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DECISÃO ARBITRAL
SUMÁRIO:
Invocando-se na liquidação de IMT a caducidade da isenção prevista na alínea g) do artigo 6º do CIMT, ao abrigo do nº 4 do artigo 11º do mesmo código, cabe à Autoridade Tributária e Aduaneira, nos termos do disposto nas normas do artigo 74º, nº 1 da Lei Geral Tributária e do artigo 342º, nº1 do Código Civil, fazer prova da desclassificação do bem imóvel, antes validamente classificado “como de interesse nacional, de interesse público ou de interesse municipal”.
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Carla Almeida Cruz, árbitro das listas do CAAD, designada pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formar o Tribunal Arbitral singular, constituído em 21-06-2023, elabora nos seguintes termos a decisão arbitral no processo identificado.
1. RELATÓRIO
A..., contribuinte..., residente na Rua ..., nº ..., ..., ...-... Lisboa (doravante, abreviadamente designado de “Requerente”), veio, nos termos do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, constante do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, (doravante, abreviadamente designado de “RJAT”), requerer a constituição de Tribunal Arbitral, tendo peticionado a “anulação da liquidação do Imposto Municipal sobre Transmissões Onerosas, devendo ficar sem efeito a liquidação confirmada pelo Oficio com o nº 2023-01-04 (entrada geral nº 2022...) e, necessariamente, a execução com o nº de processo ...2023...”.
É Requerida nestes autos a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (“Requerida” ou “AT”).
O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD em 11-04-2023 e foi notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) em 14-04-2023.
Nos termos do disposto no artigo 6.º, n.º 1 e do artigo 11.º, n.º 1, alínea b) do RJAT, o Conselho Deontológico designou como árbitro do Tribunal Arbitral, com árbitro singular, a signatária, que manifestou a aceitação do encargo, no prazo legal.
Em 31-05-2023 as partes foram devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado intenção de recusar a designação do árbitro, nos termos previstos nas normas do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b) do RJAT e nas normas dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.
Assim, e em conformidade com a disciplina constante do artigo 11.º, n.º 1, alínea c), do RJAT, o Tribunal Arbitral foi constituído em 21-06-2023.
A Requerida, através de despacho arbitral proferido em 21-06-2023, foi notificada para os efeitos previstos no artigo 17.º da RJAT.
Em 11-09-2023, a Requerida apresentou a sua Resposta, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, na qual se defende por impugnação e pugna pela improcedência e consequente absolvição do pedido.
Em 11-09-2023, a Requerida remeteu também ao tribunal arbitral, cópia do processo administrativo.
Por despacho de 13-09-2023, foi a Requerente notificada para se pronunciar quanto ao alegado pela Autoridade Tributária e Aduaneira em 52º a 56º da sua resposta, bem como para exercer, querendo, o contraditório quanto ao documento junto pela Requerida com a sua resposta.
Através do mesmo despacho de 13-09-2023, e atenta a natureza das questões suscitadas pelas partes, que se configuram como questões exclusivamente de direito, foi também a Requerente notificada para esclarecer se mantém o propósito de produzir a prova testemunhal e por declarações de parte, que indicou na petição inicial.
Por requerimento de 17-10-2023, veio a Requerente declarar que prescinde da produção de prova testemunhal e por declarações de parte indicadas na petição inicial.
Por requerimento de 18-10-2023, veio a Requerente juntar aos autos documento emitido pela Câmara Municipal de Lisboa, Direção Municipal de Finanças, Departamento de Receitas e Financiamento, em 15/10/2023, que informa que foi autorizado o reconhecimento dos pressupostos para a concessão da isenção de IMT, nos termos do n.º 8 do artigo 71.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais.
Por despacho de 19-10-2023, foi determinada a notificação da Requerida para se pronunciar quanto ao requerimento apresentado pela Requerente em 18-10-2023, bem como para exercer o contraditório quanto ao documento junto.
A Requerida através do seu requerimento de 02-11-2023, exerceu o seu contraditório quanto ao requerimento da Requerida de 19-10-2023 e documento junto, tendo pugnado pela improcedência da ação e a sua absolvição do pedido.
Por despacho de 21-11-2023 foi dispensada a realização da reunião a que alude o artigo 18.º, do RJAT e determinada a notificação das partes para produzirem alegações escritas.
A Requerente em 11-12-2023 apresentou alegações e juntou cópia da sentença proferida pelo CAAD em 02/11/2023, no processo 259/2023-T, relativamente à aquisição por esta da fração “AB” sita precisamente no mesmo prédio que a fração destes autos.
A Requerida em 12-12-2023, apresentou alegações nas quais deu por reproduzido todo o aduzido no seu articulado de resposta, tendo peticionado afinal a improcedência da ação e absolvição dos pedidos.
2. SANEAMENTO
O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente, face ao preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 1, do DL n.º 10/2011, de 20 de Janeiro.
O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo, porque apresentado no prazo previsto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a), do RJAT.
As partes estão devidamente representadas, gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade (cf. artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT, e artigo 1.º, da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).
O processo não enferma de nulidades, não tendo sido invocadas quaisquer exceções ou suscitadas questões prévias que obstem ao conhecimento de mérito e de que cumpra conhecer.
3. FUNDAMENTAÇÃO
3.1. MATÉRIA DE FACTO
3. 1.1. Factos provados
Com relevância para a decisão, consideram-se provados os seguintes factos:
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Em 30-08-2012, foi publicado no Diário da República 2ª Série nº 168, o Regulamento do Plano Diretor Municipal de Lisboa, constando na página 30 333 do referido Jornal Oficial “Bens imóveis de interesse municipal e outros bens culturais imóveis” e constando na subsequente página ... “17.28–palacete .../Rua de...” (cf. documento n.º 7 junto à PI, PPA e consulta oficiosa do DR 2ª Série).
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Em 31-03-2015, quanto ao imóvel sito em Lisboa, na Rua ..., nº. ..., ...ª e... B, na freguesia da ..., foi homologada pelo Senhor Vereador da CML..., a seguinte proposta (cf. documento nº 8 junto à PI e PPA):
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Em 22-06-2015, a Requerente apresentou à AT o Modelo 1 do IMT, com o registo n.º 2015 /..., com indicação do código do benefício fiscal 11 (referente à isenção de IMT pela aquisição de prédios individualmente classificados como de interesse nacional, interesse público ou de interesse municipal - alínea g) do artigo 6.º do CIMT) tendo sido emitido o DUC n.º..., no valor de €0,00 de IMT a pagar e com € 5.715,20 de Imposto do Selo a pagar (cf. documento nº 2 junto com a PI e PPA).
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No DUC atrás referido, quanto ao IMT consta (PPA):
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Por escritura de compra e venda outorgada em 23-06-2015, a Requerente, casada no regime de comunhão de adquiridos, com B..., adquiriu para sua habitação própria permanente, à sociedade “C..., SA”, pelo valor de € 714.400, 00, a fração autónoma designada pela letra “F” do prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o nº..., da freguesia da ..., inscrito na respetiva matriz predial urbana da freguesia da ..., concelho de Lisboa, sob o artigo ... (cf. documento n.º 1 junto à P.I.).
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Em 23-03-2022, o Serviço de Finanças de Lisboa ... enviou à Requerente o ofício n.º...., para exercício do direito de audição prévia face ao projecto de liquidação de IMT no valor de € 42.864,00, o que fez com fundamento no nº 4 do artigo 11º do CIMT (cf. documento nº 3 junto com a PI e PPA).
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O projeto de liquidação antes referido tem a seguinte fundamentação (cf. documento nº 3 junto com a PI e PPA):
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Em 29-06-2022, a Requerente apresentou reclamação graciosa quanto ao referido projeto de liquidação oficiosa de IMT, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido (cf. documento nº 4 junto com a PI e PPA)
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Em 2023-01-04, o Serviço de Finanças de Lisboa ... enviou o ofício n.º 2023... ao mandatário da Requerente, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, através do qual o notifica designadamente (cf. documento nº 5 junto com a PI e PPA):
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Do arquivamento do pedido de reclamação graciosa por si apresentado, em virtude de se tratar apenas de um projeto de liquidação;
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Da convolação em definitivo do projeto de liquidação de IMT, sustentada na informação prestada pela CML de que o imóvel não se encontra classificado, nem em vias de classificação, constando apenas como bem cultural imóvel na lista geral do Inventário Municipal do Património com o n.º 17.28, situação que não é enquadrável no disposto na alínea g) do artigo 6º do CIMT;
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Da aplicação do benefício invocado pela requerente previsto no n.º 8 do art.º 78.º do EBF, na redação anterior à Lei n.º 114/2017, de 29 de dezembro, e que concedido pela Câmara Municipal de Lisboa a proprietários de outras frações do prédio, não se aplica a este caso, pois sendo o benefício em causa pessoal e intransmissível é individualmente analisado. Para mais, sendo o reconhecimento do benefício em causa da estrita competência da Câmara Municipal de Lisboa, a ora requerente deveria ter instruído o processo junto dessa entidade, que após despacho o comunica diretamente ao SF da área do imóvel (n.º 19, art.º 71, EBF, à data), o que não aconteceu.
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Informação de que deveria regularizar o IMT, devendo para o efeito solicitar as guias de pagamento no prazo de 15 dias após receber a notificação.
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Em 08-02-2023, os serviços da AT emitiram a liquidação de IMT impugnada nos presentes autos, através do DUC n.º..., no valor de € 42.864,00 e em 06-03-2023 procedeu à citação postal da Requerente, do processo de execução fiscal n.º ...2023..., relativo à quantia em dívida da liquidação de IMT, no valor de € 42.864,00, acrescida de custas, no valor de €216,12 e juros de mora no valor de € 133,81 (cf. documento nº 6 junto com PI e PPA).
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Em 26-04-2023, a AT solicitou informação à Câmara Municipal de Lisboa – Direção Municipal de Gestão Patrimonial, sobre se o imóvel estava ou não classificado como «IMÓVEL DE INTERESSE MUNICIPAL» (cf. documento nº 1 junto com a Resposta da AT e PPA).
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Em 08-05-2023 a Câmara Municipal de Lisboa respondeu à AT nos seguintes termos (cf. documento nº 1 junto com a Resposta da AT e PPA):
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Em 10-04-2023, a Requerente apresentou o pedido de pronúncia arbitral que deu origem ao presente processo [cf. sistema informático de gestão processual do CAAD].
3.1.2. Factos considerados não provados
Não foram considerados como não provados nenhum dos factos alegados, com efetiva relevância para a boa decisão da causa.
3.1.3. Fundamentação da decisão da matéria de facto
Os factos pertinentes para o julgamento da causa foram escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, à face das soluções plausíveis das questões de direito, nos termos da aplicação conjugada dos artigos 123.º, n.º 2, do CPPT e 607.º, n.º 3, do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT.
Não há controvérsia sobre a matéria de facto, pelo que no tocante à matéria de facto dada como provada, a convicção do Tribunal fundou-se nos factos articulados pelas Partes, cuja aderência à realidade não foi posta em causa e, portanto, admitidos por acordo, bem como na análise crítica da prova documental que consta dos autos, designadamente os documentos juntos pelo Requerente, cuja correspondência à realidade não é contestada pela Autoridade Tributária e Aduaneira.
Não se deram como provadas, nem não provadas alegações feitas pelas partes, com natureza meramente conclusiva, ainda que tenham sido apresentadas como factos, por serem insuscetíveis de comprovação, sendo que o seu acerto só pode ser aferido em confronto com a fundamentação da decisão da matéria jurídica, constante do capítulo seguinte.
Finalmente, importa sublinhar que a questão essencial a decidir é de direito e assenta na prova documental junta aos autos pela Requerente e na documentação constante do processo administrativo pela Autoridade Tributária e Aduaneira.
3.2. MATÉRIA DE DIREITO
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Objeto do litígio
A questão que importa apreciar e decidir neste processo consiste em apreciar a legalidade da liquidação de IMT impugnada nos presentes autos – Liquidação de IMT, correspondente ao DUC n.º ..., no valor de € 42.864,00.
3.2.2 - Posição das partes
A Requerente peticiona a anulação da referida liquidação de IMT, tendo alegado para fundamentar a sua posição, em síntese, que:
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Por um lado, a isenção de IMT ao abrigo da alínea g) do art.º 6.º do CIMT, da qual beneficiou na aquisição do imóvel se mantém, pois este imóvel consta no Regulamento do Plano Diretor Municipal de Lisboa publicado no Diário da República, 2.ª Série, n.º 168, de 30 de agosto de 2012, como sendo imóvel de Interesse Municipal, pelo que não havendo qualquer desclassificação do património cultural pela CML não se pode aplicar o n.º 4 do art.º 11.º do CIMT.
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Esta isenção foi reconhecida automaticamente nos termos da alínea a) do n.º 8 do artigo 10.º do CIMT e n.º 1 e 3 do artigo 5.º do EBF.
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Verificando-se na data de aquisição do imóvel estarem cumpridos os requisitos para a aplicação da isenção e estando já o imóvel classificado como de Interesse Municipal, nos termos do artigo 12.º do EBF tem direito a essa isenção.
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Que nos termos do n.º 4 do artigo 14.º do EBF o benefício fiscal em causa do qual beneficiou (direito adquirido) não pode agora ser revogado por acto unilateral da Administração Tributária.
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Por outro lado, sustenta a impossibilidade de cobrança do IMT aqui em causa, pois não se trata de uma caducidade da isenção nos termos do n.º 4 do art.º 11.º do CIMT, mas sim de uma liquidação adicional nos termos do art.º 31.º do CIMT decorrente de um alegado erro do contribuinte que terá indicado uma isenção que a AT entende não existir, pelo que a liquidação só poderia fazer-se até decorridos quatro após a liquidação a corrigir, prazo este ultrapassado.
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Alega, ainda, que sendo este imóvel, destinado à sua habitação própria e permanente, e sendo esta a primeira transmissão do prédio reabilitado, localizado em área de reabilitação urbana, a operação em causa sempre seria isenta de pagamento de IMT nos termos do n.º 8 do artigo 71.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF), em vigor à data da transmissão.
A AT, por seu turno, peticiona a improcedência da ação e a sua absolvição dos pedidos, tendo alegado, no que respeita ao âmbito de aplicação art.º 6.º alínea g) do CIMT, que:
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Esta norma regula a isenção de IMT para “As aquisições de prédios individualmente classificados como de interesse nacional, de interesse público ou de interesse municipal, nos termos da legislação em vigor”
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Por sua vez, o artigo 10.º do CIMT que versa sobre o reconhecimento das isenções determina no n.º 1 que a isenção é reconhecida a requerimento dos interessados a apresentar antes do ato ou contrato que originou a transmissão, mas sempre antes da liquidação que seria de efetuar, dispondo a alínea c) do n.º 2 deste normativo que o pedido da isenção ao abrigo da alínea g) do art.º 6.º do CIMT deve ser acompanhado de «documento emitido pelas entidades competentes».
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Estando em causa imóvel de interesse municipal, a entidade competente para atribuir esta classificação será a respetiva Câmara Municipal da localização do imóvel, que neste caso é a Câmara Municipal de Lisboa.
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Face às dúvidas suscitadas pela requerente, foi solicitada informação à Câmara Municipal de Lisboa – Direção Municipal de Gestão do Património, tendo sido rececionada resposta em 2023- 05-08, a qual está junta como doc. 1, onde é referido que este imóvel «NÃO ESTÁ CLASSIFICADO COMO IMÓVEL DE INTERESSE MUNICIPAL»
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Conforme ficou inequivocamente demonstrado pela entidade competente para o efeito - Câmara Municipal de Lisboa – o imóvel em questão não se encontra classificado como de interesse municipal, apenas consta da lista como BEM CULTURAL IMÓVEL, na lista geral do Inventário Municipal do Património com o N.º 17.28, facto que não é enquadrável na isenção prevista no artigo 6.º, alínea g) do CIMT.
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Assim, não se encontrando verificada a condição prevista na alínea g) do art.º 6.º do CIMT, i.é, tratar-se de prédio individualmente classificado como de interesse municipal, não beneficia da referida isenção, concluindo-se que esta aquisição está sujeita ao regime regra de tributação e a liquidação em causa não padece da ilegalidade assacada.
No que respeita à aplicação da isenção de IMT à primeira transmissão, ao abrigo do artigo 71º, nº 8 do EBF, em vigor à data da transmissão, alega a AT que:
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Os procedimentos de verificação das condições para a aplicação da isenção ao abrigo deste regime são da competência exclusiva da Câmara Municipal da situação do imóvel e dos respetivos órgãos ou de outras entidades legalmente habilitadas para gerir os programas de reabilitação urbana.
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Conforme decorre do disposto no nº 19 do art.º 71.º do EBF, na redação à data dos factos, as isenções previstas nos nºs. 7 e 8 estão dependentes de deliberação da assembleia municipal, que define o seu âmbito e alcance, nos termos do nº 2 do art.º 12 da Lei das Finanças Locais.
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E, nos termos do n.º 23, a comprovação do início e conclusão das ações de reabilitação é da competência da câmara municipal ou de outra entidade habilitada para gerir um programa de reabilitação urbana para a área de localização do imóvel, incumbindo-lhes certificar o estado dos imóveis, antes e após as obras compreendidas na ação de reabilitação.
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Contudo, esta isenção é de reconhecimento INDIVIDUAL e após PRÉVIO parecer e comprovação dos órgãos e entidades competentes da Câmara Municipal de Lisboa ou de entidades por si designadas, nos termos atrás referidos.
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No presente caso, não houve qualquer comunicação à administração tributária, por parte daquela entidade, sobre o reconhecimento desta isenção relativamente à aquisição deste imóvel por parte da Requerente, nem a ora Requerente faz prova da sua concessão, para além está provado que a Requerente efetuou o pedido junto da Câmara apenas em 06-04-2023.
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Consequentemente, podemos concluir que a aquisição da fração em questão, não está isenta de IMT ao abrigo do art.º 71.º, n.º 8, do EBF, nos termos atrás referidos, pelo que cai no âmbito da regra geral de incidência de IMT (art.º 1.º, n.º 1 CIMT).
No que à alegada impossibilidade de cobrança do IMT (caducidade do direito de liquidação), sustenta a AT que:
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No presente caso a liquidação efetuada não é uma liquidação adicional já que a mesma não se destinou a corrigir uma liquidação anterior viciada por erro de facto ou de direito ou por omissões ou inexatidões praticadas nas declarações prestadas para efeitos de liquidação.
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O DUC n.º ... de €0,00, emitido no decurso da apresentação da Modelo 1 do IMT com o registo n.º 2015 /..., de 2015-06-22, referente à aquisição do direito de propriedade plena sobre o imóvel em questão, não consubstancia uma liquidação, visto que, não foi efetuada qualquer liquidação desse imposto, face à indicação do código do benefício 11 (referente à isenção de IMT pela aquisição de prédios individualmente classificados como de interesse nacional, interesse público ou de interesse municipal) da exclusiva responsabilidade da Requerente.
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Não tendo sido efetuada qualquer liquidação no decurso da apresentação da Modelo 1 do IMT com o registo n.º 2015 /.., em 2015-06-22, a liquidação de IMT, ora contestada a que corresponde o DUC n.º..., de 2023-02-08, no montante de € 42.864,00, consubstancia uma primeira liquidação, pelo que, o prazo de caducidade do direito à liquidação do IMT é de 8 anos, nos termos do n.º 1 do artigo 35.º do CIMT.
Concluindo, sustenta a AT que a aquisição deste imóvel está sujeita a IMT, a liquidação em causa é legal, não padece de erro ou vício e, por outro lado, não há caducidade do direito de liquidação, nos termos atrás referido.
3.2.3. Apreciação da questão
Importa agora apreciar e decidir da legalidade da liquidação de IMT aqui impugnada.
Os argumentos e as posições das partes quanto a esta questão encontram-se já detalhadamente enunciados no antecedente ponto 3.2.2), pelo que se passa a apreciar a questão.
A questão controvertida no presente processo arbitral, tal como a Requerente o refere nas suas alegações, foi já objeto de decisão arbitral proferida em 02-11-2023, no âmbito n.º 259/2023-T, cuja factualidade é em tudo semelhante à dos presentes autos (respeita à aquisição pelo cônjuge da requerente da fracção “AB”, localizada no mesmo prédio da fração dos presentes autos), e cujo teor subscrevemos, quer quanto à motivação, quer quanto ao sentido decisório, atento o que dispõe a norma do artigo 8º, nº3 do Código Civil.
A similitude dos factos que estiveram na base da mencionada decisão arbitral, justifica a adesão - com as devidas adaptações ao caso em concreto - da solução da questão nele expressa, cujo teor acompanhamos de perto e subscrevemos, nos termos que se passam a enunciar.
Importa em ponto prévio fazer notar, no que respeita a norma legal invocada pela AT para fundamentar a liquidação de IMT em causa (artigo 11º, nº 4 do CIMT) que existe divergência entre a previsão desta norma e os factos que a AT alega para fundamentar a aplicação dessa mesma norma.
Senão vejamos.
O fundamento legal invocado pela AT para promover a liquidação de IMT em questão foi o nº 4 do artigo 11º do CIMT, que tem a seguinte redacção:
“As isenções concedidas ao abrigo do disposto na alínea g) do artigo 6.º ficarão sem efeito se os bens forem desclassificados do património cultural” (cf. alínea F) dos factos provados).
Contudo, se atentarmos na fundamentação factual da decisão da liquidação de IMT, o que a AT afirma, é que o prédio onde se integra a fração, nunca foi classificado nem estava em vias de classificação e que apenas era, e é “bem cultural imóvel na lista geral de Inventário Municipal de Património” (cf. alínea G) dos factos provados).
Ou seja, se a AT agora afirma que o prédio nunca esteve classificado, a situação em causa nunca seria subsumível à aplicação do artigo 11º, nº4, porque esta norma se aplica apenas a bens que foram desclassificados (o que pressupõe logicamente que antes tenham estado classificados).
Na verdade, a AT socorre-se da norma em questão para fundamentar a liquidação, mas não invoca e muito menos prova, como é seu ónus, a “desclassificação” do imóvel.
Importa ainda referir a propósito do esclarecimento prestado pela Câmara Municipal de Lisboa em 08-05-2023 (cf. alínea L) dos factos provados), que o Tribunal não pode aqui considerar a fundamentação constante daquele esclarecimento, uma vez que o mesmo foi prestado (por solicitação da AT), em data posterior (26-04-2023) àquela em que a Requerente foi notificada da decisão final relativa à liquidação de IMT (08-02-2023) (cf. alíneas L), J, e J) dos factos provados), constituindo por isso uma fundamentação “a posteriori” do ato de liquidação, não podendo o tribunal, perante a constatação da invocação de um fundamento ilegal como suporte da decisão administrativa, apreciar se a sua actuação poderia basear-se noutros fundamentos (cf. neste sentido acórdãos do STA de 10-11-98, do Pleno, proferido no recurso n.º 32702, publicado em Apêndice ao Diário da República de 12-4-2001, página 1207, de 19/06/2002, processo n.º 47787, publicado em Apêndice ao Diário da República de 10-2-2004, página 4289, de 09/10/2002, processo n.º 600/02, de 12/03/2003, processo n.º 1661/02).
Há ainda que referir que, como foi referido na decisão arbitral proferida em 02-11-2023 no âmbito do processo nº 259/2023-T, já antes citado que:
Outro aspecto que tem relevância, é a contradição entre a versão do PDM de Lisboa, no seu elemento literal publicado no DR 2ª Série, nº 168, de 30.08.2012 (alínea A) dos factos provados) e a informação da CML em anexo ao ofício de 2023-01-04 (alínea I) – II dos factos provados) que fala em Anexo II e Anexo III, o que não parece retirar-se da publicação no DR.
A CML na sua informação, não cita expressamente que o PDM de Lisboa consta de uma norma publicada no DR 2ª Série, nº 168, de 30.08.2012, enunciando onde este normativo, tal como foi publicado, contém um Anexo II e um Anexo III, ou quais as eventuais rectificações ao texto original que permitem essa leitura.
O elemento literal da norma (tal como se encontra publicada no Jornal Oficial) é sempre um elemento muito relevante, por ser delimitador da actividade interpretativa. Não pode ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso. A letra é um elemento irremovível da interpretação, ou um “limite da busca do espírito”.
“Uma interpretação que não se situe já no âmbito do sentido literal possível, já não é interpretação, mas modificação de sentido” (Larenz). “(...) há-de ser um sentido (uma motivação, um conjunto de objectivos) que caiba razoavelmente no sentido literal da declaração do legislador. Sob pena de, se isto não acontecer, se estar a criar uma nova norma, em vez de interpretar uma norma já existente” (Hespanha).
Este aspecto é relevante, pois que, no caso, configura-se ser esta divergência que levou o Requerente a colocar o Código 11 do benefício fiscal na declaração Modelo 1 para liquidação do IMT (alínea D) dos factos provados).
Mais: tal facto terá levado o Serviço de Finanças de Lisboa ... a ter a mesma leitura que teve o Requerente, pois que o reconhecimento do benefício fiscal em causa é de “verificação e declaração” pelo SF onde a declaração Modelo 1 do IMT é apresentada, como resulta claramente do nº 8 do artigo 10º do CIMT (redacção da Lei 64-A/2008, de 31 de Dezembro).
É convicção deste Tribunal que a génese do dissídio aqui a dirimir resulta de uma leitura possível face ao elemento literal do PDM de Lisboa - versão publicada no DR - conforme alínea A) dos factos provados, pois que, quer o Requerente, quer o SF de Lisboa ..., tiverem leituras coincidentes, no sentido de que a isenção resultava da literalidade do PDM de Lisboa, uma vez que é indiscutível que o benefício fiscal foi (ou tem que ter-se por ter sido) verificado e declarado pelo SF, por força do nº 8 do artigo 10º do CIMT”.
Aqui chegados, vejamos os normativos que relevam para apreciação da questão controvertida.
O artigo 6º do CIMT, dispõe na sua alínea g) que ficam isentos de IMT:
“g) As aquisições de prédios individualmente classificados como de interesse nacional, de interesse público ou de interesse municipal, nos termos da legislação aplicável (Redação da Lei n.º 55-A/2010, de 31de dezembro). ”
O artigo 10º do CIMT, sob a epígrafe “Reconhecimento das isenções” dispõe, na parte que aqui importa que:
“1 - As isenções são reconhecidas a requerimento dos interessados, a apresentar antes do acto ou contrato que originou a transmissão junto dos serviços competentes para a decisão, mas sempre antes da liquidação que seria de efectuar.
2 - O pedido a que se refere o n.º 1 deve, quando for caso disso, conter a identificação e descrição dos bens, bem como o fim a que se destinam, e ser acompanhado dos documentos para demonstrar os pressupostos da isenção, designadamente:
(…)
c) No caso a que se refere a alínea g) do artigo 6.º, de documento emitido pelo serviço competente do Ministério da Cultura; (Redacção até Março de 2016)
(…)
8 - São de reconhecimento automático, competindo a sua verificação e declaração ao serviço de finanças onde for apresentada a declaração prevista no n.º 1 do artigo 19.º, as seguintes isenções: (Redação da Lei 64-A/2008, de 31 de Dezembro):
a) As previstas nas alíneas a), c), d), e) e g) do artigo 6.º, no artigo 7.º e nas alíneas a) e b) do n.º 2 do artigo 8.º, desde que o valor que serviria de base à liquidação do IMT, caso este fosse devido, apurado nos termos da regra 5.ª do artigo 12.º, seja igual ou inferior a (euro) 300 000; (Redação da Lei n.º 82-B/2014, de 31 de dezembro)”
O artigo 19º do CIMT, a propósito da iniciativa da liquidação, dispõe o seguinte:
“Artigo 19º
Iniciativa da liquidação
1 - A liquidação do IMT é de iniciativa dos interessados, para cujo efeito devem apresentar, em qualquer serviço de finanças ou por meios electrónicos, uma declaração de modelo oficial devidamente preenchida. (Redação da Lei 64-A/2008, de 31 de dezembro) .
2 - A liquidação é promovida oficiosamente pelos serviços de finanças que forem competentes e sempre que os interessados não tomem a iniciativa de o fazer dentro dos prazos legais, bem como quando houver lugar a qualquer liquidação adicional, sem prejuízo dos juros compensatórios a que haja lugar e da penalidade que ao caso couber.
3 - A declaração prevista no n.º 1 deve também ser apresentada, em qualquer serviço de finanças ou por meios electrónicos, antes do acto ou facto translativo dos bens, nas situações de isenção. (Aditado pelo artigo 97.º da Lei 64-A/2008, de 31 de dezembro).
O artigo 21º do CIMT, a propósito da competência para a liquidação, dispõe que:
“Artigo 21.º
Competência para a liquidação
1 - O IMT é liquidado pelos serviços centrais da Direcção-Geral dos Impostos, com base na declaração do sujeito passivo ou oficiosamente, considerando-se, para todos os efeitos legais, o acto tributário praticado no serviço de finanças competente. (Redação da Lei 64-A/2008, de 31 de dezembro)
2 - Para efeitos do número anterior, são aplicáveis as regras seguintes (Redação da Lei 64- A/2008, de 31 de dezembro):
a) Quando a liquidação for efectuada com base na declaração do sujeito passivo, considerase competente para a liquidação do IMT, o serviço de finanças onde é apresentada a declaração referida no n.º 1 do artigo 19.º; (Redação da Lei 64-A/2008, de 31 de dezembro)
b) Nos casos em que a liquidação é promovida oficiosamente considera-se competente para a liquidação do IMT, o serviço de finanças da área da situação dos prédios, sem prejuízo do disposto nos números seguintes. (Redação da Lei 64-A/2008, de 31 de dezembro).
Por seu turno, o artigo 5º do EBF, dispõe que:
“Artigo 5.º
Benefícios fiscais automáticos e dependentes de reconhecimento
1 - Os benefícios fiscais são automáticos ou dependentes de reconhecimento; os primeiros resultam directa e imediatamente da lei, os segundos pressupõem um ou mais actos posteriores de reconhecimento.
2 - O reconhecimento dos benefícios fiscais pode ter lugar por acto administrativo ou por acordo entre a Administração e os interessados, tendo, em ambos os casos, efeito meramente declarativo, salvo quando a lei dispuser em contrário.
3 - O procedimento de reconhecimento dos benefícios fiscais regula-se pelo disposto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário.
O artigo 14º do EBF, na parte que aqui releva, dispõe que:
Artigo 14.º
Extinção dos benefícios fiscais
(…)
4 - O acto administrativo que conceda um benefício fiscal não é revogável, nem pode rescindirse o respectivos acordo de concessão, ou ainda diminuir-se, por acto unilateral da administração tributária, os direitos adquiridos, salvo se houver inobservância imputável ao beneficiário das obrigações impostas, ou se o benefício tiver sido indevidamente concedido, caso em que aquele acto pode ser revogado.
Por seu turno o artigo 78º da LGT, dispõe que:
Artigo 78.º da LGT
Revisão dos actos tributários
1 - A revisão dos actos tributários pela entidade que os praticou pode ser efectuada por iniciativa do sujeito passivo, no prazo de reclamação administrativa e com fundamento em qualquer ilegalidade, ou, por iniciativa da administração tributária, no prazo de quatro anos após a liquidação ou a todo o tempo se o tributo ainda não tiver sido pago, com fundamento em erro imputável aos serviços.
2 - (Revogado pela alínea h) do n.º 1 do artigo 215.º da Lei n.º 7-A/2016 de 30 de março)
3 - A revisão dos actos tributários nos termos do n.º 1, independentemente de se tratar de erro material ou de direito, implica o respectivo reconhecimento devidamente fundamentado nos termos do n.º 1 do artigo anterior. (Redação da Lei 55-B/2004, de 30 de Dezembro).
Olhando agora para as normas relevantes do CPA, temos as seguintes:
Artigo 165.º do CPA
Revogação e anulação administrativas
1 - A revogação é o ato administrativo que determina a cessação dos efeitos de outro ato, por razões de mérito, conveniência ou oportunidade.
2 - A anulação administrativa é o ato administrativo que determina a destruição dos efeitos de outro ato, com fundamento em invalidade.
Artigo 167.º do CPA
Condicionalismos aplicáveis à revogação
1 - Os atos administrativos não podem ser revogados quando a sua irrevogabilidade resulte de vinculação legal ou quando deles resultem, para a Administração, obrigações legais ou direitos irrenunciáveis.
2 - Os atos constitutivos de direitos só podem ser revogados:
a) Na parte em que sejam desfavoráveis aos interesses dos beneficiários;
b) Quando todos os beneficiários manifestem a sua concordância e não estejam em causa direitos indisponíveis;
c) Com fundamento na superveniência de conhecimentos técnicos e científicos ou em alteração objetiva das circunstâncias de facto, em face das quais, num ou noutro caso, não poderiam ter sido praticados;
d) Com fundamento em reserva de revogação, na medida em que o quadro normativo aplicável consinta a precarização do ato em causa e se verifique o circunstancialismo específico previsto na própria cláusula.
3 - Para efeitos do disposto na presente secção, consideram-se constitutivos de direitos os atos administrativos que atribuam ou reconheçam situações jurídicas de vantagem ou eliminem ou limitem deveres, ónus, encargos ou sujeições, salvo quando a sua precariedade decorra da lei ou da natureza do ato.
4 - A revogação prevista na alínea c) do n.º 2 deve ser proferida no prazo de um ano, a contar da data do conhecimento da superveniência ou da alteração das circunstâncias, podendo esse prazo ser prorrogado, por mais dois anos, por razões fundamentadas.
5 - Na situação prevista na alínea c) do n.º 2, os beneficiários de boa-fé do ato revogado têm direito a ser indemnizados, nos termos do regime geral aplicável às situações de indemnização pelo sacrifício, mas quando a afetação do direito, pela sua gravidade ou intensidade, elimine ou restrinja o conteúdo essencial desse direito, o beneficiário de boa-fé do ato revogado tem direito a uma indemnização correspondente ao valor económico do direito eliminado ou da parte do direito que tiver sido restringida.
6 - Para efeitos do disposto no número anterior, consideram-se de boa-fé os beneficiários que, à data da prática do ato revogado, desconheciam sem culpa a existência de fundamentos passíveis de determinar a revogação do ato.
Artigo 168.º do CPA
Condicionalismos aplicáveis à anulação administrativa
1 - Os atos administrativos podem ser objeto de anulação administrativa no prazo de seis meses, a contar da data do conhecimento pelo órgão competente da causa de invalidade, ou, nos casos de invalidade resultante de erro do agente, desde o momento da cessação do erro, em qualquer dos casos desde que não tenham decorrido cinco anos, a contar da respetiva emissão.
2 - Salvo nos casos previstos nos números seguintes, os atos constitutivos de direitos só podem ser objeto de anulação administrativa dentro do prazo de um ano, a contar da data da respetiva emissão.
3 - Quando o ato tenha sido objeto de impugnação jurisdicional, a anulação administrativa só pode ter lugar até ao encerramento da discussão.
4 - Salvo se a lei ou o direito da União Europeia prescreverem prazo diferente, os atos constitutivos de direitos podem ser objeto de anulação administrativa no prazo de cinco anos, a contar da data da respetiva emissão, nas seguintes circunstâncias:
a) Quando o respetivo beneficiário tenha utilizado artifício fraudulento com vista à obtenção da sua prática;
b) Apenas com eficácia para o futuro, quando se trate de atos constitutivos de direitos à obtenção de prestações periódicas, no âmbito de uma relação continuada;
c) Quando se trate de atos constitutivos de direitos de conteúdo pecuniário cuja legalidade, nos termos da legislação aplicável, possa ser objeto de fiscalização administrativa para além do prazo de um ano, com imposição do dever de restituição das quantias indevidamente auferidas.
5 - Quando, nos casos previstos nos nºs 1 e 4, o ato se tenha tornado inimpugnável por via jurisdicional, o mesmo só pode ser objeto de anulação administrativa oficiosa.
6 - A anulação administrativa de atos constitutivos de direitos constitui os beneficiários que desconhecessem sem culpa a existência da invalidade e tenham auferido, tirado partido ou feito uso da posição de vantagem em que o ato os colocava, no direito de serem indemnizados pelos danos anormais que sofram em consequência da anulação.
7 - Desde que ainda o possa fazer, a Administração tem o dever de anular o ato administrativo que tenha sido julgado válido por sentença transitada em julgado, proferida por um tribunal administrativo com base na interpretação do direito da União Europeia, invocando para o efeito nova interpretação desse direito em sentença posterior, transitada em julgado, proferida por um tribunal administrativo que, julgando em última instância, tenha dado execução a uma sentença de um tribunal da União Europeia vinculativa para o Estado português.”
Feito o devido enquadramento jurídico, passemos então a analisar o caso em concreto, e a caracterização da isenção de IMT a que alude a alínea g) do artigo 6º do CIMT.
Quanto a esta questão, acompanhamos o entendimento plasmado na decisão arbitral proferida em 02-11-2023 no âmbito do processo nº 259/2023-T, já antes referida, que a este propósito considerou o seguinte:
“Quanto ao reconhecimento há duas formas de funcionamento do mecanismo de “verificação e declaração” desta isenção, a saber:
a) No caso das aquisições em que o valor que serviria de base à liquidação do IMT, caso este fosse devido, apurado nos termos da regra 5.ª do artigo 12.º, seja igual ou inferior a (euro) 300 000,00 – a isenção é de reconhecimento automático nos termos do nº 8 do artigo 10º do CIMT pelo SF onde é apresentada a declaração, a quem compete a sua verificação e declaração no DUC respectivo. Opera com base na apresentação do Modelo 1 do IMT nos termos do artigo 19º-1 do CIMT que assim funciona como pedido de concessão do benefício fiscal e pedido de liquidação subsequente.
b) No caso das aquisições em que o valor que serviria de base à liquidação do IMT, caso este fosse devido, apurado nos termos da regra 5.ª do artigo 12.º, seja superior a (euro) 300 000,00 – a isenção é de reconhecimento prévio pelo membro do Governo responsável pela área das Finanças ou pelo Director-Geral dos Impostos, uma vez que dos nºs 6 e 7 do artigo 10º do CIMT não parece poder extrair-se quem deles detém ex lege a competência decisória, para a sua verificação e declaração. Opera nos termos do artigo 65º do CPPT por força dos nºs 1 e 2 do artigo 10º do CIMT e parte final do nº 1 e nº 2 ambos do artigo 5º do EBF.
Quanto ao “acto de liquidação” subsequente (ou no caso coetâneo) à “verificação e declaração” da isenção que resultar da apresentação do Requerimento para “reconhecimento prévio” ou da Declaração Modelo 1 do IMT para “reconhecimento automático” refere o nº 1 do artigo 21º do CIMT que se considera para todos os efeitos legais o acto tributário praticado no serviço de finanças competente.
Configura-se que, o acto de reconhecimento da isenção de IMT aqui em causa, será sempre anterior à liquidação (nº 1 do artigo 10º do CIMT) quer o reconhecimento (ou seja, a sua verificação e declaração) ocorra por reconhecimento prévio, quer ocorra por reconhecimento automático.
Parece, pois, que a diferença entre o acto de reconhecimento da isenção, de forma prévia ou de forma automática, consiste apenas em que num caso consta de decisão autónoma e no caso aqui em discussão consta desde logo no DUC (que formaliza a verificação e declaração da isenção e a liquidação do imposto) emitido pelo Serviço de Finanças em coetaneidade.
Aqui chegados, temos que concluir que a isenção aqui em causa (de reconhecimento automático) é uma isenção “dependente de reconhecimento” uma vez que pressupõe um ou mais actos posteriores de reconhecimento que são “ex lege” a sua “verificação e declaração” como literalmente resulta do nº 8 do artigo 10º do CIMT, por força do nº 1 do artigo 5º do EBF.
Cumpre agora apurar se o referido acto de reconhecimento é constitutivo de direitos, partindo do princípio que a isenção aqui em causa foi reconhecida (requerida, verificada e declarada) por erro, como se configura ter ocorrido.
Refere o nº 3 do artigo 163º do CPA que se consideram “constitutivos de direitos os atos administrativos que atribuam ou reconheçam situações jurídicas de vantagem ou eliminem ou limitem deveres, ónus, encargos ou sujeições, salvo quando a sua precariedade decorra da lei ou da natureza do ato”, o que se configura ser o caso quanto à isenção reconhecida, ou seja, verificada e declarada pelo Serviço de Finanças.”
Em face do exposto, é de concluir que a liquidação impugnada, ao ser levada a efeito com base no regime jurídico do nº 4 do artigo 11º do CIMT (caducidade da isenção) e não tendo sido provada, nem sequer alegada pela AT, qualquer “desclassificação” do imóvel, mas apenas um erro na petição e na subsequente atribuição e verificação da isenção, fere a liquidação de IMT de ilegalidade, que justifica a sua anulação nos termos do nº 1 do artigo 163º do CPA.
Para que existisse “desclassificação”, seria necessário que antes tivesse ocorrido a classificação do imóvel, facto que a AT nunca alegou, nem consequentemente provou ter ocorrido, uma vez que se limitou a alegar que nunca ocorreu, nem está em vias de ocorrer, a classificação do imóvel.
Com efeito, o ónus da prova da “desclassificação” do bem em causa cabia à AT, nos termos do nº 1 do artigo 74º da LGT e artigo 342º, nº 1 do Código Civil e esta não logrou fazer prova desse facto (que nem sequer alegou) como lhe competia.
Sendo que, mesmo que assim não se entendesse, considerando que o reconhecimento da isenção ocorreu em 22-06-2015 (cf. alínea C) dos factos provados), na data em que a Requerente foi notificada do projeto de liquidação do IMT (23-03-2022, cf. alínea F) dos factos provados), já se encontravam ultrapassados os prazos para a eventual revisão ou anulação administrativa do ato de isenção, pelo que há que concluir pela ilegalidade da liquidação impugnada, impondo-se a sua anulação como peticionado pela Requerente.
3.2.4. Questões de conhecimento prejudicado
Procedendo o pedido de pronúncia arbitral com fundamento na ilegalidade da liquidação impugnada, fica deste modo, prejudicado o conhecimento das restantes questões suscitadas pela Requerente (cf. artigo 608º, n.º 2 do CPC, ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT).
3.2.5. Pedido de anulação da execução com o nº de processo ...2023...
A Requerente peticiona ainda, para além da anulação da liquidação impugnada, a anulação subsequente da execução com o nº de processo ...2023... .
Afigura-se-nos que a apreciação desta matéria extravasa a competência atribuída aos tribunais arbitrais em matéria tributária, prevista no artigo 2º do RJAT, pelo que se julga improcedente o pedido formulado pela Requerente de anulação da execução com o nº de processo ...2023... .
4. DECISÃO
Nos termos expostos, o Tribunal Arbitral decide:
-
Julgar parcialmente procedente o pedido de pronúncia arbitral deduzido pela Requerente e anular a liquidação de IMT de 08-02-2023, constante do DUC nº..., no valor de € 42.864,00;
-
Julgar improcedente o pedido de anulação da execução fiscal com o nº ...2023... .
5. VALOR DO PROCESSO
A Requerente indicou como valor da causa o montante de € 43.213,93.
Tal valor não foi impugnado pela Requerida, pelo que se fixa o valor do processo em € 43.213,93 € (quarenta e três mil, duzentos e treze euros e noventa e três cêntimos), nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT e do artigo 306.º, n.º 2, do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e) do RJAT e do artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.
6. CUSTAS
Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 2.142,00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária e do disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 5, do citado Regulamento, a pagar pelas partes na proporção dos respectivos de decaimentos, cabendo à Requerida o pagamento de 90% (€ 1.927,80) e à Requerente o pagamento de 10 % (€ 214,20).
Notifique-se.
Lisboa, 20 de fevereiro de 2024
O Árbitro
___________________________
(Carla Almeida Cruz)