Sumário:
I - Nos termos do disposto no artigo 23.º, n.º 2, do CIVA, conjugado com a alínea b) do seu n.º 3, a Administração Tributária não pode obrigar o sujeito passivo que efetua operações que conferem o direito a dedução e operações que não conferem esse direito, a estruturar a dedução do imposto suportado na aquisição de bens e serviços que sejam utilizados na realização de ambos os tipos de operações através da afetação real de todos ou parte dos bens ou serviços, quando a aplicação do processo referido no n.º 1 conduza ou possa conduzir a distorções significativas na tributação.
II – O normativo constante do n.º 2 do artigo 23.º do Código do IVA (conjugado com o n.º 3) não representa uma transposição para o direito interno da regra da determinação do direito à dedução acolhida no artigo 17.º, n.º 5, terceiro parágrafo, alínea c), da Sexta Diretiva, que se configura como uma disposição derrogatória da regra prevista nos artigos 17.º, n.º 5, primeiro parágrafo, e 19.º, n.º 1, de tal Diretiva, disposições estas reproduzidas na atual Diretiva IVA.
III – Termos em que, a interpretação do artigo 23.º, n.º2, do CIVA, levada a cabo pela AT, entendida por esta como norma como habilitante a aplicar ou a impor à Requerente um coeficiente de dedução diverso do método pro rata, através da imposição de utilização do «coeficiente de imputação específico» indicado no ponto 9. do Ofício Circulado n.º 30108, de 30 janeiro de 2009, é material e formalmente inconstitucional, por violação dos princípios da separação dos poderes (artigos 2.º e 111.º da CRP), do artigo 112.º, n.º 5, da CRP, do princípio da legalidade tributária (103.º, n.º 2 da CRP) e da reserva de lei da Assembleia da República (165.º, n.º 1, alínea I) da CRP, não tendo o legislador feito uso da faculdade que o TJUE entende estar à disposição dos Estados membros de limitar os valores a inserir no numerador e no denominador da aludida fração.
DECISÃO ARBITRAL
Os Árbitros Guilherme W. d´Oliveira Martins, Clotilde Celorico Palma e Sofia Ricardo Borges, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, acordam no seguinte:
I – RELATÓRIO
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A Requerente A...– Sucursal em Portugal, sociedade com sede em ..., ..., ..., ...-..., Amadora, com o número de identificação de pessoa coletiva e de contribuinte..., vem, ao abrigo do disposto no artigo 2.º, n.º 1, alínea a), do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (adiante abreviadamente designado por RJAT) e nos artigos 1.º, alínea a) e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março, requerer a constituição de Tribunal Arbitral, tendo por objeto a decisão de indeferimento, proferida pelo Senhor Chefe de Divisão de Serviço Central da Divisão de Justiça Tributária da Unidade dos Grandes Contribuintes, que recaiu sobre a Reclamação Graciosa apresentada contra o ato de autoliquidação de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA), referente ao período de dezembro de 2020, bem como, este ato de autoliquidação propriamente dito, com os seguintes fundamentos:
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A Requerente é uma instituição de crédito abrangida pelo Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, aprovado pelo Decreto‐Lei n.º 298/92, de 31 de dezembro, que oferece um conjunto alargado de serviços e produtos financeiros a clientes, empresariais e particulares, designadamente, serviços e produtos relacionados com o financiamento e a locação de veículos automóveis.
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A Requerente é um sujeito passivo de IVA, encontrando-se enquadrada no regime normal de periodicidade mensal.
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Ainda em sede de IVA, as operações realizadas pela Requerente encontram-se, regra geral, sujeitas a imposto, beneficiando a maioria delas, contudo, de isenções, nomeadamente das que se encontram previstas no n.º 27 do artigo 9.º do Código do IVA.
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Considerando que realiza, simultaneamente, operações que conferem o direito à dedução do IVA incorrido e operações que não conferem esse direito, a Requerente é qualificada como um sujeito passivo misto, o que a obriga a utilizar os métodos de dedução previstos no artigo 23.º do Código do IVA, para determinação do imposto dedutível, ou seja, os métodos do pro rata (previsto na alínea b) do n.º 1 daquele artigo) e da afetação real (previsto no n.º 2 do mesmo preceito legal).
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A AT, através do Ofício-Circulado da Área de Gestão Tributária do IVA n.º 30108, de 30 janeiro de 2009, veio “impor condições especiais” para a determinação do direito à dedução do IVA incorrido pelas instituições financeiras em recursos indistintamente utilizados na realização de operações que conferem e que não conferem o direito à dedução (“recursos comuns”), quando estas desenvolvam simultaneamente atividades de Leasing ou de ALD - o que é o caso da Requerente.
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Considera a AT, no referido Ofício-Circulado, que “No caso específico das entidades financeiras que desenvolvem igualmente atividades de Leasing ou de ALD, a prática conjunta de operações de concessão de crédito e de locação tributada, incluindo a locação financeira, implica, quando houver bens e serviços adquiridos que sejam conjuntamente utilizados em ambas, a necessidade de recorrer às disposições do artigo 23.º do CIVA para apuramento da parcela do imposto suportado, que é passível de direito a dedução.” (cfr. ponto 5 do Ofício-Circulado).
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Assim, conclui a AT que “considerando que o apuramento do IVA dedutível segundo a aplicação do pro rata geral estabelecido no n.º 4 do artigo 23.º do CIVA é suscetível de provocar vantagens ou prejuízos injustificados pela falta de coerência das variáveis nele utilizadas, ou seja, pode conduzir a «distorções significativas na tributação», os sujeitos passivos que no âmbito de atividades financeiras pratiquem operações de Leasing ou de ALD, devem utilizar, nos termos do n.º 2 do artigo 23.º do CIVA, a afetação real com base em critérios objetivos que permitam determinar o grau de utilização desses bens e serviços, de modo a determinar o montante de IVA a deduzir relativamente ao conjunto das atividades.” (cfr. ponto 8 do Ofício-Circulado).
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O aludido Ofício-Circulado prevê ainda que “Na aplicação do método da afetação real, nos termos do número anterior e sempre que não seja possível a aplicação de critérios objetivos de imputação dos custos comuns, deve ser utilizado um coeficiente de imputação específico, tendo em conta os valores envolvidos, devendo ser considerado no cálculo da percentagem de dedução apenas o montante anual correspondente aos juros e outros encargos relativos à atividade de Leasing ou de ALD.” (cfr. ponto 9 do Ofício-Circulado).
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Face ao acima exposto, a Requerente adotou, de boa-fé e cautelarmente, aquando do cálculo da percentagem de dedução definitiva do ano de 2020, plasmada na última declaração periódica de IVA apresentada por referência ao período de dezembro de 2020, em 19/01/2022, com o n.º... [1] (cfr. Doc. n.º 2 acima junto), o procedimento previsto neste Ofício-Circulado, tendo apurado um coeficiente de imputação específico de 16%, nos termos aí definidos, o qual não teve, portanto, em consideração, quer no numerador, quer no denominador da fração, a “componente de amortização de capital” associada às rendas de locação financeira.
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Ou seja, foi cindida a respetiva contraprestação (renda) em juro e amortização financeira, não obstante ambas essas componentes concorrerem para o valor tributável de IVA, conforme decorre da alínea h) do n.º 2 do artigo 16.º do Código do IVA.
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Naquela declaração, a Requerente apurou um crédito de imposto a recuperar (cfr. Doc. n.º 2 acima junto).
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Não obstante o procedimento adotado pela Requerente estar em harmonia com o entendimento vertido naquele Ofício-Circulado, a Requerente não concorda com o mesmo, considerando que existiu um erro na autoliquidação do IVA referente ao período de dezembro de 2020, o que a levou a proceder, em 18/02/2023, à apresentação de uma reclamação graciosa que teve por objeto essa autoliquidação.
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De facto, considera a Requerente que deveria ter calculado a percentagem de dedução definitiva de 2020, aplicável ao IVA incorrido nos designados recursos comuns da sua atividade, nos termos do n.º 4 do artigo 23.º do Código do IVA, incorporando no cálculo o valor da “amortização financeira” das rendas de Leasing e ALD, do que resultaria o apuramento, com referência ao ano de 2020, de uma percentagem de 77%, e não de 16% (apurada de acordo com o Ofício-Circulado supra mencionado).
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Neste sentido e segundo os seus cálculos, o IVA que a Requerente deveria ter deduzido adicionalmente, caso não tivesse seguido o entendimento plasmado no identificado Ofício-Circulado, ascende a um total de € 900.505,81, apurado nos seguintes termos:
[A] Numerador (com inclusão da “amortização financeira”/capital)
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79.041.115,34
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[B] Denominador
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103.761.930,37
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[C]=[A]/[B] Pro rata
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77,00%
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[D] IVA incorrido em recursos comuns
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1.476.239,04
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[E] IVA deduzido por coeficiente de imputação específico de 16% sem inclusão do capital no Pro Rata
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236.198,25
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[F]=[D]×[C] - [E] IVA a deduzir adicionalmente por Pro rata
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900.505,81
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A utilização pela Requerente do método do pro rata, previsto no n.º 4 do artigo 23.º do Código do IVA, decorre da sua própria estrutura empresarial, pois as operações de locação financeira em causa implicam a utilização de recursos comuns, quer para a gestão dos contratos de financiamento, quer para a disponibilização e gestão dos bens locados, os quais são determinados pelo facto de ser a proprietária dos referidos bens, nos casos de ALD e de Leasing.
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De facto, a referida propriedade implica um consumo significativo de recursos comuns, que não se verificaria numa situação em que apenas concedesse financiamento aos seus clientes e estes, por sua vez, adquirissem diretamente os bens em causa.
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Esses recursos comuns ou de utilização mista referem-se aos serviços centrais da Requerente, pois a mesma não dispõe de balcões de atendimento ao público, nem de departamentos internos dedicados exclusivamente aos produtos de Leasing e ALD. Nessa medida, os recursos são utilizados simultaneamente em todas as atividades por si desenvolvidas, assim como e de forma indiscriminada, na gestão, entrega e disponibilização dos veículos e na gestão dos próprios contratos de locação financeira/ALD).
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Razão pela qual não é possível efetuar o apuramento, de forma segregada, do montante dos recursos de utilização mista (os chamados “custos gerais”) que estão afetos à gestão/disponibilização dos veículos e dos que estão afetos à gestão dos contratos de locação financeira/ALD, bem como daqueles que respeitam a estas atividades e às restantes atividades da Requerente.
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Em face também dessa circunstância, a Requerente utiliza, primordialmente, o método do pro rata para efeitos de determinação do imposto incorrido nos recursos de utilização mista que é dedutível, sendo o mesmo apurado e objeto de regularização na declaração referente ao último período de imposto do ano.
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A complexidade de alocação de recursos a operações de locação financeira/ALD faz com seja residual a utilização do método da afetação real.
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Sem prejuízo disso, a Requerente possui um detalhe das tarefas envolvidas nas atividades de ALD/locação, com a identificação dos “Custos Mistos” e dos “Custos Diretos”, com base no qual foram apurados os rácios do pro rata a aplicar neste caso – Cfr. Documento n.º 3 que ora junta e cujo conteúdo dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
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Pela sua importância, e tal como a Requerente também pretende demonstrar através da prova testemunhal que se arrola no presente pedido, destacam-se os recursos humanos e materiais afetos à coordenação de processos associados à disponibilização e à gestão dos bens dados em locação.
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Concretamente e no âmbito dos contratos de ALD celebrados, quer com clientes empresariais, quer com clientes individuais e consumidores finais, são várias as responsabilidades que impendem sobre a Requerente, em relação à disponibilização e gestão dos bens objeto de aluguer, como por exemplo as seguintes:
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Autorização da realização de modificações no veículo;
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Em caso da identificação de qualquer defeito ou deterioração no momento da receção e durante todo o período de garantia, a Requerente efetuará a gestão destas situações e diligenciará para que as reparações sejam efetuadas pelo fornecedor ou representante;
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Encargo com os custos relativos à receção e entrega do veículo ao seu cliente;
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Verificação das condições do veículo no término do contrato, designadamente, seja realizada por si ou pelo fornecedor, uma inspeção aos veículos para verificação do cumprimento dos próprios contratos;
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Em caso de denúncia do contrato ou não exercício da opção de compra pelo cliente, a Requerente incorre em custos relacionados com a determinação do local para a receção do veículo.
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Seguro de responsabilidade civil destinado a salvaguardar a posição da Requerente caso o locatário incumpra a obrigação contratual/legal de manter válido e eficaz um seguro de responsabilidade civil – Cfr. Documento n.º 4 que junta e cujo conteúdo dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
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No que concerne aos contratos de Locação, recaem sobre a Requerente responsabilidades idênticas às acima referidas, relativas à disponibilização e gestão dos bens objeto de locação financeira, designadamente as de receber e de gerir os bens cuja opção de compra não é exercida – Cfr. Documento n.º 5 que junta e cujo conteúdo dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
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Essas responsabilidades e, em concreto, a propriedade dos veículos, implicam um consumo significativo de recursos comuns da Requerente, que não se verifica nas situações em que apenas concede crédito aos seus clientes e estes, por sua vez, adquirem diretamente os veículos, tornando-se seus proprietários, conforme se alcança da cópia de um contrato de crédito que exemplificativamente se junta como Documento n.º 6 e cujo conteúdo dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
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Compreensivelmente, para o exercício das atividades de ALD e de Leasing, são desde logo identificados determinados custos comuns que a Requerente suporta na sua atividade, como um todo, tais como, custos administrativos, rendas, telecomunicações ou informática (Cfr. Doc. n.º 3 acima junto).
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Existem depois vários recursos, humanos e materiais, já acima referidos e que, embora não sejam quantificáveis, estão exclusivamente afetos à disponibilização e gestão dos bens dados em locação financeira e ALD, como, por exemplo e desde logo, os que respeitam à interação com os fornecedores dos bens (importadores, concessionários), no âmbito da entrega dos mesmos aos clientes.
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Outro dos exemplos de afetação de recursos, que não existe nos contratos de crédito, é o da necessidade de realização de registos contabilísticos relacionados, nomeadamente, com as situações em que o cliente não exerce a opção de compra, para assegurar que a viatura não permanece muito tempo como “stock para venda”, com a contabilização de todos os pagamentos de IUC’s ou , ainda, a contabilização das faturas de venda e o tratamento contabilístico e fiscal e fluxo financeiro dos respetivos pagamentos, que se prolonga ao longo da duração do contrato.
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A Requerente não possui um departamento que seja responsável pela gestão dos contratos de Leasing e de ALD, sendo utilizados os recursos humanos comuns a toda a empresa, apesar de esporadicamente ter alguns funcionários afetos especificamente a essas duas atividades.
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Apesar disso, existem muitos outros recursos afetos à própria análise e negociação das condições e termos de financiamento dos contratos que irão ser celebrados com os clientes, no caso do Leasing e do ALD, o que implica a existência de equipas comerciais especializadas e que se dedicam a gerir todo o processo que antecede a celebração destes contratos, desde logo, no caso dos veículos pesados.
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Na prática, as operações de locação financeira são realizadas com recurso a vários departamentos centrais (de contabilidade, marketing, risco de crédito, jurídico, recuperação de crédito/bens, remarketing, entre outros).
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Outros dos recursos comuns, afetos quase exclusivamente a este tipo de financiamento, referem-se à análise e elaboração dos termos dos contratos, bem como, à negociação das condições contratuais, como por exemplo as taxas de juro aplicadas ou as comissões iniciais cobradas, o que implica a coordenação entre vários departamentos, nomeadamente, o departamento comercial e o jurídico.
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Inerente aos contratos de ALD e de Leasing, existe igualmente a necessidade de análise e gestão de toda a documentação associada à propriedade dos bens, o que implica, entre outros procedimentos, a validação e o pagamento de impostos (IUC), de multas ou de outras importâncias que estejam associadas a essa propriedade, bem como, a respetiva imputação de tais montantes aos locatários (quando aplicável).
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Ainda uma outra situação, em que são utilizados recursos associados à propriedade dos bens, tem a ver com os casos em que os veículos não são adquiridos pelos locatários ou em que o contrato é incumprido, pois, nessas situações, a Requerente utiliza um conjunto significativo de recursos comuns para gestão dos processos de recolha e armazenagem dos bens, assim como, para o processo de venda dos mesmos no mercado.
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A Requerente assegura todos os custos e responsabilidades com a gestão da receção dos veículos e do correspondente armazenamento, até que os mesmos sejam alienados, quer nos casos em que os clientes não exercem a opção de compra, quer nos casos de recuperação de veículos em sede de contencioso ou de processo de restituição voluntária pelo locatário por impossibilidade de cumprimento do contrato.
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Compete à Requerente responder a notificações emitidas pelas autoridades competentes, no âmbito de contraordenações rodoviárias, procedendo, por essa via, à identificação do locatário, designadamente, para evitar a instauração contra si, na qualidade de proprietário dos bens, de processos judiciais para cobrança de montantes em dívida, ou ainda gerir processos de sinistro, designadamente quando se verifique a apreensão dos documentos dos veículos de que é proprietária.
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Existem igualmente custos com a contratação de prestadores externos, responsáveis pela recuperação de dívida dos clientes, no caso de incumprimento (incluindo serviços de advogados), mas também nos casos em que haja necessidade de reboque dos veículos.
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Refira-se que a Requerente também contabiliza e suporta custos internos com o acompanhamento e contabilização do processo de recuperação de viaturas através de leilão, pagando um fee anual pela atualização de uma plataforma online, que permite fazer essa gestão e estabelecer contactos com os comerciantes, a qual foi disponibilizada pela casa-mãe da Alemanha. Por cada veículo introduzido nessa plataforma, a Requerente suporta um encargo adicional.
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Nesse âmbito, a Requerente tem também que recorrer a uma empresa que é responsável pelas peritagens aos veículos que vão ser novamente colocados no mercado, suportando o respetivo custo com essa peritagem, o qual não é cobrado a qualquer cliente.
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Os custos e as tarefas acima identificadas, embora comuns e não quantificáveis, são específicos dos contratos de ALD e de Locação e não são executados nas situações de financiamento automóvel, através de contratos de crédito.
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A Requerente não cobra algumas das comissões previstas no seu Preçário, nomeadamente, as que possam não ser cobradas aos clientes por razões comerciais, como sucede, por exemplo, no caso de clientes que adquirem frotas automóveis, isto é, que celebram contratos de Leasing ou de ALD relativamente a várias viaturas, com o objetivo de manter uma relação comercial que se pretende que seja duradoura.
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No caso de contratos que terminem por incumprimento ou pela falta de interesse do locatário em ficar com o veículo no final do contrato, ou seja, já após a devolução do veículo por parte do cliente, a Requerente tem custos com peritagens para operações de cosmética, realizadas por uma empresa externa (a “SGS”), que visam recolocar os veículos no mercado, não cobrando essas despesas aos clientes.
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Esses recursos comuns e todas as estruturas envolvidas nas atividades de Leasing e de ALD afetam indistintamente os recursos da Requerente, quer relacionados com a disponibilização e gestão dos bens locados, quer com a gestão e financiamento dos contratos.
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Apesar de todo o exposto, a Requerente não consegue quantificar os recursos humanos e materiais exclusivamente afetos às atividades de Leasing e de ALD, razão pela qual não é possível utilizar o método da afetação real previsto no artigo 23.º do Código do IVA.
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O que importa reter é a dimensão das operações de ALD e locação financeira, bem como, que as mesmas são realizadas com recurso a vários departamentos centrais da própria Requerente (de contabilidade, marketing, risco de crédito, jurídico, recuperação de crédito/bens, customer care, entre outros), mas aos quais estão alocados diversos recursos materiais e humanos, diretamente afetos às particularidades desses contratos e à disponibilização dos bens locados, tais como, os aludidos contactos com os fornecedores de tais bens e com terceiros envolvidos na entrega/recolha dos bens locados.
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Exemplificativamente e sem prejuízo da prova testemunhal que venha a ser produzida sobre esta matéria, a Requerente junta exemplificativamente algumas faturas de prestadores de serviços relacionados com as atividades de Leasing e de ALD – e em alguns casos também com a atividade de crédito (como sucede com a B... ou a C...) – e que implicam a utilização de recursos comuns:
- D... – entidade que presta serviços de resolução extrajudicial de conflitos ou de pré-contencioso – Documento n.º 7 agora junto e cujo conteúdo dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais;
- B...– Documento n.º 8 agora junto e cujo conteúdo dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais;
- E... – entidade que, entre outros, presta serviços de intermediação de crédito automóvel e de reboques de viatura – Documento n.º 9 agora junto e cujo conteúdo dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais;
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– F..., S.A. – Documento n.º 10 agora junto e cujo conteúdo dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais;
- G...– entidade que presta serviços de solicitadoria – Documentos n.ºs 11 a 13 agora juntos e cujo conteúdo dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais;
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Para além dos prestadores acima referidos, a Requerente desde já protesta juntar, como Documento n.º 14, faturas de outros prestadores/fornecedores, que atestam da especificidade da atividade de ALD e Leasing.
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Ora, tendo presente todo este enquadramento, a Requerente apresentou então uma Reclamação Graciosa, com vista a corrigir a autoliquidação do IVA de dezembro de 2020 e, em concreto, a taxa do pro rata da dedução relacionada com os contratos de ALD/locação desse ano, nos termos da qual se disponibilizou para fornecer todos os esclarecimentos adicionais que a AT considerasse necessários, quer para determinar a factualidade, quer para prestar informação de suporte aos cálculos efetuados e aos argumentos por si invocados.
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Sobre essa Reclamação Graciosa recaiu então a Decisão de Indeferimento em crise, nos termos do qual a AT considerou que não existiu qualquer erro na autoliquidação e, nessa medida, no preenchimento da declaração periódica de IVA em questão, entendendo que o procedimento então adotado pela Requerente, no que concerne à liquidação e dedução do IVA, fundamentado no Ofício-Circulado n.º 30.108, se afigurava correto (Cfr. Doc. n.º 1 acima junto).
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Ora, a Requerente mantém-se convicta da adequação e conformidade legal do seu entendimento, de que, não tendo sido possível a aplicação de um critério de afetação real com base em critérios objetivos (nos termos do n.º 2 do artigo 23.º do Código do IVA), o único método legalmente admissível é o método do pro rata de dedução (previsto no n.º 4 do artigo 23.º do Código do IVA), o qual tem de, legalmente, incluir na respetiva fração os montantes referentes às amortizações financeiras (capital) incluídas nas rendas de locação financeira.
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Foi isso que esteve subjacente à revisão dos seus procedimentos nesta matéria, à apresentação da reclamação graciosa acima identificada e é também por esse motivo que a Requerente deduz o presente pedido arbitral.
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A Autoridade Tributária, na sua resposta, defende a legalidade dos atos tributários praticados e alega, em síntese, o seguinte:
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O que está aqui em questão são tão-somente dois pontos:
- Saber se o artigo 23.º, n.º 2 do CIVA, ao permitir que a Administração Tributária imponha condições especiais no caso de se verificarem distorções significativas na tributação, reproduz, em substância, a regra da determinação do direito à dedução enunciada na Diretiva do IVA – art. 17.º, n.º 5, terceiro parágrafo, al. c), da Sexta Diretiva, quando ali se estabelece que, «todavia, os Estados-membros podem autorizar ou obrigar o sujeito passivo a efetuar a dedução com base na utilização da totalidade ou parte dos bens ou serviços.»
- Saber se os custos os em que incorre a Requerente com os contratos de locação financeira são sobretudo determinados pelos inputs decorrentes dos atos de financiamento e gestão dos ditos contratos;
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Ambas as questões, conforme se demonstrará, merecem resposta positiva.
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Tendo em consideração a natureza das atividades praticadas, financiamento de crédito e celebração de contratos de locação financeira mobiliária, o Banco configura-se como um sujeito passivo misto, isto é, realizando operações que conferem direito à dedução e outras que não conferem esse direito.
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Existindo bens e serviços adquiridos (inputs) que sejam conjuntamente utilizados em ambas, deve recorrer-se às disposições do artigo 23.º do CIVA para apuramento da parcela do imposto suportado a qualificar como passível de direito a dedução.
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O denominado método da afetação real consiste na aplicação de critérios objetivos, reais, sobre o grau ou intensidade de utilização dos bens e serviços em operações que conferem direito à dedução e em operações que não conferem esse direito.
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É de acordo com esse grau ou intensidade de utilização dos bens, medidos por critérios objetivos, que o sujeito determinará a parte de imposto suportado que poderá ser deduzida.
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O método da percentagem de dedução ou pro rata trata-se de urna dedução parcial, que se traduz no facto do imposto suportado nas aquisições de bens e serviços utilizados num e noutro tipo de operações, apenas ser dedutível na percentagem correspondente ao montante anual de operações que dão lugar a dedução.
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A percentagem de dedução a aplicar é calculada provisoriamente com base no montante de operações realizadas no ano anterior (pro rata provisório), sendo corrigida na declaração do último período do ano a que respeita, de acordo com os valores definitivos de volume de negócios referentes ao ano a que reportam, determinando a correspondente regularização por aplicação do pro rata definitivo.
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Com a alteração introduzida ao artigo 23.º pela Lei n.º 67/2007, de 31 de dezembro, tais procedimentos foram "estendidos" ao método da afetação real, nomeadamente, aos casos em que o mesmo é imposto pela Administração Tributária, quer para as situações em que o sujeito passivo exerça atividades económicas distintas, quer para os casos em que se apure que a utilização dos demais métodos poderá originar distorções significativas na tributação, conforme dispõe o n.º 3 do artigo em análise.
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A aplicação do coeficiente de imputação específico é o único que se mostra adequado ao apuramento da percentagem de dedução, afastando as distorções na tributação, estando de acordo com o direito comunitário e as normas de direito interno (nomeadamente, artigo 173.º e 174.º da Diretiva IVA, e o artigo 23.º do CIVA), salvaguardando o princípio da neutralidade.
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É precisamente no âmbito dos poderes conferidos à Administração Tributária pela alínea b) do n.º 3 do artigo 23.º CIVA, que se enquadra o Ofício-Circulado n.º 30.108 aqui em discussão, prevendo uma solução que permite afastar a possibilidade da ocorrência de distorções significativas, quando estamos perante sujeitos passivos que realizem, entre outras, operações de locação financeira e ALD.
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No caso concreto, estamos perante operações de locação financeira mobiliária, e pretende aferir-se a legalidade, face às normas de direito comunitário ou de direito interno, da exclusão do cálculo da percentagem de dedução, da parte do valor da renda da locação que corresponde à amortização financeira, apenas considerando o montante de juros e outros encargos faturados.
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Note-se que a Requerente realiza operações financeiras que não conferem o direito à dedução de IVA, por se encontrarem isentas ao abrigo do n.º 27 do artigo 9.º do CIVA e operações com liquidação de IVA, como acontece, por exemplo, com as rendas de leasing e ALD, que conferem direito à dedução do IVA suportado.
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A Requerente realiza ainda outras operações financeiras ou acessórias que conferem, igualmente, o direito à dedução de IVA, em conformidade com o disposto no artigo 20.º do CIVA.
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No conjunto das operações que conferem direito à dedução de IVA, integram-se os contratos de locação, nos quais a Requerente assume a posição de locadora e, nessa qualidade, adquire os bens (ou o financiamento para a sua aquisição) que são objeto desses contratos, acrescidos de IVA, sendo os mesmos entregues aos respetivos locatários para seu uso e fruição.
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O apuramento da percentagem de dedução originariamente efetuado pela Requerente está em perfeita concordância com as normas de direito comunitário e interno.
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A locação financeira constitui uma prestação de serviços sujeita a imposto, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 4.º do CIVA, e é efetuada pelo sujeito passivo no âmbito duma atividade económica.
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Um dos objetivos do legislador nesta matéria foi assegurar o cumprimento do princípio da neutralidade fiscal, na vertente de princípio da igualdade que, no caso concreto, se consubstancia no facto de ser assegurado um tratamento fiscal equivalente, no sentido de igual onerosidade, em relação àquele que adquire um bem através de um contrato de locação financeira, face a outra pessoa que o adquire diretamente.
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Nem todo o valor pago a título de renda no âmbito de um contrato de locação financeira é correspondente à amortização financeira ou de capital.
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Assim, a renda constitui o pagamento do serviço de concessão de financiamento ao locador, sendo composta por duas partes: capital ou amortização financeira, que mais não é que o reembolso da quantia "emprestada"; e juros, acrescidos de eventuais encargos, que constituem a remuneração do locador.
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O valor de aquisição do bem objeto de contrato de locação corresponde ao capital financiado que constitui a componente de amortização financeira na renda liquidada pelo locador ao locatário.
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No momento da aquisição desse mesmo input, o sujeito passivo (locador) exerceu o direito à dedução integral do montante do IVA liquidado pelo fornecedor do bem objeto do contrato de locação, por via do método da imputação direta.
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Por assim ser, deve ser excluída do cálculo da percentagem de dedução a parte da amortização financeira incluída na renda, uma vez que esta mais não é do que a restituição do capital financiado/investido para a aquisição do bem.
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À luz do princípio da neutralidade em que assenta o sistema deste imposto, a incidência do IVA sobre a totalidade da renda é a única forma de garantir que o Estado recupera o valor do imposto que foi já deduzido pelo sujeito passivo.
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É apenas aquele valor diferencial (que, genericamente, corresponde a juros) que se encontra conexo com os custos de aquisição de recursos utilizados indistintamente em operações com e sem direito à dedução.
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Se assim não fosse, permitir-se-ia um aumento artificial da percentagem de dedução do IVA incorrido com a generalidade dos bens ou serviços com utilização mista adquiridos pelo sujeito passivo.
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A questão que se coloca é a de saber se o procedimento adotado pela Administração Tributária está conforme com as normas internas e comunitárias, em especial, o artigo 16.º e 23.º CIVA, já referidos, e bem assim, os artigos 174.º e 175.º da Diretiva IVA. A resposta é afirmativa.
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Apenas e somente a Requerente tem o ónus de provar que o método que pretende utilizar não provoca distorção significativa na própria tributação em sede de IVA.
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Para mais, quando no presente caso a Requerente procedeu à autoliquidação, aplicando para o efeito o que constava no Ofício-circulado n.º 30.108, para depois reclamar graciosamente aquele método de imputação específica, sem no entanto apresentar quaisquer provas de que, como afirma, os atos de disponibilização de veículos assumem uma preponderância nos gastos que são comuns à atividade sujeita a IVA e à atividade isenta face aos gastos incorridos com atos de gestão e de financiamento do contrato.
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A AT veio a reproduzir o aludido critério através do Ofício-Circulado n.º 30.108 apenas a pedido e de acordo com as instruções do legislador, que expressamente determinou que a AT podia vir impor condições especiais, conforme os n.ºs 3 e 2 do art.º 23.º do CIVA.
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No limite, a AT podê-lo-ia até fazer casuisticamente, sujeito passivo a sujeito passivo, aplicando o critério que entendesse mais consentâneo à situação em concreto, que respeitasse a neutralidade do imposto.
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A bem da estabilidade tributária e do princípio da colaboração/informação, optou por divulgar o critério através de uma instrução administrativa.
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Não se está, pois, perante uma exceção nem perante uma violação aos princípios da legalidade, presente no artigo 103.º, n.º 2 da CRP. Menos ainda perante a violação da neutralidade e da reserva de lei.
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Trata-se antes de um poder/dever de colaboração que sobre a AT não poderia deixar de recair, através da revelação pública acerca da interpretação que faz das normas tributárias.
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O que, perante a complexidade da legislação tributária é, não só razoável, como desejável, contribuindo para a uniformização de procedimentos e aplicação uniforme da lei.
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O princípio da legalidade traduz-se no facto de ninguém poder ser obrigado a pagar impostos que não tenham sido criados nos termos da Constituição, isto é, de acordo com o artigo 112.º da CRP, que não tenham sido criados através de leis, decretos-lei ou decretos legislativos regionais.
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Na base desta exigência encontra-se o designado auto-consentimento dos impostos, segundo o qual os impostos devem ser consentidos pelos próprios contribuintes, através do sufrágio universal e direto.
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Consentimento que assenta no princípio da reserva de lei parlamentar, implicando que haja uma intervenção parlamentar concreta, a fim de fixar a disciplina dos impostos ou, nos termos dos artigos 165.º, n.º 1, al. i) e artigo 238.º da CRP, sob autorização do Parlamento ao Governo e/ou às assembleias legislativas regionais, para que possam traçar a aludida disciplina dos impostos, ainda que condicionada ao teor da prévia lei de autorização.
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A reserva de lei parlamentar traduz-se no facto de a Assembleia da República ser, no que respeita à criação de impostos e aos elementos constantes do n.º 2 do artigo 103.º da CRP, o único legislador ou o legislador originário definidor dos seus aspetos estruturantes.
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No que toca à incidência do imposto, trata-se do universo resultante da definição legal do conjunto de factos sujeitos a tributação e, bem assim, da identificação das pessoas a ele sujeitas.
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Integrar o mecanismo do direito à dedução em sede de IVA no capítulo da incidência trata-se de um vício de raciocínio em matéria nuclear de IVA, dado que o mecanismo de dedução não define o “quem é tributado”, o “que atividades são tributadas”, nem o valor tributável sobre que recaem as taxas de IVA.
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Impõe o princípio da reserva de lei parlamentar e o da tipicidade que o diploma legislativo que procede à criação de impostos seja o mais completo possível.
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Essa concretização, tão perfeita quanto for possível ao legislador, implica que a lei defina a incidência no seu sentido estrito, em termos determináveis e determinados, e isso mesmo se tratando da diminuição de uma taxa ou da exclusão de incidência de um determinado facto que, à partida, seria suscetível de tributação.
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A tipicidade reporta-se à previsão e à estatuição da norma e impõe às leis fiscais que tenham um certo grau de especificação, determinação e precisão, de modo que cada figura jurídica esteja suficientemente caracterizada e nítida nos seus contornos.
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A tipicidade exige que os factos geradores de imposto sejam exclusivamente os determinados pelas suas normas de incidência, formando, desta forma, um universo fechado.
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Todos os elementos necessários à tributação devem apresentar-se de tal modo precisos e determinados que o órgão de aplicação do direito não possa introduzir critérios subjetivos de apreciação na sua aplicação concreta.
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Assim, deverá haver uma reserva absoluta no sentido de que a lei deve subtrair à administração e ao próprio juiz qualquer margem para integração ou desenvolvimento da disciplina jurídica relativa aos elementos definidores da dívida e dos seus obrigados.
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É através da tipificação exaustiva dos factos tributários sujeitos a tributação que o legislador assegura não apenas o respeito pelo princípio da legalidade, no segmento de que ninguém pode ser obrigado a pagar impostos que não tenham sido criados nos termos da Constituição, como também o princípio da segurança jurídica e da confiança, presentes nos artigos 103.º, n.º 3 da CRP, que são garantia autêntica da estabilidade, previsibilidade e calculabilidade do sistema tributário.
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Tanto a tipicidade, como a reserva de lei parlamentar, penhoram as possibilidades de tributar indiscriminadamente factos não se encontram recortados na lei, ou que, então, através daquele instrumento são excluídos de tributação.
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Mas não cerceiam a possibilidade de, nos termos e para os efeitos do artigo 23.º, n.º 2 do CIVA, «a Direcção-Geral dos Impostos vir a impor ao sujeito passivo condições especiais ou a fazer cessar a aplicação do método de afetação real no caso de se verificar que provocam ou que podem provocar distorções significativas na tributação.»
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Atenta a redação daquele 23.º, n.º 2 do CIVA, infere-se que o legislador quis conferir, e conferiu, poderes à AT para impor condições especiais num método de apuramento de pro rata geral.
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Não só a letra da lei – artigo 23.º CIVA - é clara como bem se compreende o sentido da norma: se a AT pode impor ao sujeito passivo condições especiais quando este tenha optado pela dedução com base em critérios “objetivos”, e esses critérios podem ter que ser alterados por imposição de condições especiais por parte da AT - com o objetivo de evitar distorções significativas da tributação –, por maioria de razão faz sentido que a AT também o possa fazer no âmbito do método do pro rata geral ou aquando da utilização de critérios de imputação específica.
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Significa que, até pela formulação legal, à AT seria dado o poder de, porque o legislador assim o quis, vir caso a caso impor condições especiais, quando verificada alguma das situações de distorção significativa.
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Todavia, a AT veio a estipular o critério de imputação específica por Ofício-Circulado, em homenagem à “uniformização da interpretação e da aplicação das normas tributárias.” (v. art.º 68.º-A, n.º 1 e n.º 3, da LGT).
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Trata-se de um poder/dever de colaboração que sobre a AT não poderia deixar de recair, revelando publicamente a interpretação que faz das normas tributárias, o que, perante a complexidade da legislação tributária é, não só razoável, como desejável, contribuindo para a uniformização de procedimentos e aplicação uniforme da lei.
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Inclusivamente, o Ofício-Circulado n° 30108/2009 encontra-se publicado na base de dados da AT e é desde 2009 conhecido pelo universo de sujeitos passivos que lida diariamente com a realidade de atividades de carácter misto.
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Deste modo, a publicação atempada e disseminação do Ofício-Circulado assegura o respeito pelo princípio da segurança jurídica e da confiança, os quais se encontram salvaguardados.
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Na esteira do que se vem defendendo, também se encontra justificação na produção de jurisprudência, lavrada pelo Supremo Tribunal Administrativo.
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Face aos Tratados, o Tribunal de Justiça da União Europeia é o garante da interpretação e aplicação uniforme do direito da União no território de todos os Estados Membros, o que se concretiza através das decisões proferidas no âmbito dos processos de reenvio, ao abrigo do artigo 267.º do TFUE, como é o caso do Acórdão acima citado.
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Assim, também esta jurisdição arbitral está vinculada à interpretação efetuada pelo Tribunal relativamente ao artigo 17.º, n.º5 da Sexta Diretiva IVA (atual artigo 173.º, n.º2 da Diretiva IVA), em causa nos presentes autos, já que o artigo 23.º do Código do IVA procedeu à sua transposição para o nosso direito interno.
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Importa realçar que a decisão do TJUE tem valor de caso julgado, sendo vinculativa, não apenas para o tribunal que solicitou a sua pronúncia a título prejudicial, como para os restantes tribunais e instâncias equiparadas que julgam a causa em sede de recurso vinculando ainda, por uma questão de uniformidade, todas as jurisdições nacionais dos Estados-Membros.
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Nos termos do artigo 8.º, n.º 4, da CRP, as disposições dos tratados que regem a União Europeia e as normas emanadas das suas instituições, no exercício das respetivas competências, são aplicáveis na ordem interna, nos termos definidos pelo direito da União, com respeito pelos princípios fundamentais do Estado de direito democrático.
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Logo, o cálculo do critério de imputação específico inicialmente calculado pela Requerente não merece qualquer censura.
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Apesar da Requerente não abordar a diferença que existe entre custos de disponibilização de veículos e de financiamento e gestão de contratos, certo é que esse é um dos pontos essenciais para a resolução da questão em causa.
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O leasing financeiro é uma figura jurídica que comporta uma relação triangular.
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Para a locadora – a Requerente - celebrar contrato de locação financeira com o locatário é necessário, a montante, contratar com o fornecedor do veículo automóvel a compra do mesmo.
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A Requerente compra à empresa fornecedora do veículo esse veículo, para depois, ao abrigo de um contrato de locação financeira, o locar ao locatário, adquirindo, para esse fim, um bem, o veículo automóvel em causa.
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Para assim proceder incorre em custos (inputs) a montante para os fins de uma sua atividade que dá direito à dedução de IVA, a locação financeira, e que, mais tarde, aquando do recebimento de rendas e comissões, lhe trará rendimentos.
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Mas a atividade que, naquele momento, exerce - o da disponibilização do veículo – e que obriga a Requerente a incorrer em custos a montante é a aquisição do veículo, para o destinar à atividade de locação financeira.
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É-lhe liquidado IVA nessa compra – transmissão de bens (cfr. art.º 1.º, n.º 1, al. a)), IVA que suporta e relativamente ao qual lhe assiste o direito de o deduzir, na íntegra.
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Ou seja, na sua totalidade, por imputação, pois, direta ao IVA que no mesmo período tenha liquidado no âmbito das suas operações tributáveis.
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O que fará em momento próximo, e não em meses e anos distanciados no futuro ao longo dos períodos em que irá receber rendas ao abrigo do contrato de locação financeira.
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Assim, e com vista à disponibilização dos veículos, a aquisição do veículo, que será um substancial input incorrido pela Requerente na atividade de locação financeira, é neutralizado pelo exercício do direito à dedução que aí assiste.
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Pelo que, quando se discute o artigo 23.º do CIVA e o método a aplicar para o apuramento da dedução em sede de IVA, já não é aquele IVA que está em causa, esse já foi deduzido, como vimos atrás, por imputação direta.
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A atividade principal da locadora não consiste na compra e venda de bens – que é meramente instrumental para a finalidade do negócio, a locação - mas tão só na concessão de créditos a terceiros para aquisição desses bens, ainda que se substitua aos destinatários dos bens na aquisição, reservando para si o direito de propriedade.
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As restantes despesas, que ganham peso durante a vigência do contrato, situam-se ao nível do financiamento e da gestão, decorrentes das vicissitudes do contrato, como seja despesas com advogados, fornecedores externos, solicitadores, tratamento de multas, de coimas, infrações, tratamento do imposto único de circulação, ou decorrentes da gestão corrente da atividade – água, luz, condomínio, software, sistema de alarmes, etc.
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Acresce a isto o facto de que num contrato de locação financeira, por mais que a Requerente alegue que corre por sua conta todos os custos inerentes ao mesmo, o locador fica liberto daquilo que são as obrigações regra do proprietário no regime geral da locação.
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Não corre por conta dele o risco do perecimento do bem, sendo a obrigação de segurar o bem do locatário.
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Não corre por conta dele, locador, mas sim por conta do locatário, a obrigação de realizar reparações, mesmo que necessárias ou urgentes.
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É ao locatário que compete defender a integridade do bem e o respetivo gozo.
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O locador não responde pelos vícios do bem, nem pela sua inadequação aos fins do contrato.
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Por sua vez, as despesas de transporte, seguro, montagem, instalação e reparação do bem, assim como as necessárias à sua eventual devolução ao locador ficam a cargo do locatário, salvo estipulação em contrário, como assim também o risco de perda e deterioração do bem.
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Tudo conforme os artigos 10.º, 12.º, 13.º, 14.º, 15.º do DL n.º 149/95.
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Existe outra questão que ganha relevo, que se prende com a aferição sobre se os gastos mistos despendidos tanto com a gestão e financiamento dos contratos como com a disponibilização dos respetivos veículos se encontram totalmente refletidos na taxa de juro estipulada entre locador e locatário, assim como refletidos acessoriamente nas comissões debitadas ao cliente durante o período útil de vida do contrato de locação financeira.
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Para além de parte desses custos mistos estarem refletidos nas próprias comissões, que consubstanciam o preço a pagar pelos utentes do crédito de leasing para pagamento de prestação de serviços pela Requerente, esses custos estão igualmente estimados nos custos gerais que e encargos que compõem o valor da renda, a que acresce o capital, o risco e os juros pelo empréstimo.
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Convém ter presente que todos os custos associados à gestão de financiamento de contrato, aquando da análise do risco, se refletem na taxa de financiamento aplicada aos clientes, em particular aos que se apresentem em situação financeira mais frágil ou que constem numa “lista negra de compliance”, através do agravamento dos valores aplicados.
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Todos os custos inerentes à gestão de contrato, aqueles incorridos ao longo do contrato, tenham ou não a sua origem na ocorrência de vicissitudes dos contratos, como a contratação de mais colaboradores, a aquisição de software para uma gestão mais eficaz de toda a carteira de clientes do Banco, como a contratação de entidades externas para a recuperação do crédito mal parado e dos veículos, são refletidos aos clientes através de um ajustamento das taxas de juro para o futuro.
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O negócio dos Bancos situa-se nas taxas de juro aplicadas aos clientes, bem como nas comissões que lhes são cobradas durante a vida útil dos contratos, sendo que existem para dar lucro e portanto obviamente qualquer custo comum será refletido nas taxas de juro.
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Não haja dúvidas de que todos os custos sem exceção se encontram sob o manto das taxas e das comissões cobradas aos clientes.
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Todas estas comissões, escrupulosamente debitadas aos clientes, somadas à fixação inicial das taxas de financiamento e ao subsequente ajustamento dessas mesmas taxas sempre que existem custos acrescidos que resultem do ato de gestão dos contratos de locação financeira, permitem concluir que a Requerente acomoda todas e quaisquer as despesas em que incorre.
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E, assumindo que muitos destas despesas consomem recursos inerentes ao funcionamento interno da instituição bancária em análise, como seja água, luz, tonners, conservação de edifício, telefones, tudo custos comuns, é legítimo concluir que estes custos indiferenciados ou mistos são suportados pelos clientes através de débito destas rubricas.
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Bem como são contabilizados e se encontram principalmente presentes, ainda que indiretamente, aquando da fixação inicial da taxa de juro ou, mais tarde, aquando da necessidade de ajustamento da taxa de juro, se a ela houver lugar.
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No limite, e recorrendo a uma lógica um pouco simplista, mas que ilustra bem, pensamos, o negócio em questão e a situação em apreço, é a partir do produto das taxas de juro e das comissões que a Requerente paga as suas despesas correntes (as tais mistas, promíscuas) aos fornecedores – água, luz, condomínio, telefones, internet, etc.
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Pois que a componente da renda correspondente a juros e outros encargos constitui contraprestação pelo serviço prestado, constitui um proveito da Requerente, integra o respetivo volume de negócios, contribuindo para influenciar o resultado do exercício.
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Sendo nesta componente da renda – encargos, comissões e juros - que se contém a remuneração do locador, o pagamento de um preço.
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De acordo com o Ofício-Circulado 30.108, de 30-01-2009, ponto 9, tanto as taxas de juro aplicadas, como as comissões e encargos, excluídas de imposto sobre o valor acrescentado, são todos eles valores que se perfilam no numerador do critério de imputação específico, para o apuramento da proporção, em percentagem, do montante do IVA a que à Requerente é permitido deduzir, por conta dos custos mistos incorridos no ato de gestão e financiamento do contrato.
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Todos esses custos já se encontram refletidos nos montantes que, seja isso a título de comissões, seja isso a título de taxas de financiamento, são cobrados aos clientes durante a duração do contrato.
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Montantes que são tomados em linha de conta no numerador aquando da aplicação do critério de imputação específico previsto no Ofício-Circulado n.º 30.108, e que, por isso, já concorrem para o apuramento da percentagem de dedução em sede de IVA.
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Dispensando que o valor da renda correspondente ao capital seja tido em conta no numerador, uma vez que os custos comuns se encontram refletidos nos juros e comissões e não no valor do capital.
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É o contribuinte que tem o ónus de provar que o seu critério é o mais objetivo e aquele que respeita o princípio da neutralidade, não só porque vem de reclamar a sua própria autoliquidação, onde usou o método do Ofício-Circulado, mas também porque é quem está em melhores condições - porque na posse de dados relevantes para concluir pelas percentagens de dedução que aqui reclama – de apresentar essa prova.
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Caso contrário, decidindo-se pela imputação cega desse ónus na esfera da AT, estar-se-ia a dispensar o contribuinte de provar os factos que preenchem o direito de que se pretende arrogar.
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A norma que permite à Requerente aplicar o Ofício Circulado é a do 23.º, n.º 2, parte final, do CIVA, a que a mais variada jurisprudência não se opõe.
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Para poder provar que nos anos de 2020 a Requerente tem direito a deduzir 77% tem de efetivamente produzir prova concreta, que não testemunhal, por forma a demonstrar aquelas percentagens dos custos comuns são consumidos nos atos de disponibilização.
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A Requerente não consegue provar isso, porque se o conseguisse o presente processo não existiria e não se estaria a discutir a sua imputação, o que, de resto, acaba por admitir e confessar no artigo 125.º da p.i.
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Em nenhum ponto da p.i., a Requerente logrou invocar e, mais importante, distinguir entre custos incorridos na disponibilização dos veículos e em custos com a gestão e financiamento do mesmo, tratando-os globalmente como “custos comuns”.
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Nesses 4 anos de vida útil, os custos incorridos, seja na gestão corrente do contrato, seja por vicissitudes no cumprimento do contrato, os custos mistos incorridos nominam-se de custos de financiamento e de gestão do contrato.
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O serviço prestado pela Requerente é o da cedência do gozo temporário de um veículo, mediante retribuição, o qual envolve:
- numa primeira fase, breve e inicial, a encomenda e disponibilização ao cliente do veículo e, depois;
- numa segunda fase, tão longa quanto o for o período de vida útil do contrato de locação financeira, o financiamento e sobretudo a gestão do contrato de locação pela entidade bancária, implicando uma panóplia de serviços e despesas, da qual o banco se remunera através de comissões e através da aplicação e agravamento de taxas de financiamento.
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A entrega/disponibilização do veículo é instrumental face à concessão do crédito, porque o que o cliente remunera, através do pagamento juro, é o preço do dinheiro que o Banco disponibilizou em sua substituição junto de um stand de automóveis, a título de empréstimo e que, ao longo dos anos, será restituído através do cumprimento do pagamento das rendas.
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Na sua p.i., a Requerente pretende transmitir a ideia de que o seu papel no leasing e ALD vai para lá do mero financiamento, mas isto não corresponde à verdade, uma vez que se trata de uma alternativa de crédito ao crédito automóvel, sendo que, conforme se disse e repete, todos os custos comuns em que incorre se encontram acomodados quer na taxa de financiamento, quer nas comissões, que nas despesas que contratualmente incidem sobre os locatários.
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Sendo que no artigo 204.º da p.i. elenca todos os passos para a dita disponibilização de veículos – e, já agora, gestão dos contratos ao longo da sua vida útil e do financiamento dos seus clientes, o que implica análise de risco – em ordem a evidenciar uma atividade supostamente permanente durante todo o contrato de leasing que, evidentemente, os Bancos não têm, nem exercem sobre os seus clientes.
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Da leitura da clásula 3.1 dos contratos (docs 4 a 6 da p.i.), o que ressuma é que a responsabilidade da recepção – auto de recepção – corre por conta do locatário e que pela celebração do contrato de leasing e ALD, o mesmo locatário suporta uma “comissão de abertura de contrato”.
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De resto, a Requerente não descreve que custos são esses que suporta sem os fazer refletir ao cliente na fase de pré-venda e de pré-celebração do leasing.
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Quanto à responsabilidade referente ao estado do veículo no fim de vida do contrato, que a Requerente refere correr por sua conta, a Requerente cobra aos seus clientes uma comissão de peritagem de final de contrato.
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A Requerente também não descreve quais os custos em que incorre para receber os veículos em caso de denúncia de contratos e de não aquisição pelos seus clientes.
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Ademais, as prestações de serviços que a Requerente refere prestar aos clientes, relativas a multas, coimas, contraordenações, correspondência, IUC, são suportadas pelos seus clientes através de comissões previstas.
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Isto é, não apenas as multas, impostos e demais obrigações são imputadas aos locatários, que suportam financeiramente esses custos, como a própria prestação do serviço desenvolvido pelo Banco, na gestão dessa correspondência que depois é remetida para os clientes, é paga por estes através de comissões e, evidentemente, por via indireta, através da própria taxa de financiamento aplicada aos clientes consoante o risco que representam.
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Quanto ao artigo 205.º da p.i., recorda-se a Requerente que é ela quem especifica quantitativamente que para os anos de 2020 tem direito a deduzir em sede de IVA 77%.
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É a Requerente quem não prova que aquelas são as percentagens consumidas na atividade de leasing automóvel e, dentro desta atividade, consumidas predominantemente nos atos de disponibilização. Mas é a Requerente quem não prova que aquelas são as percentagens consumidas na atividade de leasing automóvel e, dentro desta atividade, consumidas predominantemente nos atos de disponibilização.
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Quanto ao documento junto com a p.i., referente aos gastos incorridos pela Requerente na recuperação de viaturas, convirá primeiramente saber quantos contratos celebrados tinha em 2020, bem como perceber quais os motivos dessas recuperações de automóveis – incumprimento de rendas mensais?
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A Requerente não dispõe de um software que permita conhecer o histórico, por intervenção, de cada contrato de locação financeira? Tudo é vago, genérico, sem qualquer quantificação e tudo, já se percebeu, é assentido pelas testemunhas, as quais, sem nunca avançarem com números, transmitem a ideia de que todas estas tarefas se repercutem em todos os contratos de leasing.
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Quanto aos juros indemnizatórios, sabe-se que se destinam a compensar o contribuinte pelos prejuízos causados pelo pagamento indevido de uma prestação tributária - quer esta seja efetuada no âmbito da cobrança coerciva, quer seja efetuada de forma voluntária - ou pelo atraso na restituição oficiosa de tributos por parte da AT.
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Por este motivo, é errado que a Requerente parta para este processo alcandorado a uma percentagem de 77% - cujo cálculo obteve pela aplicação integral do artigo 23.º, n.º 4 do CIVA, isto é, obteve através da aplicação de norma jurídica -, mas que a justifique através da produção de prova no sentido de tentar, sem sucesso, qualificar a intensidade do trabalho e a complexidade da locação financeira.
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Em que é que a putativa predominância dos consumos por atos de disponibilização de veículo – que a Requerente nem sequer consegue provar/quantificar – se coaduna com a consideração da parcela do capital na fração do numerador, por aplicação do método do pro-rata?
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Salvo o devido respeito, isso faria lógica somente no caso de a Requerente ter conseguido calcular a percentagem do direito à dedução por recurso ao método de afetação real, melhor dizendo, por recurso a um critério que permitisse compreender, sob o ponto de vista quantitativo, através da apresentação de números concretos, o peso dos consumos decorrentes da área de negócio da locação financeira na estrutura global de custos de todas as áreas de negócio da Requerente.
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Concluindo, a produção de prova só teria cabimento se a Requerente se propusesse comprovar um critério de afetação real para calcular o direito à dedução que resultasse numa diminuta distorção da tributação. O que não fez.
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Acontece que em causa está a aplicação de dois métodos forfetários concorrentes – o método pro-rata versus ofício-circulado (pro-rata mitigado) – os quais não contemplam qualquer tipo de prova, porquanto resultam antes de um método automático, criado pelo legislador (ou, no caso, imposto pela Administração Tributária) precisamente e também pela dificuldade de produção de prova inerente aos gastos que são consumidos tanto por atividades de crédito sujeitas como isentas de IVA.
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Ou seja, concluindo como no início, a presente discussão é eminentemente jurídica, cabendo à Requerente, se assim quisesse e o entendesse, conjeturar um critério de afetação real que demonstrasse o real consumo dos gastos gerais pela locação financeira (e, dentro desta, os reais consumos dos atos de disponibilização de veículo).
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O que não pode a Requerente, nem esse Tribunal pode aceitar, é ensaiar afastar a aplicação de um método de imputação específica (ínsito no ofício-circulado) - e que configura um método forfetário – em benefício de um outro método forfetário – o pro- rata, nos termos do artigo 23.º, n.º 4 CIVA - e tentar justifica-lo por recurso a produção de prova que em nada se coaduna com o critério inicial – o da afetação do capital na fração do numerador - que resultou num apuramento de dedução de 87%.
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Para rematar, os 77% que a Requerente reclama em termos de dedução de IVA e que obteve por aplicação do pro-rata (23.º, n.º 4 CIVA) não assumem – não podem assumir - o significado de que os atos de disponibilização de veículo da locação financeira consomem 77% dos custos gerais, indiferenciados, que o Banco suporta em todas as suas atividades: sujeitas e isentas. Isto não está em lado algum provado por documentos – muito menos as testemunhas podem ter essa pretensão e, sobretudo, estarem dotadas dessa precisão numérica.
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Tudo visto e ponderado, grosso modo a Requerente requer a produção de prova testemunhal ou sobre factualidade não controvertida, ou sobre questões de natureza puramente jurídica.
O pedido de constituição do tribunal arbitral foi apresentado em 19-07-2023, com indicação de árbitro, e foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT em 20-07-2023. Em 14-09-2023, foi designado o árbitro pela Requerida.
Em 04-10-2023, nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico designou o árbitro presidente do Tribunal Arbitral Coletivo, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável.
As Partes foram devidamente notificadas dessa designação, em 04-10-2023, não tendo manifestado vontade de recusar a designação do árbitro, nos termos conjugados das alíneas a) e e) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.
O TAC encontra-se, desde 24 de outubro de 2023, regularmente constituído e é materialmente competente à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 30.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).
Notificada para o efeito, a Requerida, apresentou a sua resposta a 29 de novembro de 2023.
Em 7 de dezembro de 2023, o TAC proferiu o seguinte despacho:
“1. Designa-se o dia 19 de janeiro de 2024, pelas 14h30 horas, nas instalações do CAAD como data para realização da audiência para produção de prova testemunhal.
2. Notifiquem-se as partes do presente despacho.”
No entanto, na sequência de pedido da Requerente datado de 18-12-2023 para aproveitamento da prova testemunhal produzida em processo similar da mesma entidade, e com pronúncia pela Requerida em 09-01-2024, foi proferido novo despacho pelo TAC em 10-01-2024:
“1. Considera-se sem efeito a audiência marcada para dia 19-01-2024, pelas 14h30.
2. Notifica-se a Requerente e a Requerida para, por esta ordem e de modo sucessivo, apresentarem alegações escritas no prazo de 10 dias, sendo que o prazo para a Requerida começará a contar com a notificação da junção das alegações da Requerente ou do termo do prazo a esta concedido.
3. Solicita-se às partes o envio das peças processuais em formato Word.”
Na mesma data de 10-01-2024, foi proferido ainda o seguinte despacho:
“Na sequência do despacho anterior, solicita-se à Secretaria do CAAD para juntar a gravação e ata respeitantes à prova testemunhal produzida no âmbito do Processo 76/2022-T.
Igualmente notifica-se a Requerente para juntar a este processo aquilo a que se propôs no Requerimento, nomeadamente a transcrição da inquirição.”
Apenas a Requerente apresentou alegações.
POSTO ISTO:
O Tribunal Arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º e 6.º, n.º 2, alínea a), do RJAT.
As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.
O processo não enferma de nulidades.
Assim, não há qualquer obstáculo à apreciação da causa.
Tudo visto, cumpre decidir.
II. DECISÃO
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MATÉRIA DE FACTO
A.1. Factos dados como provados
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A Requerente configura-se como um sujeito passivo nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do CIVA, encontrando-se enquadrada no regime normal de periodicidade mensal, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 41.º do mesmo diploma.
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A Requerente desenvolve atividade económica que é tributada, nomeadamente, de locação financeira em causa nos presentes autos, bem como atividade económica isenta, designadamente, concessão de crédito.
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Caracteriza-se por ser um sujeito passivo "misto" de IVA, exercendo atividades que conferem direito à dedução e realizando operações no âmbito da atividade financeira, isenta do imposto nos termos do n.º 27 do artigo 9.º do CIVA, procedendo ao apuramento do IVA de cada período com recurso ao disposto no artigo 23.º do mesmo diploma.
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As operações de locação financeira que realiza no exercício da respetiva atividade implicam a utilização de recursos comuns, quer para a gestão dos contratos de financiamento, quer para a disponibilização e gestão dos bens locados, determinados pelo facto de a Requerente ser a proprietária dos referidos bens.
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As atividades anteriores à entrega dos veículos e as consideráveis atividades posteriores derivadas da manutenção dos veículos na posse dos clientes, que só existem nos contratos de locação financeira, são de maior dimensão e consumiram mais recursos de utilização mista do que as derivadas do financiamento e gestão dos contratos.
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A utilização de bens ou serviços de utilização mista por parte da Requerente, quanto a contratos de locação financeira, foi sobretudo determinada pela atividade de disponibilização dos veículos e «não pelo financiamento e gestão de contratos de locação financeira celebrados com os seus clientes».
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A Requerente apurou uma percentagem de dedução inferior àquela que segundo o seu entendimento seria a correta face às disposições legais em vigor, e que de acordo com os seus cálculos ascendia a 77% (2020) (em vez dos 16% apurados), o que, em sua perspetiva, deveria ter determinado um montante adicional de IVA a deduzir no montante de € 900.505,81.
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A ora Requerente apresentou Reclamação Graciosa da autoliquidação de IVA do último período do ano de 2020, na medida em que, por força da aplicação dos critérios estabelecidos no Oficio-Circulado n.º 30.108, de 30 de janeiro de 2009, não considerou no cálculo da percentagem de dedução definitiva prevista no artigo 23.º do CIVA o valor das amortizações financeiras relativas aos contratos de locação financeira (leasing e ALD).
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A Reclamação Graciosa foi indeferida pelo Senhor Chefe de Divisão de Serviço Central da Divisão de Justiça Tributária da Unidade dos Grandes Contribuintes.
A.2. Factos dados como não provados
Os factos dados como provados são aqueles que o Tribunal considera relevantes, não se considerando factualidade dada como não provada que tenha interesse para a decisão.
A.3. Fundamentação da matéria de facto provada e não provada
A matéria de facto foi fixada por este Tribunal Arbitral Coletivo e a convicção ficou formada com base nas peças processuais e requerimentos apresentados pelas Partes, bem como nos documentos juntos aos autos e na prova testemunhal produzida, por aproveitamento pleno do Processo 76/2022-T, cuja transcrição plena se encontra junta aos autos.
Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem o dever de se pronunciar sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de selecionar a que interessa para a decisão, levando em consideração a causa (ou causas) de pedir que fundamenta o pedido formulado pelo autor, conforme n.º 1 do artigo 596.º e n.os 2 a 4 do artigo 607.º, ambos do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi das alíneas a) e e) do n.º do artigo 29.º do RJAT e consignar se a considera provada ou não provada, conforme n.º 2 do artigo 123.º Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT). Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do n.º 7 do artigo 110.º do CPPT, a prova documental e o PA juntos aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados, tendo em conta que, como se escreveu no Ac. do TCA-Sul de 26-06-2014, proferido no processo 07148/13[2], “o valor probatório do relatório da inspeção tributária (...) poderá ter força probatória se as asserções que do mesmo constem não forem impugnadas.”
Segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal baseia a decisão, em relação às provas produzidas, na íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a experiência de vida e conhecimento das pessoas, conforme n.º 5 do artigo 607.º do CPC.
Somente quando a força probatória de certos meios se encontrar pré-estabelecida na lei (e.g. força probatória plena dos documentos autênticos, conforme artigo 371.º do Código Civil) é que não domina na apreciação das provas produzidas o princípio da livre apreciação.
B. DO DIREITO
B.1.1. APRECIAÇÃO DA QUESTÃO
A Requerente desenvolve atividade económica, tal como definida na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do CIVA, que é tributada (nomeadamente, de locação financeira, enquadrável no n.º 1 do artigo 4.º do CIVA), bem como atividade económica isenta (designadamente, concessão de crédito, nos termos do n.º 27 do artigo 9.º do CIVA).
Em regra, o IVA que for suportado pelo sujeito passivo na aquisição dos meios utilizados exclusivamente na sua atividade económica tributada é totalmente dedutível e o IVA suportado na aquisição de meios utilizados apenas na atividade isenta ou não prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do CIVA, não pode ser deduzido (artigo 20.º, n.º 1, alínea a), do CIVA e artigo 168.º da Diretiva IVA).
No caso em apreço, está em causa a dedução de IVA relativamente a meios utilizados indiferentemente tanto na atividade tributada (como é a locação financeira), como na atividade económica isenta da Requerente (como sucede com a concessão de crédito).
Relativamente aos meios de utilização mista, utilizados indiferentemente «para efetuar tanto operações com direito à dedução (...) como operações sem direito à dedução, a dedução só é admitida relativamente à parte do IVA proporcional ao montante respeitante à primeira categoria de operações» (artigo 173.º n.º 1, da Diretiva IVA).
Tratando-se de um bem ou serviço afeto à realização de operações decorrentes do exercício de uma atividade económica prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º «o imposto é dedutível na percentagem correspondente ao montante anual das operações que dêem lugar a dedução», nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 23.º do CIVA.
Esta percentagem de imposto dedutível, ou «pro rata de dedução», resulta, em regra, de uma fração que inclui no numerador, o montante total do volume de negócios anual, líquido de IVA, relativo às operações que confiram direito à dedução e no denominador, o montante total do volume de negócios anual, líquido de IVA, relativo às operações incluídas no numerador e às operações que não confiram direito à dedução (artigos 174.º da Diretiva IVA e 23.º, n.º 4, do CIVA).
O pro rata de dedução é determinado anualmente, sendo fixado em percentagem e arredondado para a unidade imediatamente superior, e é aplicável provisoriamente, a determinado ano, calculado com base nas operações do ano anterior ou estimado provisoriamente, pelo sujeito passivo, de acordo com as suas previsões, sob controlo da administração (artigo 175.º, n.ºs 1 e 2, da Diretiva IVA e n.ºs 6, 7 e 8, do artigo 23.º do CIVA).
Mas, o sujeito passivo pode optar por «efetuar a dedução segundo a afetação real de todos ou parte dos bens e serviços utilizados, com base em critérios objetivos que permitam determinar o grau de utilização desses bens e serviços em operações que conferem direito a dedução e em operações que não conferem esse direito, sem prejuízo de a Direcção-Geral dos Impostos lhe vir a impor condições especiais ou a fazer cessar esse procedimento no caso de se verificar que provocam ou que podem provocar distorções significativas na tributação» (n.º 2 do artigo 23.º do CIVA).[3]
A utilização deste método de afetação real, em princípio opcional, passará a ser obrigatória se a Administração Fiscal o determinar, o que poderá fazer, nomeadamente, «quando a aplicação do processo referido no n.º 1 conduza a distorções significativas na tributação» (alínea b) do n.º 3 do artigo 23.º). A Administração Fiscal poderá também impor «condições especiais».
Através do referido Ofício-Circulado n.º 30108, de 30-01-2009, a Administração Fiscal, entendeu que relativamente às «instituições de crédito quando desenvolvam simultaneamente as atividades de Leasing ou de ALD», «o apuramento do IVA dedutível segundo a aplicação do pro rata geral estabelecido no n.º 4 do artigo 23.º do CIVA é suscetível de provocar vantagens ou prejuízos injustificados pela falta de coerência das variáveis nele utilizadas, ou seja, pode conduzir a “distorções significativas na tributação”», pelo que fez utilização da faculdade prevista no n.º 3 do artigo 23.º do CIVA, determinando que estes sujeitos passivos utilizem a «afetação real» (ponto 8).
Segundo os pontos 8 e 9, a «afetação real» deverá fazer-se de suas formas:
– se for possível, faz-se «a afetação real com base em critérios objetivos que permitam determinar o grau de utilização desses bens e serviços, de modo a determinar o montante de IVA a deduzir relativamente ao conjunto das atividades» (ponto 8 daquele Ofício Circulado);
– se não for «possível a aplicação de critérios objetivos de imputação dos custos comuns, deve ser utilizado um coeficiente de imputação específico, tendo em conta os valores envolvidos, devendo ser considerado no cálculo da percentagem de dedução apenas o montante anual correspondente aos juros e outros encargos relativos à atividade de Leasing ou de ALDs» (ponto 9 daquele Ofício Circulado); neste caso, fica afastada a aplicação da percentagem que resultaria da aplicação do n.º 4 do artigo 23.º.
No caso em apreço há controvérsia sobre dois pontos essenciais relativamente ao ano de 2020:
- Saber se o artigo 23.º, n.º 2 do CIVA, ao permitir que a Administração Tributária imponha condições especiais no caso de se verificarem distorções significativas na tributação, reproduz, em substância, a regra da determinação do direito à dedução enunciada na Diretiva do IVA – art. 17.º, n.º 5, terceiro parágrafo, al. c), da Sexta Diretiva, quando ali se estabelece que, «todavia, os Estados-membros podem autorizar ou obrigar o sujeito passivo a efetuar a dedução com base na utilização da totalidade ou parte dos bens ou serviços.»
- Saber se os custos os em que incorre a Requerente com os contratos de locação financeira são sobretudo determinados pelos inputs decorrentes dos atos de financiamento e gestão dos ditos contratos.
B.1.2. A jurisprudência do TJUE e do Supremo Tribunal Administrativo
O TJUE pronunciou-se sobre uma situação deste tipo, atinente a instituição bancária que, tal como no caso concreto, desenvolve atividades de locação financeira que conferem direito à dedução e outras atividades financeiras que não conferem tal direito.
As decisões do TJUE proferidas em reenvio prejudicial têm carácter vinculativo para os Tribunais nacionais, o que é corolário da obrigatoriedade de reenvio prejudicial prevista no artigo 267.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (que substituiu o artigo 234.º do Tratado de Roma, anterior artigo 177.º)[4].
Na referida alínea c) do terceiro parágrafo do n.º 5 do artigo 17.º da Sexta Diretiva, correspondente à alínea c) do n.º 2 do artigo 173.º da Diretiva IVA), estabelece-se que «os Estados-membros podem» «autorizar ou obrigar o sujeito passivo a efetuar a dedução com base na utilização da totalidade ou de parte dos bens e dos serviços».
No acórdão proferido em 10-07-2014, no processo n.º C-183/13 (Banco Mais), no âmbito de reenvio prejudicial, o TJUE entendeu que o artigo 17.º, n.º 5, terceiro parágrafo, alínea c), da Sexta Diretiva «não se opõe a que um Estado-Membro, em circunstâncias como as do processo principal, obrigue um banco que exerce, nomeadamente, atividades de locação financeira a incluir, no numerador e no denominador da fração que serve para estabelecer um único e mesmo pro rata de dedução para todos os seus bens e serviços de utilização mista, apenas a parte das rendas pagas pelos clientes, no âmbito dos seus contratos de locação financeira, que corresponde aos juros, quando a utilização desses bens e serviços seja sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão desses contratos, o que incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar».
Na linha do decidido pelo TJUE, o Supremo Tribunal Administrativo entendeu já, no acórdão de 29-10-2014, proferido no processo n.º 01075/13, que «os Bancos, cujo tipo de negócio passe também pela celebração de contratos de Leasing e ALD, v.g. de veículos automóveis, devem incluir no numerador e no denominador da fração que serve para estabelecer um único e mesmo pro rata de dedução para todos os bens e serviços de utilização mista, apenas a parte das rendas pagas pelos clientes no âmbito daqueles seus contratos, que corresponde aos juros».
Posteriormente, no acórdão de 18-10-2018, proferido no processo C-153/17 (Volkswagen Financial Services (UK) Ltd), o TJUE, corrigindo a interpretação que entendeu que se podia fazer do decidido no acórdão Banco Mais, esclareceu que «não se pode deduzir do raciocínio desenvolvido pelo Tribunal de Justiça a propósito das operações de locação financeira em causa no processo que deu origem ao Acórdão de 10 de julho de 2014, Banco Mais (C-183/13, EU:C:2014:2056), que o artigo 173.°, n.º 2, alínea c), da Diretiva IVA permite aos Estados-Membros, de maneira em geral, aplicarem a todos os tipos de operações semelhantes para o setor automóvel, como as operações de locação financeira em causa no processo principal, um método de repartição que não tem em conta o valor do veículo aquando da sua entrega».
Como se refere neste acórdão, pode impor-se
– «um método ou um critério de repartição diferente do método do volume de negócios, desde que esse método garanta uma determinação do pro rata de dedução do IVA pago a montante mais precisa do que a resultante da aplicação do método do volume de negócios» (n.º 51);
– «qualquer Estado-Membro que decida autorizar ou obrigar o sujeito passivo a efetuar a dedução com base na afetação da totalidade ou de parte dos bens e dos serviços deve garantir que as modalidades de cálculo do direito à dedução permitam estabelecer com a maior precisão a parte do IVA relativa às operações que conferem direito à dedução» (n.º 52);
– «os Estados-Membros não podem aplicar um método de repartição que não tenha em conta o valor inicial do bem em causa no momento da sua entrega, uma vez que esse método não é suscetível de garantir uma repartição mais precisa do que o que decorreria da aplicação do critério de repartição baseado no volume de negócios».
O método de cálculo do pro rata indicado pela Administração Tributária no ponto 9 do Ofício-Circulado n.º 30108 não tem em conta o valor do veículo, pelo que contraria manifestamente o decidido pelo TJUE, neste acórdão do processo C-153/17, sendo consequentemente ilegal, por violação do Direito da União.
Por outro lado, como se refere no mesmo acórdão, este entendimento é aplicável «mesmo quando os custos gerais relativos às operações de locação financeira de bens móveis (...) não sejam repercutidos no montante devido pelo cliente pela disponibilização do bem em causa, ou seja na parte tributável da operação, mas no montante dos juros devidos a título da parte «financiamento» da operação» (n.º 59), como sucede no caso em apreço.
Tem em suma de se garantir, “atendendo à natureza fundamental do direito à dedução” que o método alternativo de determinação do IVA residual dedutível é mais preciso do que o método baseado no volume de negócios (que é afinal o método do pro rata descrito no artigo 174.º) . Tal como se conclui no n. 57,“Em particular, atendendo à natureza fundamental do direito à dedução, recordada no n.o 39 do presente acórdão, sempre que as modalidades de cálculo da dedução não tenham em conta uma afetação real e significativa de uma parte dos custos gerais a operações que confiram direito à dedução, não se pode considerar que tais modalidades reflitam objetivamente a parte real das despesas efetuadas com a aquisição dos bens e dos serviços de utilização mista que pode ser imputada a essas operações. Por conseguinte, tais modalidades não são suscetíveis de garantir uma repartição mais precisa do que o que decorreria da aplicação do critério de repartição baseado no volume de negócios.”
O Tribunal entende assim que cabe à jurisdição nacional verificar se o método alternativo “tem em conta a afetação real e significativa de uma parte dos custos gerais para efeitos das operações que conferem direito à dedução” (n. 58).
Assim, neste acórdão do processo C-153/17, apesar de ficar demonstrado que os custos gerais eram imputados à parte das rendas referentes aos juros e a parte das rendas correspondente ao capital não era tributada (por ser isenta à face da lei inglesa), entendeu-se que esta última não podia ser completamente excluída do cálculo do pro rata, pelo que esta jurisprudência não pode deixar de ser aplicável à face da lei portuguesa, em que toda a atividade de leasing é tributada e, por isso, trata-se na totalidade de operações que dão direito à dedução, à face do artigo 20.º, n.º 1, e para efeitos do artigo 23.º, n.º 4, do CIVA.
Na verdade, se o TJUE entendeu que, mesmo nos casos de a parte das rendas correspondente às amortizações não ser tributada (como sucede na lei inglesa) esse montante não podia ser excluído completamente do numerador da fração, por maioria de razão valerá este entendimento quanto este montante também é tributado em IVA (como sucede na lei portuguesa) e, por isso, se está perante operação que confere operações que conferem direito a dedução, relativamente à qual resulta explicitamente da lei a sua inclusão no numerador da fração (artigo 23.º, n.º 4, do CIVA).
Com efeito, no Acórdão Financial Services, visa-se apurar a parcela de IVA dedutível contida em custos gerais relativos à administração corrente, dando-se como exemplo os custos ligados à formação e recrutamento do pessoal, às refeições e bebidas deste, à manutenção e melhoria da estrutura informática, etc.. No n. 44, o Tribunal declara que “na medida em que estes custos gerais foram realmente efetuados, pelo menos em certa medida, tendo em vista a disponibilização de veículos, que são operações tributáveis, os referidos custos são parte, enquanto tais, dos elementos constitutivos do preço dessas operações”, e, portanto, deve admitir-se, quanto a eles, o respetivo direito à dedução. Isto é, deve salientar-se que o Tribunal se satisfaz com o facto de tais custos serem “pelo menos em certa medida” realmente efetuados tendo em vista a disponibilização dos veículos (que corresponde ao valor do capital financiado). Ou seja, o TJUE não exige prova cabal que assim tenha sido, basta que o tenha sido “em certa medida” porque, como custos gerais que são, dificilmente se consegue a sua imputação. É uma posição que contraria as exigências probatórias que alguma jurisprudência portuguesa tem vindo a impor aos sujeitos passivos, para preencher o requisito do Acórdão Banco Mais de que os juros correspondem ou não a contrapartida de “custos de financiamento e de gestão dos contratos suportados pelo locador financeiro”. Ou seja, em conformidade com o Acordão VW Financial Services, não é exigível essa prova exata, uma vez que os custos gerais serão sempre, “em certa medida”, relacionados com toda a atividade dos operadores.
No entanto, o Supremo Tribunal Administrativo tem entendido que só se pode concluir pela ilegalidade com um apuramento casuístico da utilização real dos bens e serviços de uso misto, isto é, quando «sobre a matéria de facto se formule um juízo de facto sobre se a utilização desses bens e serviços de utilização mista é ou não, sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão desses contratos»[5].
É, essencialmente, esta jurisprudência que o Supremo Tribunal Administrativo terá tendencialmente estabilizado com o acórdão uniformizador n.º 3/21, de 24-03-2021, proferido no processo n.º 87/20.0BALSB, publicado Diário da República, I Série, de 18-11-2021.
Formulando um juízo de facto, no caso em apreço, resulta claramente da prova produzida que há uma afetação real e significativa dos custos gerais à disponibilização dos veículos, considerando como afetas à disponibilização dos veículos a generalidade das tarefas que apenas ocorrem na prestação de serviços de locação financeira, designadamente:
– como controle da legalização dos veículos e sanação de eventuais irregularidades;
– pagamento ao fornecedor e disponibilização do veículo ao cliente;
– proceder a registos e suas alterações; controle periódico da existência de seguros de veículos;
– proceder a contactos com concessionárias das autoestradas, relativos a clientes que não pagam as portagens;
– proceder a contactos com as entidades policiais; obter assessoria jurídica e fazer contactos com escritórios de advogados por causa de infrações estradais praticadas pelos clientes;
– assegurar o pagamento do Imposto Único de Circulação, que é feito pela Requerente e debitado ao cliente;
– contactos com seguradoras, quando ocorrem acidentes; obter serviços de tradução, quando necessários, relativos a acidentes no estrangeiro;
– nos casos de incumprimento, procurar recuperar o veículo, por vezes requerendo providências cautelares;
– proceder à venda do veiculo quando o cliente não opta pela compra;
Todas estas atividades ocorrem apenas nos contratos de locação financeira de veículos, porque o veículo é propriedade da Requerente e é disponibilizado ao cliente durante o período de duração do contrato, pelo que são atividades geradas pela disponibilização dos veículos e não pelo financiamento ou gestão dos contratos.
Trata-se de atividades que não ocorrem quando não há disponibilização dos veículos, mas apenas financiamento, como sucede nos contratos de mera concessão de crédito para a aquisição de veículos, em que os clientes adquirem os veículos para si próprios.
Assim, atividades relacionadas com a gestão dos contratos de locação financeira serão (como sucede com os contratos de concessão de crédito) apenas as que se reportam aos próprios contratos, como são a maior parte daquelas para que estão previstas comissões comuns para os contratos de leasing e crédito automóvel, designadamente o reembolso antecipado parcial ou total, o processamento mensal das rendas ou prestações, a recuperação de valores em dívida e alterações contratuais, além de algumas exclusivas dos contratos de locação financeira, como são a transmissão da posição jurídica do locatário e alteração de registos.
Como resultou da prova produzida, as comissões apenas incluem os custos diretamente quantificáveis, mas não as despesas gerais conexionadas com as atividades para que estas estão previstas (como são as despesas de eletricidade, água, limpeza, despesas com informática, gastos de conservação dos edifícios, mobiliário e maquinaria neles existentes, etc.).
Não se apurou a dimensão exata de recursos de utilização mista não considerados no valor das comissões que são utilizados em cada uma das atividades referidas, nem há qualquer fundamento para concluir que sejam proporcionais ao número de pessoas que intervêm em cada uma das fases, designadamente porque, além dos colaboradores afetos em permanência à atividade de leasing, há intervenções nessa atividade dos seus colaboradores em cada um dos seus 306 balcões em que é feito o atendimento direto dos clientes.
De qualquer modo, apurou-se que, além da atividade anterior à entrega dos veículos, destinada à sua disponibilização aos clientes, é significativa a atividade posterior à entrega dos veículos que é provocada pela sua disponibilização, atividade que não ocorre nos contratos de mero financiamento (crédito automóvel) em não é feita disponibilização dos veículos pela Requerente aos seus clientes.
Assim, na linha do ponto 57 do acórdão do TJUE proferido no processo C-153/17, é de concluir que o método imposto pela Autoridade Tributária e Aduaneira, que não tem em conta uma afetação real e significativa de uma parte dos custos gerais à disponibilização dos veículos, não reflete objetivamente a parte real das despesas efetuadas com a aquisição dos bens e dos serviços de utilização mista que pode ser imputada a essas operações.
Por conseguinte, este método não é suscetível, neste caso concreto em apreço, de garantir uma repartição mais precisa do que o que decorreria da aplicação do critério de repartição baseado no volume de negócios.
Para além disso, é convicção do Tribunal Arbitral, embora sem a certeza absoluta que só poderia resultar de uma quantificação exata, que as atividades anteriores à entrega dos veículos e as consideráveis atividades posteriores derivadas da manutenção dos veículos na posse dos clientes, que só existem nos contratos de locação financeira, foram de maior dimensão e consumiram mais recursos de utilização mista do que as derivadas do financiamento e gestão dos contratos. Como disse a testemunha C…, referindo-se às atividades próprias dos contratos de locação financeira que não existem nos contratos de concessão de crédito, «o que vem a seguir à utilização do dinheiro é que dá trabalho».
Isto é, utilizando a terminologia do ponto 33 do acórdão do TJUE C-183/13 Banco Mais, é convicção do Tribunal Arbitral que a utilização de bens ou serviços de utilização mista por parte da Requerente, quanto a contratos de locação financeira, foi sobretudo determinada pela atividade de disponibilização dos veículos e «não pelo financiamento e gestão de contratos de locação financeira celebrados com os seus clientes».
Acrescendo que, tal como se notou, o TJUE no Acordão VW Financial Services, não é exigível essa prova exata, uma vez que os custos gerais serão sempre, “em certa medida”, relacionados com toda a atividade dos operadores.
De qualquer forma, pelo que se disse, fica-se, pelo menos perante uma situação de «fundada dúvida», que deve ser processualmente valorada a favor da Requerente e não contra ela, por força do disposto no artigo 100.º, n.º 1, do CPPT, que é uma regra especial para situações em que esse tipo de dúvida subsiste, em processos jurisdicionais.
Por isso, a autoliquidação e a decisão da Reclamação Graciosa, que têm como pressuposto de facto que a utilização de bens ou serviços de utilização mista por parte da Requerente, quanto a contratos de locação financeira, ser sobretudo determinada pelo financiamento e gestão de contratos de locação financeira celebrados com os seus clientes e não pelas atividades conexas com a disponibilização dos veículos, enferma de vício de erro sobre os pressupostos de facto.
Essas autoliquidação e decisão da Reclamação Graciosa enfermam ainda por erro sobre os pressupostos de direito, ao terem subjacente o entendimento de que a imposição do método que consta do ponto 9. do Ofício-Circulado n.º 30108, pode ser efetuada pela Autoridade Tributária e Aduaneira, como foi, de forma genérica, sem apreciação casuística da questão de saber se a concreta utilização de bens ou serviços de utilização mista por parte da Requerente relacionados com os contratos de locação financeira foi ou não sobretudo determinada pela atividade de disponibilização dos veículos e não pelo financiamento e gestão de contratos de locação financeira celebrados com os seus clientes.
B.1.3. Inconstitucionalidade da previsão de um método de dedução não previsto em diploma de natureza legislativa
Embora o artigo 173.º, n.º 2, da Diretiva IVA, permita ao Estado Português, além do mais, «obrigar o sujeito passivo a efetuar a dedução com base na afetação da totalidade ou de parte dos bens e dos serviços», não foi legislativamente prevista no CIVA a possibilidade de aplicação de uma percentagem de dedução diferente da que se indica no n.º 4 do artigo 23.º do CIVA.
Na verdade, entre os métodos para efetuar a dedução prevista no CIVA, não se inclui o método previsto no ponto 9 do Ofício-Circulado n.º 30108, de 30-01-2009, mas sim, quanto a métodos que utilizam uma percentagem de dedução, apenas o indicado no n.º 4 do artigo 23.º do CIVA e que o que foi permitido ao Estado Português pela Diretiva, por via legislativa, não era permitido à Direcção-Geral dos Impostos, através de Ofício-Circular.
Esta questão de saber se, à face dos artigos 103.º, n.º 2, 112.º, n.º 5, e 165.º, n.º 1, alínea i), da CRP (atinentes ao princípio da legalidade tributária), é permitida a criação normas inovatórias sobre métodos de efetuar a dedução (que se reconduzem a normas de determinação da matéria tributável), por via de Ofício-Circulado emitido pela Direção-Geral de Impostos, como se prevê no artigo 23.º, n.º 2, do CIVA, é uma questão distinta da de saber se o Estado Português, por via legislativa, podia criar tais métodos, à face do artigo 173.º, n.º 2, alínea c), da Diretiva n.º 2006/112/CE.
Esta questão da compatibilidade com a CRP do referido artigo 23.º, n.º 2, do CIVA e do Ofício-Circular referido, não é apenas uma questão de interpretação do Direito da União, mas sim, desde logo, uma questão de Direito Nacional, uma questão de inconstitucionalidade de normas e não da correção ou incorreção da sua aplicação.
As regras sobre o direito à dedução de IVA, de que resulta o montante do imposto suportado pelo sujeito passivo, são regras de incidência objetiva. Na verdade, são normas de incidência, em sentido lato, as que «definem o plano de incidência, ou seja, o complexo de pressupostos de cuja conjugação resulta o nascimento da obrigação de imposto, assim como os elementos da mesma obrigação».
Neste sentido, tanto são normas de incidência as que determinam o sujeito ativo e passivos da obrigação tributária, como as que indicam qual a matéria coletável, a taxa e os benefícios fiscais.
Assim, por violação dos artigos 112.º, n.º 5, e 103.º, n.º 2, e 165.º, n.º 1, alínea i), e 266.º, n.º 1, da CRP, recusa-se a aplicação do artigo 23.º, n.º 2, do CIVA, na interpretação subjacente ao Ofício-Circulado n.º 30108, de 30-01-2009, segundo a qual, a Administração Tributária poderia impor aos sujeitos passivos de IVA, através de diploma normativo de natureza não legislativa, condições especiais limitadoras do direito à dedução, de que resulta os sujeitos passivos terem de suportar imposto que não suportariam se elas não existissem.
Consequentemente, o artigo 23.º, n.º 2, do CIVA é materialmente inconstitucional na interpretação de que permite à Administração Tributária impor um método de determinação da matéria tributável por via de Circular, à face dos artigos 103.º, n.º 2, 112.º, n.º 5, e 165.º, n.º 1, alínea i), da CRP.
Assim, é nosso entendimento que uma interpretação segundo a qual os n.ºs 2 e 3 do artigo 23.º do Código do IVA permitem à AT através de circular interna definir e restringir o direito à dedução do IVA dos contribuintes, com caráter geral e abstrato, através de uma diferente modelação do método pro rata previsto no n.º 4 do artigo 23.º do Código do IVA (excluindo, para efeitos de apuramento da percentagem de dedução, do numerador e do denominador da fração a parte da renda correspondente à amortização), é material e formalmente inconstitucional por violação dos princípios da separação dos poderes (artigos 2.º e 111.º da CRP), do artigo 112.º, n.º 5, da CRP, do princípio da legalidade tributária (artigo 103.º, n.º 2, da CRP) e da reserva de lei da Assembleia da República (artigo 165.º, n.º 1, alínea i) da CRP).
Não tendo tal solução sido prevista legislativamente, não pode a Autoridade Tributária e Aduaneira aplicá-la, pois está subordinada ao princípio da legalidade em toda a sua atuação (artigos 266.º, n.º 2, da CRP e 55.º da LGT) e explicitado no artigo 3.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo, pelo que uma interpretação segundo a qual o n.º 2 e 3 do artigo 23.º do Código do IVA lhe confere, à AT, tal possibilidade, também é violadora do princípio da legalidade da atuação da AT (artigos 266.º, n.º 2, da CRP).
Termos em que se conclui que o IVA a liquidar deve incidir sobre a totalidade da renda, sem distinção entre juro e capital, pois o valor tributável do imposto, nas operações de locação financeira é, segundo a alínea h) do n.º 2 do artigo 16.º do CIVA, “o valor da renda recebida ou a receber do locatário”; sendo igualmente claro que o numerador da fração que exprime a percentagem a dedução é constituído pelo “montante anual, imposto excluído, das operações que dão lugar à dedução”, ou seja pelo valor das operações que foram tributadas, e que o respetivo denominador é o “montante anual, imposto excluído, de todas as operações efetuadas pelo sujeito passivo…”, o que obviamente inclui as primeiras.
B.1.4. Ilegalidade da imposição através de norma administrativa de um método de execução do direito à dedução não previsto legislativamente
Como é sabido, a força vinculativa das circulares e outras resoluções da AT de natureza geral e abstrata, publicitadas circunscreve-se à esfera administrativa, resultando apenas e da autoridade hierárquica dos agentes de onde provêm e dos deveres de acatamento dos subordinados aos quais se dirigem. Por isso, as orientações genéricas da AT, nomeadamente quanto à interpretação da lei fiscal, apenas vinculam os funcionários sobre quem o emissor tem posição superior na hierarquia, não vinculando os particulares, cidadãos ou contribuintes, nem os tribunais.
Neste contexto importa relembrar que, como nos ensina Saldanha Sanches: “Estas orientações administrativas, sob a forma de circulares ou sob outras formas, são uma interpretação da lei fiscal e um instrumento unificador das decisões (…) da administração.
(…).
Com a estrutura formal duma norma jurídica – uma vez que não são a aplicação do Direito a um caso concreto, mas têm antes um carácter geral e abstrato -, as circulares valem o que valer a interpretação que fazem da lei. Como se afirmou sem ambiguidades num acórdão do STA que analisa uma determinada orientação administrativa, “o valor da doutrina dessa circular será apenas o da sua valia intrínseca. Contém uma doutrina que será boa ou má, válida ou inválida, como qualquer outra doutrina”. Estar contida numa decisão administrativa não amplia nem reduz a sua força convincente, nem cria uma presunção de legalidade ou ilegalidade.” [6]
Assim, como bem notam os Professores Doutores Guilherme Xavier de Basto e António Martins analisando o designado Caso Banco Mais julgado pelo TJUE[7], “O Acórdão parece fundamentar a sua decisão final – no sentido de que o direito comunitário não se opõe a que um Estado membro obrigue um banco que exerce, atividades de locação financeira a incluir, no numerador e no denominador da fração que serve para estabelecer um único e mesmo pro rata de dedução para todos os seus bens e serviços de utilização mista, apenas a parte das rendas pagas pelos clientes, que corresponde aos juros (com exclusão, portanto, daquela outra parte que corresponde a “amortização financeira”) – no que é hoje o artigo 173º, nº 2 alínea c) da diretiva (citando o artigo 17º, nº 5, terceiro parágrafo, alínea c) da 6ª diretiva, aplicável aos factos tributários controvertidos no processo).
Ora, nessa disposição, atrás transcrita, do que se trata é de autorizar os Estados a, afastando-se da regra mais geral da percentagem de dedução, efetuar a dedução “com base na afetação da totalidade ou de parte dos bens e dos serviços”. O método dito da afetação real é uma alternativa ao método da percentagem de dedução ou do pro rata, mas não consiste em alteração do algoritmo de cálculo dessa percentagem, o qual está estabelecido no artigo 174º da diretiva e envolve a construção de uma fração em que no numerador se inclui “o montante total do volume de negócios anual, líquido de IVA, relativo às operações que confiram direito à dedução” (alínea a) do nº 1) e no denominador “o montante total do volume de negócios anual, líquido de IVA, relativo às operações incluídas no numerador e às operações que não confiram direito à dedução” (alínea b) do mesmo nº).
Deve porém analisar-se se essa faculdade, que o TJUE admite que os Estados membros exerçam, foi efetivamente tomada pelo legislador português. A resposta, a nosso ver, é negativa e a imposição da AT de operar com um pro rata diferente do definido no nº 4 do artigo 23º do CIVA afigura-se sem fundamento legal no direito nacional. Não é obviamente um ofício-circulado, que não é mais que um regulamento interno que apenas obriga os serviços, mas não tem eficácia externa, que pode substituir-se à lei, impondo aos sujeitos passivos aquilo que a lei não prevê.”
Neste contexto, salientam que, “As distorções de tributação que o legislador nacional previu que poderiam existir na modulação do direito à dedução são, na nossa lei, resolvidas através da imposição ao sujeito passivo do método da afetação real (nº 3, alínea b) do artigo 23º, ou, quando elas resultam de o sujeito passivo ter optado por esse método, da imposição de o abandonar (parte final do nº 2 do mesmo artigo). Também é certo que a lei consente que, no caso de opção pelo método da afetação real, a administração possa impor ao sujeito passivo “condições especiais”, que a lei não define, mas que não consistem em alteração do pro rata de dedução.”
Igualmente neste sentido, José Maria Montenegro[8] conclui, adequadamente em nosso entendimento, que o legislador nacional não usou da faculdade que o TJUE entende estar à disposição dos Estados membros de limitar os valores a inserir no numerador e no denominador da fração do pro rata de dedução, pelo que o que é permitido pelo artigo 23.º, n.º 3, do CIVA, não estando em causa uma alteração ao modo como o sujeito passivo apurou o seu pro rata, tratando-se sim, nos termos legais, de uma alteração do método de dedução. Assim, como nota o autor, no Caso Banco Mais o direito nacional não terá sido analisado com o rigor e a profundidade desejável, sendo que a pertinência da resposta do Tribunal dependia de ser verdadeiro o pressuposto de que a lei portuguesa concede poderes à AT, através de uma decisão administrativa, de alterar a composição do pro rata de dedução. Ora, não dando a nossa lei esses poderes, as respostas do Tribunal não contribuem para legitimar a interpretação que a AT tem vindo a querer impor.
Note-se que, tal como já se salientou e como alega a Requerente, no Caso VW Financial Services[9], veio o TJUE acrescentar, que “não se pode deduzir do raciocínio desenvolvido pelo Tribunal de Justiça a propósito das operações de locação financeira em causa no processo que deu origem ao Acórdão de 10 de julho de 2014, Banco Mais (C‑183/13, EU:C:2014:2056), que o artigo 173.º, n.º 2, alínea c), da Diretiva IVA permite aos Estados‑Membros, de maneira geral, aplicarem a todos os tipos de operações semelhantes para o setor automóvel, como as operações de locação financeira em causa no processo principal, um método de repartição que não tem em conta o valor do veículo aquando da sua entrega” (cf. n. 56).
Aditando que ainda que, “sempre que as modalidades de cálculo da dedução não tenham em conta uma afetação real e significativa de uma parte dos custos gerais a operações que confiram direito à dedução, não se pode considerar que tais modalidades reflitam objetivamente a parte real das despesas efetuadas com a aquisição dos bens e dos serviços de utilização mista que pode ser imputada a essas operações. Por conseguinte, tais modalidades não são suscetíveis de garantir uma repartição mais precisa do que o que decorreria da aplicação do critério de repartição baseado no volume de negócios.” (cfr. n. 57).
Neste contexto conclui o TJUE que, “(…) os artigos 168.º e 173.º, n.º 2, alínea c), da Diretiva IVA devem ser interpretados no sentido de que, por um lado, mesmo quando os custos gerais relativos às operações de locação financeira de bens móveis, como as que estão em causa no processo principal, não sejam repercutidos no montante devido pelo cliente pela disponibilização do bem em causa, ou seja, na parte tributável da operação, mas no montante dos juros devidos a título da parte «financiamento» da operação, ou seja, na parte isenta da operação, esses custos gerais devem ser considerados, para efeitos do IVA, como um elemento constitutivo do preço dessa disponibilização e, por outro lado, que os Estados membros não podem aplicar um método de repartição que não tenha em conta o valor inicial do bem em causa no momento da sua entrega, uma vez que esse método não é suscetível de garantir uma repartição mais precisa do que o que decorreria da aplicação do critério de repartição baseado no volume de negócios.” (cfr. n. 59).
No mesmo sentido, como já antes referimos, vão a maioria das decisões do Tribunal Arbitral.
Assim, na Decisão proferida no Processo Arbitral n.º 309/2017, de 20 de novembro de 2017, conclui-se que, “(…) embora a Diretiva n.º 2006/112/CE do Conselho, de 28-11-2006, permita ao Estado Português «obrigar o sujeito passivo a efetuar a dedução com base na afetação da totalidade ou de parte dos bens e dos serviços», não foi legislativamente prevista no CIVA a possibilidade de aplicação de uma percentagem de dedução diferente da que se indica no n.º 4 do artigo 23.º do CIVA. E, não tendo essa possibilidade sido legislativamente prevista, não a pode aplicar a Autoridade Tributária e Aduaneira, pois está subordinada ao princípio da legalidade em toda a sua atuação (artigos 266.º, n.º 2, da CRP e 55.º da LGT) e explicitado no artigo 3.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo. (…).
Por isso, não tendo suporte legal a utilização do método previsto no ponto 9 do Ofício Circulado n.º 30108, de 30.01.2009, é ilegal a imposição da sua utilização pela Requerente.
(,,,)
Pelo exposto, conclui-se que a imposição de utilização do «coeficiente de imputação específico» indicado no ponto 9. do Ofício Circulado n.º 30108 enferma de vício de violação de lei, por ofensa do princípio da legalidade (…).”
Também na Decisão proferida no Processo Arbitral n.º 339/2018, de 25 de março de 2019, se conclui que, “A Requerente sustenta, todavia, que o artigo 23.º, n.º 2, do Código do IVA não transpõe para o direito interno a disposição do artigo 17.°, n.° 5, terceiro parágrafo, alínea c), da Diretiva baseando-se essencialmente no seguinte argumento: enquanto a Diretiva permitia que os Estados-membros autorizassem ou obrigassem o sujeito passivo a efetuar a dedução com base na utilização da totalidade ou de parte dos bens ou serviços, o legislador nacional não conferiu à Administração essa prerrogativa, limitando-se a permitir o controlo dos critérios objetivos que o sujeito passivo tenha utilizado quando opte pelo mecanismo da afetação real.”
Veja-se igualmente a Decisão proferida no Processo Arbitral n.º 498/2018, de 28 de maio de 2019, nos termos da qual se decide que, “Assim, ter-se-á de concluir que a faculdade concedida à Autoridade Tributária pelo n.º 3 do artigo 23.º não inclui a faculdade de impor ao sujeito passivo a aplicação de uma percentagem de dedução que, assim, só pode ser utilizada nas situações em que está prevista diretamente na alínea b) do n.º 1 do artigo 23.º, e este método é o que consta do n.º 4 do mesmo artigo. Embora à luz da referida Jurisprudência, se possa admitir que a Diretiva IVA permitia ao legislador interno «obrigar o sujeito passivo a efetuar a dedução com base na afetação da totalidade ou de parte dos bens e dos serviços», a verdade é que este não usou tal prerrogativa, pelo que não pode a mesma ser aplicada internamente por ausência de base legal.”
Na Decisão proferida no Processo Arbitral n.º 581/2018, de 17 de junho de 2019, conclui-se no mesmo sentido que, “Pelo que a imposição da AT de operar com um pro rata diferente do definido no n.º 4 do artigo 23.º do CIVA afigura-se sem fundamento legal no direito nacional. Não é um Ofício-Circulado, que não é mais que uma instrução interna que apenas obriga aos serviços, mas que não tem eficácia externa, que pode substituir-se à lei, impondo aos sujeitos passivos aquilo que a lei não prevê.”
Acresce que importa atender que, como se faz notar na Decisão proferida no Processo Arbitral n.º 769/2019, de 2 de abril de 2020, “Mas, mesmo que o método previsto no ponto 9 do Ofício Circulado assegurasse mais eficazmente os referidos princípios, a falta da sua previsão em diploma de natureza legislativo nacional, em matéria em que não é diretamente aplicável qualquer norma de direito da União Europeia, sempre seria um obstáculo intransponível à sua aplicação, por força do princípio da legalidade, em que se insere o da hierarquia das fontes de direito, à face do qual não é constitucionalmente admissível que seja reconhecido a atos de natureza não legislativa «o poder de, com eficácia externa, interpretar, integrar, modificar, suspender ou revogar qualquer dos seus preceitos» (artigo 112.º, n.º 5, da CRP), para mais em matéria sujeita ao princípio da legalidade fiscal…”
Atente-se no voto de vencida no âmbito do Processo n.º 887/2019, de 12 de outubro de 2020, que, no tocante ao Caso Banco Mais, conclui que, “neste caso o TJUE considerou que a Sexta Diretiva do IVA não se opõe a que os Estados membros apliquem, numa determinada operação, um método ou critério diferente do método baseado no volume de negócios, desde que esse método garanta uma determinação do pro rata de dedução mais precisa do que a resultante daquele outro método. Ora, analisado o Acórdão (…), conclui-se que parte de uma premissa que não está correta, dado assumir uma interpretação, sem na realidade verificar se a lei portuguesa (o disposto no artigo 23.º do Código do IVA) prevê ou não mecanismos que permitam à AT impor outros métodos de dedução de IVA para bens e serviços de utilização mista.”
Por seu turno, como se conclui na Decisão proferida no Processo Arbitral n.º 335/2018, de 14 de dezembro de 2020, “(…) tem de se concluir que o poder concedido à Administração Fiscal pelo n.º 3 do artigo 23.º, não inclui a possibilidade de impor ao sujeito passivo a aplicação de uma percentagem dedução. (…) Por isso, embora a Directiva n.º 2006/112/CE do Conselho, de 28-11-2006, permita ao Estado Português «obrigar o sujeito passivo a efectuar a dedução com base na afectação da totalidade ou de parte dos bens e dos serviços», não foi legislativamente prevista no CIVA a possibilidade de aplicação de uma percentagem de dedução diferente da que se indica no n.º 4 do artigo 23.º do CIVA. E, não tendo essa possibilidade sido legislativamente prevista, não a pode aplicar a Autoridade Tributária e Aduaneira, pois está subordinada ao princípio da legalidade em toda a sua atuação (artigos 266.º, n.º 2, da CRP e 55º da LGT) e explicitado no artigo 3.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo. Este último diploma, definindo tal princípio, estabelece que «Os órgãos da Administração Pública devem atuar em obediência à lei e ao direito, dentro dos limites dos poderes que lhes forem conferidos e em conformidade com os respetivos fins».” “Por isso, não tendo suporte legal a utilização do método previsto no ponto 9 do Ofício Circulado n.º 30108, de 30.01.2009, é ilegal a imposição da sua utilização pela Requerente.” “Pelo exposto, conclui-se que a imposição de utilização do «coeficiente de imputação específico» indicado no ponto 9 do Ofício Circulado n.º 30108 enferma de vício de violação de lei, por ofensa do princípio da legalidade, pelo que procede o pedido de pronúncia arbitral.”
Veja-se ainda a Decisão proferida no Processo n.º 58/2020-T, de 21 de janeiro de 2021, em conformidade com a qual se deve recusar a aplicação do n.º 2 do artigo 23.º do Código do IVA “na interpretação subjacente ao Ofício-Circulado n.º 30108, de 30-01-2009, segundo a qual, a Administração Tributária poderia impor aos sujeitos passivos de IVA, através de diploma normativo de natureza não legislativa, condições especiais limitadoras do direito à dedução, de que resulta os sujeitos passivos terem de suportar imposto que não suportariam se elas não existissem.”
Igualmente no Processo n.º 58/2020-T, se salienta que, “em face da jurisprudência do TJUE e do Supremo Tribunal Administrativo, a possibilidade de impor o método de cálculo do pro rata de dedução quanto a recursos de utilização mista previsto no n.º 9 do Ofício-Circulado n.º 30108, no que concerne aos contratos de locação financeira efetuados por bancos, não é admitida generalizadamente, antes «tal situação será excecional», dependendo de se verificar, casuisticamente, que a utilização dos «bens e serviços seja sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão desses contratos» (processo C-183/13, Banco Mais, e acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 15-11-2017, processo n.º 0485/17, e de 04-03-2015, processos n.ºs 081/13 e 01017/12, e de 04-03-2020, processos n.ºs 7/19.4BALSB e 052/19.0BALSB, entre muitos outros).”
Note-se que, no contexto deste Processo, o Tribunal Arbitral, a propósito do Acórdão do TJUE no âmbito do Caso VW Financial Services, vem concluir que, “na linha desta jurisprudência, tendo em conta que a obrigatoriedade da jurisprudência do TJUE implicará o acatamento da mais recente quando ela se modifica, tem de entender-se que o método previsto no ponto 9. do Ofício-Circulado n.º 30108, que não tem em conta o valor inicial do bem em causa no momento da sua entrega, tem de considerar-se não suscetível de garantir uma repartição mais precisa do que o que decorreria da aplicação do critério de repartição baseado no volume de negócios, pelo que, também sob esta perspetiva, é incompatível com a alínea c) do n.º 2 do artigo 173.º da Diretiva n.º 2006/112/CE.” (cf. p. 75 da referida decisão do Tribunal Arbitral).
Acresce que o Acórdão uniformizador do STA de 20 de janeiro de 2021 conclui que a validade do método da afetação real imposto pela AT no referido Ofício da AT dependeria, apenas, do facto de ser o “mais ajustado”, tal se verificando neste tipo de atividade se a utilização de bens ou serviços de utilização mista, como edifícios, consumo de eletricidade ou certos serviços transversais, for, sobretudo, determinada pelo financiamento e gestão dos contratos.
Ora, a posição do Magistrado do Ministério Público no citado Acórdão uniformizador foi no sentido que entendemos mais correto, concluindo nos seguintes termos pela impossibilidade legal de a AT ter acolhido no aludido Ofício o método aí imposto: “De facto não se extrai dos nº s 2 e 3 do artigo 23º do CIVA qualquer elemento, com correspondência mínima na letra da lei, que confira à Administração Tributária o poder de impor ao sujeito passivo um método de pro-rata específico e parcial tal como o mesmo é configurado no ofício circulado nº 30108 de 30/01/2009.
Sendo certo que nos termos do nº 2 do artigo 23º do CIVA a Administração Tributária pode impor ao sujeito passivo “condições especiais” na determinação e cálculo do IVA dedutível, o que abarca a definição de critérios objetivos em função das particularidades da atividade desenvolvida, afigura-se-nos, salvo melhor opinião, que esses poderes não abarcam a imposição de forma genérica de um método de pro-rata parcial.
Entendemos, assim, que ainda que admissível em função do disposto na artigo 173.º da Diretiva n.º 2006/112/CE do Conselho, de 28-11-2006, o método de cálculo de dedução do IVA relativo a bens e serviços de utilização “mista” preconizado pela Administração Tributária no ponto 9 do ofício circulado nº 30108 de 30/01/2009, no sentido de não se incluírem os valores relativos à componente de capital das rendas recebidas como contrapartida nos contratos de locação financeira e ALD, não é conforme o disposto no artigo 23º do CIVA, e nessa medida insuscetível de aplicação pela Administração Tributária, por o legislador nacional não ter usado da prerrogativa conferida pela Diretiva IVA nesse âmbito.”
Termos em que, consideramos, na esteira dos Professores Guilherme Xavier de Basto e António Martins, que a interpretação do artigo 23.º, n.º2, do CIVA, levada a cabo pela AT, entendida por esta como norma como habilitante a aplicar ou a impor aos sujeitos passivos um coeficiente de dedução diverso do método pro rata, através da imposição de utilização do “coeficiente de imputação específico” indicado no ponto 9. do aludido Ofício Circulado n.º 30108, é material e formalmente inconstitucional, por violação dos princípios da separação dos poderes (artigos 2.º e 111.º da CRP), do artigo 112.º, n.º 5, da CRP, do princípio da legalidade tributária (103.º, n.º 2 da CRP) e da reserva de lei da Assembleia da República (165.º, n.º 1, alínea I) da CRP, não tendo o legislador feito uso da faculdade que o TJUE entende estar à disposição dos Estados membros de limitar os valores a inserir no numerador e no denominador da aludida fração[10].
De entre esta extensa panóplia de Decisões do Tribunal Arbitral, cumpre ainda salientar a proferida no Processo n.º 576/2021-T, de 14 de fevereiro de 2022.
Nesta Decisão, inicia o Tribunal Arbitral por analisar a decisão proferida no referido Caso VW Financial Services, nos seguintes termos: “Assim, neste acórdão do processo C-153/17, apesar de ficar demonstrado que os custos gerais eram imputados à parte das rendas referentes aos juros e a parte das rendas correspondente ao capital não era tributada (por ser isenta à face da lei inglesa), entendeu-se que esta última não podia ser completamente excluída do cálculo do pro rata, pelo que esta jurisprudência não pode deixar de ser aplicável à face da lei portuguesa, em que toda a atividade de leasing é tributada e, por isso, trata-se na totalidade de operações que dão direito à dedução, à face do artigo 20.º, n.º 1, e para efeitos do artigo 23.º, n.º 4, do CIVA.
Na verdade, se o TJUE entendeu que, mesmo nos casos de a parte das rendas correspondente às amortizações não ser tributada (como sucede na lei inglesa) esse montante não podia ser excluído completamente do numerador da fração, por maioria de razão valerá este entendimento quanto este montante também é tributado em IVA (como sucede na lei portuguesa) e, por isso, se está perante operação que confere operações que conferem direito a dedução, relativamente à qual resulta explicitamente da lei a sua inclusão no numerador da fração (artigo 23.º, n.º 4, do CIVA).
De qualquer forma, no citado acórdão 10-07-2014, proferido no processo n.º C-183/13 (Banco Mais), não se admitiu generalizadamente que um Estado-Membro possa obrigar um banco que exerce, nomeadamente, atividades de locação financeira a incluir, no numerador e no denominador da fração que serve para estabelecer um único e mesmo pro rata de dedução para todos os seus bens e serviços de utilização mista, apenas a parte das rendas pagas pelos clientes, no âmbito dos seus contratos de locação financeira, que corresponde aos juros, mas apenas admitiu tal possibilidade «quando a utilização desses bens e serviços seja sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão desses contratos, o que incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar»”.
Termos em que se conclui que, “Como resulta desta parte final, na perspetiva do TJUE, não é compaginável com a alínea c) do n.º 2 do artigo 173.º da Diretiva n.º 2006/112/CE a imposição aos contribuintes de uma percentagem de dedução especial de forma genérica, independentemente da comprovação da utilização real dos bens e serviços, pelo que a imposição dessa percentagem especial pelo Ofício-Circulado n.º 30108 e na decisão da reclamação graciosa, sem qualquer indagação da utilização real dos recursos de utilização mista, enferma de vício de violação de lei, por erro sobre os pressupostos de direito.”
De salientar em particular que veio ainda nessa Decisão reiterar-se o entendimento de que é necessário fazer um “apuramento casuístico” da utilização real dos bens e serviços de uso misto, em concreto, se é ou não sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão dos contratos.
Termos de acordo com os quais o Tribunal Arbitral considerou expressamente que a autoliquidação então sindicada enfermava de erro sobre os pressupostos de direito, ao ter subjacente o entendimento de que a imposição do método que consta do ponto 9. do Ofício-Circulado n.º 30108, pode ser efetuada pela AT, de forma genérica, “sem apreciação casuística da questão de saber se a concreta utilização de bens ou serviços de utilização mista por parte da Requerente relacionados com os contratos de locação financeira foi ou não sobretudo determinada pela atividade de disponibilização dos veículos e não pelo financiamento e gestão de contratos de locação financeira celebrados com os seus clientes.”
O Tribunal chega mesmo a considerar que o método previsto no referido n.º 9 do Ofício-Circulado, por não ter “em conta o valor inicial do bem em causa no momento da sua entrega, em situação que se comprova uma afetação real e significativa de uma parte dos custos gerais à disponibilização dos veículos”, não tem potencialidade para “garantir uma repartição mais precisa do que o que decorreria da aplicação do critério de repartição baseado no volume de negócios, pelo que, também sob esta perspetiva, é incompatível com a alínea c) do n.º 2 do artigo 173.º da Diretiva n.º 2006/112/CE, como entendeu o TJUE no processo C-153/17, Volkswagen Financial Services (UK) Ltd.”
Mas importa salientar que o Tribunal entende que, entre nós, a imposição daquele método apenas poderia ser feita por via de diploma legislativo e não de circular administrativa, pelo que a sua imposição “viola os princípios constitucionais da legalidade e da hierarquia das normas e o princípio administrativo da legalidade [artigos 103.º, n.º2, e 112.º, n.º 5, e 165.º, n.º 1, alínea i), da CRP e 55.º da LGT]”. Acrescendo que o artigo 23.º, n.º 2, do CIVA, é materialmente inconstitucional na interpretação de que permite à AT “impor um método de determinação da matéria tributável por via de Circular, à face dos artigos 103.º, n.º 2, 112.º, n.º 5, e 165.º, n.º 1, alínea i), da CRP.”
Assim como, conclui, por violação do princípio da igualdade plasmado no artigo 13.º da CRP, “se interpretadas como a aplicação do método previsto no ponto 9 do Ofício-Circulado n.º 30108”.
No tocante à invocada decisão do STA, importa salientar que, distintamente do invocado pela AT, admite claramente antever a possibilidade de realização da prova sobre a utilização dos recursos mistos, designadamente por parte do sujeito passivo, de forma a apurar a adequação do critério e da taxa do pro rata por si utilizada – ou, neste caso, da taxa de dedução que pretende ver aplicada, por oposição ao previsto no Ofício-Circulado n.º 30108.
Idêntico entendimento foi, nomeadamente, veiculado no contexto do Proc. n.º 76/2022- T, de 22 de fevereiro de 2023.
Face ao exposto, concluímos que a Requerente tem razão ao invocar que, atenta a jurisprudência comunitária e nacional neste âmbito, há que retirar as seguintes conclusões:
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A utilização de um critério de dedução de IVA dos recursos comuns como o defendido pela AT através do Ofício-Circulado não tem fundamento legal no Código do IVA, pelo que qualquer tentativa de aplicação do mesmo é ilegal;
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Ainda que tal critério possa ser admissível para o TJUE, à luz da interpretação das normas relevantes da Diretiva do IVA, o mesmo apenas é de aplicar caso se verifique que os recursos comuns são maioritariamente determinados pelo financiamento e gestão dos contratos; e,
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Como o TJUE conclui no Caso VW Financial Services, “na medida em que estes custos gerais foram realmente efetuados, pelo menos em certa medida, tendo em vista a disponibilização de veículos, que são operações tributáveis, os referidos custos são parte, enquanto tais, dos elementos constitutivos do preço dessas operações”, e, portanto, deve admitir-se, quanto a eles, o respetivo direito à dedução.
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Como o TJUE concluiu neste Caso no tocante à interpretação do Acórdão Banco Mais, “não se pode deduzir do raciocínio desenvolvido pelo Tribunal de Justiça a propósito das operações de locação financeira em causa no processo que deu origem ao Acórdão de 10 de julho de 2014, Banco Mais (C‑183/13, EU:C:2014:2056), que o artigo 173.o, n.o2, alínea c), da Diretiva IVA permite aos Estados‑Membros, de maneira em geral, aplicarem a todos os tipos de operações semelhantes para o setor automóvel, como as operações de locação financeira em causa no processo principal, um método de repartição que não tem em conta o valor do veículo aquando da sua entrega.”
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Para determinação do IVA dedutível, não se pode aplicar um método de repartição que não tenha em conta a situação concreta de cada contribuinte e as especificidades da sua atividade;
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Além disso, aquele método terá que ter igualmente em conta o valor inicial do bem em causa no momento da sua entrega, uma vez que esse método não é suscetível de garantir uma repartição mais precisa do que o que decorreria da aplicação do critério de repartição baseado no volume de negócios.
B.1.5. Falta de prova de «distorções significativas da tributação»
De qualquer forma, mesmo que por mero exercício académico se aceitasse a possibilidade de a Administração Tributária impor o método previsto no ponto 9. do Ofício-Circulado 30108, este só seria aplicável, como se refere na alínea b) do n.º 3 do artigo 23.º do CIVA, «quando a aplicação do processo referido no n.º 1 conduza a distorções significativas na tributação».
A Administração Tributária defende que a aplicação do coeficiente de imputação específico é o único que se mostra adequado ao apuramento da percentagem de dedução, afastando as distorções na tributação, estando de acordo com o direito comunitário e as normas de direito interno (nomeadamente, artigo 173.º e 174.º da Diretiva IVA, e o artigo 23.º do CIVA), salvaguardando o princípio da neutralidade.
A Requerente defende que não se vislumbram distorções significativas na tributação derivadas do método da percentagem de dedução, nem a AT as apontou no supra referido Ofício-Circulado n.º 30108, limitando-se a alegar genericamente a falta de coerência das variáveis utilizadas no pro rata, sem fundamentar, concretizar e demonstrar, como lhe cabia, a existência de qualquer distorção.
Na verdade, não se referem no Ofício-Circulado n.º 30108 em que consistem as «distorções significativas na tributação» que resultam da aplicação do método do pro rata previsto no n.º 4 do artigo 23.º do CIVA, formulando-se nesse sentido um juízo conclusivo, cujos fundamentos não se demonstram. A afirmação feita no ponto 8. do Ofício-Circulado de que «aplicação do prorata geral estabelecido no n.º 4 do artigo 23.º do CIVA é suscetível de provocar vantagens ou prejuízos injustificados pela falta de coerência das variáveis nele utilizadas» é também conclusiva e obscura, pois não se esclarece quais as aludidas vantagens ou prejuízos, nem para quem, nem em que consiste a falta de coerência que se invoca.
De qualquer forma, o procedimento que a Administração Tributária impôs no referido Ofício-Circulado tem a potencialidade de provocar distorções significativas na tributação, como bem demonstram os Professores Guilherme Xavier de Basto e António Martins[11] relativamente à locação financeira com rendas mensais constantes:
«Ora não se consegue demonstrar que o expurgo da amortização financeira contribui para uma sintonia mais fina na determinação da parcela de imposto dedutível. Bem ao invés, demonstra-se que o procedimento que a AT quer obrigar o sujeito passivo a adotar provoca distorções significativas de tributação e não consegue de modo algum o objetivo que a lei, no artigo 23.º, n.º 3, atribui ao método da afetação real – o objetivo de efetuar a dedução de “com base em critérios objetivos que permitam determinar o grau de utilização desses bens e serviços [de uso “promíscuo”] em operações que conferem direito à dedução e em operações que não conferem esse direito.
Em financiamentos cujo reembolso é efetuado em prestações periódicas, sabe-se que os juros se apuram e pagam antes da amortização de capital, esta dada pela diferença entre renda total e juro pago. Nas sucessivas prestações, quer em termos de rendas constantes quer de rendas variáveis, como a seguir melhor se verá numericamente, a parte imputável a juros vai flutuando ao longo do tempo de duração do contrato».
Sendo assim, que consequência tem o apuramento do IVA dedutível segundo o método imposto pela AT de expurgar a amortização do cálculo da parcela dedutível? Tem a consequência de fazer flutuar a percentagem de IVA dedutível ao longo do tempo de duração do contrato.
Esta flutuação, porém, só teria razão de ser se houvesse fundamentos para crer que ao longo desse tempo a intensidade do uso dos inputs promíscuos flutuava também na mesma onda. Ora, é bem claro que não há qualquer razão para crer que seja assim. A intensidade do uso desses bens e serviços será eventualmente a mesma, ou se não for, não é através de uma percentagem de dedução calculada com quer a AT que poderá ser apurada essa eventual diferença de intensidade.
A solução imposta pela AT provoca, ela sim, distorções na tributação. Pode entender-se que o método do pro rata a que chamaríamos normal não apura com suficiente rigor a parcela de imposto dedutível, mas ele é, sem dúvida, melhor do que trabalhar com uma percentagem de dedução que faz flutuar a parcela de imposto dedutível ao longo do tempo sem qualquer relação com diferenças na intensidade do uso dos inputs promíscuos pelo sector de atividade cujas operações conferem direito à dedução.
A pretensão da AT em aperfeiçoar o apuramento do imposto dedutível só poderia eventualmente ser conseguida impondo um verdadeiro método de afetação real, não um pro rata manipulado, sem significado e adequação ao objetivo pretendido de evitar distorções significativas na tributação».
Assim, não se poderia sequer considerar demonstrado que, na situação em apreço, a determinação do pro rata baseado no volume de negócios provoque ou possa provocar «distorções significativas da tributação», havendo, antes, a certeza de que essas distorções resultam do método imposto pela Administração Tributária.
Pelo exposto, ao pressuporem que a aplicação do método previsto no artigo 23.º, n.º 4, do CIVA gera distorções significativas de tributação e que elas são evitadas pelo método previsto no ponto 9 do Ofício-Circulado n.º 30108, a autoliquidação e a decisão da Reclamação Graciosa enfermam de vício de erro sobre os pressupostos de facto.
B.1.6. Princípio da igualdade
As distorções da tributação que resultam da aplicação do método previsto no Ofício-Circulado n.º 30108 são amplificadas em termos incompatíveis com o princípio constitucional da igualdade, pela jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, adotada pelo Pleno no acórdão de 30-09-2020, processo n.º 26/20.8BALSB, em que entendeu que a jurisprudência do Acórdão Banco Mais, apenas é aplicável quando o sujeito passivo é um banco, e já não quando é uma sociedade financeira de crédito que utilize para as suas operações tributadas recursos de utilização mista não quantificáveis.
Na verdade, nas situações em que não seja possível a afetação real, não se aplicando o «coeficiente de imputação específico» quando o sujeito passivo é uma sociedade financeira, será aplicável ao cálculo do pro rata o regime do n.º 4 do artigo 23.º do CIVA, incluindo-se no numerador da fração o valor total das rendas (que é na totalidade tributado, nos termos da alínea h) do n.º 1 do artigo 16.º do CIVA), enquanto se o sujeito passivo for um banco apenas será incluída no numerador a parte das rendas que corresponde aos juros.
Além das distorções de tributação que resultam da não inclusão do valor total das rendas na fração quando o sujeito passivo é um banco, a aplicação do método referido apenas aos bancos é incompaginável com o princípio da igualdade, pois duas situações idênticas de sujeitos passivos mistos que realizem concomitantemente operações de locação financeira e operações isentas teriam uma tributação em IVA (derivada da restrição do direito à dedução) consideravelmente distinta.
A distorção da tributação provocada pelo método previsto no Ofício-Circulado n.º 30108 deteta-se também quando se compara a limitação do direito à dedução quanto a recursos afetos à locação financeira quando é efetuada por um banco com a de um sujeito passivo que apenas se dedique à atividade de locação financeira.
Na verdade, o sujeito passivo que apenas se dedique à locação financeira poderá, sem qualquer limitação, deduzir a totalidade do IVA suportado nos bens e serviços que adquira para exercer essa atividade, pois ela é totalmente tributada, nos termos do artigo 16.º, n.º 1, alínea h), do CIVA, e o artigo 20.º, n.º 1, deste Código assegura o direito à dedução do imposto que tenha incidido sobre bens ou serviços adquiridos para realização das operações de transmissões de bens e prestações de serviços sujeitas a imposto e dele não isentas. Em última análise, à luz da referida jurisprudência, bastará apenas a realização de uma única operação de concessão de crédito, a par de milhares de operações de locação financeira, para o direito de dedução do IVA suportado com os custos gerais passar de total a insignificante.
Assim, o princípio da igualdade (proporcionalidade) exigirá que ao locador financeiro que, além dessa atividade tributada, desenvolve também atividade isenta, possa deduzir o IVA na parte proporcional ao volume de negócios daquela atividade.
Por isso, são materialmente inconstitucionais, por violação do princípio da igualdade (artigo 13.º da CRP), as normas do artigo 23.º, n.ºs 2 e 3, alínea b) do CIVA, se interpretadas como a aplicação do método previsto no ponto 9 do Ofício-Circulado n.º 30108.
B.1.7. Conclusões
A Administração Tributária questiona a quantificação das percentagens de pro rata indicadas pela Requerente.
Na verdade, considera a Requerente que deveria ter calculado a percentagem de dedução definitiva de 2020, aplicável ao IVA incorrido nos designados recursos comuns da sua atividade, nos termos do n.º 4 do artigo 23.º do Código do IVA, a qual ascende a 77%, e não a 16% (apurada de acordo com o Ofício-Circulado supra mencionado.
Neste sentido e segundo os seus cálculos, o IVA que a Requerente deveria ter deduzido adicionalmente, caso não tivesse seguido o entendimento plasmado no identificado Ofício-Circulado, ascende a um total de € 900.505,81, apurado nos seguintes termos:
[A] Numerador (com inclusão da “amortização financeira”/capital)
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79.041.115,34
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[B] Denominador
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103.761.930,37
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[C]=[A]/[B] Pro rata
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77,00%
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[D] IVA incorrido em recursos comuns
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1.476.239,04
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[E] IVA deduzido por coeficiente de imputação específico de 16% sem inclusão do capital no Pro Rata
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236.198,25
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[F]=[D]×[C] - [E] IVA a deduzir adicionalmente por Pro rata
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900.505,81
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A utilização pela Requerente do método do pro rata, previsto no n.º 4 do artigo 23.º do Código do IVA, decorre da sua própria estrutura empresarial, pois as operações de locação financeira em causa implicam a utilização de recursos comuns, quer para a gestão dos contratos de financiamento, quer para a disponibilização e gestão dos bens locados, os quais são determinados pelo facto de ser a proprietária dos referidos bens.
Assim, podemos concluir o seguinte:
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Sendo a atividade de leasing integralmente tributada e não isenta de IVA [artigo 16.º, n.º 2, alínea h], do CIVA], a Requerente pode, em princípio, deduzir todo o IVA suportado com aquisição de bens e serviços utilizados nessa atividade;
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Em face da jurisprudência do TJUE e do Supremo Tribunal Administrativo, a possibilidade de impor o método de cálculo do pro rata de dedução quanto a recursos de utilização mista previsto no n.º 9 do Ofício-Circulado n.º 30108, no que concerne aos contratos de locação financeira efetuados por bancos, não é admitida generalizadamente, antes «tal situação será excecional», dependendo de se verificar, casuisticamente, que a utilização dos «bens e serviços seja sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão desses contratos» (processo C-183/13, Banco Mais, e acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 15-11-2017, processo n.º 0485/17, e de 04-03-2015, processos n.ºs 081/13 e 01017/12, e de 04-03-2020, processos n.ºs 7/19.4BALSB e 052/19.0BALSB, entre muitos outros);
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Ora, não se tendo apurado que, no ano de 2020, a utilização dos bens e serviços de utilização mista tivesse sido sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão dos contratos de leasing, não se verifica uma situação em que possa ser imposto o referido método de dedução;
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É convicção do Tribunal Arbitral que as atividades anteriores à entrega dos veículos e as consideráveis atividades posteriores derivadas da manutenção dos veículos na posse dos clientes, que só existem nos contratos de locação financeira, serão de maior dimensão e consumiram mais recursos de utilização mista do que as derivadas do financiamento e gestão dos contratos;
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É convicção do Tribunal Arbitral que a utilização de bens ou serviços de utilização mista por parte da Requerente, quanto a contratos de locação financeira, foi sobretudo determinada pela atividade de disponibilização dos veículos e «não pelo financiamento e gestão de contratos de locação financeira celebrados com os seus clientes»;
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Acresce que, como vimos, no Acórdão VW Financial Services, o TJUE concluiu no sentido de que tais custos devem ser “pelo menos em certa medida” realmente efetuados tendo em vista a disponibilização dos veículos (que corresponde ao valor do capital financiado), não exigindo prova cabal que assim tenha sido, bastando que o tenha sido “em certa medida”, sendo parte, enquanto tais, dos elementos constitutivos do preço dessas operações”, devendo admitir-se, quanto a eles, o respetivo direito à dedução.
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Em qualquer caso, o método previsto no n.º 9 do Ofício-Circulado 30108, que não tem em conta o valor inicial do bem em causa no momento da sua entrega, em situação que se comprova uma afetação real e significativa de uma parte dos custos gerais à disponibilização dos veículos, não tem potencialidade para garantir uma repartição mais precisa do que o que decorreria da aplicação do critério de repartição baseado no volume de negócios, pelo que, também sob esta perspetiva, é incompatível com a alínea c) do n.º 2 do artigo 173.º da Diretiva IVA, como entendeu o TJUE no processo C-153/17, Volkswagen Financial Services (UK) Ltd;
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O artigo 23.º, n.º 2, do CIVA é materialmente inconstitucional na interpretação de que permite à Administração Tributária impor um método de determinação da matéria tributável por via de Circular, à face dos artigos 103.º, n.º 2, 112.º, n.º 5, e 165.º, n.º 1, alínea i), da CRP;
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A utilização de um critério de dedução de IVA dos recursos comuns como o defendido pela AT através do Ofício-Circulado não tem fundamento legal no Código do IVA, pelo que qualquer tentativa de aplicação do mesmo é ilegal;
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Para determinação do IVA dedutível, não se pode aplicar um método de repartição que não tenha em conta a situação concreta de cada contribuinte e as especificidades da sua atividade;
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Além disso, aquele método terá que ter igualmente em conta o valor inicial do bem em causa no momento da sua entrega, uma vez que esse método não é suscetível de garantir uma repartição mais precisa do que o que decorreria da aplicação do critério de repartição baseado no volume de negócios;
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Não se demonstrou que o método do pro rata previsto no artigo 23.º, n.º 4, do CIVA provoque «distorções significativas da tributação», pelo que não se verifica o pressuposto em que o Ofício-Circulado n.º 30108 assenta a imposição da aplicação do coeficiente de imputação específico previsto no seu n.º 9, e, consequentemente, a imposição na situação dos atos enferma de erro sobre os pressupostos de facto;
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São materialmente inconstitucionais, por violação do princípio da igualdade (artigo 13.º da CRP), as normas do artigo 23.º, n.ºs 2 e 3, alínea b) do CIVA, se interpretadas como a aplicação do método previsto no ponto 9 do Ofício-Circulado n.º 30108;
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Não tendo sido a hipotética não correspondência à realidade das percentagens indicadas pela Requerente um fundamento do indeferimento da reclamação graciosa que manteve a autoliquidação, não pode ser invocado como fundamento de improcedência da pretensão da Requerente.
Pelo exposto, a imposição de utilização do «coeficiente de imputação específico» indicado no ponto 9 do Ofício-Circulado n.º 30108 enferma de vício de violação de lei, por erro sobre os pressupostos de facto e de direito, consubstanciado por ofensa do princípio da legalidade e errada interpretação dos n.ºs 2, 3 e 4 do artigo 23.º do CIVA, e da alínea c) do n.º 2 do artigo 173.º da Diretiva IVA, pelo que procede o pedido de pronúncia arbitral.
Consequentemente, a autoliquidação relativa ao período de 2020, em que foi dada execução a essa imposição, enferma de vício de violação de lei, na parte correspondente à errada aplicação do método de cálculo do pro rata de dedução, o que justifica a sua anulação bem como da decisão de indeferimento da Reclamação Graciosa que a manteve, de harmonia com o disposto no artigo 163.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea c), da LGT.
B.2. Restituição de quantia paga em excesso e juros indemnizatórios
Como se refere na decisão da matéria de facto, considerou-se provado que a Requerente pagou a quantia autoliquidada (o que não é controvertido), embora não se tenha apurado quando fez o pagamento.
A Requerente considera que deveria ter calculado a percentagem de dedução definitiva 2020, aplicável ao IVA incorrido nos designados recursos comuns da sua atividade, nos termos do n.º 4 do artigo 23.º do Código do IVA, a qual, com referência a 2020, ascende a 77%, e não a 16% (apurada de acordo com o Ofício-Circulado supra mencionado).
Neste sentido e segundo os seus cálculos, o IVA que a Requerente deveria ter deduzido adicionalmente, caso não tivesse seguido o entendimento plasmado no identificado Ofício-Circulado, ascende a um total de € 900.505,81.
De harmonia com o disposto na alínea b) do artigo 24.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a Administração Tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exatos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, «restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito», o que está em sintonia com o preceituado no artigo 100.º da LGT [aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT] que estabelece, que «a administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamações ou recursos administrativos, ou de processo judicial a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos e condições previstos na lei».
Embora o artigo 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT utilize a expressão «declaração de ilegalidade» para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, não fazendo referência a decisões condenatórias, deverá entender-se que se compreendem nas suas competências os poderes que, em processo de impugnação judicial, são atribuídos aos tribunais tributários, sendo essa a interpretação que se sintoniza com o sentido da autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, em que se proclama, como primeira diretriz, que «o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à ação para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária».
O processo de impugnação judicial, apesar de ser essencialmente um processo de anulação de atos tributários, admite a condenação da Administração Tributária no pagamento de juros indemnizatórios, como se depreende do artigo 43.º, n.º 1, da LGT, em que se estabelece que «são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido» e do artigo 61.º, n.º 4, do CPPT (na redação dada pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, a que corresponde o n.º 2 na redação inicial), que «se a decisão que reconheceu o direito a juros indemnizatórios for judicial, o prazo de pagamento conta-se a partir do início do prazo da sua execução espontânea».
Assim, o n.º 5 do artigo 24.º do RJAT, ao dizer que «é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário», deve ser entendido como permitindo o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral.
Como o pagamento de juros indemnizatórios depende de existir quantia a reembolsar, insere-se no âmbito das competências dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD apreciar se há direito a reembolso e em que medida.
Cumpre, assim, apreciar os pedidos de restituição da quantia paga acrescida de juros indemnizatórios.
No que concerne ao direito a juros indemnizatórios, é regulado no artigo 43.º da LGT, que estabelece, no que aqui interessa, o seguinte:
“Artigo 43.º
Pagamento indevido da prestação tributária
1 – São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.
2 – Considera-se também haver erro imputável aos serviços nos casos em que, apesar da liquidação ser efetuada com base na declaração do contribuinte, este ter seguido, no seu preenchimento, as orientações genéricas da administração tributária, devidamente publicadas.”
Conforme já referido, a Requerente considera que deveria ter calculado a percentagem de dedução definitiva 2020, aplicável ao IVA incorrido nos designados recursos comuns da sua atividade, nos termos do n.º 4 do artigo 23.º do Código do IVA, a qual ascende a 77%, e não a 16% (apurada de acordo com o Ofício-Circulado supra mencionado).
Neste sentido e segundo os seus cálculos, o IVA que a Requerente deveria ter deduzido adicionalmente, caso não tivesse seguido o entendimento plasmado no identificado Ofício-Circulado, ascende a um total de € 900.505,81.
No caso em apreço, conclui-se que há erro na autoliquidação que se considera imputável à Autoridade Tributária e Aduaneira por força do disposto no n.º 2 deste artigo 43.º da LGT, na medida em que a Requerente atuou em sintonia com a orientação genérica que do ponto 9. do Ofício-Circulado n.º 30108.
Os juros indemnizatórios devem ser contados desde a data em que a Requerente efetuou o pagamento da quantia autoliquidada, que deverá ser apurada em execução do presente acórdão, até ao integral reembolso do montante pago em excesso, à taxa legal supletiva, nos termos dos artigos 43.º, n.º 4, e 35.º, n.º 10, da LGT, do artigo 61.º do CPPT, do artigo 559.º do Código Civil e da Portaria n.º 291/2003, de 8 de abril.
C. DECISÃO
Nestes termos, decide o Tribunal Arbitral Coletivo:
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Julgar totalmente procedente o pedido de anulação dos atos de Autoliquidação de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA), referente ao período de 2020;
E em consequência:
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Ordenar a devolução à requerente dos referidos montantes, acrescido de juros indemnizatórios, à taxa legal, contados da data do seu pagamento até integral reembolso.
D. Valor do processo
Fixa-se o valor do processo em € 900.505,81, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 3 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.
Lisboa, 15 de fevereiro de 2024
O Árbitro Presidente,
(Guilherme W. d’Oliveira Martins)
O Árbitro Vogal
(Clotilde Celorico Palma)
O Árbitro Vogal
(Sofia Ricardo Borges, vencida conforme declaração anexa)
Voto de vencida
Não podendo rever-me na decisão proferida, votei vencida, pelas razões que passo a sumariar.
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Na matéria de facto
Estamos perante um julgamento sem prova.
Não há provas que sustentem o decidido (v. alíneas d), e) e f) - “factos dados como provados”).
Está em questão o exercício de 2020. A Requerente alega ter direito a deduzir uma certa percentagem do IVA em inputs mistos em que, no exercício de 2020, alegadamente incorreu. E como meio de prova foi utilizada, nestes autos, a prova testemunhal extraída do Processo Arbitral n.º 76/2022-T, no qual estavam em questão outros exercícios (e a Requerente invocava outras percentagens a deduzir).
Que não o exercício de 2020.
Não foram ouvidas testemunhas nos presentes autos. Foi desconvocada a reunião inicialmente agendada para o efeito, e foi junta a gravação extraída daquele outro processo.
À parte este meio de prova tão só existem alguns documentos, sem que dos mesmos resulte a prova que a Requerente se propunha fazer – de a utilização de inputs mistos na sua actividade de leasing/ALD se fazer sobretudo na disponibilização dos veículos.
Há, assim, desde logo, manifesta insuficiência de prova para sustentar o decidido.
Sendo que, tratando-se de um alegado direito a dedução, era à Requerente que cabia não só o ónus de alegar como o de provar o direito à dedução por si invocado.
Por outro lado, e sem prejuízo do que antecede, ainda que se admitisse tal prova extraída daquele outro processo como prestável e suficiente para os presentes autos, o que se não acompanha, tão pouco daqueles depoimentos no dito processo, referente a outros exercícios, resultava que aí tivesse sido preponderante na actividade de leasing/ALD da Requerente a utilização dos recursos mistos determinada pela disponibilização dos veículos. Pelo contrário, o que resultava dos depoimentos era o oposto, ou seja, que a maior utilização dos inputs mistos era determinada pelo financiamento e gestão dos contratos. Remetemos aqui para o que expusemos no voto de vencido que lavrámos nesse processo (ponto 6. do voto).
Por outro lado, ainda, a fundamentação da matéria de facto pelo Tribunal viola ostensivamente o disposto no art.º 607.º, n.º 4 do CPC. Muito embora o Acórdão diga que há prova, não indica concretamente qual o meio de prova - v. al.s d), e) e f). Remetemos, de novo, para o nosso voto de vencido no Proc. n.º 76/2022-T.
A verdade é que a Requerente não provou que a utilização dos inputs mistos na sua actividade de leasing/ALD é sobretudo determinada pela disponibilização dos veículos. Facto que é constitutivo do direito que invoca (como reconhece, e em conformidade com o já assente na Jurisprudência do TJUE a respeito – Ac. Banco Mais, e como, igualmente, na Jurisprudência, Uniformizada, do nosso STA). (Como, ademais, não há prova qualquer quanto à percentagem de dedução do IVA incorrido em inputs mistos de que a Requerente se pretende fazer valer).
Acresce que nas al.s d), e) e f) do probatório são usadas valorações jurídicas, susceptíveis de determinar, por si, a decisão da causa. Sendo ausentes factos concretos que as sustentem. Como também já no voto no Proc. n.º 76/2022-T expusemos e para onde, de novo, remetemos.
Salvo o devido respeito, acresce ainda que os conceitos não estão utilizados, desde logo naquelas al.s do probatório, com rigor. Com efeito, se na al. d) é referida, de uma banda, a “gestão dos contratos de financiamento” e, de outra, acopladas entre si, a disponibilização dos veículos e a “gestão dos veículos”, a al. e), por seu lado, contém uma contradição nos seus próprios termos, e a al. f), por fim, é conclusão que se retira na al. e) e, não obstante, com ela contraditória. Assim:
Na al. d) considera-se provado o uso de inputs mistos, em locação financeira, na “gestão dos contratos de financiamento” e na “disponibilização e gestão dos bens locados”, determinados pelo facto de a Requerente ser a proprietária destes.
Na al. e) dá-se por provado que as actividades anteriores à entrega dos veículos, e as actividades posteriores à entrega dos veículos, são, na actividade de leasing/ALD, as actividades de maior dimensão e aquelas nas quais se consomem mais inputs mistos. O que também significa, pois, que é na entrega dos veículos que se consomem menos inputs mistos. O que conduzia a uma decisão no sentido contrário, de indeferimento do Pedido. As “atividades anteriores” são as actividades pré-activação do contrato, e, por sua vez, “as consideráveis atividades posteriores” são as próprias actividades “derivadas do financiamento e gestão dos contratos”, que se prolongam no tempo.
Na al. f) introduz-se um conceito de “atividade de disponibilização dos veículos” e dá-se por provado que é esta “atividade de disponibilização” que sobretudo determina, em contratos de locação financeira, a utilização de inputs mistos.
Assim se considerando provado - na posição que fez vencimento - que em locação financeira a disponibilização/entrega é o que sobretudo determina a utilização de inputs mistos.
(Para, depois, aplicando a Jurisprudência do TJUE, Ac. Banco Mais, se retirar como consequência não ser assim de excluir da fracção do pro rata a parte das rendas correspondente ao reembolso do capital).
Ora, e como também ao longo do Acórdão, na matéria de Direito, ocorre afinal
- Confusão entre conceitos
Utiliza-se, no Acórdão Arbitral, a palavra “disponibilização” como significando aquilo que é, afinal, um conjunto de intervenções levadas a cabo pela Requerente no decurso da vigência dos contratos de leasing. Traz-se à colação, nesta confusão/não compreensão de conceitos, a Requerente ser titular, neste tipo de contratos, do direito de propriedade dos veículos (como é próprio, dir-se-ia, do regime jurídico do contrato de leasing entre nós – v. DL n.º 149/95, de 24.06). E, assim, tudo o que a Requerente faça nesse mesmo âmbito (decurso da vigência dos contratos de leasing) vem qualificado por si – e pela maioria que fez vencimento no Colectivo - como de “disponibilização e gestão dos bens” se tratando. A Requerente sendo proprietária, todos os serviços que preste no âmbito dos contratos de leasing caem sob a capa deste novo conceito - “disponibilização e gestão dos bens”. Novo, desde logo por referência àquele que foi o conceito de “disponibilização” utilizado pelo TJUE a respeito (v. Ac. Banco Mais). E que pretende significar, como é bom de ver, a entrega do veículo, o colocar do veículo na disponibilidade do locatário, para seu uso. A redacção do Acórdão (Ac. Banco Mais) é clara, não deixa dúvidas – “(...) na maioria dos casos esta utilização é sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão dos contratos de locação financeira celebrados com os seus clientes, e não pela disponibilização dos veículos”. Uma coisa a gestão dos contratos, outra coisa a disponibilização dos veículos, prévia, ocorrida aquando da activação dos contratos, precisamente. Se dúvidas houvesse, v., por ex., na versão do Ac. Banco Mais em língua inglesa a expressão utilizada pelo TJ: “the provision of the vehicles” (“providing or supplying something for use”, na tradução em inglês).
É na gestão do contrato (nas actividades desenvolvidas pelo locador ao longo da vida útil do contrato e seu termo) que se enquadra a pela Requerente denominada “gestão dos bens”, dos veículos, e/ou “disponibilização e gestão dos bens”, como é evidente. E conforme é terminologia do TJ, e como assim na terminologia comum, desde logo, das entidades que desenvolvem actividade de leasing/ALD.
É, assim, distorcida da realidade (e exemplificativa do que se expôs) a seguinte asserção a pp. 52 do Acórdão: “Formulando um juízo de facto, no caso em apreço, resulta claramente da prova produzida que há uma afetação real e significativa dos custos gerais à disponibilização dos veículos, considerando como afetas à disponibilização dos veículos a generalidade das tarefas que apenas ocorrem na prestação de serviços de locação financeira”.
A “disponibilização”, como bem se compreende e é claro na terminologia do TJUE na Jurisprudência aplicável, convocada pela Requerente e pelo Colectivo, é a entrega do veículo ao locatário (e tem correspondência no valor do capital financiado – cfr. também se lê na própria Jurisprudência do TJUE). E aí termina. (E v. al. e) do probatório).
No mais a este respeito remetemos, de novo, para o nosso voto no Proc. 76/2022-T (últimas 3 páginas).
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No Direito
Quanto ao fundo, e a par do que já foi sendo também adiantado supra, mantemos a posição exposta em voto no Proc. 76/2022-T, para o qual remetemos.
Apenas dando nota de que quanto a nós também não se faz uma correcta interpretação, no Acórdão, da relação entre a Jurisprudência do TJUE no Ac. Banco Mais e, por seu lado, no Ac. VW Financial Services (além de que este último não tinha vocação de aplicação no caso[12]). (Igualmente não tinha vocação de aplicação o art.º 100.º, n.º 1 do CPPT, desde logo nem se preenchendo a sua previsão).
Por fim, não nos podemos também rever na desaplicação afinal operada pelo Acórdão, ao decidir como se decide, seja da Jurisprudência do TJUE (nem, bem assim, no operado desvirtuar dos conceitos da mesma Jurisprudência, ainda que eles apelando, cfr. supra) cfr. Ac. Banco Mais, seja da Jurisprudência Uniformizadora do STA por demais numerosa já, no tema, e a que no Acórdão se vai fazendo referência também (a respeito pode ver-se, entre muitos outros, o Ac. do Pleno do STA de 22.03.2023, Proc. 0142/21.9BALSB e, aí, referência a demais Jurisprudência daquele Supremo Tribunal no tema).
Por todas as razões apontadas, a Decisão não se sustenta.
E era quanto a nós devido decidir pelo total indeferimento do PPA.
Lisboa, 15 de Fevereiro de 2024
(Sofia Ricardo Borges)
[1] Refira-se que a Requerente apresentou, quanto a este período de dezembro de 2020, 3 declarações periódicas anteriores, com o n.º ... (em 25/01/2021), n.º ... (em 24/02/2021) e n.º ... (em 21/12/2021), as quais foram posteriormente substituídas, em definitivo, pela aludida declaração n.º ... .
[2] Disponível em www.dgsi.pt, tal como a restante jurisprudência citada sem menção de proveniência.
[3] A utilização deste método é obrigatória de se tratar de bem não utilizados na atividade económica definida na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do CIVA.
[4] Neste sentido, entre muitos, podem ver-se os seguintes acórdãos do STA: de 25-10-2000, processo n.º 25128, Apêndice ao Diário da República de 31-1-2003, página 3757; de 7-11-2001, processo n.º 26432, Apêndice ao Diário da República de 13-10-2003, página 2602; de 7-11-2001, processo n.º 26404, Apêndice ao Diário da República de 13-10-2003, página 2593.
[5] Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 15-11-2017, processo n.º 0485/17, em que se entendeu que, na sequência decisão do TUJE proferida no processo C-183/13, tinha sido necessário ampliar a matéria de facto «no sentido de apurar se, no caso concreto, no âmbito de operações de locação financeira para o sector automóvel, a utilização de bens e serviços de utilização mista (afetos a atividades que conferem direito a dedução de IVA e a atividades isentas) foi, ou não, principalmente determinada pelo financiamento e pela gestão dos contratos de locação financeira que a recorrente celebrou com os seus clientes ou pela disponibilização dos veículos».
[6] Manual de Direito Fiscal, Coimbra Editora, 3ª Ed., 2007, pp.125-126.
[7] “A determinação da parcela de IVA dedutível contida nos inputs “promíscuos” dos operadores de locação financeira – as consequências do Acórdão do TJUE no caso Banco Mais, de 10 de Julho de 2014 (Proc. C-183/13)”, Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal, Coimbra, a.10n.1(Primavera2017), pp. 27-56.
[8] Veja-se José Maria Montenegro, “Comentário ao acórdão «Fazenda Pública contra Banco Mais, SA» de 10 de Julho de 2014, Proc. C- 183/13”, em Anuário de Direito Internacional, 2014/2015, pp. 313-323.
[9] Decisão proferida no âmbito do Proc. C-153/17, de 18 de outubro de 2018.
[10] In “A determinação da parcela de IVA dedutível contida nos inputs “promíscuos” dos operadores de locação financeira – as consequências do Acórdão do TJUE no caso Banco Mais, de 10 de Julho de 2014 (Proc. C-183/13)”, op. cit..
(Primavera 2017). Veja-se igualmente no mesmo sentido José Maria Montenegro, “Comentário ao acórdão «Fazenda Pública contra Banco Mais, SA» de 10 de Julho de 2014, Proc. C- 183/13”, op. cit..
[11] Em “A determinação da parcela de IVA dedutível contida nos inputs “promíscuos” dos operadores de locação financeira – as consequências do Acórdão do TJUE no caso Banco Mais, de 10 de Julho de 2014 (Proc. C-183/13)”, op. cit., pp 46-47.
[12] Cfr nossa referência a respeito em votos de vencido de Fev. e Março de 2020 (v. Proc. n.º 408/2019-T, CAAD).