SUMÁRIO:
1. “A dedução à colecta de despesas de investigação e de desenvolvimento elegíveis no âmbito do sistema de incentivos fiscais em investigação e desenvolvimento elegíveis no âmbito do sistema de incentivos fiscais em investigação e desenvolvimento empresarial (SIFIDE II), quando haja lugar à imputação da matéria coletável aos sócios (pessoas físicas) de sociedades sujeitas ao regime de transparência fiscal, rege-se pelo disposto nos artigos 90.º e 92.º do Código do IRC e 35.º a 38.º do CFI, não lhes sendo aplicável, assim, o limite estabelecido no artigo 78.º, n.º 7 do Código do IRS”.
2. Assim o determinou o STA no acórdão de 07-06-2023, proferido no processo n.º 1301/12.0BEBRG.
DECISÃO ARBITRAL
A árbitra, Sónia Martins Reis, designada pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formar o Tribunal Arbitral, constituído em 30 de Agosto de 2023, acorda no seguinte:
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Relatório
A..., com o NIF ..., B..., com o NIF ... e C..., com o NIF..., todos com domicílio profissional na Rua ..., número ..., ...-... ..., Santa Maria da Feira, doravante designados por “Requerentes”, vieram deduzir pedido de pronúncia arbitral, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1 a) e 10.º, n.º 1 a) do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária ou “RJAT”), em conjugação com os artigos 1.º e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.
É demandada a Autoridade Tributária e Aduaneira, doravante referida por “AT” ou “Requerida”.
Constitui pretensão dos Requerentes o indeferimento das Reclamações Graciosas apresentadas e as anulações das liquidações de IRS conforme segue:
i) Reclamação Graciosa que tramitou sob o número ...2023... e liquidações e demonstração de acertos de contas relativas aos anos de 2020 e 2021 da qual resultou um reembolso de € 4.308,16 e € 1.531,28, respetivamente, sendo que o indeferimento da reclamação graciosa ocorreu em 28 de março de 2023, esta relativa ao Requerente, A... (Documento n.º 1 constante dos autos);
ii) Reclamação Graciosa que tramitou sob o número ...2023... e liquidações e demonstração de acertos de contas relativas aos anos de 2020 e 2021 da qual resultou um reembolso de € 1.545,40 e € 1.669,75, respetivamente, sendo que o indeferimento da reclamação graciosa ocorreu em 27 de março de 2023, esta relativa à Requerente, B... (Documento n.º 2 constante dos autos);
iii) Reclamação Graciosa que tramitou sob o número ...2023... e liquidações e demonstração de acertos de contas relativas aos anos de 2020 e 2021 da qual resultou um reembolso de € 569,41 e € 1.768,95, respetivamente, sendo que o indeferimento da reclamação graciosa ocorreu em 27 de março, de 2023, relativo ao Requerente, C... (Documento n.º 3 constante dos autos).
A questão controvertida prende-se com o tema da dedutibilidade do benefício fiscal do SIFIDE à colecta de IRS.
O dissídio relaciona-se com a não aceitação por parte da AT da totalidade deste benefício fiscal mencionado no campo 902 do quadro 9 do Anexo D da Modelo 3 do Código do IRS relativo às declarações de IRS apresentadas pelos Requerentes referente ao ano de 2020 e 2021.
In casu o valor do presente pedido arbitral é de € 21.800,18, como correspondendo a IRS liquidado indevidamente, no que não é contrariado pela AT.
Como causa de pedir, os Requerentes alegam, em suma, vícios substantivos, em concreto no que concerne ao tratamento fiscal dado pela AT sobre a não aceitação fiscal do referido benefício fiscal.
Sustentam que a interpretação defendida pela AT não é aceitável. Desde logo, porque o benefício fiscal do SIFIDE não é um benefício fiscal de IRS, mas sim de IRC e, no seu entendimento, é atribuível às sociedades que cumpram os respetivos pressupostos de aplicação, o que é reconhecidamente o caso da sociedade de onde são sócios os Requerentes, sendo essa realidade assumida pela própria AT, que não a questiona.
Que não estando em causa um benefício fiscal de IRS, é indubitável que não será aplicável a limitação prevista no n.º 7 do art.º 78.º do Código do IRS, dado que tal limitação visa apenas as deduções à coleta previstas no próprio Código do IRS, a que acrescem, apenas, os benefícios fiscais aplicáveis em sede IRS, nomeadamente os previstos no Estatuto dos Benefícios Fiscais.
Que se trata de um benefício fiscal de IRC, que deve constar no Anexo D da declaração modelo 22, no Anexo G da IES/DA e, de modo a permitir a imputação ao sócio da sociedade transparente, no Anexo D da declaração modelo 3, Campo 902 do quadro 9, Anexos estes que se encontram corretamente preenchidos.
Que é o próprio normativo que regula o benefício fiscal do SIFIDE (ou seja, os artigos 35.º a 42.º do CFI, aprovado pelo Decreto-Lei 162/2014, de 31 de setembro) sendo que o artigo 38.º do CFI estabelece a respetiva quantificação, que não estipula qualquer limitação à dedução da coleta.
Que o facto de o benefício fiscal de IRC operar, no caso em apreço, através de dedução à coleta do IRS, não significa que se esteja perante um benefício fiscal de IRS, resultando tal dedução ao IRS, tão somente, do modo como se processa a tributação das sociedades abrangidas pelo regime da transparência fiscal, cuja matéria coletável não é tributada em IRC, ao abrigo do artigo 12.º do respetivo Código, mas sim em sede de IRS, na pessoa dos respetivos sócios, conforme disposto no n.º 1 do artigo 6.º do Código do IRC e do n.º 1 do artigo 20.º do Código do IRS.
No seu entender não faz qualquer sentido aplicar a limitação prevista no n.º 7 do artigo 78.º do Código do IRS a um benefício fiscal vigente em sede de IRC, que apenas abrange os sujeitos passivos deste imposto e que apenas se materializa em sede de IRS, no caso em apreço, devido à aplicação de uma técnica tributária sui generis, por se estar perante uma sociedade beneficiária abrangida pelo regime da transparência fiscal, que, como é evidente, não apura coleta de IRC suscetível de absorver benefícios fiscais, este e outros que operem por dedução à coleta do IRC (nomeadamente os previstos no Código Fiscal ao Investimento: RFAI, DLRR e ainda CFEI e ainda o IFR).
Que se está perante um benefício fiscal que, como o próprio nome indica, é regulado por lei especial, a qual, como não poderia deixar de ser, estabelece os respetivos pressupostos de aplicação e as respetivas limitações, sendo que nada aí consta que impeça que o benefício fiscal possa ser usufruído em toda a sua plenitude.
Cita diversa jurisprudência arbitral no sentido do que vem alegar.
Pelo que pugna, a final, pelo deferimento das Reclamações Graciosas apresentadas e pela anulação das liquidações de IRS referentes aos anos de 2020 e 2021.
O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi apresentado em 22 de Junho de 2023, tendo sido o Tribunal Arbitral constituído em 30 de Agosto de 2023 e tendo o processo seguido a sua normal tramitação.
Em conformidade com os artigos 5.º, n.º 3, alínea a), 6.º, n.º 2, alínea a) e 11.º, n.º 1, alínea a), todos do RJAT, o Exmo. Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou a árbitra do Tribunal Arbitral Singular, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável.
As Partes, notificadas dessa designação, em 09 de Agosto de 2023, não se opuseram, nos termos dos artigos 11.º, n.º 1, alíneas a) e b) e 8.º do RJAT, 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD.
A Requerida veio contestar por impugnação alegando, em síntese, como segue.
Sustenta que os Requerentes não têm direito a usufruir, na sua esfera pessoal, de qualquer dedução à coleta gerada na esfera da sociedade transparente em que participa, porque a reclamada imputação da dedução do benefício fiscal SIFIDE II, por efeito do disposto no artigo 90.º, n.º 5, do Código do IRC defraudaria os objetivos do regime de transparência fiscal e extravasaria os limites da regulamentação deste benefício fiscal.
Que quando o sócio da entidade transparente é uma pessoa singular as deduções à coleta que lhe são imputadas, nos termos do artigo 90.º, n.º 5 do Código do IRC, ficam subordinadas aos limites estabelecidos no artigo 78.º do Código do IRS, in casu, do n.º 7, dado que inexiste no Código do IRS qualquer previsão específica sobre o tratamento de tais deduções, seja a título de benefícios fiscais ou de outra natureza.
Que se o sócio da entidade transparente é uma sociedade, as deduções a título de benefícios fiscais ao investimento e do SIFIDE que lhe são imputadas, nos termos do artigo 90.º, n.º 5, ficando sujeitas às regras previstas neste artigo do Código do IRC e, bem assim, as constantes do Código Fiscal do Investimento e da regulamentação complementar.
Que não se pode dar como adquirido que, em resultado da aplicação do artigo 90.º, n.º 5, os sócios possam sempre invocar o direito a deduzir à coleta do IRS (e do IRC) um montante equivalente ao produto da multiplicação das deduções à coleta que a entidade transparente teria direito pela percentagem de participação no capital detido.
E que nas sociedades sujeitas ao regime de transparência fiscal, designadamente nas sociedades de profissionais, como é o caso da sociedade na qual os Requerentes têm uma participação social, a matéria coletável é apurada nos termos do CIRC, sendo ulteriormente imputada aos sócios e tributada, em sede de IRS, de acordo com o regime aplicável a esses mesmos sócios.
Pelo que alega que apesar do nº 1 do artigo 38º do CFI circunscrever as deduções do SIFIDE à coleta de IRC, por força do disposto nas disposições conjugadas do nº 5 do artigo 90º do CIRC e dos nºs 1 e 2 do art. 20º do CIRS, os sócios das sociedades transparentes podem deduzir os benefícios fiscais SIFIDE na coleta de IRS.
No entanto, o apuramento da coleta é efetuado de acordo com o procedimento de liquidação de IRS, englobando-se os rendimentos líquidos categoria B com os restantes rendimentos para determinação da taxa geral de IRS a aplicar.
Ou seja, sustenta que o montante apurado com base na matéria coletável que tenha tido em consideração a imputação prevista no mesmo artigo, a que alude o nº 5 do art. 90º do CIRC, tem de assentar – e assentou no caso em apreço - no procedimento de liquidação de IRS, previsto no CIRS e, designadamente, no que para aqui releva, no regime das deduções à coleta previstos neste Código.
E que se o legislador quisesse que as deduções do SIFIDE, em sede de IRS, tivessem um tratamento específico, teria autonomizado e regulado essas dedutibilidade, como, aliás, o fez para o Programa Semente, no artigo 43º-A do EBF, estabelecendo parâmetros que escapam ao disposto no artigo 78º do CIRS.
Cita um voto de vencido proferido na decisão arbitral no processo arbitral n.º 432-2021-T.
Pugna, a final, pela correta decisão sobre os processos de indeferimento que recaíram sobre os procedimentos graciosos que no seu entender fizeram a correta aplicação dos factos à lei, devendo, em consequência, manter-se as liquidações controvertidas na ordem jurídica.
Entendeu o Tribunal por despacho arbitral dispensar a realização da reunião do Tribunal Arbitral prevista no artigo 18.º do RJAT, face à mera questão de direito em causa nos autos, e à não especial complexidade no plano da tramitação processual, o que não mereceu oposição das partes. Ambas as partes foram igualmente notificadas para apresentar alegações simultâneas, querendo, tendo ambas optado por fazê-lo.
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Saneamento
O Tribunal foi regularmente constituído e é competente em razão da matéria, à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º, n.º 3, alínea a), 6.º, n.º 2, alínea a) e 11.º, n.º 1, todos do RJAT.
As Partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e encontram-se regularmente representadas (cf. artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).
O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo, porque apresentado no prazo de 90 dias previsto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a) do RJAT.
Não foram identificadas questões que obstem ao conhecimento do mérito.
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Fundamentação
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Dos Factos
Com relevo para a decisão, importa atender aos seguintes factos que se consideram provados:
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Em 22 de Junho de 2023, a Requerida foi notificada da apresentação do pedido de pronúncia arbitral – cf. registo de entrada no SGP do CAAD.
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Os Requerentes são os únicos sócios de uma sociedade de transparência fiscal, denominada de “D..., Lda”, NIPC..., com sede na Rua ..., número ..., ...-... ..., freguesia de ..., concelho de Santa Maria da Feira, distrito de Aveiro.
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O capital social da referida sociedade é de 7.500 Euros, sendo que cada um dos sócios é detentor de uma quota no valor nominal de 2.500 Euros.
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Em 2020, aquela sociedade efetuou investimento no capital do Fundo de Capital de Risco (FCR) “E...” de que resultou um benefício fiscal (SIFIDE) de 82.500 Euros, calculado nos termos do n.º 1 do artigo 38.º do Decreto-Lei n.º 162/2014, de 31/10 (Código Fiscal ao Investimento – CFI), (cfr. Documento n.º 4 junto aos autos).
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A referida sociedade no ano de 2020, apresentou na sua declaração Modelo 22 do IRC, matéria coletável de 82.880,63 Euros, (cfr. Documento n.º 5 junto aos autos).
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A matéria coletável apurada no ano de 2020 foi imputada a cada um dos sócios na proporção das suas quotas, nos termos do artigo 6.º do CIRC, cabendo a cada um dos sócios, (cfr. Documento n.º 6 junto aos autos). a. A...o valor de 33.152.25 Euros; b. B... o valor de 24.864,19 Euros; c. C... o valor de 24.864,19 Euros.
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Por sua vez, o valor total do benefício fiscal, SIFIDE, correspondente ao ano de 2020, foi de 16.404,93 Euros, de acordo com o seguinte: (cfr. Documento n.º 7 junto aos autos) a. Matéria coletável: 82.880,63 Euros b. Coleta: 17% * 25.000 + 21 * 57.880.63 = 16.404,93 Euros.
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Por deliberação de sócios foi imputado a cada um o montante que a seguir se discrimina: A... o valor de 6.561.97 Euros; B... o valor de 4.921,48 Euros; C... o valor de 4.921,48 Euros.
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Dado que a coleta do ano de 2020, não absorveu a totalidade do benefício fiscal, transitou para o ano de 2021 o remanescente no valor de 66.095.07 Euros.
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No ano de 2021, de acordo com a declaração modelo 22, a sociedade de transparência fiscal apurou matéria coletável no montante de 79.330,99 Euros (cfr. Documento n.º 8 junto aos autos).
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A matéria coletável apurada no ano de 2021 foi imputada a cada um dos sócios na proporção das suas quotas, nos termos do artigo 6.º do CIRC, cabendo a cada um dos sócios: a. A... o valor de 26.443.67 Euros; b. B... o valor de 26.443,66 Euros; c. C... o valor de 26.443,66 Euros.
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Por sua vez, o valor total do benefício fiscal, SIFIDE, correspondente ao ano de 2021, seria de 16.404,93 Euros, de acordo com o seguinte: a. Matéria coletável: 79.330.99 Euros b. Coleta: 17% * 25.000 + 21 * 54.330,99 = 15.659,51 Euros.
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O que corresponde a cada um dos sócios, um montante de 5.219.84 Euros, ou seja, o 1/3 daquele valor total. (cfr. Documento n.º 7 junto aos autos).
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Dado que a coleta do ano de 2021, ainda não tinha absorvido o restante do benefício fiscal, transitou para o ano de 2022 o remanescente no valor de 50.435.56 Euros.
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Cada um dos sócios mencionou na sua declaração de rendimentos Modelo 3 do IRS, os rendimentos assim imputados a cada um dos anos, 2020 e 2021. (cfr. Documentos 9.1, 9.2 e 9.3 junto aos autos).
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E, no anexo D da Modelo 3 do IRS, campo 902, quadro 9, cada um dos sócios mencionou o correspondente benefício fiscal, respeitante a cada um dos anos de 2020 e 2021.
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Recebidas, por cada um dos sócios, as liquidações do IRS do ano de 2020, verificou-se que não foi considerada a totalidade do benefício fiscal mencionado no campo 902 do quadro 9 do Anexo D da Modelo 3 do CIRS. (cfr. Documento n.º 10 junto aos autos).
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Em 28 de fevereiro de 2022, – Processo n.º ...2021... - Notificação de Decisão Final – Reclamação Graciosa, a AT dá razão aos Requerentes, no que se refere ao benefício fiscal – SIFIDE, mas alterando a imputação de rendimentos e respetivo benefício fiscal, a cada um dos sócios, na proporção das suas quotas.
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Nas liquidações de IRS, relativas ao ano de 2021, verificou-se que não foi considerado o benefício fiscal, de cada um, na respetiva liquidação, apesar de ter sido mencionado no campo 902, do quadro 9 do Anexo D à declaração Modelo 3 de IRS. (cfr. Documento n.º 12 junto aos autos).
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Por não concordarem com as mesmas entenderam em janeiro de 2023, reclamar das referidas liquidações, conforme Reclamação Graciosa apresentada (cfr. Documento n.º 15 junto aos autos).
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Em 24 de março de 2023 a AT notificou, cada um dos Requerentes, da Decisão Final – Reclamação Graciosa, decidindo pelo seu indeferimento (cfr. Documentos n.ºs 1, 2 e 3 junto aos autos).
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No que concerne ao Requerente A..., por referência às liquidações de IRS dos anos de 2020 e 2021, o valor peticionado a reembolsar é de, respetivamente, € 3.394,28 e € 3.705,81; à Requerente B..., por referência às liquidações de IRS dos anos de 2020 e 2021, o valor peticionado a reembolsar é de, respetivamente, € 3.960,49 e € 3.568,90; ao Requerente C..., por referência às liquidações de IRS dos anos de 2020 e 2021, o valor peticionado a reembolsar é de, respetivamente, € 3.699,89 e € 3.470,81 (contas apuradas pelos Requerentes nos autos arbitrais e não contestadas pela Requerida).
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Em discordância com as liquidações em crise nos autos, os Requerentes apresentaram junto do CAAD, em 22-06-2023, o pedido de constituição do Tribunal Arbitral que deu origem ao presente processo.
2. Factos Não Provados
Não existem factos com relevo para a decisão de mérito dos autos que não se tenham provado.
3. Fundamentação da Decisão da Matéria de Facto
Quanto aos factos essenciais a matéria assente encontra-se conformada de forma idêntica por ambas as partes e a convicção do Tribunal formou-se com base nos elementos documentais (oficiais) juntos ao processo e acima discriminados cuja autenticidade e veracidade não foi questionada por nenhuma das partes.
De referir que o Tribunal não tem o dever de pronúncia sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de selecionar apenas a que interessa para a decisão, levando em consideração a causa (ou causas) de pedir que fundamenta(m) o pedido formulado pelo Requerente enquanto autor (cfr. artºs.596º, nº.1 e 607º, nºs. 2 a 4, do C.P. Civil, na redação que lhe foi dada pela Lei 41/2013, de 26/6) e consignar se a considera provada ou não provada (cfr.artº.123.º, nº.2, do CPPT).
Segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal baseia a sua decisão, em relação às provas produzidas, na sua íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a sua experiência de vida e de conhecimento das pessoas (cfr. artº. 607º, nº.5, do C.P. Civil, na redação que lhe foi dada pela Lei nº 41/2013, de 26/6). Somente quando a força probatória de certos meios se encontra pré-estabelecida na Lei (v.g. força probatória plena dos documentos autênticos - cfr.artº.371º,
do Código Civil) é que não domina na apreciação das provas produzidas o princípio da livre apreciação.
Os factos pertinentes para o julgamento da causa foram escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, em face das soluções plausíveis das questões de direito, nos termos da aplicação conjugada dos artigos 123.º, n.º 2 do CPPT, 596.º, n.º 1 e 607.º, n.º 3 do Código de Processo Civil (“CPC”), aplicáveis por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e) do RJAT.
No que se refere aos factos provados, a convicção do Tribunal fundou-se, essencialmente, na análise crítica da prova documental junta aos autos.
2. De Direito
Como referido, o dissídio em causa nos autos prende-se com o tema da dedutibilidade em sede de IRS dos montantes relativos às deduções à coleta em sede de SIFIDE numa sociedade sujeita ao regime da transparência fiscal.
Ora, considerando o benefício fiscal do SIFIDE importa no que é relevante para o presente litígio referir que o artigo 38.º do CFI determina que: “1- Os sujeitos passivos de IRC residentes em território português que exerçam, a título principal, uma atividade de natureza agrícola, industrial, comercial e de serviços e os não residentes com estabelecimento estável nesse território podem deduzir ao montante da coleta despesas com investigação e desenvolvimento, na parte que não tenha sido objeto de comparticipação financeira do Estado a fundo perdido, realizadas nos períodos de tributação com início entre 1 de janeiro de 2014 e 31 de dezembro de 2025, numa dupla percentagem: a) Taxa de base – 32,5% das despesas realizadas naquele período; b) Taxa incremental – 50% do acréscimo das despesas realizadas naquele período em relação à média aritmética simples dos dois exercícios anteriores, até ao limite de ( euro) 1 500 000,00; 2 – Para os sujeitos passivos de IRC que se enquadrem na categoria das micro, pequenas ou médias empresas, tal como definidas na Recomendação n.º 2003/361/CE, da Comissão de 6 de maio de 2003, que ainda não completaram dois exercícios e que não beneficiaram da taxa incremental fixada na alínea b) do número anterior, aplica-se uma majoração de 15% à taxa fixada na alínea a) do número anterior. 3 – A dedução é feita, nos termos do artigo 90.º do Código do IRC, na liquidação respeitante ao período de tributação mencionado no número anterior.”
Por sua vez, o artigo 90.º do Código do IRC determina na alínea a) do n.º 1 o seguinte: “a) Quando a liquidação deva ser feita pelo sujeito passivo nas declarações a que se referem os artigos 120.º e 122.º, tem por base a matéria coletável que delas conste”. A alínea c) do n.º 2 deste artigo estabelece que “Ao montante apurado nos termos do número anterior são efectuadas as seguintes deduções, pela ordem indicada: c) A relativa a benefícios fiscais”. Acresce que nos termos do n.º 5 ainda deste artigo lê-se “5- As deduções referidas no n.º 2 respeitantes a entidades a que seja aplicável o regime de transparência fiscal estabelecido no artigo 6.º são imputadas aos respetivos sócios ou membros nos termos estabelecidos no n.º 3 desse artigo e deduzidas ao montante apurado com base na matéria coletável que tenha em consideração a imputação prevista no mesmo artigo.”
Já o artigo 78.º do CIRS na sua redação de 2020 e de 2021 determinava na alínea k) do n.º 1 e no n.º 7 o seguinte: “1 - À coleta são efetuadas, nos termos dos artigos subsequentes, as seguintes deduções relativas: k) Aos benefícios fiscais. 7 - A soma das deduções à coleta previstas nas alíneas c) a h) e k) do n.º 1 não pode exceder, por agregado familiar, e, no caso de tributação conjunta, após aplicação do divisor previsto no artigo 69.º, os limites constantes das seguintes alíneas: (Redação da Lei n.º 7-A/2016 de 30 de março)
a) Para contribuintes que tenham um rendimento coletável igual ou inferior ao valor do 1.º escalão do n.º 1 artigo 68.º, sem limite; (Redação da Lei n.º 42/2016, de 28 de dezembro)
b) Para contribuintes que tenham um rendimento coletável superior ao valor do 1.º escalão e igual ou inferior ao valor do último escalão do n.º 1 do artigo 68.º, o limite resultante da aplicação da seguinte fórmula:(Redação da Lei n.º 42/2016, de 28 de dezembro)
€ 1 000 + [€ 2 500 - € 1 000) x [valor do último escalão - Rendimento Coletável]]
valor do último escalão - valor do primeiro escalão;
c) Para contribuintes que tenham um rendimento coletável superior ao valor do último escalão do n.º 1 do artigo 68.º, o montante de € 1 000. (Redação da Lei n.º 42/2016, de 28 de dezembro)”.
Como referido em sede Decisão Arbitral de 27-09-2023 em sede do Processo n.º 260/2023 – T “O artigo 38.º do CFI estabelece a dedução do benefício fiscal do SIFIDE à coleta do IRC, com remissões para o artigo 90.º do CIRC. O n.º 2 do artigo 90.º do CIRC, que indica as deduções em sede de IRC, inclui a dedução relativa a benefícios fiscais. […] “O artigo 38.º, n.º 1, do CFI e este n.º 5 do artigo 90.º do CIRC estabelecem um regime especial de dedução do SIFIDE à colecta de IRS, que, no seu específico domínio de aplicação, prevalece sobre o regime geral de deduções à colecta previsto no artigo 87.º do CIRS. Trata-se de um regime «completo, no que respeita às regras de apuramento e imputação dos rendimentos auferidos por sociedades sujeitas ao regime de transparência fiscal. Abrangendo o momento inicial de obtenção desse rendimento e a fase final de dedução à colecta previamente determinada». «Aceitar uma limitação posterior fundada nas regras próprias de apuramento e liquidação do IRS, implicaria a distorção do regime de transparência fiscal. Na medida em que removeria a neutralidade que lhe é inerente e que constitui seu edifício teleológico». «Em sede de IRS uma tal limitação não deixaria de se caracterizar como uma inadmissível intromissão nas regras próprias e específicas do regime de transparência fiscal, o qual é regulado num bloco normativo autónomo. Ao normativo do IRS cabe apenas a recepção dos valores (matéria colectável e dedução à colecta) imputáveis nos termos do Código do IRC». (decisão arbitral proferida no processo n.º 336/2020-T).Assim, tratando-se de transpor para os sócios das sociedades transparentes os benefícios fiscais que usufruiriam se se fossem sócios de sociedades opacas, a determinação do montante das deduções terá as limitações previstas para as sociedades opacas, designadamente os limites máximos previstos nas várias normas que prevêem benefícios fiscais que operam por dedução à colecta de IRS, que no caso do SIFIDE é o artigo 38.º, n.º 1, do CFI. A adequada ponderação relativa dos conflituantes interesse público na obtenção de receitas fiscais da tributação e interesse extrafiscal que justifica o benefício fiscal está feita nas normas que limitam o benefício fiscal em sede de IRC, neste caso do SIFIDE no artigo 38.º, n.º 1, do CFI. No caso das sociedades transparentes não há propriamente colecta de IRC, pois só são tributadas em IRS (para além de tributações autónomas), mas o n.º 5 do artigo 90.º do CIRC pressupõe que a colecta de IRC seja calculada virtualmente, para poder ser determinado o montante que é imputado aos sócios.” E continuou seguindo a jurisprudência do STA no acórdão de 07-06-2023, processo n.º 1301/12.0BEBRG, que «a dedução à colecta de despesas de investigação e de desenvolvimento elegíveis no âmbito do sistema de incentivos fiscais em investigação e desenvolvimento empresarial (SIFIDE II), quando haja lugar à imputação da matéria colectável aos sócios (pessoas físicas) de sociedades sujeitas ao regime de transparência fiscal, rege-se pelo disposto nos artigos 90.º e 92.º do Código do IRC e 35.º a 38.º do CFI, não lhes sendo aplicável, assim, o limite estabelecido no artigo 78.º, n.º 7, do Código do IRS».
Nos termos do referido acórdão do STA que veio firmar jurisprudência a este respeito determinou-se claramente que “A dedução à colecta de despesas de investigação e de desenvolvimento elegíveis no âmbito do sistema de incentivos fiscais em investigação e desenvolvimento elegíveis no âmbito do sistema de incentivos fiscais em investigação e desenvolvimento empresarial (SIFIDE II), quando haja lugar à imputação da matéria coletável aos sócios (pessoas físicas) de sociedades sujeitas ao regime de transparência fiscal, rege-se pelo disposto nos artigos 90.º e 92.º do Código do IRC e 35.º a 38.º do CFI, não lhes sendo aplicável, assim, o limite estabelecido no artigo 78.º, n.º 7 do Código do IRS”.
Assim, resulta claramente da jurisprudência do STA e do próprio CAAD que deve ser considerada a dedução do SIFIDE nos termos do disposto nos artigos 90.º e 92.º do Código do IRC e 35.º a 38.º do CFI, no caso de imputação da matéria coletável aos sócios de sociedades sujeitas ao regime de transparência. Pelo que, no presente litígio deveria a dedução do SIFIDE ter sido efetuada nestes termos, não sendo aplicável o limite de dedução prevista no n.º 7 do artigo 78.º do Código do IRS.
Pelo que, não se pode senão concluir pela anulação do indeferimento das Reclamações Graciosas com os números ...2023..., ...202... e ...2023..., e, pela anulação das liquidações de IRS referente aos anos de 2020 e 2021.
Quanto ao pedido da restituição do imposto pago, acrescido de juros indemnizatórios
Procedendo o pedido e tendo os Requerentes pago o imposto que se veio a revelar indevido, têm estes direito a juros indemnizatórios.
O regime dos juros indemnizatórios consta do artigo 43.º, da LGT, cujo n.º 1 estabelece que “São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.”
Ora, tal situação corresponde à do dissídio em causa.
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Decisão
À face do exposto, acorda este Tribunal Arbitral em:
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Anular o indeferimento das Reclamações Graciosas com os números ...2023..., ...2023... e ...2023..., e, bem assim, anular as liquidações de IRS referente aos anos de 2020 e 2021 que constam dos Documentos n.º 10 e 11 juntos pelos Requerentes nos autos arbitrais, na medida do peticionado no seu PPA.
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Condenar a Requerida ao pagamento de juros indemnizatórios, provando-se o pagamento do imposto indevidamente liquidado.
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Condenar a Requerida nas custas do processo, por ter dado azo à ação.
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Valor da Causa
Fixa-se ao processo o valor de € 21.800,18, por ser aquele que corresponde ao valor das liquidações de IRS cuja anulação se pretende, nos termos do disposto no artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1 alínea a) do RJAT, e do artigo 3.º, n, º 2, do RCPAT.
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Custas
Fixa-se o montante das custas em € 1.224,00, em conformidade com a Tabela I anexa ao RCPAT, a cargo da Requerida.
Notifique-se.
Lisboa, 26 de Fevereiro de 2024
A árbitra,
Sónia Martins Reis