DECISÃO ARBITRAL
CAAD: Arbitragem Tributária
Processo n.º 406/2014 -T
Tema: IS – verba 28 da TGIS
1. RELATÓRIO
1.1.A, Sociedade de iniciativas e construções, SA, contribuinte n.º … , apresentou em 28/05/2014, pedido de pronúncia arbitral, no qual peticiona, designadamente, a declaração de ilegalidade dos actos de liquidação de Imposto do Selo do ano de 2012 e de 2013, em virtude da formação do acto de indeferimento tácito das reclamações graciosas respeitantes aos aludidos anos.
1.2.O Exmo. Senhor Presidente do Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), designou em 18/07/2014 como árbitro, Francisco Nicolau Domingos.
1.3.No dia 04/08/2014 ficou constituído o tribunal com árbitro singular.
1.4.Cumprindo a estatuição do art. 17.º, nº 1 do RJAT foi a Administração Tributária (AT), em 26/08/2014 notificada para, querendo, apresentar resposta e solicitar a produção de prova adicional.
1.5.Em 06/10/2014 a AT apresentou a sua resposta e solicitou a dispensa da realização de reunião descrita no art.º 18 do RJAT em requerimento autónomo.
1.6.O tribunal em 10/11/2014 convidou a Requerente a dizer se pretendia a realização da referida reunião e para, em caso negativo, as partes, querendo, apresentarem as suas alegações.
1.7.Nenhuma das partes apresentou alegações.
1.8.O tribunal em 04/12/2014, perante a ausência de solicitação de produção de prova adicional e ao abrigo do princípio da livre determinação das diligências de produção de prova e da autonomia do tribunal na condução do processo, determinou a dispensa da reunião a que alude o art. 17.º, n.º 1 do RJAT.
1.9.No dia 14/01/2015 o tribunal determinou a junção do PAT pela AT aos autos.
1.10. E, nesse mesmo dia, agendou a prolação da decisão arbitral para o dia 26/01/2015.
2. SANEAMENTO
A cumulação de pedidos subjacentes ao de pronúncia arbitral é admissível, porquanto tem por objecto actos de liquidação do mesmo imposto, o do selo, dos anos de 2012 e de 2013. Como também se verifica a identidade entre a matéria de facto e porque a procedência do pedido depende da interpretação dos mesmos princípios e regras de direito, cfr. art. 3.º, n.º 1 do RJAT.
Assim, o processo não enferma de nulidades, não foram suscitadas questões que obstem à apreciação do mérito da causa, o tribunal arbitral encontra-se regularmente constituído e é materialmente competente para conhecer e decidir o pedido, verificando-se, consequentemente, as condições para ser proferida a decisão final.
3. POSIÇÕES DAS PARTES
São duas as posições em confronto, a da Requerente, vertida no pedido de pronúncia arbitral e a da AT na sua resposta.
Sintetizando:
A Requerente entende nomeadamente que:
a) Em relação ao ano de 2012 “A referida verba n.º 28, nos termos do artigo 6.º da Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro, apenas se aplica aos (i) Prédios com afectação habitacional e (ii) Prédios urbanos quando os sujeitos passivos que não sejam pessoas singulares sejam residentes em país, território ou região sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável, constante da lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças.”;
b) “O facto de o prédio propriedade da Requerente não ter afectação habitacional, estando o mesmo destinado à construção, realidade que afasta a aplicação da verba 28.1. conforme seguidamente se demonstrará.”;
c) “Do exposto, resulta, claro, que, nos termos do estabelecido no artigo 6º, n.º 1 do Código do IMI um prédio não poderá ser cumulativamente habitacional e para construção, devendo o mesmo ser destinado a habitação ou destinado a construção.”;
d) “O prédio, como o, ora, em análise, que se destina a construção, não pode ser, igualmente, afecto à habitação.”;
e) “E, não existindo na lei qualquer referência expressa a terreno para construção, não deve o intérprete aplicador incluí-la na interpretação que faz do conceito legal, devendo cingir-se à definição do CIMI, ou seja, a uma tributação sobre os prédios habitacionais conforme definidos no n.º 2 do artigo 6.º do CIMI.”
f) “E, mesmo que assim não se entenda o que por mera hipótese se admite, mais se refere que, a equiparação de um prédio destinado a terreno para construção a prédio com afectação habitacional viola, desde logo, o espírito do CIMI, porquanto os primeiros dispõem, nos termos do artigo 45.º do CIMI, de normas próprias quanto ao cálculo do VPT.”;
g) A alteração introduzida pela Lei do Orçamento de Estado para 2014 “…veio, assim, reforçar a interpretação da Requerente, ou seja, a introdução da expressão no normativo legal, significa de forma inequívoca que a mesma não estava abrangida pela redacção anterior.”;
h) “…inexiste qualquer comportamento culposo por parte da Requerente, o que inviabiliza, de igual modo, a liquidação de juros compensatórios…”;
i) O tribunal deve reconhecer “…o evidente erro imputável aos serviços na liquidação do tributo que deu origem à instauração do processo de execução fiscal, por conseguinte, à apresentação de garantia bancária que a Requerente apresentou”.
Doutro modo, advoga a AT que:
a) “A Lei n.º 55-A/2012, de 29/10/2012 veio alterar o art. 1.º do CIS, e aditar à TGIS a verba 28.”;
b) “Com esta alteração legislativa, o IS passaria a incidir também sobre a propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI) seja igual ou superior a € 1.000.000,00.”;
c) “A noção de afectação do prédio urbano encontra assento na parte relativa à avaliação dos imóveis, o que bem se compreende porquanto a avaliação do imóvel (finalidade) incorpora valor ao imóvel, constituindo um facto de distinção determinante (coeficiente) para efeitos de avaliação.”;
d) “Assim, para efeitos de determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção é clara a aplicação do coeficiente de afectação em sede de avaliação, pelo que a sua consideração para efeitos de aplicação da verba 28 da TGIS não pode ser ignorada…”;
e) “Ao contrário do propugnado pela Requerente, a AT entende que o conceito de “prédios com afectação habitacional”, para efeitos do disposto na verba 28 da TGIS, compreende quer os prédios edificados quer os terrenos para construção, desde logo atendendo ao elemento literal da norma”;
f) “A mera constituição de um direito potencial construção faz aumentar imediatamente o valor do imóvel em causa, daí a regra constante do art. 45.º do CIMI que manda separar as duas partes do terreno”.;
g) “Importa ainda referir que a tributação em sede de imposto do selo obedece a critérios de adequação, aplicando-se de forma indistinta a todos os titulares de imóveis com afectação habitacional de valor superior a € 1.000.000,00, incidindo sobre a riqueza consubstanciada e manifestada no valor dos imóveis”.
4. MATÉRIA DE FACTO
4.1. FACTOS QUE SE CONSIDERAM PROVADOS
4.1.1. A Requerente é proprietária de um imóvel a que corresponde a inscrição , Urbano, Águas Livres.
4.1.2. O prédio (urbano) está classificado como “terreno para construção”.
4.1.3. Não existe em tal prédio nenhuma construção.
4.1.4. A Requerente apresentou no dia 31/10/2013 reclamação graciosa relativamente às liquidações de imposto do selo números … e …, relativas aos anos de 2012 e de 2013.
4.2. FACTOS QUE NÃO SE CONSIDERAM PROVADOS
4.2.1. Que a Requerente tenha apresentado uma garantia bancária para suspender os processos de execução fiscal instaurados para cobrança de imposto do selo dos anos de 2012 e de 2013.
4.3. FUNDAMENTAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO QUE SE CONSIDERA PROVADA
Os factos dados como provados têm génese nos documentos utilizados para cada um dos alegados e cuja autenticidade não foi colocada em causa.
4.4. FUNDAMENTAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO QUE NÃO SE CONSIDERA PROVADA
A Requerente não juntou qualquer documento para prova de ter prestado a referida garantia, quando nos termos do previsto no art. 10.º, n.º 2, al. d) do RJAT tal ónus apenas sobre si impedia. Deste modo, não pode o tribunal dar como provado tal facto.
5. O DIREITO
5.1. ILEGALIDADE DOS ACTOS EM CRISE
A primeira questão que o tribunal deve determinar consiste em conhecer qual o âmbito de incidência da verba n.º 28. 1 da TGIS na sua redacção à data dos factos tributários. Isto é, há que indagar se os terrenos para construção cabem na norma de incidência como advoga a AT ou, se pelo contrário, estão excluídos da mesma. Impõe-se ainda decidir se deve subsistir na ordem jurídica a liquidação de juros compensatórios e se, por último, a Requerente tem direito a uma indemnização por prestação de garantia indevida.
Para concretizar tal tarefa há, desde logo, que procurar a norma cujas partes dissentem na sua interpretação.
Assim, a verba 28 da TGIS, dispõe que se encontram sujeitos a tributação: “Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a € 1 000 000 – sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI:
28.1 - Por prédio com afectação habitacional - 1 %...”[1].
Deste modo é necessário perscrutar o conceito de “prédio (urbano) com afectação habitacional” a que alude a norma em interpretação. Ora não sendo possível resolver a questão com recurso ao CIS é por força da estatuição do art. 67.º, n.º 2 do CIS necessário aplicar as normas do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI) sobre o conceito e espécies de prédios urbanos
Consequentemente, dispõe o art. 4.º do CIMI sobre o conceito de prédio urbano:“…são todos aqueles que não devam ser classificados como rústicos…”. E continua o art. 6.º, n.º 1: “Os prédios urbanos dividem-se em: a) Habitacionais; b) Comerciais, industriais ou para serviços; c) Terrenos para construção; d) Outros”. O n.º 2 dispõe que: “Habitacionais, comerciais, industriais ou para serviços são os edifícios ou construções para tal licenciados ou, na falta de licença, que tenham como destino normal cada um destes fins.
Assim, para a subsunção de um prédio a cada uma das categorias enumeradas, releva a natureza da utilização, isto é, o fim a que o mesmo se destina.
Ora, cabem na verba de imposto do selo em análise os prédios que já estão adstritos a fins habitacionais, isto é, aqueles a que se deu esse destino[2]. Mas é legítimo formular a seguinte questão: e em relação àqueles prédios (terrenos para construção) com tal destino ou, aqueles em que a destinação é desconhecida, subsumem-se a “prédios com afectação habitacional”?
A resposta a tal pergunta não pode deixar de ser negativa. Com efeito, o teor literal da verba em análise permite afastar do âmbito de incidência aqueles terrenos para construção que não têm concretizado qualquer tipo de utilização, na medida em que ainda não estão aplicados ou destinados a fins habitacionais. Por outras palavras, não é possível proceder à sua subsunção como “prédios com afectação habitacional”, porquanto ainda não têm ainda qualquer afectação ou outro destino, a não ser a construção de tipo desconhecido[3].
Ainda assim, pode questionar-se: integram o âmbito de incidência da verba 28. 1 da TGIS os terrenos para construção que ainda não estão ainda aplicados a fins habitacionais e já têm um direito determinado, como é o caso de uma licença de loteamento? Julgamos que não. Na verdade, o art. 6.º, n.º 2 do CIMI, subsidariamente aplicável, aponta no sentido de ser necessária uma afectação efectiva.
Na verdade, o legislador não utilizou a expressão “prédios habitacionais”, mas pelo contrário “prédios com afectação habitacional”, isto é, o prédio tem de ter já efectiva a afectação a esse fim.
Ora, tal sentido interpretativo fica claro com a mobilização de um resumo das palavras do Exmo. Senhor Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, aquando da apresentação e discussão na Assembleia da República da proposta de lei[4], quando advogou que tal proposta do governo: i) visava criar uma taxa especial sobre os prédios urbanos habitacionais de mais elevado valor; ii) criava uma tributação especial sobre propriedades de elevado valor destinadas a habitação e iii) a taxa incidirá sobre as casas de valor igual ou superior a 1 milhão de euros. Ou, dito de outro modo, a categoria a que legislador se refere com a expressão “prédios com afectação habitacional” são as “casas”.
O mesmo sentido interpretativo mantém-se, ainda que se considere que na determinação do valor patrimonial tributário (VPT) dos prédios urbanos, classificados como terrenos para construção, se deva ter em linha de conta a afectação que terá a edificação para estes autorizada ou prevista para apurar o valor da área de implantação. Tal não significa que os terrenos para construção devam ser classificados como “prédios com afectação habitacional”, na medida esta destinação se refere na economia do CIMI a prédios e construções que possam ser habitados[5].
Revertendo tal sentido interpretativo para os autos, impõe-se dizer que o terreno para construção objecto dos presentes não se subsume à categoria de “prédios com afectação habitacional” e, como tal, as liquidações de imposto do selo de 2012 e de 2013 devem ser declaradas ilegais.
Ainda assim podia julgar-se abalada esta interpretação com a entrada em vigor da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro (Lei do Orçamento do Estado para 2014) no segmento em que deu nova redacção à verba 28.1 da TGIS, na qual se remete agora para as categorias descritas no art. 6.º do CIMI, isto é, “prédio habitacional” e “terreno para construção”. Entendemos que não, porque como sustenta a conselheira ISABEL MARQUES DA SILVA[6]: “… o legislador não atribuiu carácter interpretativo (…), apenas torna inequívoco para o futuro que os terrenos para construção cuja edificação autorizada ou prevista, seja para habitação se encontram abrangidos no âmbito da verba 28.1 da Tabela Geral de Imposto do Selo”. Isto é, nada se concretiza em relação aos actos praticados ao abrigo da redacção anterior e demonstra outra opção legislativa com a referência às espécies de prédio urbano, i) habitacional e ii) terrenos para construção. Consequentemente, a tal alteração legislativa em nada modifica a nossa decisão vertida no parágrafo anterior.
Por tal somatório de razões, se o prédio da Requerente estava inscrito matricialmente como terreno para construção à data dos factos tributários relativos aos anos de 2012 e de 2013, não pode ser aplicável ao caso sub judice a norma de incidência em crise, sob pena de ilegalidade. Razão pela qual, devem ser anuladas as liquidações de imposto do selo de 2012 e de 2013 e os respectivos juros compensatórios, porquanto estes últimos apenas são devidos quando existe um erro imputável ao sujeito passivo. Isto é, no caso sub judice nenhuma responsabilidade tem a Requerente pelo retardamento da liquidação.
5.2. DIREITO À INDEMNIZAÇÃO POR PRESTAÇÃO DE GARANTIA INDEVIDA EM PROCESSO DE EXECUÇÃO FISCAL
Ora, se o tribunal não deu como provada a prestação de garantia bancária no processo de execução fiscal que eventualmente tramite para cobrança dos créditos que a AT se arroga titular, não pode ser declarado neste processo o direito à indemnização por prestação de garantia indevida. Com efeito, só à Requerente impendia alegar e provar a existência da referida garantia. Não o tendo feito, absolvida fica a AT, quanto a esta parte.
6. DECISÃO
Nestes termos e com a fundamentação acima descrita decide julgar-se procedente o pedido arbitral, com a consequente expurgação da ordem jurídica dos actos objecto dos autos e dos consequentes juros compensatórios.
Por outro lado, absolve-se a AT relativamente ao pedido de indemnização por prestação de garantia bancária indevida.
7. VALOR DO PROCESSO
Fixa-se o valor do processo em € 100 046, 40 (€ 50 023,20 pelo pedido respeitante à indemnização por garantia indevida – 297.º, n.º 1 – parte final- do CPC), nos termos do art. 97.º- A do CPPT, aplicável por força do disposto no art. 29.º, n.º 1, al. a) e b) do RJAT e do art. 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT).
8. CUSTAS
Custas a suportar pela Requerente e pela AT na proporção do decaimento, no montante de € 3060, cfr. art. 22.º, n.º 4 do RJAT e da Tabela I anexa ao Regulamento das Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.
Notifique.
Lisboa, 26 de Janeiro de 2015
O árbitro singular,
Francisco Nicolau Domingos
[1] Na redacção em vigor à data dos factos tributários.
[2] V. neste sentido, acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, proferido no âmbito do recurso 048/14, de 09/04/2014, no qual foi relatora a conselheira ISABEL MARQUES DA SILVA; acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, proferido no recurso 046/14 de 14/05/2014, no qual foi relator o conselheiro ASCENSÃO LOPES e o acórdão arbitral proferido no âmbito do processo 53/2013-T, de 02/10/2013, no qual o conselheiro JORGE LOPES DE SOUSA assumiu a função de árbitro-presidente.
[3] V. acórdão proferido no âmbito processo 53/2013-T, de 02/10/2013, no qual o conselheiro JORGE LOPES DE SOUSA assumiu a função de árbitro-presidente.
[4] Diário da Assembleia da República, I Série, n.º 9/XII – 2, de 11 de Outubro, pág. 32.
[5] Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, proferido no âmbito do recurso 048/14, de 09/04/2014 no qual foi relatora a conselheira ISABEL MARQUES DA SILVA.
[6] No âmbito do acórdão 048/14, de 09/04/2014 por esta relatado.