DECISÃO ARBITRAL
SUMÁRIO:
Apesar da não impugnabilidade (normal) de atos de liquidação de IMI com fundamento em ilegalidade na fixação do VPT que lhes serviu de base, os n.ºs 4 e 5 do artigo 78.º da LGT admitem a possibilidade (excecional) de revisão oficiosa de atos tributários (incluindo liquidações de IMI e de AIMI) “com fundamento em injustiça grave ou notória, desde que o erro não seja imputável a comportamento negligente do contribuinte”.
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Os árbitros, Conselheira Maria Fernanda dos Santos Maçãs (árbitro presidente), Dr. Sérgio Santos Pereira e Dra. Carla Alexandra Pacheco de Almeida Rocha da Cruz o (árbitros vogais), designados pelo Conselho Deontológico do CAAD para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 11-10-2023, acordam no seguinte:
1. RELATÓRIO
A..., S.A., contribuinte fiscal n.º..., com sede na ..., torre ..., ..., ...-... Lisboa, na qualidade de sociedade gestora e em representação do FUNDO DE INVESTIMENTO IMOBILIÁRIO FECHADO B..., contribuinte fiscal n.º ... (doravante, abreviadamente designada de “Requerente”), veio, nos termos do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, constante do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, (doravante, abreviadamente designado de “RJAT”), requerer a constituição de Tribunal Arbitral, com vista à anulação da decisão de indeferimento tácito dos pedidos de revisão oficiosa apresentados em 30-12-2022 e, consequentemente a anulação parcial da liquidação de IMI referente ao ano de 2018, com o n.º 2018..., de 01.04.2019 e da liquidação de AIMI referente ao ano de 2019, com o n.º 2019..., de 30.06.2019, no montante total de € 231.889,21.
A Requerente peticiona também o reembolso do imposto pago em excesso, no montante de € 231.889,21, acrescido de juros indemnizatórios, à taxa legal, calculados desde 30-12-2023 até ao reembolso integral daquele montante.
É Requerida nestes autos a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (“Requerida” ou “AT”).
O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD em 02-08-2023 e foi notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 08-08-2023.
Nos termos do disposto no artigo 6.º, n.º 2, alínea a) e do artigo 11.º, n.º 1, alínea a) do RJAT, o Conselho Deontológico designou como árbitros os aqui signatários, que manifestaram a aceitação do encargo, no prazo legal.
Em 21-09-2023 as partes foram devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado intenção de recusar a designação dos árbitros, nos termos previstos nas normas do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b) do RJAT e nas normas dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.
Assim, e em conformidade com a disciplina constante do artigo 11.º, n.º 1, alínea c), do RJAT, o Tribunal Arbitral foi constituído em 11-10-2023.
A Requerida, através de despacho arbitral proferido em 12-10-2023, foi notificada para os efeitos previstos no artigo 17.º da RJAT.
Em 15-11-2023, a Requerida, apresentou a sua Resposta, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, na qual pugna pela improcedência e consequente absolvição de todos os pedidos.
Por despacho de 18-11-2023, foi dispensada a realização da reunião a que alude o artigo 18.º, do RJAT e determinada a notificação das partes para produzirem alegações escritas.
Por requerimento de 11-12-2023, a Requerida declarou não pretender produzir alegações escritas, dando por integralmente reproduzido todo alegado na sua Resposta. Através deste mesmo requerimento a Requerida requereu também a junção aos autos do Acórdão do STA proferido no processo 115/23.7BALSB (P462/2021-T) em 22-11-2023, tendo a junção deste documento sido admitida por despacho de 11-12-2023.
Em 12-12-2023, a Requerente apresentou alegações escritas, nas quais reiterou a posição anteriormente assumida na petição inicial, e exerceu o seu direito ao contraditório relativamente à Resposta apresentada pela AT.
Em 09-01-2024, a Requerente apresentou requerimento exercendo o seu contraditório quanto às questões de direito suscitadas pelo Acórdão do STA proferido no âmbito do processo 115/23.7BALSB (P462/2021-T), junto pela Requerida em 11-12-2023.
2. SANEAMENTO
O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente, face ao preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 1, do DL n.º 10/2011, de 20 de Janeiro.
O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo, porque apresentado no prazo previsto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a), do RJAT.
As partes estão devidamente representadas, gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade (cf. artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT, e artigo 1.º, da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).
O processo não enferma de nulidades.
3. FUNDAMENTAÇÃO
3.1. MATÉRIA DE FACTO
3. 1.1. Factos provados
Com relevância para a decisão, consideram-se provados os seguintes factos:
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A Requerente em 31.12.2018 e 01.01.2019 era proprietária de diversos prédios, incluindo terrenos para construção, identificados nas cadernetas prediais que constam do documento n.º 2 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido;
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A Requerente foi notificada da nota liquidação de IMI n.º 2018..., de 01.04.2019, relativa ao ano de imposto de 2018, no valor agregado de € 170.289,84 (cf. documento nº 3 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
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A Requerente foi, igualmente, notificada da liquidação de AIMI n.º 2019..., de 30.06.2019, por referência ao ano de imposto de 2019, no valor agregado de € 221.692,04 (cf. documento nº 4 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
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Em parte, as liquidações de IMI e AIMI sub judice tiveram por base, para efeitos de determinação do valor tributável e do correspondente montante de IMI a pagar pela Requerente, os valores patrimoniais tributários dos terrenos para construção, valores estes que estavam fixados segundo a fórmula adoptada à data pela AT, a qual considerava a aplicação de coeficientes de afetação, de localização e de qualidade e conforto, bem como a aplicação da majoração de 25% relativa ao valor do metro quadrado do terreno de implantação constante no nº 1 do artigo 39º do Código do IMI (cf. cadernetas prediais urbanas que constam do documento n.º 2 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
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Em 29-12-2019, a Requerente apresentou pedido de avaliação dos referidos terrenos para construção (cf. documento n.º 5 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
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Em 30-12-2022, a Requerente apresentou pedido de revisão oficiosa das liquidações referidas, nos termos que constam do documento n.º 1 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido;
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O pedido de revisão oficiosa não foi decidido até 31-07-2023, data em que a Requerente apresentou o pedido de pronúncia arbitral que deu origem ao presente processo;
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A Requerente procedeu ao pagamento das liquidações aqui impugnadas (cf. documentos n.º 3 e 4 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido).
3.1.2. Factos considerados não provados
Não foram considerados como não provados nenhuns dos factos alegados, com efetiva relevância para a boa decisão da causa.
3.1.3. Fundamentação da decisão da matéria de facto
Os factos pertinentes para o julgamento da causa foram escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, à face das soluções plausíveis das questões de direito, nos termos da aplicação conjugada dos artigos 123.º, n.º 2, do CPPT e 607.º, n.º 3, do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT.
Não há controvérsia sobre a matéria de facto, pelo que no tocante à matéria de facto dada como provada, a convicção do Tribunal fundou-se nos factos articulados pelas Partes, cuja aderência à realidade não foi posta em causa e, portanto, admitidos por acordo, bem como na análise crítica da prova documental que consta dos autos, designadamente os documentos juntos pela Requerente, cuja correspondência à realidade não é contestada pela Autoridade Tributária e Aduaneira.
Não se deram como provadas, nem não provadas alegações feitas pelas partes, com natureza meramente conclusiva, ainda que tenham sido apresentadas como factos, por serem insuscetíveis de comprovação, sendo que o seu acerto só pode ser aferido em confronto com a fundamentação da decisão da matéria jurídica, constante do capítulo seguinte.
Finalmente, importa sublinhar que a questão essencial a decidir é de direito e assenta na prova documental junta aos autos pela Requerente, não contestada pela Autoridade Tributária e Aduaneira.
3.2. MATÉRIA DE DIREITO
3.2.1 Objeto do litígio e posição das partes
A questão que constitui o thema decidendum neste processo respeita à impugnabilidade de actos tributários de liquidação de IMI e de AIMI, com base em vícios de fixação do valor patrimonial tributário.
A Requerente defende que as liquidações em causa enfermam de erro imputável aos serviços e que se traduziu em injustiça grave e notória na fixação de um valor patrimonial tributário claramente superior ao que resultaria das disposições legais que deveriam ter sido aplicadas, tendo alegado, designadamente, que:
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“(…) na determinação dos VPTs dos Terrenos para Construção que serviram de base às Liquidações Contestadas, a AT aplicou uma fórmula de cálculo ilegal na qual foram considerados indevidamente os coeficientes multiplicadores do VPT (i.e., os coeficientes de localização e de afetação) e a majoração constante do artigo 39.º, n.º 1, do Código do IMI, todos aplicáveis exclusivamente relativamente a prédios edificados e a prédios da espécie outros, estes últimos por remissão legal intra-sistemática.”
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Em concreto, na determinação dos VPTs;
a) dos terrenos para construção inscritos na matriz predial urbana da freguesia de ... sob os artigos matriciais ..., ..., ..., ..., ..., ..., ... e ..., a AT aplicou indevidamente: (i) um coeficiente de afetação de 1,2 e um coeficiente de localização de 1,9 nas parcelas dos terrenos para construção com edificação prevista ou autorizada para comércio; e (ii) um coeficiente de localização de 2,2 nas parcelas dos terrenos para construção destinadas a habitação;
b) dos terrenos para construção inscritos na matriz predial urbana da freguesia de ... sob os artigos matriciais ... e ..., a AT aplicou indevidamente: (i) um coeficiente de afetação de 1,2 e um coeficiente de localização de 1,9 nas parcelas dos terrenos para construção com edificação prevista ou autorizada para comércio; e (ii) um coeficiente de localização de 2,2 nas parcelas dos terrenos para construção destinadas a habitação; e (iii) um coeficiente de afetação de 1,1 e um coeficiente de localização de 1,8 nas parcelas dos terrenos para construção destinadas a serviços; e,
c) do terreno para construção inscrito na matriz predial urbana da freguesia de ... sob os artigos matriciais ..., a AT aplicou indevidamente: (i) um coeficiente de afetação de 1,2 e um coeficiente de localização de 1,9.”
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“A fórmula de cálculo do VPT utilizada pela AT também não expurgou (…), a majoração prevista no artigo 39.º, n.º 1, do Código do IMI que é (…), aplicável exclusivamente aos prédios edificados.”
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“(…) a fórmula utilizada pela AT e assumida automaticamente pelo sistema eletrónico da AT como passo prévio aos procedimentos de avaliação dos referidos terrenos para construção e as liquidações emitidas com base nos VPTs fixados em tais procedimentos de avaliação padecem de diversos erros grosseiros na aplicação do direito, resultou, em termos muito simplistas, que a Requerente pagou um valor de IMI e de AIMI manifestamente superior (aproximadamente 50% superior) àquele que seria devido nos termos legais, o que configura uma situação de injustiça grave ou notória .(tal como já foi confirmado nomeadamente por referência aos Terrenos para Construção nas decisões arbitrais proferidas nos 535/2021-T, 466/2022-T e 467/2022-T)”
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“Em concreto, a Requerente pagou: (i) IMI em excesso por referência ao ano de imposto de 2018 em valor correspondente a € 99.381,09 (ou pelo menos de € 85.138,59 se considerarmos apenas o efeito da desconsideração dos coeficientes multiplicadores do VPT - e.g. coeficientes de afetação, de localização e de qualidade e conforto); e, (ii) AIMI em excesso por referência ao ano de imposto de 2019 em valor correspondente a € 132.508,12 (ou pelo menos de € 113.518,12 se considerarmos apenas o efeito da desconsideração dos coeficientes multiplicadores do VPT - e.g. coeficientes de afetação, de localização e de qualidade e conforto).”
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“O cálculo do valor do IMI pago em excesso pela Requerente resulta da aplicação da taxa de IMI de 0,3% sobre o excesso do VPT dos Terrenos para Construção que foi fixado em resultado da aplicação de uma fórmula de cálculo ilegal, conforme segue:
a) da aplicação dos coeficientes multiplicadores de fixação do VPT (i.e., dos coeficientes de afetação, localização e qualidade e conforto) e da majoração de 25% do terreno de implantação constante do artigo 39.º, n.º 1, do Código do IMI (i.e., da consideração de um valor médio de construção de 603 ao invés do valor correto sem qualquer majoração de 482,4) resultou um excesso do VPT agregado dos Terrenos para Construção de € 33.127.030,00 e, por conseguinte, um excesso de IMI pago pela Requerente por referência ao ano de imposto de 2018 de € 99.381,09 (= € 33.127.030,00*0,3%); e,
b) apenas em resultado da aplicação dos coeficientes multiplicadores de fixação do VPT existe um excesso do VPT agregado dos Terrenos para Construção de € 28.379.530,00 e, por conseguinte, um excesso de IMI pago pela Requerente por referência ao ano de imposto de 2018 de € 85.138,59 (= € 28.379.530,00*0,3%).”
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“Por sua vez, o cálculo do valor do AIMI pago em excesso pela Requerente resulta da aplicação da taxa de AIMI de 0,4% sobre o excesso do VPT dos Terrenos para Construção que foi fixado em resultado da aplicação de uma fórmula de cálculo ilegal, conforme segue:
a) da aplicação dos coeficientes multiplicadores de fixação do VPT (i.e., dos coeficientes de afetação e localização) e da majoração de 25% do terreno de implantação constante do artigo 39.º, n.º 1, do Código do IMI (i.e., da consideração de um valor médio de construção de 603 ao invés do valor correto sem qualquer majoração de 482,4) resultou um excesso do VPT agregado dos Terrenos para Construção de € 33.127.030,00 e, por conseguinte, um excesso de AIMI pago pela Requerente por referência ao ano de imposto de 2019 de € 132.508,12 (= € 33.127.030,00 * 0,4%); e,
b) apenas em resultado da aplicação dos coeficientes multiplicadores de fixação do VPT existe um excesso do VPT agregado dos Terrenos para Construção de € 28.379.530,00 e, por conseguinte, um excesso de AIMI pago pela Requerente por referência ao ano de imposto de 2018 de € 113.518,12 (= € 28.379.530,00 * 0,4%)”.
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“No contexto dos procedimentos de avaliação iniciados em dezembro de 2019, a AT já reconheceu (ainda que parcialmente) tais erros imputáveis aos serviços na conclusão dos procedimentos de avaliação dos Terrenos para Construção, tendo desconsiderado, nas avaliações promovidas, os coeficientes de localização e de afetação nos termos solicitados pela Requerente nos pedidos de avaliação apresentados”
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“Sendo firme o entendimento da Requerente (já confirmado formalmente pelos tribunais arbitrais nas decisões proferidas nos processos arbitrais 487/2020-T, 483/2020-T, 500/2020-T, 41/2021-T, 485/2020-T, 501/2020-T, 504/2020-T e 486/2020-T e especificamente sobre os Terrenos para Construção em análise nos processos 535/2021-T, 466/2022-T e 467/2022-T (…). 6) que a AT deveria ter desconsiderado, para além dos coeficientes de localização e de afetação, também a majoração estabelecida no artigo 39.º, n.º 1, do Código do IMI.”
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“(…) as Liquidações Contestadas assentam em diversos erros (na aplicação do direito) que são inequivocamente imputáveis à AT e que acarretaram o pagamento, pela Requerente, de um valor de IMI e de AIMI ostensivamente superior àquele que seria devido se a AT tivesse cumprido as normas legais que regem a avaliação dos terrenos para construção para efeitos fiscais, o que configura inequivocamente uma situação de injustiça grave ou notória.
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“As Liquidações Contestadas assentam em diversos erros na aplicação do direito que estão na origem de uma situação de injustiça grave ou notória não imputável a comportamento negligente da Requerente, o que motivou a apresentação de dois pedidos de revisão oficiosa, nos termos e para os efeitos previstos nos n.ºs 1, 4 e 5 do artigo 78.º da LGT, 44.º, n.º 1, alínea c), do CPPT e 115.º, n.º 1, alínea c), do Código do IMI, cujas decisões de indeferimento tácito estão na origem do presente pedido arbitral.”
Alega ainda a Requerente, a propósito do Acórdão Uniformizador de Jurisprudência do STA, de 23.02.2023, proferido no processo nº 0102/22.2BALSB que:
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Ficou excluída do âmbito de aplicação do referido Acórdão a possibilidade de impugnar liquidações de IMI e AIMI através de pedido de revisão oficiosa, com fundamento em injustiça grave e notória, ao abrigo do artigo 78.º, n.ºs 4 e 5, da LGT, como é o caso em apreço.
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O referido Acórdão apenas rejeita a possibilidade de revisão oficiosa com fundamento em ilegalidade (nos termos do artigo 78.º, n.º 1, da LGT), não referindo ou excluindo a possibilidade de revisão oficiosa com fundamento em injustiça grave e notória (nos termos do artigo 78.º, n.ºs 4 e 5, da LGT).
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Do Acórdão citado não resulta uma preclusão absoluta da possibilidade dos sujeitos passivos arguirem a errónea fixação do VPT através de pedido de revisão oficiosa dos atos de liquidação de IMI e AIMI emitidos com base no mesmo.
Concluindo, sustenta a Requerente que no caso em análise existiu o apuramento de uma coleta de montante diferente do legalmente devido, que justifica a revisão das liquidações ao abrigo do artigo 115.º do Código do IMI e que se verifica, no caso em apreço, uma situação de injustiça grave ou notória não imputável a comportamento negligente da Requerente que legitima a revisão oficiosa ao abrigo do mecanismo excecional previsto no artigo 78.º, n.ºs 4 e 5, da LGT.
Por seu turno, a Autoridade Tributária e Aduaneira pese embora não questione que ocorreram os erros na determinação dos valores patrimoniais tributários dos terrenos para construção invocados pela Requerente e inclusivamente reconheça que “verifica-se ausência de litígio quanto à forma de cálculo aplicável para determinar o VPT dos terrenos para construção”, opõe-se à pretensão da Requerente, invocando as seguintes razões:
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O que o Requerente contesta é, apenas e só, o ato de fixação do VPT e não o ato de liquidação;
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Os atos de fixação do VPT não são atos de liquidação, mas antes atos autónomos e individualizados com eficácia jurídica própria e diretamente sindicáveis que põem fim ao procedimento de avaliação;
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O Supremo Tribunal Administrativo no processo n.º 102/22.2BALSB em 23.02.2023, veio uniformizar a jurisprudência sobre esta matéria no sentido de que: “Não tendo sido impugnado judicialmente o resultado da segunda avaliação, nos termos previstos na lei, forma-se caso decidido ou resolvido sobre o valor da avaliação, pelo que esta não pode voltar a ser discutida”;
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No caso em apreço, não tendo a Requerente colocado em causa o valor patrimonial obtido pela 1.ª avaliação, requerendo uma 2.ª avaliação, o mesmo fixou-se, não sendo possível conhecer na posterior liquidação, de eventuais erros ou vícios cometidos nessa avaliação;
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Por estar consolidada a fixação do valor patrimonial tributário, não podem os atos de liquidação impugnados nos presentes autos serem anulados com fundamento em erros no cálculo do VPT;
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O artigo 78.º da LGT não abrange os atos de avaliação patrimonial, que não são atos tributários, previstos no n.º 1, nem são atos de apuramento da matéria tributável previstos no n.º 4 daquela norma;
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Não se verifica qualquer erro no ato de liquidação, o qual foi calculado com base no VPT constante na matriz predial em estrito e integral cumprimento da lei;
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Tão pouco o fundamento da injustiça grave ou notória do nº 4 do art. 78° da LGT, é invocável quando a liquidação do IMI tenha sido efetuada de acordo com o nº 1 do artigo 113º do CIM, com base nos valores patrimoniais inscritos na matriz predial, não impugnados com esse fundamento pelo sujeito passivo no prazo e nos termos previstos na lei;
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O pedido de revisão oficiosa - tendo em conta a data de apresentação do pedido de revisão oficiosa das liquidações, em 30-12-2022 e a data da fixação do VPT que ocorreu em 2018 (que é o ato cuja revisão se pretende) - sempre seria intempestivo face ao prazo previsto no n.º 4 do artigo 78.º da Lei Geral Tributária;
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Também não se verifica qualquer violação da garantia da tutela jurisdicional efetiva pois a lei prevê vários e diferenciados meios para a impugnação dos valores patrimoniais tributários.
Sustenta ainda a AT a propósito do pedido de reembolso formulado pela Requerente que, na hipótese da ação vir a ser julgada procedente, não deverá ser fixado o valor do montante a reembolsar pois o tribunal não possui todos os elementos necessários para o efeito, peticionando que neste caso a quantificação do montante devido, deve ser apurado em sede de execução da decisão arbitral.
Finalmente, alega ainda a AT que o direito aos juros indemnizatórios após a apresentação de um pedido de revisão oficiosa, só pode ser reconhecido se esta se efetuar mais de um ano após aquele pedido.
3.2.3. Apreciação da questão
A questão controvertida no presente processo, foi já objeto de pronúncia e de decisão por parte do CAAD em vários processos, designadamente no âmbito do processo nº 769/2022-T e do processo 770/2022-T, cuja factualidade é em tudo semelhante à dos presentes autos, e cujo teor subscrevemos, quer quanto à motivação, quer quanto ao sentido decisório, atento o que dispõe a norma do artigo 8º, nº3 do Código Civil.
A atualidade e sólida fundamentação da decisão proferida em 11-04-2023, no âmbito do processo arbitral nº 769/2022-T, justifica a adesão à solução da questão nele expressa, cujo conteúdo, com as necessárias adaptações, acompanhamos de perto, nos termos que se passam a enunciar.
Comecemos por nos debruçar sobre a admissibilidade de revisão oficiosa.
Quanto a esta matéria, acompanhamos a argumentação da decisão proferida no processo arbitral nº 769/2022-T, que considerou que:
“O artigo 78.º da LGT prevê no seu n.º 1, «a revisão dos actos tributários pela entidade que os praticou», reportando-se a actos de liquidação.
Mas, no seu n.º 4, prevê-se a possibilidade de «revisão da matéria tributável apurada com fundamento em injustiça grave ou notória», pelo que se admite a revisão de actos de avaliação, que são um tipo de actos de fixação da matéria tributável, como decorre do n.º 1 do artigo 81.º da LGT.
O n.º 7 do artigo 78.º da LGT confirma expressamente que a revisão oficiosa pode ser «do acto tributário ou da matéria tributável».
Os actos de fixação de valores patrimoniais reconduzem-se a actos e fixação da matéria tributável, pois é aos valores com base neles determinados que são feitas ulteriores liquidações de impostos (como, por exemplo, o IMI, o IMT, o IUC e direitos aduaneiros). “
No caso em apreço, a Requerente pediu a revisão oficiosa dos actos de liquidação de IMI e AIMI e também de actos de fixação da matéria tributável, com fundamento em injustiça grave e notória, pelo que se concluí que o seu pedido é abstractamente susceptível de enquadramento no artigo 78.º da LGT.
Vejamos agora a questão da consolidação do acto de fixação do valor patrimonial tributário.
A AT sustenta que no caso dos autos, não tendo a Requerente colocado em causa o valor patrimonial obtido pela 1.ª avaliação, requerendo uma 2.ª avaliação, o mesmo fixou-se, não sendo possível conhecer na posterior liquidação, de eventuais erros ou vícios cometidos nessa avaliação. Considera deste modo a AT que se encontra consolidada a fixação do valor patrimonial tributário, não podendo os atos de liquidação impugnados nos presentes autos serem anulados com fundamento em erros no cálculo do VPT.
Como foi entendido na decisão proferida no âmbito do processo arbitral nº 769/2022-T, que subscrevemos:
“São meios processuais diferentes, com efeitos distintos, a impugnabilidade directa de actos de liquidação, com os efeitos retroactivos próprios da declaração de anulabilidade e direito a juros indemnizatórios, e a possibilidade de revisão oficiosa, com os fundamentos previstos no artigo 78.º da LGT, com efeitos mais limitados, não retroactivos, designadamente a nível de direito a juros indemnizatórios, como resulta do disposto no artigo 43.º, n.ºs 1 e 3 da LGT.
No caso em apreço, não foi apresentada reclamação graciosa ou impugnação judicial dos actos de liquidação de IMI nos prazos respectivos (previstos nos artigos 70.º, n.º 1, e 102.º n.º 1, do CPPT), mas foi pedida a revisão oficiosa que, nos termos do artigo 78.º da LGT, além de outros casos, pode ser pedida no prazo de quatro anos a contar dos actos de liquidação com fundamento em erro imputável aos serviços nos termos do seu n.º 1, ou no prazo de três anos com fundamento em injustiça grave e notória, nos termos dos seus n.ºs 4 e 5.
Da revisão da matéria tributável apurada com fundamento em injustiça grave ou notória, prevista nos n.ºs 4 e 5 do artigo 78.º da LGT, decorre a anulação dos actos de liquidação que se tenham baseado nessa matéria tributável, pois são actos consequentes.
Em qualquer caso, a revisão por iniciativa da administração tributária (dita oficiosa), tanto da liquidação (n.ºs 1 e 3) como da matéria tributável (n.ºs 4 e 5), é admitida também a pedido do contribuinte, como se conclui do teor expresso do n.º 7 do artigo 78.º ou referir que «interrompe o prazo da revisão oficiosa do acto tributário ou da matéria tributável o pedido do contribuinte dirigido ao órgão competente da administração tributária para a sua realização».
Esta questão da invocação de vícios de actos de avaliação em procedimento de revisão oficiosa foi apreciada no acórdão proferido em 10-05-2021, no processo arbitral n.º 487/2020- T, cuja jurisprudência aqui se reafirma, no essencial.
Por força do preceituado no artigo 15.º do CIMI a avaliação dos prédios urbanos é directa e, por isso, ela é «susceptível, nos termos da lei, de impugnação contenciosa directa» (artigo 86.º, n.º 1, da LGT).
Nos termos do n.º 2 do mesmo artigo 86.º da LGT, «a impugnação da avaliação directa depende do esgotamento dos meios administrativos previstos para a sua revisão».
Os termos da impugnação da avaliação directa de valores patrimoniais constam do artigo 134.º do CPPT, em que se estabelece que: – «os atos de fixação dos valores patrimoniais podem ser impugnados, no prazo de três meses após a sua notificação ao contribuinte, com fundamento em qualquer ilegalidade» (n.º 1); e – «a impugnação referida neste artigo não tem efeito suspensivo e só poderá ter lugar depois de esgotados os meios graciosos previstos no procedimento de avaliação» (n.º 7).
Como decorre do n.º 1 do artigo 134.º, ao fixar um prazo especial de três meses para impugnação de actos de fixação de valores patrimoniais, «com fundamento em qualquer ilegalidade», e do n.º 7 do mesmo artigo, ao exigir o esgotamento dos meios graciosos, está afastada a possibilidade de essa impugnação com fundamento em ilegalidade se fazer, por via indirecta, na sequência da notificação de actos de liquidação que a tenham como pressuposto, como são os de IMI, sem observância do prazo de impugnação referido e sem esgotamento dos meios de revisão previstos no procedimento de avaliação.
No âmbito do IMI, quando o sujeito passivo não concordar com o resultado da avaliação directa de prédios urbanos, pode requerer ou promover uma segunda avaliação, no prazo de 30 dias contados da data em que o primeiro tenha sido notificado (artigo 76.º, n.º 1, do CIMI).
Só do resultado das segundas avaliações (que esgotam os meios graciosos do procedimento de avaliação) cabe impugnação judicial nos termos do CPPT (artigo 77.º, n.º 1 do CIMI).
Isto significa que os actos de avaliação de valores patrimoniais previstos no CIMI são actos destacáveis, para efeitos de impugnação contenciosa, sendo objecto de impugnação autónoma, não podendo na impugnação dos actos de liquidação que com base neles sejam efectuadas discutir-se a legalidade daqueles actos.
Assim, o sujeito passivo de IMI pode impugnar as liquidações, mas não são relevantes como fundamentos de anulação eventuais ilegalidades dos antecedentes actos de fixação de valores patrimoniais, que se firmaram na ordem jurídica, por falta de tempestivo esgotamento dos meios graciosos previstos nos procedimentos de avaliações e de subsequente impugnação autónoma a deduzir no prazo de três meses, nos termos dos n.ºs 1 e 7 do artigo 134.º do CPPT.
Na verdade, não sendo impugnado tempestivamente o acto de fixação de valores patrimoniais, forma-se caso decidido ou resolvido sobre a avaliação, que se impõe em sede de liquidação de IMI, sendo que «o imposto é liquidado anualmente, em relação a cada município, pelos serviços centrais da Direcção-Geral dos Impostos, com base nos valores patrimoniais tributários dos prédios e em relação aos sujeitos passivos que constem das matrizes em 31 de Dezembro do ano a que o mesmo respeita» (artigo 113.º do CIMI).
Este regime de impugnação autónoma justifica-se por razões de coerência do sistema jurídico tributário inerentes ao facto de cada acto de avaliação poder servir de suporte a uma pluralidade de actos de liquidação de impostos (liquidações anuais de IMI e eventuais liquidações de IMT) e ser relevante para vários efeitos a nível de IRS, IRC e Imposto do Selo, o que não se compagina com a possibilidade de plúrima avaliação incidental que se reconduzisse à fixação de diferentes valores patrimoniais tributários para o mesmo prédio, no mesmo momento.
Por outro lado, a caducidade do direito de acção derivada da inércia do lesado por actos administrativos durante um prazo razoável, é generalizadamente justificada por razões de segurança jurídica, necessária para adequado funcionamento da administração pública, que é um valor constitucional ínsito no princípio do Estado de Direito democrático e é reconhecida generalizadamente em matéria administrativa e tributária.
O prazo de três meses para impugnação de actos de fixação de valores patrimoniais é perfeitamente razoável, sendo o prazo geral previsto a lei para a impugnação da generalidade dos actos administrativos com fundamentos geradores de vícios de anulabilidade (artigo 58.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos e artigo 102.º do CPPT).
A natureza de actos destacáveis que é atribuída aos actos de avaliação de valores patrimoniais é, há muito, reconhecida pela jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, desde o tempo em que regime idêntico ao do artigo 134.º, n.ºs 1 e 7 do CPPT, previsto nos n.ºs 1 e 6 do artigo 155.º do Código de Processo Tributário de 1991, quer em sede de Sisa, quer de contribuição autárquica, quer de IMI quer de IMT, como pode ver-se pelos seguinte acórdãos:
– de 30-06-1999, processo n.º 023160;
– de 02-04-2003, processo n.º 02007/02;
– de 06-02-2011, processo n.º 037/11;
– de 19-09-2012, processo n.º 0659/12;
– de 5-2-2015, processo n.º 08/13”
Em face do antes exposto, importa concluir que as ilegalidades dos actos de avaliação invocados pela Requerente, que não foram objecto de impugnação tempestiva autónoma, não podem considerar-se ilegalidades dos actos de liquidação de IMI, susceptíveis de serem invocadas em processo impugnatório destes actos.
Assim, tendo as liquidações sido efectuadas com base nos valores patrimoniais dos prédios que constavam das matrizes a 31 de Dezembro do ano a que respeita o IMI, não há erro da Administração Tributária ao efectuar as liquidações e, por isso, o pedido de revisão oficiosa não podia ser deferido ao abrigo do n.º 1 do artigo 78.º da LGT, assistindo por isso razão a Autoridade Tributária e Aduaneira, quanto a esta questão, o que é reconhecido pelo Supremo Tribunal Administrativo, no mencionado Acórdão Uniformizador de Jurisprudência de 23-02-2023, processo n.º 102/22.2BALSB, citado pela AT.
Sucede que, o referido Acórdão Uniformizador não só tem subjacente situação factual distinta da dos presentes autos, o que desde logo determinaria a sua não aplicabilidade ao caso concreto, como também não se pronuncia especificadamente, para o que aqui importa, sobre a situação da revisão oficiosa prevista nos nºs 4 e 5 do artigo 78º da LGT, em que se prevêem excepções à inimpugnabilidade de actos de fixação da matéria tributável consolidados.
Aqui chegados, há agora que apreciar a possibilidade de revisão neste condicionalismo, e analisar os requisitos decorrentes dos nºs 4 e 5 do artigo 78º da LGT, para o que nos socorremos e seguimos, também aqui com as necessárias adaptações, da jurisprudência que decorre da decisão arbitral proferida no processo nº 487/2020-T do CAAD:
“(…) verificada a tempestividade do pedido teremos que apreciar se a fixação dos valores patrimoniais resultam de qualquer informação incorretamente prestada pela Requerente relativamente à natureza dos prédios, o que não se verifica, uma vez que a avaliação foi realizada pela AT, com base numa fórmula prevista na Lei, sem qualquer intervenção da Requerente.
Esta circunstância afasta qualquer comportamento negligente da sua parte. Antes pelo contrário, o erro tem de ser completamente imputável à AT, na medida em que utilizou na avaliação e fixação de valores patrimoniais dos terrenos para construção, as normas legais aplicáveis aos prédios edificados, o que nos permite concluir que os erros apontados pela Requerente na fixação dos valores patrimoniais dos terrenos para construção em causa, só poderão ser exclusivamente imputáveis à AT. Tais erros conduziram ao apuramento de valores patrimoniais dos terrenos para construção não correspondentes ao legalmente previsto no artigo 45º do CIMI e consequentemente aos atos de liquidação de IMI desproporcionalmente superiores aos legalmente exigíveis, o que se traduz em “injustiça grave ou notória”, ficando, deste modo, preenchidos os requisitos exigidos pelo nº 4 do artigo 78º da LGT.”
Vertendo a jurisprudência citada para o caso em concreto, há que concluir que se verificam todos os requisitos exigíveis para a revisão da matéria tributável prevista nos nºs 4 e 5 do artigo 78º da LGT.
Finalmente, importa ainda analisar a tempestividade do pedido de revisão oficiosa apresentado pela Requerente.
A Requerida pugna pela respectiva intempestividade, sustentando que “(…) tendo em conta a data de apresentação do pedido de revisão oficiosa das liquidações, em 30-12-2022 e a data da fixação do VPT que ocorreu em 2018 (que é o ato cuja revisão se pretende) - sempre seria intempestivo face ao prazo previsto no n.º 4 do artigo 78.º da Lei Geral Tributária”.
Vejamos se assim é.
O prazo para ser autorizada a revisão da matéria tributável pelo dirigente máximo do serviço é o prazo dos “três anos posteriores ao do acto tributário”, previsto no n.º 4 do artigo 78.º da LGT.
Os “três anos posteriores ao do acto tributário” terminam no dia 31 de Dezembro do terceiro ano posterior àquele em que foi praticado o acto tributário.
A nota de cobrança de IMI relativa ao ano de 2018, foi emitida em 2019 e a nota de cobrança de AIMI relativa ao ano de 2019, foi emitida em 2020.
Por isso, relativamente ao IMI do ano de 2018, o termo dos três anos posteriores ao do acto tributário, praticado em 2019, ocorreu em 31-12-2022 e quanto ao AIMI do ano de 2019, praticado em 2020, esse termo é 31-12-2023[1].
A Requerente apresentou o pedido de revisão oficiosa em 30-12-2022, pelo que tem de se concluir que foi apresentado tempestivamente.
Conclusão
Verificam-se, assim, todos os requisitos de que depende a revisão da matéria tributável prevista nos n.ºs 4 e 5 do artigo 78.º da LGT, pelo que em vez do indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa, a Autoridade Tributária e Aduaneira deveria ter efectuado a revisão e anulado parcialmente as liquidações impugnadas.
Pelo exposto, justifica-se a anulação do indeferimento tácito do pedido de revisão, quanto à matéria tributável, bem como a anulação parcial das consequentes liquidações de IMI e de AIMI, nas partes em que excederam o que seria devido se tivessem tido como pressupostos avaliações realizadas nos termos legais [artigo 163.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea c), da LGT].
3.2.4. Do reembolso do imposto pago e do pagamento de juros indemnizatórios
A Requerente peticiona o reembolso do imposto indevidamente pago, acrescido de juros indemnizatórios, calculados desde 30 de dezembro de 2023 (um ano após a apresentação dos pedidos de revisão oficiosa) até integral reembolso.
Como consequência da anulação parcial das liquidações há lugar a reembolso da quantia indevidamente paga, o que é consequência da anulação.
A Autoridade Tributária e Aduaneira alega que o Tribunal não possui todos os elementos necessários para fixar o valor a reembolsar, pelo que este deve ser fixado em execução do presente acórdão.
Afigura-se que a Autoridade Tributária e Aduaneira tem razão, pois a determinação do valor exacto a reembolsar depende da determinação dos valores das avaliações de cada um dos prédios e do que, entretanto, a Autoridade Tributária e Aduaneira pode ter já reembolsado, na sequência dos procedimentos de avaliação iniciados em dezembro de 2019, a que a Requente alude em 17º da sua petição.
Quanto ao pedido de pagamento de juros indemnizatórios formulado pela Requerente, o artigo 43.º, n.º 1, da LGT estabelece que são devidos juros indemnizatórios quando se determine, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.
O pedido de revisão do acto tributário é equiparável a reclamação graciosa quando é apresentado dentro do prazo da reclamação administrativa, que se refere no n.º 1 do artigo 78.º da LGT, como se refere no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 12-7-2006, proferido no processo n.º 402/06.
Como também se refere no mesmo acórdão, «nos casos de revisão oficiosa da liquidação (quando não é feita a pedido do contribuinte, no prazo da reclamação administrativa, situação que é equiparável à de reclamação graciosa) (...) apenas há direito a juros indemnizatórios nos termos do art. 43.º, n.º 3, da LGT».
No caso em apreço, a norma à face da qual tem de ser aferida a existência de direito a juros indemnizatórios é a alínea c) deste n.º 3 do artigo 43.º da LGT, que estabelece que estes são devidos «quando a revisão do acto tributário por iniciativa do contribuinte se efectuar mais de um ano após o pedido deste, salvo se o atraso não for imputável à administração tributária»
Como decorre da matéria de facto fixada, o pedido de revisão foi apresentado em 30-12-2022, pelo que apenas a partir de 30-12-2023 há direito a juros indemnizatórios.
Considerando que a Requerente peticiona juros indemnizatórios só a partir de 30-12-2023, procede o pedido de juros que esta formulou.
4. DECISÃO
Nos termos expostos, o Tribunal Arbitral decide:
-
Julgar integralmente procedente o pedido formulado pela Requerente, e em consequência:
-
Anular o indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa;
-
Anular parcialmente os atos tributários de liquidação de IMI referente ao ano de 2018, com o n.º 2018..., de 01.04.2019 e de liquidação de AIMI referente ao ano de 2019, com o n.º 2019..., de 30.06.2019, no montante total de € 231.889,21;
-
Julgar procedente o pedido de reembolso e condenar a Autoridade Tributária Aduaneira a pagar à Requerente a quantia que for determinada em execução do presente acórdão;
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Julgar procedente o pedido de juros indemnizatórios e condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira no pagamento desses juros, calculados a partir de 30-12-2023, sobre o montante que for determinado em execução do presente acórdão.
-
Condenar a Requerida no pagamento das custas do processo.
5. VALOR DO PROCESSO
Fixa-se o valor do processo em € 231.889,21 (duzentos e trinta e um mil, oitocentos e oitenta e nove euros e vinte e um cêntimos), nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT e do artigo 306.º, n.º 2, do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e) do RJAT e do artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.
6. CUSTAS
Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 4.284,00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pela Requerida, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 5, do citado Regulamento.
Notifique-se.
Lisboa, 15 de Fevereiro de 2024.
Os Árbitros,
Fernanda Maçãs
(Árbitro presidente)
Sérgio Santos Pereira
(Árbitro vogal)
Carla Alexandra Pacheco de Almeida Rocha da Cruz
(Árbitro vogal)
[1] Àqueles prazos de caducidade do direito de pedir a revisão oficiosa acrescem ainda os períodos em que esses prazos estiveram suspensos durante o ano de 2021, por força do preceituado no artigo 6.º-C, n.ºs 1, alínea c) e 2, daquela Lei n.º 1-A/2020, aditado pela Lei n.º 4-B/2021, de 1 de Fevereiro.