SUMÁRIO
A inscrição no registo de residentes não habituais tem natureza exclusivamente declarativa, não efeitos substantivos, constitutivos do direito a ser tributado nos termos do respetivo regime.
Os Árbitros Fernando Araújo (Presidente), Rita Guerra Alves e Jónatas Machado (Vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formar o Tribunal Arbitral Coletivo, constituído em 12-09-2023, com respeito ao processo acima identificado, decidiram o seguinte:
Decisão Arbitral
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Relatório
É Requerente A..., titular do número de identificação fiscal ..., residente na Rua de ..., n.º ..., ...-... Lisboa, doravante designado de Requerente ou Sujeito Passivo.
É Requerida a Autoridade Tributaria e Aduaneira, doravante designada de Requerida ou AT.
O Requerente, apresentou o pedido de constituição de Tribunal Arbitral em matéria tributária e pedido de pronúncia arbitral, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º, ambos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, adiante abreviadamente designado por RJAT).
O pedido de constituição do Tribunal Arbitral, foi aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD, e em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66B/2012, de 31 de dezembro, notificada a Autoridade Tributária em 04-07-2023.
O Requerente, não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico, designou como Árbitros, os ora signatários.
Em 24-08-2023, as partes foram devidamente notificadas dessa designação, e não manifestaram vontade de a recusar, nos termos do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT e dos artigos 6.º e 7º do Código Deontológico.
Desta forma, o Tribunal Arbitral Coletivo foi regularmente constituído em 12-09-2023, à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 1, do DL n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, para apreciar e decidir o objeto do presente litígio, e automaticamente notificada a Autoridade Tributaria e Aduaneira, para apresentar a sua resposta.
A AT apresentou a sua resposta em 16-10-2023.
Por despacho de 17-10-2023, foi concedida ao Requerente a faculdade de se pronunciar sobre a matéria de exceção suscitada na resposta da AT, o que o Requerente fez em 30-10-2023.
Em 15-11-2023, foi dispensada a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e concedido prazo para o Requerente, querendo, responder às exceções e questões prévias suscitadas pela Requerida na sua resposta. As Partes foram notificadas para apresentarem alegações escritas finais pelo prazo sucessivo de 15 dias e o Tribunal indicou a data previsível para prolação da decisão arbitral, com advertência da necessidade de pagamento da taxa arbitral subsequente pela Requerente.
O Requerente e a Requerida apresentaram as suas alegações respetivamente em 30-11-2023 e 12-12-2023.
As partes estão devidamente representadas, gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).
O processo não enferma de nulidades.
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Argumentos Das Partes
O ora Requerente, deduziu pedido de pronúncia arbitral de declaração de ilegalidade dos atos tributário de liquidação, em sede de Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, n.º 2021..., 2021... e 2022..., e contra os atos de indeferimento expresso de recursos hierárquicos n.º ...2022... e n.º ...2022..., relativos aos anos de 2019, 2020 e 2021, que fixaram um imposto a pagar de 267.938,95 (duzentos e sessenta e sete mil novecentos e trinta e oito euros e noventa e cinco cêntimos).
A fundamentar o seu pedido de pronúncia arbitral, o Requerente alegou, com vista à declaração de ilegalidade dos atos tributários de liquidação, o seguinte:
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O Requerente, de nacionalidade portuguesa, tem formação em hotelaria e desde há mais de duas décadas tem exercido actividade profissional de gestão operacional e direcção de hotéis, designadamente em alguns dos melhores hotéis da Ásia e noutros resorts de luxo em outras regiões do mundo.
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O Requerente regressou a Portugal em Setembro de 2012, motivado por um convite para assumir a liderança de um projecto hoteleiro, o “E...” (Fundo dedicado ao Turismo e Imobiliário), detido pela B... (sociedade portuguesa gestora independente de fundos de investimento pertencente ao Grupo C...), que adquiriu activos turísticos da banca (alguns insolventes), com vista à sua recuperação e rebranding.
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Já em meados de 2016, o Requerente desvinculou-se do Grupo C... para criar um grupo económico de raiz, dedicado fundamentalmente à restauração e hotelaria, que, sob a marca D...
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Para além de investidor minoritário, o Requerente assumiu funções de Direcção geral das empresas que operam a marca D..., e que detêm a exploração do restaurante ..., do ... e do ... e ainda do salão o salão de chá ... .
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Desde 2003 a 2012, o Requerente não apresentou cá qualquer declaração em Portugal, seja como residente ou como não residente, e não declarou a mudança de residência para o nosso país junto da AT, assumindo o desconhecimento, nessa altura, da existência do regime de Residente Não Habitual (doravante, também “RNH”).
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Quando inicia a sua actividade no Fundo E..., o Requerente não conhecia a possibilidade que a lei lhe facultava de se inscrever como residente não habitual (novidade legislativa à data dos factos) e, desse modo, usufruir do estatuto fiscal daí decorrente, o qual, no caso do Requerente, para além de se encaixar perfeitamente no regime, era evidentemente vantajoso.
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Deste modo, o Requerente submete no início de 2013 a sua Declaração Modelo 3 de IRS de 2012, conjuntamente com a esposa, não entregando o denominado Anexo L.
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É apenas no início de 2014 que o Requerente se vem a aperceber que, tendo em conta o extenso período em que residiu e trabalhou no exterior e as funções executivas desempenhava em várias empresas no sector hoteleiro, do universo Fundo E.../B..., podia beneficiar do regime dos RNH.
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Nesse sentido, e uma vez que todos os requisitos materiais se achavam reunidos, o Requerente decide submeter a Declaração Modelo 3 de IRS de 2013, com o respectivo Anexo L, destinado precisamente aos RNH;
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Ora, esta foi logo recusada pelo sistema informático de “gestão de divergências” da AT, por motivo de ausência de registo no cadastro enquanto RNH, tendo o IRS de 2013 do Requerente sido computado como se de um residente “habitual” se tratasse.
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Em resultado dessa malograda declaração, no dia 11-07-2014 o Requerente solicitou à AT a sua inscrição como RNH, e a substituição das liquidações adicionais entretanto emitidas (2012 e 2013), aí demonstrando e comprovando documentalmente que apenas no ano de 2012 se havia tornado residente no nosso país para efeitos fiscais e que em nenhum dos 5 anos anteriores residiu fiscalmente em território português nem havia sido tributado como tal.
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Tal requerimento veio a ser rejeitado liminarmente pela AT - por despacho do Director de Serviços de Registo de Contribuintes (DSRC) datado de 16-12-2014, notificado ao contribuinte através do Ofício n.º G... - que o considerou intempestivo, com base em apresentação extemporânea, por referência ao termo do prazo estabelecido no n.º 8 do artigo 16.º do CIRS, de 31 de Março (inclusive) do ano seguinte àquele em que se havia tornado residente, in casu, até 31-03-2013.
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Desse acto de indeferimento expresso, interpôs o Requerente competente recurso hierárquico qual veio a ser igualmente indeferido com o mesmo fundamento de intempestividade, por despacho da Subdirectora-Geral da área da Cobrança da DSRC datado de 27-07-2015, notificado através do Ofício n.º G... .
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Contra esse recurso e, mediatamente, contra o despacho que recusou a sua inscrição como RNH, propôs o Requerente a competente acção administrativa especial, que deu origem ao processo que correu os seus termos no Tribunal Tributário de Lisboa sob o n.º 2972/15.1BELRS.
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Sustenta o Requerente que, apesar de não estar inscrito como RNH no cadastro, tem o direito inequívoco a ser tributado como RNH nos anos de 2019, 2020 e 2021, à taxa de 20% nos rendimentos de trabalho dependente auferidos em atividades de elevado valor acrescentado, o que determina a ilegalidade dos actos tributários imediata e mediatamente impugnados nessa parte, por errada interpretação e subsunção das disposições legais aplicáveis ao caso concreto, tal como consignado no artigo 100.º da LGT.
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Termina o Requerente, peticionado, que o seu pedido seja julgado procedente, com anulação dos actos de indeferimento expresso dos recursos hierárquicos e do acto de indeferimento expresso da reclamação graciosa, e com anulação dos correspondentes actos de liquidação adicional de IRS e de juros compensatórios de 2019, 2020 e 2021 que lhes subjazem, na parte em que não foi aplicada a taxa especial de 20% aos rendimentos de trabalho advenientes do exercício de actividades de EVA. Mais peticiona, o pagamento de uma indemnização pelas garantias bancárias indevidamente prestadas para obter a suspensão das execuções fiscais.
A Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou tempestivamente a sua resposta na qual se defendeu por exceção e por impugnação, em síntese abreviada, alegou o seguinte:
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A incompetência material do Tribunal Arbitral, em virtude da dedução pelo Requerente junto do Tribunal Tributário de Lisboa de uma ação administrativa para anulação do despacho proferido pela Subdirectora-Geral da AT, de 24.07.2015, que indeferiu o pedido de recurso hierárquico apresentado contra o acto de indeferimento do pedido de inscrição como residente não habitual, a qual correu termos sob o nº 2972/15.IBELRS. Nesses autos foi proferida sentença a 03/02/2023, a qual já transitou em julgado.
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Assim, existe uma decisão judicial transitada em julgado que apreciou o pedido do Requerente para ser inscrito no registo de contribuintes como residente não habitual, com efeitos reportados aos anos de 2012, 2013 e seguintes.
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E resultando do pedido e causa de pedir do presente pedido de pronúncia arbitral que o único vício assacado às liquidações controvertidas resulta de não ter sido reconhecido ao Requerente o pretendido estatuto de residente não habitual,
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Cumpre, desde logo, deduzir a excepção da incompetência material do Tribunal Arbitral para conhecer do estatuto do Requerente como residente não habitual e, subsidiariamente, caso assim não se entenda, cumpre ainda deduzir a excepção do caso julgado, sob pena de o Tribunal Arbitral poder incorrer em excesso de pronúncia.
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O pedido e a causa de pedir que delimitam o âmbito do presente pedido de pronúncia arbitral identificam como único vício gerador da ilegalidade das liquidações controvertidas o não reconhecimento pela AT de que o Requerente preenche os pressupostos para poder beneficiar do estatuto de residente não habitual.
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Sendo que, contra esta decisão, interpôs uma ação administrativa especial que correu os seus termos no Tribunal Tributário de Lisboa sob o nº 2972/15.IBELRS.
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Esta acção administrativa teve em vista a substituição daquele despacho por outro que admita a sua inscrição no cadastro fiscal como residente não habitual a partir de 2012 (inclusive), ou, em último ratio, caso se entenda que a intempestividade veda o acesso ao regime naquele ano, que admita a sua inscrição no período remanescente – do período de 10 anos consecutivos a que sempre teria direito (…).
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No entender da Requerida, o Tribunal Arbitral é, todavia, incompetente para conhecer essa questão prévia, e única, que o Requerente suscita nos presentes autos, a qual, além de ser autonomamente impugnável, o que justificou a acção administrativa intentada, respeita ainda a uma questão que não comporta a apreciação da legalidade de um acto tributário por se situar, justamente, a montante da prática dos actos tributários.
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O ato de indeferimento do pedido de inscrição no registo de contribuintes como residente não habitual apresentado pelo Requerente é um ato administrativo em matéria tributária que não comporta a apreciação da legalidade do ato de liquidação.
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Nos termos supra expostos, deve a incompetência absoluta em razão da matéria ser julgada procedente com a consequente absolvição da instância.
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Mais invoca a Requerida a exceção do caso julgado uma vez que a questão de o Requerente reunir as condições para poder beneficiar do estatuto de residente não habitual já foi objecto de decisão judicial transitada em julgado.
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Já que, no entender da Requerida, atendendo ao pedido e à causa de pedir que delimitam o objecto do presente pedido de pronúncia arbitral, e considerando a extensão da sentença proferida nos autos de acção administrativa supra aludidos, resulta forçoso concluir que a questão colocada sob pronúncia do Tribunal Arbitral é uma questão prévia relativamente à ilegalidade das liquidações controvertidas, susceptível de impugnação autónoma, e que já foi decidida em sede própria, a acção administrativa especial que correu termos no Tribunal Tributário de Lisboa, através de sentença transitada em julgado.
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Tendo a decisão judicial transitado em julgado, e sendo o seu objecto coincidente com a questão suscitada nos autos atinente ao reconhecimento do estatuto do Requerente como residente não habitual, deve a excepção do caso julgado, relativamente à questão prévia invocada para fundamento do pedido de pronúncia arbitral, ser julgada procedente com as devidas e legais consequências.
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Por impugnação, a Requerida sustentou que incumbe ao Requerente fazer a prova dos factos alegados como requisitos de aplicação do regime pretendido, de acordo com o ónus probatório que sobre ele impende, o que se entende não estar plenamente concretizado.
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Termina a Requerida peticionando que deve o pedido ser julgado improcedente com as devidas e legais consequências
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Do Mérito
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Questões Decidendas
Atenta a posição das partes, adotadas nos argumentos por cada apresentada, constituem questões centrais a dirimir:
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A incompetência material do Tribunal Arbitral;
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A exceção do caso julgado;
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A ilegalidade das liquidações em sede de Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Singulares com os n.os 2021..., 2021... e 2022..., que fixaram um imposto a pagar de 267.938,95 (duzentos e sessenta e sete mil novecentos e trinta e oito euros e noventa e cinco cêntimos);
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O direito do Requerente a uma indemnização pelas garantias bancárias indevidamente prestadas para obter a suspensão das execuções fiscais.
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Fundamentação De Facto
Consideram-se provados os seguintes factos, assentes na prova documental constante do processo, e que não mereceu impugnação:
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O Requerente tem nacionalidade portuguesa, tem formação em hotelaria e desde há mais de duas décadas tem exercido actividade profissional de gestão operacional e direcção de hotéis, designadamente em hotéis da Ásia e noutros resorts noutras regiões do mundo.
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O Requerente regressou a Portugal em Setembro de 2012, motivado por um convite para assumir a liderança de um projecto hoteleiro, o “E...” (Fundo dedicado ao Turismo e Imobiliário), detido pela B... (sociedade portuguesa gestora independente de fundos de investimento pertencente ao Grupo C...), que adquiriu activos turísticos da banca (alguns insolventes), com vista à sua recuperação e “rebranding”.
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De 2003 a 2012, o Requerente não apresentou em Portugal qualquer declaração, seja como residente, seja como não residente, e não declarou a mudança de residência para o nosso país junto da AT.
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Entre 2003 e 2012, o Requerente não era residente fiscal em Portugal.
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O Requerente submeteu em 2013 a sua Declaração Modelo 3 de IRS de 2012, conjuntamente com a esposa, não entregando o denominado Anexo L. cfr. RIT
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O Requerente posteriormente decidiu submeter uma nova Declaração Modelo 3 de IRS de 2013, com o respectivo Anexo L, e esta foi logo recusada pelo sistema informático de “gestão de divergências” da AT, por motivo de ausência de registo no cadastro enquanto RNH, tendo o IRS de 2013 do Requerente sido computado como se de um residente “habitual” se tratasse. cfr. RIT
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No dia 11-07-2014 o Requerente solicitou à AT a sua inscrição como RNH, e a substituição das liquidações adicionais entretanto emitidas (2012 e 2013). cfr. RIT
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Este requerimento foi rejeitado liminarmente pela AT - por despacho do Director de Serviços de Registo de Contribuintes (DSRC) datado de 16-12-2014, notificado ao contribuinte através do Ofício n.º G... . cfr. RIT
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Desse acto de indeferimento expresso, interpôs o Requerente competente recurso hierárquico – o qual veio a ser igualmente indeferido com o mesmo fundamento de intempestividade, por despacho da Subdirectora-Geral da área da Cobrança da DSRC datado de 27-07-2015, notificado através do Ofício n.º .... cfr. RIT
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Contra esse recurso, e, mediatamente, contra o despacho que recusou a sua inscrição como RNH, interpôs o Requerente a competente acção administrativa especial, que deu origem ao processo que correu os seus termos no Tribunal Tributário de Lisboa sob o n.º 2972/15.1BELRS. Nos autos foi proferida sentença a 03/02/2023, a qual transitou em julgado.
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Foram emitidos os actos de liquidação adicional de IRS de 2019, 2020 e 2021 e correspondentes juros compensatórios num montante global de € 267.938,95, respetivamente: IRS 2019 Demonstração de Liquidação de IRS n.º 2021..., relativa ao período de rendimentos de 01-01-2019 a 31-122019, de 17-04-2021, e da Demonstração de Acerto de Contas n.º 2021..., de 30-04-2021, num valor a pagar de € 85.416,77. IRS 2020 - Demonstração de Liquidação de IRS n.º 2021..., relativa ao período de rendimentos de 01-01-2020 a 31-122020, de 05-07-2021, num valor a pagar de € 93.889,17. IRS 2021 Demonstração de Liquidação de IRS n.º 2022..., relativa ao período de rendimentos de 01-01-2021 a 31-122021, de 30-06-2022, num valor a pagar de € 88.633,01. cfr. RIT
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O Requerente foi citado, na qualidade de Executado, para o processo de execução fiscal sob o n.º ...2021... que corre termos no Serviço de Finanças de Lisboa - ..., sendo que o valor a garantir ascendia a € 108.466,69. 30-07-2021. O Requerente apresentou no processo executivo uma garantia bancária emitida pelo Novo Banco sob o nº ..., emitida a 26-07-2021, no valor global de € 108.466,69, com vista à suspensão da execução. Cfr. documento n.º 16 a 18 do PPA.
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Em 03-10-2021, o Requerente foi citado, na qualidade de Executado, para o processo de execução fiscal sob o n.º ...2021... que corre termos no Serviço de Finanças de Lisboa - ..., sendo que o valor a garantir ascendia a € 119.274,70. Cfr. documento n.º 16 a 18 do PPA.
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Em 30-07-2021 o Requerente apresentou no processo executivo uma garantia bancária emitida pelo Novo Banco sob o nº..., emitida a 26-10-2021, no valor global de € 119.274,70, com vista à suspensão da execução. Cfr. documento n.º 16 a 18 do PPA.
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Em 26-09-2022, o Requerente foi citado, na qualidade de Executado, para o processo de execução fiscal sob o n.º ...2022... que corre termos no Serviço de Finanças de Lisboa - ..., sendo que o valor a garantir ascendia a € 112.498,84. Cfr. documento n.º 16 a 18 do PPA.
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Em 24-10-2022 o Requerente apresentou no processo executivo uma garantia bancária emitida pelo Novo Banco sob o nº..., emitida a 20-10-2022, no valor global de € 112.498,84, com vista à suspensão da execução. Cfr. documento n.º 16 a 18 do PPA.
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Em 2016, o Requerente desvinculou-se do Grupo C... para criar um grupo económico de raiz, dedicado fundamentalmente à restauração e hotelaria, sob a marca D... . Sendo investidor minoritário, o Requerente assumiu funções de Direcção geral das empresas que operam a marca D..., e que detêm a exploração do restaurante ..., do ... e do ... e ainda do salão o salão de chá ... .
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O Requerente apresentou no CAAD, em 4 de Julho de 2023, o pedido de constituição do Tribunal Arbitral que deu origem ao presente processo.
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Factos Não Provados
Não há factos com interesse para a decisão da causa que tenham ficado por provar.
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Fundamentação Da Fixação Da Matéria De Facto
Tendo em conta as posições assumidas pelas partes, o disposto nos artigos 110.º, n.º 7 e 115.º, n.º 1, ambos do CPPT, a prova documental e o PPA junto aos autos, consideraram-se provados e não provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados.
Ao Tribunal incumbe o dever de selecionar os factos que interessam à decisão e discriminar a matéria que julga provada e declarar a que considera não provada, não tendo de se pronunciar sobre todos os elementos da matéria de facto alegados pelas partes, tal como decorre dos termos conjugados do artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e do artigo 607.º, n.º 3, do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT.
Os factos pertinentes para o julgamento da causa foram assim selecionados e conformados em função da sua relevância jurídica, a qual é definida tendo em conta as várias soluções plausíveis das questões de direito para o objeto do litígio, tal como resulta do artigo 596.º, n.º 1 do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.
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Matéria De Direito
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Delimitação das questões a decidir:
Passemos à consideração das questões a decidir:
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A exceção de incompetência material;
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A exceção do caso julgado;
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A impugnação, por ilegalidade, das liquidações de IRS;
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O direito à indemnização por prestação indevida de garantias bancárias.
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Sobre a exceção de incompetência material do Tribunal Arbitral para a apreciação do pedido de aplicação à Requerente do regime jurídico-tributário dos residentes não habituais.
São de conhecimento prioritário as questões relativas a incompetência, nos termos do disposto no artigo 13.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA) aplicável aos processos arbitrais tributários por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea c), do RJAT.
A Requerida invoca que o tribunal é incompetente para conhecer essa questão que o Requerente suscita nos presentes autos, a qual, além de ser autonomamente impugnável, o que justificou a acção administrativa intentada, respeita ainda a uma questão que não comporta a apreciação da legalidade de um acto tributário, por se situar a montante da prática dos actos tributários.
Entende a Requerida, portanto, que o ato de indeferimento do pedido de inscrição no registo de contribuintes como residente não habitual, apresentado pelo Requerente, é um ato administrativo em matéria tributária que não comporta a apreciação da legalidade do ato de liquidação.
O Requerente defende que o que está em causa nos presentes autos é a ilegalidade dos atos de liquidação de IRS referentes aos anos de 2019, 2020 e 2021, subsequentes à comunicação à AT para inscrição no registo de RNH (que podia ser fiscalizado antes de processadas as liquidações) não tendo sido levada em linha de conta a automaticidade do benefício. Assim, a apreciação da ilegalidade daqueles atos tributários poderia e deveria ser levada a cabo em sede arbitral, independentemente do desfecho da ação administrativa e de o Requerente estar, ou não, inscrito no cadastro como RNH – solicitando o Requerente que seja declarada a improcedência da exceção dilatória de incompetência material do tribunal para a apreciação do pedido de aplicação do regime de RNH às liquidações em crise.
Vejamos.
A competência material do tribunal, como pressuposto processual, é aferida pela forma como o demandante conforma a respetiva causa de pedir e o pedido, determinando-se, pois, pelos termos em que a ação é configurada pelo autor, e em que são expostos a pretensão deduzida em juízo e os factos com relevância jurídica (vd. os acórdãos do Tribunal Central Administrativo Sul de 28.11.2019, proc. n.º 44/19.9BCLSB e de 7.4.2022, proc. n.º 56/21.2BCLSB).
Em consequência, para determinação da competência material do Tribunal, cabe atender à articulação da causa de pedir e da pretensão jurídica formulada pelo demandante na sua petição inicial.
A incompetência em razão da matéria é uma exceção dilatória (artigo 89.º, n.º 4, alíneas a) e k), do CPTA, subsidiariamente aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea d), do RJAT), de que o tribunal pode conhecer oficiosamente, obstando a que o tribunal conheça do mérito da causa, dando lugar à absolvição da instância (artigos 89.º, n.º 2, do CPTA e 278.º, n.º 1 al. a), do CPC), bem como é de conhecimento prioritário, nos termos do artigo 608.º, do CPC, de aplicação subsidiária ao processo arbitral tributário, por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.
A competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD é, em primeiro lugar, limitada às matérias indicadas no artigo 2.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (RJAT).
Refere-se nesta norma que a competência dos tribunais arbitrais compreende a apreciação das seguintes pretensões:
a) A declaração de ilegalidade de atos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta;
b) A declaração de ilegalidade de atos de fixação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de atos de determinação da matéria coletável e de atos de fixação de valores patrimoniais; (redação da Lei n.º 64-B/2011, de 30 de dezembro)
O artigo 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril, autorizou o Governo a legislar “no sentido de instituir a arbitragem como forma alternativa de resolução jurisdicional de conflitos em matéria tributária”, de modo que o processo arbitral tributário constituísse “um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária”.
O Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (RJAT), concretizou a mencionada autorização legislativa com um âmbito mais restrito do que o inicialmente previsto, não contemplando uma competência alternativa à da acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária, e “instituiu a arbitragem tributária limitada a determinadas matérias, arroladas no seu art.º 2.º” fazendo depender a vinculação da administração tributária de “portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da justiça, que estabelece, designadamente, o tipo e o valor máximo dos litígios abrangidos”.
Pelo exposto, os tribunais arbitrais que funcionam no CAAD são competentes à face da alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do RJAT, para apreciar a legalidade das liquidações de IRS, inclusive as que não são procedidas de impugnação administrativa.
Dado o carácter voluntário da sujeição à jurisdição arbitral, numa segunda linha a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD é também limitada pelos termos em que a Administração Tributária se vinculou àquela jurisdição, concretizados na Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, pois o art. 4.º, n.º 1 do RJAT estabelece que “a vinculação da administração tributária à jurisdição dos tribunais constituídos nos termos da presente lei depende de portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da justiça”.
Retomando os autos, a questão aqui colocada versa sobre a impugnação dos atos de liquidação de IRS, dos anos 2019, 2020 e 2021, sobre a qual a Requerente alega que não foi permitida a aplicação do regime de RNH.
Pese embora o Requerente tenha também impugnado o despacho de indeferimento do pedido de inscrição como residente não habitual, na ação administrativa especial, que correu termos sob o processo 2972/15.1BELRS, essa é matéria que não cabe analisar nesta instância.
Aliás, na ação administrativa especial, que correu termos sob o processo 2972/15.1BELRS, resulta da sentença nela proferida que o aqui Requerente deduziu uma “acção administrativa especial para anulação do despacho proferido pela Subdirectora-Geral da área de Cobrança da AT, de 24.07.2015, que indeferiu o pedido de recurso hierárquico apresentado contra o acto de indeferimento do pedido de inscrição como residente não habitual.”
Resulta também dessa sentença que “as questões decidendas, a apreciar nos autos, reconduzem-se a saber: i) Se padece de ilegalidade a decisão de indeferimento do pedido de inscrição do Autor como residente não habitual, com efeitos a 2012; ii) Se deve ser promovida a inscrição como residente não habitual para os anos de 2013 e seguintes.”
Mais decidiu: “Importa começar por delimitar o objecto dos autos, o qual, considerando os pedidos formulados na petição inicial, se reconduz apenas ao procedimento administrativo de inscrição no cadastro do contribuinte como residente não habitual (“RNH”), não cabendo analisar, portanto, nem as liquidações de IRS, nem o modo ou estatuto segundo o qual o Autor deve ser tributado nesses períodos. Relembre-se que a pretensão do Autor é i) a sua inscrição como RNH a partir de 2012; e caso se entenda o acesso ao regime vedado para 2012, ii) promover a inscrição como RNH para o ano de 2013 e seguintes – nada é pedido quanto ao direito a ser tributado como RNH, para o que seria necessário, para suportar tal pretensão, um acto de liquidação subjacente.”
Da sentença, resulta expressamente a não-pronúncia ou análise das liquidações em sede de IRS.
Sobre este ponto já existe jurisprudência no CAAD, com decisões proferidas em situações similares às dos presentes autos, designadamente nos processos arbitrais números 262/2018-T, 188/2020-T, 777/2020-T, 815/2021-T, tendo-se neles decidido no sentido de que o Tribunal Arbitral é competente para se pronunciar sobre os atos de liquidação de IRS, quando é suscitada a aplicação do RNH, mesmo nas situações em que existe igualmente uma impugnação do indeferimento do pedido de inscrição como RNH.
Sobre a aplicabilidade do regime de RNH nos atos de liquidação, mesmo existindo uma ação contra o pedido de indeferimento de RHN, as referidas decisões têm vindo a entender que cabe na sua competência a pronúncia quanto à sua aplicabilidade.
Vejam-se as decisões proferidas nos processos n.º 188/2020-T , 777/2020-T , 815/2021-T, em especial, como se fez notar no processo 777/2020-T, que parcialmente se transcreve:
“Que o Requerente não se encontra registado como “residente não habitual” é um facto provado. E se foi legal ou ilegal o indeferimento do pedido do Requerente para ser registado como “residente não habitual” é matéria que não cabe analisar nesta instância.
Assim, o que interessa aferir nos presentes autos é apenas se o registo como “residente não habitual,” previsto no n.º 8 (à data dos factos) do art.º 16.º, constitui um requisito formal necessário para que o sujeito passivo possa beneficiar do regime respetivo.
Atente-se na redação do n.º 7 do art.º 16º: “O sujeito passivo que seja considerado residente não habitual adquire o direito a ser tributado como tal pelo período de 10 anos consecutivos a partir do ano, inclusive, da sua inscrição como residente em território português.”
Retomando os autos, entende-se que o direito a ser tributado como residente não habitual depende, portanto, e como se vê, apenas de o sujeito passivo “ser considerado residente não habitual”.
Para que o sujeito passivo possa “ser considerado residente não habitual”, a lei não exige o registo. Pelo contrário, a redação do n.º 6 estabelece que “Consideram-se residentes não habituais em território português os sujeitos passivos que, tornando-se fiscalmente residentes nos termos dos n.os 1 ou 2, não tenham sido residentes em território português em qualquer dos cinco anos anteriores.”
No caso dos autos, e apesar de existir uma conexão subjetiva entre os dois pedidos, essa conexão não se afigura prejudicial em relação à aplicação do regime do “residente não habitual” em cada ano fiscal, pois não há identidade entre os dois pedidos a que se refere o nº 1 do art.º 581º CPC, nem sequer uma interdependência tal que obste ao julgamento da presente causa.
Neste mesmo sentido, veja-se a decisão arbitral no Processo n.º 777/2020-T do CAAD.
Questão diversa são os vícios e os fundamentos apontados pela Requerente para sustentar a ilegalidade do ato tributário, e que serão oportunamente apreciados.
Deste modo, o ato aqui impugnado é o ato tributário de liquidação de IRS dos anos de 2019, 2020 e 2021 e não o ato de indeferimento do pedido de inscrição como RNH, ainda que nos presentes autos se aluda a esse ato de indeferimento.
Considerando a formulação do presente pedido arbitral, tal como exposta no pedido arbitral, o qual versa sobre a impugnação de ato de liquidação de imposto, expressamente prevista no artigo 2º, nº 1, alínea a), do RJAT como matéria de competência dos tribunais arbitrais constituídos no âmbito do CAAD, decide-se pela improcedência da exceção da incompetência material suscitada pela AT.
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Sobre a exceção do caso julgado
A Requerida defende que, existindo já uma decisão judicial transitada em julgado que apreciou o pedido do Requerente para ser inscrito no registo de contribuintes como residente não habitual, com efeitos ao ano de 2012, 2013 e anos seguintes, em 03/03/2023 (processo n.º 2972/15.IBELRS) e resultando do pedido e causa de pedir do presente pedido de pronúncia arbitral que o único vício assacado às liquidações controvertidas consiste na circunstância de não ter sido reconhecido ao Requerente o pretendido estatuto de RNH, estão preenchidos os requisitos de verificação da exceção dilatória de caso julgado, exceção que coloca o Tribunal Arbitral na contingência de incorrer em excesso de pronúncia.
O Requerente defendeu-se, alegando que não assiste razão à AT, uma vez que a sentença proferida no processo n.º 2972/15.1BELRS, já transitada em julgado, apesar de ter julgado improcedente a ação administrativa e de manter, na ordem jurídica, a não inscrição do Requerente como RNH no cadastro, não partilhava a mesma causa de pedir, o mesmo pedido e os mesmos fundamentos do presente processo arbitral, ou seja, não preenche os requisitos legais de procedência da alegada exceção de caso julgado.
O caso jugado constitui uma exceção dilatória que, a verificar-se, obsta ao conhecimento do mérito da causa e conduz à absolvição da instância, nos termos do disposto no artigo 577.º i) e 278.º, n.º 1, e) do CPC, ex vi artigo 29.º, n.º 1 e) do RJAT.
As exceções da litispendência e do caso julgado, nos termos do n.º 1 do artigo 581.º do CPC, pressupõem a repetição de uma causa: se uma causa se repete estando a anterior ainda em curso, há lugar à litispendência; se a repetição se verifica depois de a primeira causa ter sido decidida por sentença que já não admita recurso ordinário, há lugar à exceção do caso julgado. A razão é elementar: evitar que o tribunal seja colocado na alternativa de contradizer ou reproduzir uma decisão anterior (art. 580.º, n.º 2, do CPC).
A doutrina é unânime em considerar que se forma caso julgado quando uma decisão judicial adquire força obrigatória, por ela não se poder já reclamar nem recorrer por via ordinária. (Ac. STA de 13-01-2022, proferido no Proc. 043/13.4BEPRT, que transcreve o entendimento de Manuel de Andrade, Antunes Varela, Alberto dos Reis, Rodrigues Bastos sobre a exceção do caso julgado).
A litispendência e o caso julgado têm, assim, subjacente a ideia da proibição da repetição e potencial contradição entre decisões judiciais.
O artigo 581.º, n.º 1 do CPC exige, cumulativamente, para a verificação da exceção dilatória de caso julgado, a identidade de sujeitos, a identidade do pedido e a identidade da causa de pedir.
Para sabermos se há, ou não, repetição da ação, deve atender-se não só ao critério formal fixado e desenvolvido no artigo 498.º (assente na tríplice identidade dos elementos que definem a ação), mas também no objetivo, já referido, de evitar que o tribunal seja colocado na alternativa de contradizer ou de reproduzir uma decisão anterior.
Vejamos, então, se se verifica, em particular, a identidade da causa de pedir e do pedido formulado em cada um dos processos.
In casu, os sujeitos são os mesmos.
O pedido arbitral tem por objeto as liquidações de IRS dos anos de 2019, 2020 e 2021 e não o ato de indeferimento da inscrição dos Requerentes como “residentes não habituais”. Ou, dito de outro modo, o que está em causa, no presente processo, é determinar se a liquidação é ilegal, e não qualquer outra decisão como a Requerida defende.
Assim, se o pedido – principal – do Requerente consiste na declaração de ilegalidade da liquidação de IRS, e na ação anterior o Requerente peticiona a anulação do ato de inscrição como RNH, o pedido não é idêntico.
Não se ignora, no entanto, que existe uma relação entre os pedidos; contudo, à correlação entre os dois pedidos subjaz um juízo relativamente ao mérito do pedido, a natureza prejudicial do registo como RNH para sua aplicação, anual, na liquidação de IRS.
Sucede que, como infra se demonstrará, não resulta da lei que o registo do sujeito passivo como RNH seja um requisito substantivo para a aplicação do regime em cada ano fiscal.
Se o registo como “residentes não habituais” – objeto da ação administrativa especial n.º 62/21.7BELRS, não é prejudicial relativamente à aplicação do regime de RNH em cada ano fiscal, não existe identidade quanto ao pedido e à causa de pedir, nem interdependência que obste à apreciação do mérito deste processo arbitral.
O processo n.º 2972/15.1BELRS, decisão já transitada em julgado, apesar de ter julgado improcedente a ação administrativa, e de manter, na ordem jurídica, a não inscrição do Requerente como RNH no cadastro, não partilhava a mesma causa de pedir, o mesmo pedido e os mesmos fundamentos do presente processo arbitral, e esses são os requisitos legais da procedência da alegada exceção do caso julgado (artigos 580.º e 581.º do Código de Processo Civil - CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT).
Conclui-se, assim, pela improcedência, neste processo, da exceção dilatória de caso julgado.
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Sobre a ilegalidade das liquidações de IRS impugnadas, por não considerarem o Estatuto de Residente não Habitual
Centremo-nos agora na questão principal objecto do presente pedido arbitral, que é a de saber se o pedido de inscrição como residente não habitual tem natureza substantiva (como formalidade “ad substantiam”), ou tem natureza meramente declarativa (constituindo uma formalidade “ad probationem”).
Centrando agora a apreciação na matéria de fundo da alegada ilegalidade das liquidações de IRS em causa, o ponto fáctico-jurídico estruturante da pretensão deduzida nos autos prende-se com a aplicação ao Requerente, nos anos de 2019, 2020 e 2021, do regime dos residentes não habituais.
Surge aqui, como questão a resolver, a de saber se a inscrição no registo da condição de RNH possui, não uma natureza meramente declarativa, mas eficácia constitutiva, no sentido de que se trata, com essa inscrição cadastral, de um pressuposto específico sem o qual não é possível beneficiar das reduções ou isenções fiscais que são conferidas ao contribuinte em razão dessa condição de RNH.
Há, sobre esta questão, abundante jurisprudência que se seguirá de perto.
Temos presente, em particular, as decisões do CAAD proferidas nos processos n.os 188/2020-T, 777/2020-T, 815/2021-T, 705/2022-T, e 57/2023-T.
Assim, passamos a apreciar.
O regime do RNH foi inicialmente previsto no artigo 23.º do Código Fiscal do Investimento, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 249/2009, de 23 de setembro, tendo criado o regime fiscal para o RNH em sede de IRS, tendo em vista atrair para Portugal profissionais não residentes qualificados em atividades de elevado valor acrescentado ou da propriedade intelectual, industrial ou know-how, bem como beneficiários de pensões obtidas no estrangeiro.
O regime jurídico do RNH é enformado por uma política fiscal de atração de investimento estrangeiro no âmbito da realidade económico-financeira que resulta da crise (financeira) que limitou o crescimento económico em Portugal no início do século XXI. Ou, dito de outro modo, pretende promover o crescimento económico através da formação de capital humano, da transferência de inovação tecnológica e know-how e, assim, o desenvolvimento das empresas no país recetor de residentes e da competitividade do tecido empresarial.
Esse regime exige, assim, o cumprimento dos seguintes requisitos: i) que o sujeito passivo se torne fiscalmente residente em território português, de acordo com qualquer um dos critérios estabelecidos nos números 1 e 2 do artigo 16.º do CIRS, no ano relativamente ao qual se pretenda a tributação como residente não habitual; e ii) que não tenha sido considerado residente em território português em qualquer dos cinco anos anteriores (àquele ano em que se pretende a tributação como RNH).
O direito à tributação como RNH fica condicionado ao cumprimento dos requisitos descritos no n.º 1 e 2 do artigo 16.º do CIRS e, concomitantemente, “da inscrição como residente em território português”, e não da inscrição como RNH .
Iniciamos pela análise do regime fiscal aplicável à data dos factos (2019 a 2021), anos nos quais o regime do Estatuto do Residente não Habitual rege-se pela redação dos n.ºs 8 a 10 do Código do IRS, conforme segue:
8 - Consideram-se residentes não habituais em território português os sujeitos passivos que, tornando-se fiscalmente residentes nos termos dos n.os 1 ou 2, não tenham sido residentes em território português em qualquer dos cinco anos anteriores.
9 - O sujeito passivo que seja considerado residente não habitual adquire o direito a ser tributado como tal pelo período de 10 anos consecutivos a partir do ano, inclusive, da sua inscrição como residente em território português.
10 - O sujeito passivo deve solicitar a inscrição como residente não habitual, por via eletrónica, no Portal das Finanças, posteriormente ao ato da inscrição como residente em território português e até 31 de março, inclusive, do ano seguinte àquele em que se torne residente nesse território.
Constata-se assim que os critérios para ter o estatuto de RNH são definidos pelo n.º 8 do artigo 16.º CIRS, que estabelece um critério positivo e negativo.
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Critério positivo: tornarem-se fiscalmente residentes nos termos do n.º 1 e 2 do artigo 16.º do Código do IRS (1.ª parte do n.º 8 do artigo 16.º do CIRS);
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Critério negativo: não terem sido residentes em território português nos cinco anos anteriores (2.ª parte do n.º 8 do artigo 16.º do CIRS).
Por seu turno, o n.º 10 do mesmo artigo, refere que o contribuinte “deve” solicitar a sua inscrição até ao dia 31 de Março do ano seguinte em que se torne residente fiscal em Portugal. Trata-se de estabelecer como limite o dia anterior ao prazo do início da entrega do Modelo 3 do IRS (1 de Abril), previsto no artigo 60.º do CIRS, com vista a facilitar a tarefa de organização administrativa do cadastro, mormente com a liquidação do IRS dos beneficiários de tal estatuto.
Deste modo, do confronto dos números 8 a 10 do artigo 16.º do CIRS, dúvidas não restam de que os requisitos estão unicamente previstos no respectivo n.º 8.
Concluindo-se assim que a inscrição como residente não habitual, por via eletrónica, no Portal das Finanças, antes da data-limite prevista no n.º 10 do artigo 16.º do CIRS, tem natureza exclusivamente declarativa, e não tem efeitos constitutivos do direito a ser tributado nos termos do respectivo regime.
Voltando ao caso dos autos, dúvidas não restam de que o Requerente não foi residente fiscal antes de 2012, e apenas nesse ano se tornou residente fiscal. Facto que, aliás, nem sequer é contestado pela Requerida.
Acresce que, pela entrega das respetivas declarações modelos 3 do IRS com o anexo L, e com o pedido de inscrição como residente não habitual, ainda que em data posterior, é inequívoco que pretende beneficiar de tal regime, dado que cumpre os respetivos requisitos de atribuição.
Acompanha-se a fundamentação da decisão arbitral do processo n.º 777/2020-T, no sentido de que vale “(…) a junção dos anexos L à declaração de rendimentos como pedido, dirigido à AT, para ser tributado pelo regime dos “residentes não habituais (…)”
E concorda-se igualmente com a mesma decisão arbitral na parte em que decidiu que:
“(…) o que interessa aferir nos presentes autos é apenas se o registo como “residente não habitual,” previsto no n.º 8 (à data dos factos) do art.º 16.º, constitui um requisito formal necessário para que o sujeito passivo possa beneficiar do regime respetivo.
Atente-se na redação do n.º 7 do art.º 16º: “O sujeito passivo que seja considerado residente não habitual adquire o direito a ser tributado como tal pelo período de 10 anos consecutivos a partir do ano, inclusive, da sua inscrição como residente em território português.”
O direito a ser tributado como residente não habitual depende, portanto, e como se vê, apenas de o sujeito passivo “ser considerado residente não habitual”.
Para que o sujeito passivo possa “ser considerado residente não habitual”, a lei não exige o registo, pelo contrário, o n.º 6 é inequívoco ao estabelecer que “Consideram-se residentes não habituais em território português os sujeitos passivos que, tornando-se fiscalmente residentes nos termos dos n.os 1 ou 2, não tenham sido residentes em território português em qualquer dos cinco anos anteriores.”
Ou seja, para que o sujeito passivo possa “ser considerado residente não habitual”, basta que se verifiquem os dois requisitos, positivo e negativo, a que já nos referimos; não sendo nenhum deles o registo como residente não habitual.
Afigura-se assim evidente que a letra das disposições relevantes não permite a conclusão de que o registo como residente habitual seja requisito substancial, ou constitutivo, de aplicação do regime.
Acompanha-se igualmente a fundamentação do processo nº 188/2020-T:
“Não obstante, como por regra ocorre, a interpretação da lei fiscal não pode, nem deve, ficar-se pelo teor literal dos normativos imediatamente aplicáveis, devendo, antes, e mais não seja pela imposição da realização dos princípios da tributação da capacidade contributiva e da justiça material, decorrentes dos artigos 4.º, n.º 1, e 5.º, n.º 2, da LGT, identificar-se a finalidade material do regime a aplicar, através da compreensão da natureza das normas convocáveis, das finalidades por si visadas, e do contexto sistemático das mesmas.
Sob esta perspectiva, a norma do n.º 10 do artigo 16.º do CIRS, que disciplina a data limite até à qual os sujeitos passivos que reúnam os pressupostos materiais de que depende a tributação de acordo com o regime dos residentes não habituais podem requerer a inscrição como residente não habitual – até 31 de Março, inclusive, do ano seguinte àquele em que se torne residente em território nacional -, deverá entender-se como uma norma essencialmente procedimental, de organização do sistema operacional de tributação, que visa assegurar sua efectividade e o seu normal funcionamento, sendo, especialmente e desde logo de notar que a norma em causa, não tem subjacentes quaisquer finalidades de evitar a fraude ou a evasão fiscal.
E, nem se diga, como faz a AT, que não tendo o Requerente respeitado o prazo previsto no n.º 10 do artigo 16.º do Código do IRS para requerer a sua inscrição como residente não habitual, não pode beneficiar desse regime em qualquer um dos dez anos a que teria direito se tivesse apresentado o pedido dentro do prazo. Tratando-se a obrigação de apresentar o pedido de inscrição como residente não habitual, de uma obrigação meramente declarativa e, portanto não constitutiva do direito a beneficiar daquele regime, o atraso na entrega de declarações constitui uma contraordenação tributária prevista e punida nos termos do artigo 116.º do RGIT, e não deverá ter como consequência, sem mais, o não enquadramento no regime do residente não habitual.”
Deste modo, é patente a diferença de redacção com a anterior versão do n.º 2 do artigo 23.º Código Fiscal do Investimento, como bem se observa na decisão do processo n.º 705/2022-T:
“Esta interpretação mostra-se corroborada pelo confronto com a anterior regulação do regime dos residentes não habituais. Recorde-se que, na versão do Decreto-Lei n.º 249/2009, o art. 23.º, n.º 2 do Código Fiscal do Investimento dispunha que: “O sujeito passivo que seja considerado residente não habitual adquire o direito a ser tributado como tal, pelo período de 10 anos consecutivos, renováveis, com a inscrição dessa qualidade no registo de contribuintes da DGCI” e o então n.º 7 do art. 16.º do CIRS afirmava, do mesmo modo, que: “O sujeito passivo que seja considerado residente não habitual adquire o direito a ser tributado como tal pelo período de 10 anos consecutivos, renováveis, com a inscrição dessa qualidade no registo de contribuintes da Direcção-Geral dos Impostos”. Como se observa, a ligação que então se fazia entre a inscrição da qualidade de residente não habitual no registo dos contribuintes e a aquisição do direito a ser tributado como tal desapareceu da regulação vigente, a qual apenas conexiona a aquisição do direito a ser tributado como residente não habitual à consideração como tal em atenção à factualidade de os sujeitos passivos se tornarem fiscalmente residentes nos termos dos n.ºs 1 ou 2 do art. 16.º do CIRS e não terem sido residentes em território português em qualquer dos cinco anos anteriores, que são, pois, os únicos requisitos de que depende essa condição.”
Conclui-se assim que o Requerente cumpre com os requisitos previstos no nº 8 do artigo 16.º do CIRS, os quais, como já se viu, são os únicos requisitos exigidos por lei para que um sujeito passivo possa beneficiar do regime dos RNH.
Igualmente se conclui que, por seu turno, a inscrição no registo de residentes não habituais tem natureza exclusivamente declarativa, e não efeitos constitutivos do direito de ser tributado nos termos do respectivo regime.
O pedido de inscrição como residente não habitual, estabelecido no n.º 10 do art. 16.º do CIRS deve, então, reputar-se um dever acessório do contribuinte (art. 31.º, n.º 2 da LGT), que serve a finalidade de facilitação da fiscalização da situação tributária do contribuinte e da aplicação do beneficio fiscal, de modo a que a AT proceda ao controlo dos registos do contribuinte no seu cadastro, bem como dos demais elementos em seu poder, solicite eventuais elementos adicionais para verificar que o interessado foi considerado como residente fiscal noutra jurisdição, e valide o cumprimento dos requisitos legalmente previstos.
Sendo, porém, da verificação destes requisitos, e não da solicitação ou realização daquela inscrição no registo, que depende a constituição do direito a ser tributado, de modo desagravado, como RNH.
Assim, considerando que se trata de um dever acessório, ao respetivo incumprimento pode corresponder uma contraordenação tributária (cfr. art. 117.º do Regime Geral das Infrações Tributárias), mas isso não interfere com o direito à redução ou isenção tributária adveniente do regime do RNH, que assenta estritamente na satisfação das condições materiais legalmente previstas, e não pressupõe, como requisito substancial adicional, a inscrição cadastral.
Conclui-se, pois, que a aplicação do regime dos residentes não habituais exige a verificação de dois requisitos – de o sujeito passivo se ter tornado fiscalmente residente em território português e não ter sido nele residente em qualquer dos cinco anos anteriores –, mas não depende da correspondente inscrição no cadastro.
Como tal, a falta ou intempestividade da inscrição como residente não habitual não determina, por si mesma, a exclusão do regime correspondente.
Destarte, pelo facto de não ter sido aplicado o regime dos residentes não habituais, os actos de liquidação em causa são ilegais por erro nos pressupostos de direito, o que implica a sua anulação, nos termos do n.º 1 do artigo 163.º do Código do Procedimento Administrativo.
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Pedido de indemnização pela prestação de garantia indevida
Pede ainda o Requerente a condenação da AT ao pagamento de uma indemnização pelo prejuízo sofrido pelo Requerente com a prestação de garantia para suspensão dos processos de execução fiscal das dívidas aqui controvertidas.
Com efeito, o Requerente apresentou à Autoridade Tributária garantias bancárias a fim de suspender o processo de execução fiscal instaurado para cobrança da dívida de IRS do ano 2019, 2020 e 2021 aqui controvertida.
Tal garantia foi aceite pela Autoridade Tributária.
Nos termos do art.º 53º, n.º 1, LGT, o devedor que, para suspender a execução, ofereça garantia bancária ou equivalente será indemnizado total ou parcialmente pelos prejuízos resultantes da sua prestação, caso a tenha mantido por período superior a três anos, em proporção do vencimento em recurso administrativo, impugnação ou oposição à execução que tenham como objeto a dívida garantida.
O prazo mínimo de três anos não se aplicará, contudo, nos termos do n.º 2 do mesmo art.º 53º, quando se verifique, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços na liquidação do tributo.
O conceito de “erro imputável aos serviços” tem sido abundantemente interpretado pelos tribunais, entendendo-se que, sendo objetivo da norma o de indemnizar o contribuinte pelos prejuízos que teve com a prestação de uma garantia que não teria que prestar se a Administração não tivesse atuado ilegalmente, a atuação ilegal da Administração constitui sempre erro imputável aos serviços (acórdão STA de 21-01-2015, proc. n.º 632/14).
E assim, se a Administração Tributária errou nos pressupostos de direito, como ficou demonstrado no caso presente, tal erro é imputável aos serviços, para efeitos do nº 2 do art.º 53.º LGT, constituindo-se assim a AT na obrigação de indemnizar o sujeito passivo.
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Decisão
Face a todo o exposto, o presente Tribunal Arbitral, decide:
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Julgar improcedentes as exceções invocadas pela Requerida;
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Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral, declarando-se a ilegalidade, e consequente anulação, dos atos de liquidação de IRS n.os 2021..., 2021 ... e 2022 ...;
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Declarar a ilegalidade, e consequente anulação, das decisões de indeferimento das reclamações graciosas e recursos hierárquicos que tiveram as referidas liquidações por objeto;
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Condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira a pagar ao Requerente uma indemnização pela prestação de garantia da dívida ilegalmente liquidada, nos termos do art.º 53.º, nºs 1, 2 e 3 da LGT, em valor a determinar em execução de julgado;
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Condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira nas custas do processo.
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Valor do Processo
Fixa-se o valor do processo em € 267.938,95 (duzentos e sessenta e sete mil novecentos e trinta e oito euros e noventa e cinco cêntimos), correspondente ao valor das liquidações, atendendo ao valor económico do processo, aferido pelo valor da liquidação de imposto impugnada.
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Custas
Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 4.896,00[1], nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.
Lisboa, 19 de Fevereiro de 2024
Fernando Araújo
Rita Guerra Alves (Relatora)
Jónatas Machado
[1] Retificado de acordo com o Despacho Arbitral de 2024-02-20