Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 432/2023-T
Data da decisão: 2024-02-01  IRC  
Valor do pedido: € 54.246,50
Tema: IRC – erro evidenciado na declaração – caducidade
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SUMÁRIO

 

Pela mera análise da declaração de IRC não é possível à AT detetar que a Requerente deveria ter procedido ao ajustamento a que se refere o artigo 64.º do Código do IRC, não constituindo um “erro evidenciado na declaração” para efeitos de aplicação do prazo de caducidade de 3 anos previsto no n.º 2 do artigo 45.º da Lei Geral Tributária.

DECISÃO ARBITRAL

O árbitro Jorge Belchior de Campos Laires, designado pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formar o Tribunal Arbitral Singular, decide o seguinte:

  1. Relatório

A..., Lda, com o NIPC ... e sede social na Rua ..., n°..., ..., ...-..., Caldas da Rainha, (“Requerente”), requereu a constituição de Tribunal Arbitral e deduziu pedido de pronúncia arbitral (“PPA”) contra a liquidação adicional de IRC n.° 2023..., referente ao exercício de 2019, e respetivos juros compensatórios, no montante de global de € 54.246,50.

É demandada a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante referida por “AT” ou “Requerida”).

O pedido de constituição do Tribunal Arbitral deu entrada no dia 14/06/2023, tendo sido aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD e notificado à AT.

O pedido foi comunicado à Requerida no dia 20/06/2023.

Em conformidade com o disposto nos artigos 5.º, n.º 2, 6.º, n.º 1, e 11.º, todos do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”), o Exmo. Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou como árbitro singular o signatário em 02/08/2023, sem oposição das partes.

O Tribunal Arbitral foi constituído em 23/08/2023.

A Requerida foi notificada em 23/08/2023 para apresentar a resposta a que se refere o artigo 17.º do RJAT, o que fez em 13/09/2023, juntando igualmente o Processo Administrativo.

Em 06/10/2023 o Tribunal proferiu Despacho no sentido de indeferir o pedido formulado pela Requerente para oficiar a AT no sentido de apresentar comprovativos de expedição e receção da liquidação de IRC controvertida, uma vez que o Tribunal considerou dispor de todos os elementos necessários para comprovação dos factos.

No mesmo Despacho o Tribunal dispensou a realização da reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT ao abrigo dos princípios da autonomia do Tribunal arbitral na condução do processo, da celeridade, simplificação e informalidade processuais previstos nos artigos 16.º, alínea c), 19.º e 29.º, n.º 2, todos do RJAT.

Ainda no mesmo Despacho facultou-se às partes a possibilidade de apresentarem alegações escritas, facultativas, por prazo sucessivo de 10 dias, o que a Requerente e Requerida fizerem em, respetivamente, 17/10/2023 e 27/10/2023.

  1. Saneamento

O Tribunal foi regularmente constituído face ao preceituado nos artigos 5.º, n.º 2, 6.º, n.º 1, e 11.º, todos do RJAT.

As partes estão devidamente representadas, gozam de personalidade e capacidade judiciária e têm legitimidade.

O presente pedido de constituição de tribunal arbitral tem-se por tempestivo.

  1. Matéria de Facto

 

  1. Factos Provados

Com relevo para a decisão da causa, consideram-se provados os seguintes factos:

  1. A Requerente foi notificada da liquidação de IRC n.° 2023..., de 17 de fevereiro de 2023, no valor de 55.985,51 €, respeitante ao exercício de 2019, bem como da demonstração de acerto de contas n.° 2023..., com o valor a pagar no montante de global de € 54.246,50 (cfr. documentos n.ºs 2 e 3 juntos com o PPA).
  2. O prazo para pagamento voluntário era o dia 20/03/2023, tendo o pagamento sido efetuado pela Requerente nessa mesma data (cfr. nota de cobrança de IRC junta com o PPA).
  3. A liquidação adicional de IRC surge na sequência de um procedimento inspetivo Interno realizado pela AT, com a ordem de serviços n.º 012022..., de âmbito parcial e referente ao IRC do exercício de 2019 (cfr.  documento n.º 1 junto com o PPA).
  4. A liquidação adicional resultou de um ajustamento positivo na linha 745 do Quadro 07 da declaração modelo 22 da Requerente, correspondente à diferença positiva entre o valor patrimonial tributário definitivo do imóvel vendido e o valor constante do contrato, ajustamento esse no valor de € 235.220 (cfr. Relatório de Inspeção incluído no Processo Administrativo).

 

  1. Factos não Provados

Não existem factos não provados com relevância para a decisão.

  1. Motivação da Decisão de Facto

A matéria de facto foi fixada tendo por base a documentação junta com o PPA, bem como os elementos juntos como o Processo Administrativo, não havendo controvérsia entre as partes quanto à matéria fixada no ponto 1 da presente secção.

A Requerente alega que, por problemas de acesso, não recebeu as notificações feitas pela Requerida através da caixa postal eletrónica “Via CTT”, incluindo o projeto Relatório de Inspeção, razão pela qual, conforme explica, não exerceu o direito de audição prévia. Porém, e tal como alega a Requerida, não retira daqui qualquer consequência quanto à validade do ato tributário, nem faz qualquer pedido de anulação da liquidação adicional com base em alegada falta de notificação para o exercício do direito de audição. Por essa razão, o Tribunal considerou irrelevante fixar a factualidade relativa à prova das notificações para a caixa postal eletrónica da Requerente. 

  1. Matéria de Direito

Posição da Requerente

A Requerente considera não ser de aplicar o prazo normal de caducidade de 4 anos, uma vez que a liquidação em causa tem origem em erro evidenciado na declaração da Requerente, erro esse que se detetaria do mero exame das declarações e seus anexos, razão pela qual a AT, facilmente e sem necessidade de recorrer a outros meios, detetou o erro.

Nesse prisma, o prazo do direito à liquidação é de 3 anos, conforme estipula o artigo 45.º, n° 2, da Lei Geral Tributária (LGT), tendo o mesmo já decorrido aquando da notificação recebida pela Requerente.

Em sede de alegações, a Requerente defendeu ainda que, “ao invés da análise dos factos e da interpretação da lei seguindo uma interpretação restritiva, deverá ser interpretado o conceito de erro seguindo uma interpretação extensiva, em que se inclui para seu reconhecimento, todos os atos e informações que sejam do conhecimento oficioso da AT, nomeadamente que constem em declarações do sujeito passivo, tais como: modelo 22, IES, declarações de alterações patrimoniais IMI, declarações para efeitos de IMT (...)”.

Posição da Requerida

A Requerida contesta esta posição, defendendo que “é comummente aceite na doutrina e na jurisprudência que o critério legal para a redução para três anos do prazo de caducidade não é o da desnecessidade de recurso a fiscalização externa, antes o de se tratar de “erro evidenciado na declaração do sujeito passivo”, o que pressupõe que se trate de erro “que é detetável mediante simples análise dessa declaração”, de erro “que a Administração Tributária possa detetar por um mero exame da coerência dos seus elementos, sem recurso a qualquer outra documentação externa, mesmo quando esta esteja em poder da administração tributária, e obtida por inspeção interna ou externa ou por meios de qualquer outra natureza”, pois que “só quando o erro resultar exclusivamente do exame da declaração e seus anexos se justifica o previsto encurtamento do prazo de caducidade, porque o próprio contribuinte pôs de imediato à disposição da Administração Tributária os meios necessários a uma atempada deteção do erro”, como consignam, entre outros, os Acórdãos do TCA Norte, de 07-11-2019, (processo 02600/12.7BEPRT) e do TCA Sul, de 14-01-2020, (processo 523/05.5BECTB)”.

Análise

O ajustamento que está em causa nos presentes autos é o previsto no artigo 64.º, n.ºs 1 e 2, do Código do IRC, que determina o seguinte:

1 - Os alienantes e adquirentes de direitos reais sobre bens imóveis devem adotar, para efeitos da determinação do lucro tributável nos termos do presente Código, valores normais de mercado que não podem ser inferiores aos valores patrimoniais tributários definitivos que serviram de base à liquidação do imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis (IMT) ou que serviriam no caso de não haver lugar à liquidação deste imposto.

2 - Sempre que, nas transmissões onerosas previstas no número anterior, o valor constante do contrato seja inferior ao valor patrimonial tributário definitivo do imóvel, é este o valor a considerar pelo alienante e adquirente, para determinação do lucro tributável.

Ou seja, no caso de venda de imóveis a um preço contratado que seja inferior ao valor patrimonial tributário (VPT) desse mesmo imóvel, o valor de realização a considerar para determinação do ganho (ou perda) sujeito a IRC será o VPT e não o respetivo preço, havendo assim necessidade de fazer um ajustamento positivo no Quadro 07 da declaração modelo 22.

Ora, para julgar quanto à necessidade desse ajustamento, os seguintes factos têm de ser conhecidos pela AT: (i) que determinado imóvel foi vendido no exercício em causa, (ii) qual o VPT desse mesmo imóvel (iii) qual o preço de venda e (iii) se foi feita a prova do preço efetivo a que se refere o artigo 139.º do Código do IRC. 

Os prazos de caducidade para liquidação dos impostos são os previstos no artigo 45.º da LGT, sendo que, nos termos do seu n.º 1, “o direito de liquidar os tributos caduca se a liquidação não for validamente notificada ao contribuinte no prazo de quatro anos, quando a lei não fixar outro” e, conforme o seu n.º 2, “no caso de erro evidenciado na declaração do sujeito passivo o prazo de caducidade referido no número anterior é de três anos”.

A Requerente reconhece que assiste razão à AT no ajustamento operado em sede de inspeção, mas alega que a situação em debate se deve enquadrar nesta última disposição, uma vez que se tratou de um erro evidenciado na declaração, ficando por isso sujeito a um prazo de caducidade reduzido de 3 anos.

Mas não tem razão, uma vez que pela mera análise da declaração não é possível conhecer os factos que referimos acima, ou seja, que (i) determinado imóvel foi vendido no exercício em causa, (ii) qual o VPT desse mesmo imóvel, (iii) qual o preço de venda e (iii) se foi feita a prova do preço efetivo a que se refere o artigo 139.º do Código do IRC. 

A Requerente defendeu ainda, em sede de alegações, que a interpretação desta regra deverá considerar um conceito alargado de “erro evidenciado na declaração”, devendo ter-se em conta que a AT poderá estar em posse de elementos que extravasam a própria declaração modelo 22, mas também “todos os atos e informações que sejam do conhecimento oficioso da AT, nomeadamente que constem em declarações do sujeito passivo, tais como: modelo 22, IES, declarações de alterações patrimoniais IMI, declarações para efeitos de IMT (...)”.

Ora, esta tese não só não tem apoio no texto da lei, uma vez que a lei expressamente alude a “erro evidenciado na declaração”, como dificilmente poderia estar coberta pela “ratio legis” do preceito, na medida em que não se pode exigir à AT que desenvolva uma investigação a todos os elementos referentes a um determinado sujeito passivo, de modo a que pudesse concluir que no ano em causa deveria ter havido um ajustamento positivo com base no referido artigo 64.º do Código do IRC.

Como escreve Lima Guerreiro em anotações ao referido artigo 45.º, n. 2, da LGT, “o erro evidenciado na declaração do sujeito passivo é o que a Administração Tributária possa detetar por um mero exame da coerência dos seus elementos, sem recurso a qualquer outra documentação externa, mesmo quando esta esteja em poder da administração tributária, e obtida por inspeção interna ou externa ou por meios de qualquer outra natureza. Só quando o erro resultar exclusivamente do exame da declaração e seus anexos se justifica o previsto encurtamento do prazo de caducidade, porque o próprio contribuinte pôs de imediato à disposição da Administração Tributária os meios necessários a uma atempada deteção do erro”.  

Em conclusão, improcede a pretensão da Requerente de reembolso do IRC pago, bem como o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios.

  1. Decisão

De harmonia com o exposto, decide o Tribunal Arbitral julgar totalmente improcedente o presente pedido de pronúncia arbitral

  1. Valor do Processo

Nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 3 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, quando seja impugnada a liquidação o valor da causa é o da importância cuja anulação se pretende. Fixa-se como valor do processo o indicado pela Requerente de € 54.246,50.

  1. Custas

Custas no montante de € 2 142.00 €, a cargo da Requerente, por decaimento, de acordo com a Tabela I anexa ao RCPAT e com o disposto nos artigos 12.º, n.º 2 e 22.º, n.º 4 do RJAT, 4.º, n.º 5 do RCPAT e 527.º, n.ºs 1 e 2 do CPC, ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.

 

Notifique-se.

Lisboa, 01 de fevereiro de 2024

O Árbitro,

 

Jorge Belchior de Campos Laires