Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 320/2023-T
Data da decisão: 2024-02-22  IRS  
Valor do pedido: € 48.311,12
Tema: IRS-regime fiscal aplicável ex- residentes – aplicação da alínea a) do nº 1 do art. 2º-A do CIRS aos contribuintes com estatuto de residência parcial-momento em que o contribuinte perde o estatuto de residente em território nacional.
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SUMÁRIO:

1-Nos termos da alínea a) do nº 1 do art. 12º-A do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (CIRS),  na redação do art. 278º da Lei nº 12 /2022, de 27/6, só podem beneficiar da exclusão da tributação de 50 % dos rendimentos do trabalho dependente, empresariais ou profissionais os sujeitos passivos que, tornando-se fiscalmente residentes, nos termos dos nº 1 e 2 do art. 16º  no ano de 2021,  não tenham sido considerados residentes em território português em qualquer dos três anos anteriores.

2-Em caso de residência parcial, nos termos dos nº 3 do art. 15º e 6 e 7 do art. 16º, a perda da qualidade de residente ocorre no último dia da permanência em território português, ainda quando seja anterior ao termo do ano civil.

 

 

DECISÃO ARBITRAL

 

  1. RELATÓRIO

 

  1. 1.  Requerente

A..., titular do NIF ..., residente em Lisboa.

 

I .2.  Requerida

Autoridade Tributária e Aduaneira (AT).

 

II-Objeto do pedido de pronúncia arbitral .

Pretende o Requerente a anulação do indeferimento da reclamação graciosa, de 30/1/2023 da liquidação de IRS nº 2022..., no valor de € 48.311,12, relativa ao período de tributação de 26/7/2021 a 31/1/2021.

 

III- Tramitação e constituição do Tribunal Arbitral.

1-O pedido foi enviado ao CAAD a 4/5/2023, tendo nesse mesmo dia encaminhado para a AT , tendo observado as disposições legais e regulamentares aplicáveis.

 

2- O Requerente, nos termos do art. do RJAT, nomeou para árbitro o prof. Tomás Castro Tavares.

 

3-A 13/7/2023, a AT indicaria para árbitro o jurista António de Barros Lima Guerreiro.

 

4- A 5/9/2023, seriam juntas ao processo os termos de designação e aceitação dos árbitros.
 

5- A 25/9/2023, despacho do presidente do Conselho Deontológico procederia à constituição do tribunal arbitral, tendo designado para Presidente a conselheira Fernanda Maçãs.

 

6- A 26/9/2023, a Presidente do Tribunal Arbitral emitiria o seguinte despacho “ Nos termos do previsto nos n.ºs 1 e 2 do art. 17.º do RJAT, notifique o dirigente máximo do serviço da administração tributária, para, no prazo de 30 dias, apresentar resposta e, caso queira, solicitar a produção de prova adicional-

 

7- A 3/11/2023, o Requerente solicitaria ao Tribunal Arbitral a ampliação do pedido em ordem a abranger a liquidação do IRS de 2022. … a ampliação da instância para que a mesma passe a integrar a liquidação 2023..., com prazo de pagamento até 6 de setembro de 2023, no valor de € 3.853,91.

 

8- A 8/11/23, a Requerida opor-se-ia a essa ampliação da instância, argumentando que contraria o princípio da estabilidade da causa, como vem reconhecido no nº 2 do art. 265º do Código do  Processo  Civil(CPC) e na Decisão Arbitral nº 40/2019-T.

 

9-A 12/12/2023, o despacho do Presidente do Tribunal Arbitral remeteria para a sentença a decisão sobre a ampliação do pedido.

 

10- A 21/11/2023, apenas a Requerente apresentou alegações.

 

IV. PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS

1.         O tribunal arbitral foi regularmente constituído.

2.         As Partes gozam de personalidade e de capacidade judiciárias, são legítimas, e encontram-se regularmente representadas.

3-Colocam-se as questões prévias de possibilidade legal de cumulação e ampliação de pedidos.

 

Nos termos do nº 1 do art. 3º do RJAT, no processo arbitral tributário, a cumulação de pedidos ainda que relativos a diferentes actos e a coligação de autores são admissíveis quando a procedência dos pedidos dependa essencialmente da apreciação das mesmas circunstâncias de facto e da interpretação e aplicação dos mesmos princípios ou regras de direito.

O RJAT admitiria, assim, a coligação de pedidos em termos mais amplos do que a redação então em vigor do art. 104º do CPPT, nos termos do qual, na impugnação judicial podem, nos termos legais, cumular-se pedidos e coligar-se os autores em caso de identidade da natureza dos tributos, dos fundamentos de facto e de direito invocados e do tribunal competente para a decisão.

Segundo a nova redação do nº 1 do art. 104º do CPPT, dada pelo art. 3º da Lei nº 118/2019, de 17/9, na impugnação judicial é admitida a cumulação de pedidos, ainda que relativos a diferentes atos, e a coligação de autores, desde que, cumulativamente:

  1. Aos pedidos corresponda a mesma forma processual; e
  2.  A sua apreciação tenha por base as mesmas circunstâncias de facto ou o mesmo relatório de inspeção tributária, ou sejam suscetíveis de ser decididos com base na aplicação das mesmas normas a situações de facto do mesmo tipo.

Segundo o Acórdão do STA, de 23/10/2013, proc. 0150/13, a cumulação de pedidos deve ser solicitada em articulado próprio e decidida após contraditório, que foi observado no presente processo arbitral.

Nos termos  da alínea a) do nº 1 do art. 12º-A do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (CIRS), na redação do art. 278º da Lei nº 12 /2022, de 27/6, só podem beneficiar da exclusão da tributação de 50 % dos rendimentos do trabalho dependente, empresariais ou profissionais os sujeitos passivos que, tornando-se fiscalmente residentes, nos termos dos nº 1 e 2 do art. 16º  no ano de 2021,  não tenham sido considerados residentes em território português em qualquer dos três anos anteriores.

O nº 2 dessa norma excluiria da aplicação do benefício os sujeitos passivos que tivessem solicitado a sua inscrição como residentes não habituais.

A norma transitória do art. 280º dessa Lei disporia a nova redação introduzida no 12.º-A do  CIRS aplicar-se aos rendimentos auferidos no primeiro ano em que o sujeito passivo reúna os requisitos previstos no seu n.º 1 e nos quatro anos seguintes, cessando a sua vigência após a produção de todos os seus efeitos em relação aos sujeitos passivos que apenas  vierem  a preencher tais requisitos em 2023.

A liquidação do ano de 2022, com exclusão da redução de 50 por cento dos rendimentos do trabalho dependente, decorre diretamente de a AT ter considerado, como resulta  da fundamentação do ato impugnado,  o indeferimento da reclamação graciosa da autoria do chefe do chefe do  7º serviço de finanças do concelho de Lisboa,  que integra o Documento   nº 1 anexo á PI,  o Requerente não preencher o requisito exigido na   alínea a) do nº 1 do art. 12º- A do CIRS-  não ter sido fiscalmente residente  nos três anos anteriores a 2021, com a consequente exclusão do regime fiscal dos ex-residentes a que se referem o nº 1º do art. 12º-A do CIRS.

Assim, existe a identidade das circunstâncias de fato e das normas jurídicas que fundamentaram o ato impugnado exigida legalmente para a cumulação de pedidos.

 

Quanto à ampliação do pedido, refere o art.  63º do CPTA:

“Até ao encerramento da discussão em primeira instância, o objeto do processo pode ser ampliado à impugnação de atos que venham a surgir no âmbito ou na sequência do procedimento em que o ato impugnado se insere, assim como à formulação de novas pretensões que com aquela possam ser cumuladas. (…)”

Segundo, não  apenas o Acórdão do STA  de 23/10/2013,  proc. 0150/13, como os Acórdãos de 29/6/11, proc. 30/11, e de 15/5/2013, proc. ‘01476/12, em sede de impugnação judicial, perante factos supervenientes que impliquem conhecimento de vícios que o impugnante não podia conhecer no momento da apresentação da petição inicial, é admissível a ampliação do pedido e da causa de pedir, nos termos do disposto no art. 63º do CPTA, ex vi art. 2º, al. e), do CPPT, assim se permitindo ao impugnante invocar novos factos ou imputar novos vícios ao acto impugnado.

Ora, o pedido de ampliação do objeto foi apresentado a 3/11/2023, no mesmo dia em que as partes foram notificadas para apresentação de alegações, motivo pelo qual deve ser considerado tempestivo. Com efeito, a discussão da causa apenas terminaria com a apresentação das alegações

Como ficou consignado na Decisão Arbitral, proferida no processo n.º 699/2019-T, “Nos termos do disposto no artigo 63.º, n.º1, do CPTA até ao encerramento da discussão em primeira instância, o objeto do processo pode ser ampliado à impugnação de atos que venham a surgir no âmbito ou na sequência do procedimento em que o ato impugnado se insere”. É precisamente o que acontece no caso em apreço, não havendo sequer alteração da causa de pedir. Pela mesma razão mantém-se o valor da causa.

Termos em que deve ser considerado procedente o pedido de ampliação. 

 

 V- POSIÇÃO DA REQUERENTE

A Requerente sustenta, em primeiro lugar, a ausência de fundamentação da liquidação impugnada, que seria extensiva aos atos preparatórios, incluindo a recusa de processamento da declaração modelo 3 de IRS, que precedeu o ato tributário impugnado.

Tal fundamentação resulta  do nº 6 da informação do 7º do serviço de finanças do concelho de Lisboa prestada  no âmbito do processo de reclamação graciosa nº ...2023... em que se baseou o indeferimento impugnado de 30/1/2023, “Considerando-se que os requisitos enunciados na lei   são cumulativos, não encontra  reunido o previsto  na alínea a) do nº 1 do art. 12, -A  do CIRS, isto é, o contribuinte teve residência parcial em Portugal no ano de 2018”, não implica o cumprimento do dever legal de fundamentação imposto no nº 1 do art. 77º da LGT. 

A Requerente sustenta que a comunicação da fundamentação do ato não contem a fundamentação legalmente exigida, nos termos do nº 1 do art. 37º do CPPT.

Finalmente considera a Requerente que preenche os requisitos, nomeadamente, a não residência em território nacional nos três anos anteriores - 2018, 2019 e 2020-, pelo que deveria ser -lhe  aplicado o regime do art. 12º- A do CIRS.

Com efeito, nos termos do art.º 20.º do CPPT, os prazos do procedimento tributário contam-se de modo contínuo e nos termos do artigo 279.º do Código Civil, transferindo-se o seu termo, quando os prazos terminarem em dia em que os serviços ou os tribunais estiverem encerrados, para o primeiro dia útil seguinte.

No presente caso, tal significa que o prazo de 3 anos de ‘não residência’ se conta nos moldes já acima referidos.

Essa disciplina não pode ser alterada sem uma remissão expressa – realizada pelo legislador – para uma outra forma de apuramento do prazo

 

VI-POSIÇÃO DA REQUERIDA

 Para a Requerida, a liquidação impugnada foi fundamentada. Tal fundamentação consta aliás  do alerta de 30/3/2022,  informando –  dessa anomalia da declaração apresentada, que impediria o seu imediato processamento e que apenas seria  suprida com a apresentação da declaração de substituição que originaria a liquidação impugnada.

Tal fundamentação consta aliás do alerta de 30/3/2022, informando –  dessa anomalia da declaração apresentada, que impediria o seu imediato processamento e que apenas seria  suprida com a apresentação da declaração de substituição- que originaria a liquidação impugnada.

Com efeito, segundo a Requerida, a 30/06/2022, o Requerente apresentou uma declaração de IRS de substituição - ...-2021-...-... - em que declarou ser residente em Portugal, com residência fiscal parcial de 1/07/2021 a 31/12/2021, que originou imposto a pagar no valor de € 48.311,12. 18.

Segundo a Requerida, o acto tributário impugnado está fundamentado, nos termos do nº 2 do art. 77º da LGT, de acordo com o qual a fundamentação dos actos tributários pode ser efectuada de forma sumária, devendo sempre conter as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo. Na verdade, a fundamentação da liquidação consta de respetiva Demonstração, que foi aliás, processada com referência partir dos dados das declarações modelo do ano de 2021.

O dever de audição prévia foi, por outro lado, cumprido, já que, nos termos da alínea a) do nº 2 do art. 60º da LGT, a liquidação foi efetuada com base na declaração do contribuinte, nos termos da alínea a) do nº 2 do art. 60º da LGT.

Não se considera, por outro lado, omitido o dever de comunicação da fundamentação legalmente exigida ou outros requisitos previstos nas leis tributárias, a que se refere o nº 1 do art. 37º .

 

Verificando-se, por outro lado que o Requerente apenas em 10/5/2018  alterou a sua residência para o estrangeiro (Reino Unido), deve ser considerado residente em Portugal desde 1/1/18 até à sua alteração de domicílio para o Reino Unido, pelo que não se verificam os pressupostos para aplicação do regime fiscal previsto para os ex-residentes, nos termos do artigo 12.º - A do CIRS, e consequentemente, não se verifica qualquer ilegalidade na liquidação contestada.  Essa a posição a que a AT está vinculada internamente (Ofício- Circulado nº 20.210, de 15/4/2019, do Gabinete da Subdiretora- geral do IRC e das Relações Internacionais).

 Assim, a alínea a) do nº 1 do art. 12ºA   remeteria para um estatuto de residente reportado ao ano civil e cujos pressupostos são apurados no seu termo.

 O que inculca que, também à luz desta norma, a determinação do estatuto de residente “em qualquer um dos três anos anteriores” se reportará ao que se verificar no último dia daqueles anos, independentemente, portanto, do exato dia em que, no decurso desse ano, obteve o estatuto de residente.  Com efeito, o art.  143º determina o ano fiscal coincidir com o ano civil-

Por outro lado, é também evidente que, quando se quer referir a períodos de 12 meses, o legislador não utiliza o termo “ano”, mas utiliza textualmente a expressão “período de 12 meses” – o que se compreende, sob pena de atentar contra a «unidade do sistema jurídico».

 

VII.1 Fundamentação de fato.

 

VII.1.1 Fatos provados

1-Até   1/2/2018, o Requerente trabalhava para a B... S.A., de acordo com contrato de trabalho iniciado a 1/2/014 , demonstrado por  certificado de trabalho que constituí o Doc. nº 5 anexo à  PI.

2- A 15/4/2018, transferiu a residência para o Reino Unido  em virtude da celebração de um novo contrato de trabalho com   outro membro do grupo em que se integra a B... S.A., a C... Ltd., com a função de ‘Head of external affairs, strategy e Eband’, entidade localizada no Reino Unido.

3- A 29/5/2018, o Requerente mudou-se para o n.º..., ..., Londres, ...

4- 29/5/2018, 2018, celebrou contrato de arrendamento para outra habitação própria permanente, desta feita localizada no n.º..., ... Londres, ... .

5- Segundo informação do ... serviço de finanças do concelho de Lisboa, de 3/1/2023, em que se baseou o indeferimento da impugnação graciosa impugnado, compulsada a aplicação do Sistema de Gestão e Registos dos Contribuintes, o Requerente residiu em Portugal entre 10/5/2018- e 25/7/2021, tendo, assim, acedido ao regime de residência parcial  nos termos do nº 3 do art. 15º do CIRS

6- Assim, no ano fiscal de 2018, o Requerente ficou sujeito, embora em períodos diferentes, aos regimes de residente e não residentes,  tendo em conformidade apresentado declarações  modelo 3 separadas, que originaram liquidações separadas, Docs. nºs 23 e 24 anexos à PI.

7- Em 19/9/2019, o Contribuinte celebrou novo arrendamento, alterando a sua habitação própria permanente para flat ..., Londres, ..., onde permaneceu até ao seu regresso para Portugal.

8-Para esse efeito, o Contribuinte teve de proceder ao pagamento do Council tax da Cidade de Westminster numa base anual.

9- Prova dessa da permanência, seriam as  ‘utility bills’ anexas  – faturas dos serviços essenciais, mensalmente pagas, bem como a inscrição no ‘National Insurance Number’.

10-A 5/6/2018, dada a alteração de morada de Portugal para Inglaterra, o    Requerente foi contactado pelo MAI no sentido de que a sua inscrição como votante em Portugal tinha sido automaticamente revogada, passando a estar recenseado no Reino Unido.

11-Em 2019, por ocasião do processo conhecido por Brexit, os cidadãos de nacionalidade portuguesa (e outros), tiveram de demonstrar que preenchiam as condições necessárias para continuar a residir em solo britânico.

12-Para esse efeito, os cidadãos expatriados teriam de demonstrar que eram detentores de contrato de trabalho, bem como o diligente pagamento de impostos na qualidade de residentes junto da HMRC.

13-Assim, a 26/11/2019, por preencher todos esses requisitos, ao Requerente  foi atribuído o settled status, nomeadamente a autorização para continuar a residir e a trabalhar no Reino Unido.

14- Consequentemente, nos anos de 2019 e de 2020, o Requerente procedeu à entrega das suas Mod. 3-IRS indicando o estatuto ‘não residente’ .

15- Por sua vez, por referência ao ano de 2021, em virtude de ter, a 25/7/ 2021, deixado de residir no Reino Unido, o Requerente procedeu à entrega duas Mod. 3 ao abrigo do regime de residência parcial referido no nº 3 do art. 15º do CIRS-

 16- A 30/3/ 2022, a AT notificaria o Requerente  de que:

«Para a declaração mod.3 de IRS, submetida via Internet, foi verificada a existência dos seguintes erros, após validação central:

Z10 - REGIME FISCAL EX RESIDENTE NAO PERMITIDO - RESIDE E M PT ULTIMOS 3ª» (cit.)

«Solicita-se a V.Exa. que proceda à correção, para o que deverá entrar de novo na "Entrega de Declarações Via Internet", dispondo de um prazo de 30 dias (*), nos termos da Portaria que aprova os modelos de impressos a que se refere o n.º 1 do artigo 57.º do Código do IRS, contado a partir do 5.º dia posterior ao registo de disponibilização desta notificação, nos termos do n.º 10 do artigo 39.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário» (cit.) – cf. doc. n.º 34, em anexo.

17- Na impossibilidade de validação da declaração modelo 3, a Requerente apresentaria, também a 30/3/2022, a declaração de substituição que originaria a liquidação impugnada, a qual compreende, como resulta de demonstração desse liquidação, os rendimentos auferidos entre 1/7 e 31/12 de 2021.

18- O Requerente não usou da faculdade de requerer os fundamentos omitidos, nos termos do art. 37º do CPPT. 

19- O Requerente apresentaria reclamação graciosa da liquidação junto do 7º serviço de finanças do concelho de Lisboa (processo nº ...2023...,) que viria a ser indeferida por despacho de 30/1 / 2023, notificado a 2/2 seguinte.

20- O Requerente regularizaria a sua situação tributária pagando o imposto em falta.

 

VII.1.2-Factos não provados

Os factos dados como provados são aqueles que o Tribunal considera relevantes, não se considerando factualidade dada como não provada que tenha interesse para a decisão.

 

VII. 1.3 Fundamento dos factos provados

Ao Tribunal incumbe o dever de selecionar os factos que interessam à decisão e discriminar a matéria que julga provada e declarar a que considera não provada, não tendo de se pronunciar sobre todos os elementos da matéria de facto alegados pelas partes.

Na fixação da matéria de facto foram tidos em conta os documentos apresentados pelas partes e as informações oficiais fundamentadas prestadas.

Os factos pertinentes para o julgamento da causa foram assim selecionados e conformados em função da sua relevância jurídica, a qual é definida tendo em conta as várias soluções plausíveis das questões de direito para o objeto do litígio.

 

VIII- FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

 

Ao contrário do entendimento da   Requerente, o ato impugnado foi fundamentado.

Tal fundamentação, necessariamente sumária, dado o carácter de massa dos atos tributários, nos termos do nº 2 do art. 77º da LGT- consta da Demonstração da Liquidação, que, nos termos legais, integra as operações necessárias à determinação do rendimento coletável e ao cálculo do imposto

É certo que a fundamentação das liquidações resultantes de uma ação de inspeção está sujeita a uma regime especial que consta do nº  art. 63º do Regime Complementar do Procedimento de  Inspeção Tributária e Aduaneira(RCPITA), que impõe a sua fundamentação autónoma da fundamentação  das liquidações nos termos do nº 2 do art. 77º da LGT, ainda que tais atos sejam da autoria da mesma entidade, podendo tal fundamentação ser por remissão , através da adesão ou não  às conclusões do relatório.

Certo também é que, no entanto, a liquidação impugnada não resultou de qualquer procedimento inspetivo. Foi o Requerente, aliás, que obstou a esse procedimento, ao reagir para um alerta, emitido e recebido fora do âmbito de qualquer procedimento inspetivo, de um pretenso erro na declaração modelo 3 inicialmente apresentada pela apresentação de uma declaração de substituição.

 

Ainda de acordo com a Requerida, o direito de audição é expressamente dispensado, nos termos da alínea a) do nº 2 do art. 60º da LGT, quando a liquidação seja efetuada com base na declaração do contribuinte, como foi a que deu origem ao ato tributário.

Ainda que se seguisse a tese do Requerente de que a fundamentação do ato não lhe foi comunicada, a verdade é que este sustenta que tal fundamentação não aconteceu, o que põe em causa à partida a pertinência de tal argumento.

Por outro lado, essa ausência de comunicação não põe em causa a legalidade do ato, mas tão só a sua eficácia.

As consequências dessa omissão são reguladas no art. 37º do CPPT, nos seguintes termos:

“ 1 Se a comunicação da decisão em matéria tributária não contiver a fundamentação legalmente exigida, a indicação dos meios de reação contra o ato notificado ou outros requisitos exigidos pelas leis tributárias, pode o interessado, dentro de 30 dias ou dentro do prazo para reclamação, recurso ou impugnação ou outro meio judicial que desta decisão caiba, se inferior, requerer a notificação dos requisitos que tenham sido omitidos ou a passagem de certidão que os contenha, isenta de qualquer pagamento.

2 - Se o interessado usar da faculdade concedida no número anterior, o prazo para a reclamação, recurso, impugnação ou outro meio judicial conta-se a partir da notificação ou da entrega da certidão que tenha sido requerida.

Assim, o contribuinte que não tiver usado a notificação dos requisitos omitidos, não pode impugnar o ato tributário com base no incumprimento desse dever de comunicação (Acórdão do STA de 7/3/2007, proc. 0984/06).

 

Quanto ao fundo, temos: 

O art. 12º-A do CIRS dispõe

“ 1- São  excluídos de tributação 50 % dos rendimentos do trabalho dependente e dos rendimentos empresariais e profissionais dos sujeitos passivos que, tornando-se fiscalmente residentes nos termos dos n.os 1 e 2 do artigo 16.º em 2019, 2020, 2021, 2022 ou 2023: ​​
a) Não tenham sido considerados residentes em território português em qualquer dos três anos anteriores;
b) Tenham sido residentes em território português antes de 31 de dezembro de 2015, no caso dos sujeitos passivos que se tornem fiscalmente residentes em 2019 ou 2020, e antes de 31 de dezembro de 2017, 2018 e 2019, no caso dos sujeitos passivos que se tornem fiscalmente residentes em 2021, 2022 ou 2023, respetivamente;

c)Tenham a sua situação tributária regularizada.

2 - Não podem beneficiar do disposto no presente artigo os sujeitos passivos que tenham solicitado a sua inscrição como residente não habitual”.

 

Segundo a Requerida, baseando-se no art. 143º do CIRS, a expressão “três anos anteriores” reporta-se aos três anos civis anteriores ao exercício de 2021, ou seja, 2018, 2019 e 2020.  Bastaria que o contribuinte residisse em Portugal em qualquer desses três anos civis, ainda que por um só dia, para obstar à aplicação do beneficio do art. 12º- A do CIRS-A .

O Requerente sustenta essa interpretação colidir com o regime de residência parcial regulado  no nº  3 do art 15º  do CIRS , bem como com  o regime  de contagem  na alínea c) do art. 279º do CC, aplicável por remissão do nº 1 do art. 57º da LGT e do nº 1 do art. 20º do CPPT . Considera que esses anos se iniciaram a 15/6/2021, data em que deixou de residir em Portugal, e terminaram a 25/7/2021, data em que deixou de residir no Reino Unido.

 

Nos termos do art. 15º do CIRS, na redação da Lei nº 82-E/2014, de 31/12:

“ 1- Tendo as pessoas residentes em território português, o IRS incide sobre a totalidade dos seus rendimentos, incluindo os obtidos fora desse território;

2 - Tratando-se de não residentes, o IRS incide unicamente sobre os rendimentos obtidos em território português.

3 - O disposto nos números anteriores aplica-se aos casos de residência parcial previstos nos n.os 3 e 4 do artigo seguinte, relativamente a cada um dos estatutos de residência”.


Assim, no regime de residência parcial, o contribuinte está obrigado a apresentar duas declarações modelo 3, a relativa aos rendimentos auferidos no período de tributação em que foi residente, a outra relativa ao período de tributação em que deteve o estatuto de não residente.

 

Foi o que aconteceu, nos anos civis de 2018 e 2021, em que apresentou declarações separadas relativas aos períodos em que foi residente e ao período em que foi não residente, ao contrário do que aconteceria se tivesse detido exclusivamente o estatuto de residente ou não residente.

 

O nº 1 do art. 16º diz que são residentes, as pessoas que, no ano a que respeitam os rendimentos:
a) Hajam nele permanecido mais de 183 dias, seguidos ou interpolados, em qualquer período de 12 meses com início ou fim no ano em causa;

b) Tendo permanecido por menos tempo, aí disponham, num qualquer dia do período referido na alínea anterior, de habitação em condições que façam supor intenção atual de a manter e ocupar como residência habitual;

c) Em 31 de dezembro, sejam tripulantes de navios ou aeronaves, desde que aqueles estejam ao serviço de entidades com residência, sede ou direção efetiva nesse território;
d) Desempenhem no estrangeiro funções ou comissões de carácter público, ao serviço do Estado Português.
 

Segundo o nº 2, para efeitos do disposto no nº anterior, considera-se como dia de presença em território português qualquer dia, completo ou parcial, que inclua dormida no mesmo.

Os nºs 3 e 4 para os quais remete o nº 3 do art, 15º, dizem:

“3 - As pessoas que preencham as condições previstas nas alíneas a) ou b) do n.º 1 tornam-se residentes desde o primeiro dia do período de permanência em território português, salvo quando tenham aí sido residentes em qualquer dia do ano anterior, caso em que se consideram residentes neste território desde o primeiro dia do ano em que se verifique qualquer uma das condições previstas no n.º 1

4 - A perda da qualidade de residente ocorre a partir do último dia de permanência em território português, salvo nos casos previstos nos n.os 14 e 16.

 

Resulta dessas normas que o Requerente perdeu a qualidade de residente, não no termo do ano civil de 2018, mas no dia 15 desse ano, a partir do qual passou a deter o estatuto de não residente, nos termos do nº 4, em virtude da cessação de permanência em Portugal.

Inversamente, voltou a residir em Portugal, não no termo do ano civil de 2021, mas a 25/7/2021, data em que iniciou novo período de permanência em Portugal.

Nessa medida, apresentaria, como em 2018, declarações modelo 3 separadas, uma com  o estatuto de  não residente,  que  manteve até  25/7/2021, outra com o estatuto de residente, que abrange os rendimentos após  essa data, até 31/12/2021,

Assim, os “três anos anteriores” a que se refere a alínea a) do nº 1 do art. 12º- A do CIRS, contam-se a partir da data em que o Requerente perdeu o estatuto de residente e não a partir do termo do ano civil em que tal ocorreu.

Não obsta a esta interpretação da lei o art. 143º do CIRS que declara o ano fiscal, para efeitos do imposto, coincidir com o ano civil.

Com efeito, o nº 3 do art. 15º do CIRS é uma exceção ao regime, regra de periodização dos rendimentos sujeitos a IRS, que é o ano civil, plasmado  no art. 143º do CIRS .

Tal derrogação prevalece sobre esse regime- regra, com o qual é incompatível.

 

A aplicação da doutrina administrativa citada pela Requerida, ainda que se    considerasse não implicar necessariamente uma amputação de um ano no período de duração do benefício referido no art. 12º- A., representa sempre um diferimento do seu aproveitamento carecido de base legal.

 

Por lado, dado a liquidação ter sido efetuada com base na declaração do contribuinte e o contribuinte ter seguido no seu preenchimento as instruções genéricas da AT devidamente publicadas, no respetivo sítio (Ofício – circulado 22.210 na Internet, ) citado  pela Requerida, são devidos juros indemnizatórios, nos termos do nº 2 do art. 43º da LGT, contados a partir do pagamento a apurar pela Requerida na execução do presente julgado.

           

IX-DECISÃO

Nos termos e com os fundamentos expostos, decide-se:

-Anular o indeferimento da reclamação graciosa da liquidação nº 2022..., de 30/1/2023, bem como a liquidação n.º 2023...;

- Condenar a Requerida ao pagamento dos juros indemnizatórios, nos termos do nº 1 do art. 43º da LGT, contados a partir do pagamento do imposto.

 

X- VALOR DO PROCESSO

Competindo ao Tribunal fixar o valor da causa (art. 306.º do Código de Processo Civil(CPC), subsidiariamente aplicável por  força  da alínea e) n.º 1, al. e), do art.  29º   do RJAT) e devendo ele, correspondendo à utilidade económica do pedido, equivaler à importância cuja anulação se pretende (alínea a) do n.º 1 do art.  97.º-A do CPPT, ex vi da alínea a) do art.  6.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária - RCPAT), fixa-se o valor do processo em €  48.311,12.

 

Notifique-se.

Lisboa, 22 de Fevereiro de 2024

 

O Tribunal

           

 

Fernanda Maçãs (Presidente)

 

 

 

  Tomás Cantista Tavares (Árbitro vogal)

 

 

António Lima Guerreiro (Árbitro -relator )