado, no mapa apresentado, o valor total dos desvios atuariais negativos registados entre 2012 e 2018 ascendeu a € 9 981 609,00 (…)”.

 

  1.  Sublinhe-se que nos cálculos efetuados pela Requerida “(…) foram relevados os gastos contabilísticos e não os gastos dedutíveis fiscalmente para efeitos de apuramento das contribuições disponíveis, não contrariam o disposto no Despacho n.º 183/2006-XVII do Sr. SEAF”., cujo entendimento “(…) resulta da aplicação do disposto no n.º 13 do então art.º 40.º do CIRC (redação àquela data, que corresponde, com as consecutivas alterações, ao atual n.º 13 do art.º 43.º) e não da aplicação do disposto no n.º 7 do art.º 43.º do mesmo código que se discute nos presentes autos, enquadrado num regime contabilístico absolutamente diverso ao vigente neste período de tributação (2019)”.

 

  1.  A Requerida acaba por concluir que “(…) perante o facto de não terem sido apresentados elementos probatórios (…) de que efetivamente o montante apresentado pela Requerente (€33.917.694,00) corresponda às contribuições disponíveis no período de 2019, tem de se concluir inelutavelmente, que não existe cobertura disponível para se poder reconhecer fiscalmente a variação patrimonial negativa resultante do apuramento dos desvios atuariais, nos termos do n.º 7 do art.º 43.º do CIRC”.

 

  1.  Relativamente ao apuramento do valor do limite de 15% para aplicação do n.º 7 do art.º 43.º do CIRC, considerando o disposto no n.º 2, a Requerida acaba por concluir que “(…) fica aquele desde logo prejudicado, uma vez que que não poderão ser admitidas deduções fiscais nos termos do n.º 7, por não se encontrar respeitado um dos requisitos básicos para a sua dedução, isto é, não existir cobertura financeira concretizada quer no mesmo período quer em períodos anteriores”.

 

 

II. SANEADOR

 

  1. O tribunal arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente, em face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), do DL n.º 10/2011, de 20 de janeiro.

 

  1. As Partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e encontram-se legalmente representadas (cfr. artigo 4.º e n.º 2 do artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011 e artigo 1.º da Portaria n.º 112/2011, de 22 de maço).

 

  1. O processo não enferma de nulidades e não foram invocadas exceções.

 

 

III. MÉRITO

 

III.1 MATÉRIA DE FACTO

 

Factos provados

 

  1. Com base nos elementos que constam do processo administrativo e nas posições assumidas por ambas as partes, consideram-se provados os seguintes factos relevantes para a decisão:

 

  1. A Requerente é uma sucursal em Portugal do B... S.A., instituição de crédito com sede principal e efetiva em Espanha, que resultou de uma reorganização societária, na qual se extinguiu, numa operação de fusão por incorporação, a anterior filial que operava em Portugal, seguida de constituição da sucursal.

 

  1. A Requerente é um sujeito passivo de IRC quanto ao lucro tributável imputável à sucursal em Portugal, de acordo com o artigo 4.º, n.º 2 e n.º 3, do CIRC. Conforme previsto no artigo 55.º, n.º 1, do CIRC, o lucro tributável da sucursal é determinado, com as necessárias adaptações, de acordo com as regras do CIRC estabelecidas no seu artigo 17.º e seguintes.

 

  1. A atividade principal da Requerente consiste, desde 2018, na condução da atividade bancária do Grupo C... em Portugal, através da realização das operações previstas no n.º 1 do artigo 4.º do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (“RGICSF”).

 

  1. Em 2013, ocorreu a fusão do fundo de pensões ... no fundo de pensões do grupo C... . O plano de pensões do Grupo C... e D... (D...) é aplicável aos colaboradores ativos, reformados e pensionistas associados ao A... ou ao extinto D... Portugal, que veio a ser integrado no grupo C... .

 

  1. No âmbito da referida operação de fusão, a sucursal em Portugal do B... sucedeu, para todos os efeitos legais, à extinta subsidiária, nomeadamente, assumindo as responsabilidades decorrentes do fundo de pensões dos empregados constituído no passado, cuja gestão é feita pela E..., S.A.

 

  1. A Requerente constituiu, no passado, um fundo de pensões de benefício definido a favor dos seus colaboradores, que segue, na sua essência, o estabelecido no Acordo Coletivo de Trabalho do Setor Bancário (“ACT”), garantindo o pagamento de pensões aos colaboradores admitidos até 02.03.2009, os quais não estão abrangidos pelo Regime Geral da Segurança Social. 

 

  1. No tratamento contabilístico do fundo de pensões, a Requerente segue, no referencial contabilístico que adota, a Norma Internacional de Contabilidade nº 19 – Benefícios dos Empregados (NIC 19).

 

  1. Conforme com a avaliação atuarial de 2019, a Requerente registou, nas suas contas, um desvio atuarial líquido positivo de € 6.362.131, que corresponde a variação anual homóloga do saldo da conta #254000200 – Ganhos ou Perdas atuariais, de acordo com os saldos dos balancetes de 2019 e 2018.

 

  1. Conforme certificação emitida pela atuária, verifica-se que foram apurados desvios atuariais líquidos positivos no valor de € 6.362.131, apresentando, no entanto, a população dos colaboradores «ativos» um desvio atuarial negativo de € 2.544.813, desconsiderando as responsabilidades com o subsídio por morte, que se encontram fora da disciplina do artigo 43.º do CIRC:

 

 

 

  1. Em 01.07.2020, a Requerente entregou a Declaração periódica de rendimentos de IRC (“Modelo 22”), relativa ao exercício de 2019, dentro do prazo, da qual resultou a liquidação n.º 2020..., onde apurou o resultado líquido do período no valor de € 27.050.063,24.

 

  1. Na referida declaração, a Requerente apresentava um valor de reembolso de IRC de € 29.937,92:

 

 

  1.  A Requerente, no apuramento do lucro tributável de 2019, não sujeitou a tributação os desvios atuarias positivos apurados em 2019, atendendo a que não houve qualquer resgate de montantes a favor da Requerente.

 

  1.  Após a entrega de declaração periódica de rendimentos de IRC (Modelo 22), relativa ao exercício de 2019, a Requerente reanalisou a situação e entendeu que deveria ter sido efetuada uma dedução adicional de € 2.370.068 ao lucro tributável, respeitante a uma parte do desvio atuarial negativo apurado em 2019 na população de colaboradores «ativos».

 

  1.  Neste sentido, a Requerente interpôs, a 27.05.2022, uma reclamação graciosa n.º ...2022..., do ato tributário de autoliquidação de IRC, solicitando uma dedução adicional ao lucro tributável de € 2.370.068 , da qual resultaria uma correção da autoliquidação no valor de IRC no montante de € 154.082,90 (valor suportado em excesso).

 

  1. Em 12.07.2022, a Requerente foi notificada do projeto de decisão de indeferimento, no qual a Requerida se propunha indeferir a reclamação graciosa.

 

  1. A Requerente exerceu o direito de audição prévia em 01.09.2022, sendo que a Requerida, em 13.09.2022 e em 10.10.2022, efetuou pedidos de documentos adicionais à Requerente, com vista a validar a matéria de facto que subjazia à referida reclamação graciosa.

 

  1.  Entre o período de 2000 a 2019, a Requerente efetuou contribuições totais para o fundo de pensões no montante total de € 334.625.995, conforme declaração da sociedade gestora, sendo que, no ano de 2019, não foi efetuada qualquer contribuição suplementar para o fundo.

 

  1.  Segundo o relatório atuarial, as responsabilidades do plano de pensões encontram-se integralmente financiadas no exercício de 2019, sendo o nível de financiamento de 101%.

 

  1.  De acordo com os balancetes, o valor da massa salarial ascendeu a € 18.635.673,65 e € 18.972.850,21, com referência aos exercícios de 2018 e 2019, respetivamente.

 

  1. Na conta de gastos #31100602 – «Encargos com o fundo de pensões», conforme consta dos balancetes, foi contabilizado o valor de € 335.532,10 e € 634.717,99, com referência aos anos de 2018 e 2019, respetivamente.

 

  1. Em 13.12.2022, a Requerente foi notificada da decisão final de indeferimento da reclamação graciosa por parte da AT .

 

  1.  Na resposta ao pedido de pronúncia arbitral (p.p.a) da Requerente, a AT manteve a sua argumentação, com exceção de se dever entender como a última alteração de pressupostos atuariais aquela que ocorreu no período de 2019, logo a limitação à dedução fiscal do desvio atuarial negativo de 2019 ser limitada aos 15% da massa salarial do próprio ano (2019), ao invés da massa salarial do ano anterior (2018), concordando com a posição da Requerente.

 

Factos não provados

  1. Para além do mencionado no paragrafo seguinte, não se evidenciam quaisquer outros factos essenciais com relevância para a decisão arbitral, a julgar como não provados.

 

  1. Requerente apenas apresentou documentos com vista a comprovar os valores contabilizados como gastos nos períodos de tributação compreendidos entre 2012 e 2018”, “o que não permitiu à AT, efetuar uma análise global das contribuições e gastos contabilizados ao longo de todo o tempo de existência do fundo (…).

 

III-2. – DO DIREITO

 

  1. Questões a considerar

 

  1.  Do ponto de vista do Direito aplicável, o presente ppa suscita três questões que devem ser consideradas autonomamente:

            - a primeira prende-se com o facto de saber se no art. 43º, nº 7, do CIRC se incluem ou não as contribuições suplementares para cobertura das responsabilidades com ex-colaboradores;

            - a segunda é relativa a determinar se no art. 43º, nº 7, do CIRC se devem considerar os encargos que foram realizados no próprio ano em que se operou a liquidação, ou apenas até ao período tributário antecedente;

            - a terceira é aquilatar se, tendo havido contribuições anteriores para o fundo, elas permitem a sua utilização para efeitos de dedutibilidade do ano em causa, nos termos do atual art. 43º, nº 13, do CIRC, sendo disponíveis para acomodar o desvio atuarial negativo de 2019.

 

  1. Primeira questão: a consideração

 

13. A primeira questão interpretativa a considerar implica definir o universo subjetivo da aplicação ao art. 43º, nº 7, do CIRC, considerando as duas posições apresentadas no autos, a da requerente – pretendendo ali também excluir as responsabilidade com os ex-colaboradores, equiparáveis aos pensionistas, e a requerida – pretendendo não fazer qualquer distinção entre colaboradores e ex-colaboradores do ponto de vista da referência à massa salarial.

 

14. A este propósito, como foi referido pela requerida, é de recordar a decisão arbitral do CAAD relativa ao Processo nº 11/2021-T, no qual se versou o tema, e no qual se concluiu, no ponto III-1,C, que “A subsunção das contribuições em causa à previsão do n.º 7 do artigo 43.º é unívoca. O âmbito desta previsão está definido, precisamente, como sendo o das contribuições suplementares destinadas à cobertura de responsabilidades por encargos com benefícios previstos no n.º 2 – designadamente, contribuições para fundos de pensões –, quando efetuadas em consequência de alteração dos pressupostos atuariais em que se basearam os cálculos iniciais daquelas responsabilidades”.

E concorda-se com o sentido desta decisão quando conclui, logo a seguir, que “As contribuições em causa destinam-se a manter o valor do fundo, para fazer face às responsabilidades para com beneficiários com direitos adquiridos cobertos pelo plano de pensões, compensando as perdas atuariais entretanto apuradas. Ora, os ‘direitos adquiridos’ são os direitos dos trabalhadores do Requerente a virem a receber uma pensão, na idade legal de passagem à reforma, com um valor definido, direitos esses que se mantêm quando da cessação do contrato de trabalho e, portanto, a passagem à condição de ex-trabalhadores”.

 

15. Não sendo, naturalmente, a jurisprudência do CAAD vinculativa, porque Portugal não integra o sistema anglo-saxónico no plano das fontes do Direito, nem sendo em geral a jurisprudência fonte do Direito, nos termos da CRP e do CC, não deixa de impressionar o acerto daquela decisão, que aqui se adota e para cujo aresto se remetem mais explicitações.

 Assim sendo, não parece ser de incluir outros universos subjetivos quando a disposição apenas se refere aos pensionistas, considerando a lógica de os pensionistas – diferentemente do que sucede com os ex-colaboradores – terem uma diversa pertinência do ponto de vista da conexão com o impacto das contribuições suplementares na economia da empresa.

Importa realçar que o cerne da questão não está tanto na tangibilidade da massa salarial, mas no facto de o ex-colaboradores, tendo direitos adquiridos, ainda não terem completado a sua carreira contributiva, não estando na posição bem diversa de pensionistas. 

 

  1. Segunda questão: a consideração do período da que respeito a aplicação do art. 43º, nº 7, do CIRC

 

16. A segunda questão consiste em saber se pode ser contabilizável, para efeito de considerar de encargos dedutíveis, o próprio ano a que respeita a tributação em sede de IRC.

A letra do art. 43º, nº 7, não é totalmente clara, apenas se referindo a período anterior na primeira parte da al. b) daquele nº 7, ao referir-se a “…10 períodos de tributação imediatamente anteriores…”, nada se dizendo, desse prisma, no tocante á outra opção que ali se contempla.

Não parece que seja de aceitar qualquer dualismo no âmbito temporal de aplicação deste nº 7 do art. 43º do CIRC, na medida em que não faria sentido, em duas opções alternativas, considerar uma delas com mais um ano de dedutibilidade do que a outra.

 

17. Mesmo que tal não seja nítido, entende-se que o nº 7 em questão se reporta sempre a um tempo de tributação que vai até ao fim do ano fiscal anterior a que respeita, quanto mais não seja por uma ponderação de homologia de tratamento de uma mesma realidade fiscal, que seria contabilizável, temporalmente, de um modo discrepante, não se vislumbrando razões para tanto.

De resto, a parte final da al. b) do nº 7 do art. 43º do CIRC alude a “…cada um desses períodos de tributação”, pelo que se supõe que o horizonte fixado são os períodos passados, com conexão com o período máximo admitido, o dos 10 períodos de tributação imediatamente anteriores.

  

  1. Terceira questão: a consideração de contribuições anteriores disponíveis para acomodar o desvio atuarial negativo de 2019

 

 

18. A terceira questão relaciona-se com a possibilidade de, havendo contribuições realizadas em exercício anteriores, elas se afiguram relevantes para acomodar o desvio atuarial de 2019.

A leitura dos autos, bem como a apreciação da prova testemunhal produzida, não permitiu perscrutar a existência de documentos que pudessem confirmar o valor das contribuições realizadas, com vista a alcançar o efeito pretendido.

 

19. Assim sendo, é necessário aplicar a regra do ónus da prova aplicável, recorrendo-se ao regime geral do Código Civil, em cujo art. 342º, nº 1, se preceitua que “Àquele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado”.

Tratando-se, no caso, do direito ao reembolso de IRC pago a mais, no contexto de uma errada autoliquidação, cabia à Requerente fazer prova dos factos que pudessem sustentar a sua posição, o que não logrou fazer. 

 

  1. Questões de inconstitucionalidade

 

20. A Requerente, na invocação que faz dos preceitos legais que entende aplicáveis, invoca a Constituição em vários dos seus princípios, como o da igualdade e da tributação do rendimento real, no sentido pedir a sua não aplicação, por inconstitucionalidade, nos termos em que invoca o pedido.

O Tribunal não considera que estes argumentos de inconstitucionalidade sejam pertinentes, não entendendo que a interpretação dada pela AT às normas aplicadas seja suscetível de qualquer censura em termos de inconstitucionalidade do padrão normativo que aplicou na definição da liquidação em apreço, uma vez que os resultados hermenêuticos se contiveram dentro das exigências que se extraem daqueles princípios constitucionais.  

 

IV. DECISÃO

           

21. Pelo exposto, entende o Tribunal Arbitral julgar, por unanimidade, totalmente improcedente o presente pedido de pronúncia arbitral, absolvendo a requerida do pedido, não havendo, consequentemente, lugar a juros indemnizatórios.

Mais decide o Tribunal, com base nas razões que sustentam a decisão ora tomada, absolver a requerida dos dois pedidos subsidiários que foram apresentados pela Requerente.

 

V. VALOR DO PROCESSO

 

22. A Requerente fixou como valor do processo € 154.082,90 (cento e cinquenta e quatro mil, oitenta e dois euros e noventa cêntimos), calculado pelo valor pago a mais do IRC, em resultado da dedução a que tinha direito por via da variação patrimonial negativa por perdas atuariais, que foi o pedido no presente processo.

Este valor não foi questionado pela Requerida e mostra-se determinado de acordo com o disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 97.º-A do Código de Procedimento e de Processo Tributário e no n.º 3 do artigo 297.º do Código de Processo Civil, aplicáveis ex vi alíneas c) e e) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT.

Assim, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 306.º do Código de Processo Civil, aplicável ex vi alínea e) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT, fixa-se o valor do processo em € 154.082,90 (cento e cinquenta e quatro mil, oitenta e dois euros e noventa cêntimos).

 

VI. CUSTAS

 

23. Nos termos do previsto no n.º 2 do artigo 12.º e no n.º 4 do artigo 22.º do RJAT e no artigo 2.º, no n.º 1 do artigo 3.º e nos n.ºs 1 a 4 do artigo 4.º do Regulamento das Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, aplicando a Tabela I a este anexa, fixa-se o valor global das custas em € 3.672,00 (três mil, seiscentos e setenta e dois euros), a cargo da Requerente.

 

 Notifique-se

 

Lisboa, 26 de março de 2024.

O Árbitro-Presidente

 

José Poças Falcão

 

O Árbitro-Vogal

 

Sara Barros

 

O Árbitro-Vogal

 

Jorge Bacelar Gouveia

 



[1] A AT no seu cálculo (i) ignora se os gastos e desvios atuariais negativos foram efetivamente deduzidos fiscalmente e (ii) apesar de sustentar uma ótica contabilística, desconsidera os desvios atuariais positivos contabilizados, que mais não são do que «reversões» de gastos anteriormente contabilizados].

 

[2] As regras gerais de interpretação da lei previstas no artigo 9.º do Código Civil aplicam-se à lei fiscal por remissão expressa do artigo 11.º, n.º 1, da LGT, de acordo com o qual “[n]a determinação do sentido das normas fiscais e na qualificação dos factos a que as mesmas se aplicam são observadas as regras e princípios gerais de interpretação e aplicação das leis”.

[3] Para referência, deve entender-se por «folga do limite da massa salarial» a diferença entre o limite da massa salarial e o somatório dos gastos com realizações de utilidade social enquadráveis no artigo 43.º do CIRC.

[4] De notar que a “folga” de 2018 indicada pelo Requerente difere daquela que a AT considerou nos seus cálculos devido à diferença de critério que tem vindo a ser discutido ao longo deste pedido. Em concreto, o Requerente considera que a “folga” de 2018 deve ser reduzida igualmente das perdas atuariais desse mesmo ano, em consistência com o seu entendimento de que o limite da massa salarial do próprio ano pode ser utilizado para deduzir as perdas atuariais desse exercício.