SUMÁRIO: I – As exigências formais previstas nos artigo 36º-5, do CIVA e no artigo 226º, da Diretiva IVA, ao imporem, nomeadamente, a descrição nas faturas da quantidade e natureza dos bens entregues e/ou a extensão dos serviços prestados, visam sobretudo evitar a fuga e/ou evasão fiscal. II – Daí que o não cumprimento integral dessas exigências formais não implique, sem mais, a desconsideração das respetivas faturas para efeitos, designadamente, do cálculo de crédito de imposto (IVA). III – O princípio da neutralidade fiscal do IVA impõe a cedência da substância sobre a forma e, consequentemente, que o imposto pago a montante possa sempre ser deduzido se os requisitos materiais necessários se mostrarem preenchidos e demonstrados. IV – A prevalência dos parâmetros de validade e critérios interpretativos da UE do sistema comum de IVA previsto, em sede principal, na denominada Diretiva IVA, impõem a adoção da doutrina do TJUE, designadamente e em sede de reenvio prejudicial, no denominado Acórdão “Barlis” (Proc nº C-516/14 do TJUE).
ACÓRDÃO
Acordam os árbitros que integram este Tribunal Arbitral Coletivo, José Poças Falcão (Presidente), Luís Menezes Leitão e Ricardo Jorge Rodrigues Pereira (Árbitros Adjuntos):
I – RELATÓRIO
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A... ACE, NIPC..., com sede na Rua ..., lote ..., ..., ...-..., Lisboa, veio, ao abrigo da alínea a) do nº 1 do artigo 10° do Decreto-lei nº 10/2011 de 20 de janeiro, na redação que lhe foi dada pela Lei 66-B/2012 – RJAT, Regime Jurídico da Arbitragem Tributária - formular pedido de constituição de Tribunal Arbitral coletivo, com vista à declaração de anulação do despacho de indeferimento da reclamação graciosa nº ...2022..., proferido pelo Chefe de Divisao da Direcão de Financas de ..., ao abrigo de delegação de competências (conforme documento 167 que se junta), e, “(...) consequentemente com vista à pronúncia de declaração de anulação dos seguintes atos de liquidacao de IVA (...)”:
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Período 2019/01: Demonstração de acerto de contas nº 2021... da liquidação de IVA nº 2021... onde foi apurado imposto a pagar no montante de € 4.173,08 e liquidação de juros nº 2021... e respetiva demonstração de acerto de contas onde foi apurado valor a pagar de € 435,37;
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Período 2019/03: Liquidação adicional de IVA nº ..., com correção no montante de € 9.065,05 e excesso a reportar corrigido para o período seguinte no montante de € 9.065,05;
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Período 2019/04: Liquidação adicional de IVA nº..., com a correção no montante € 22.593.89, excesso a reportar corrigido para o período seguinte no montante de € 10.137,51 e excesso a reportar não considerado para o período seguinte no montante de € 31.658,94;
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Período 2019/05: Demonstração de acerto de contas nº 2021 ... da liquidação de IVA nº 2021... onde foi apurado imposto a pagar no montante de € 49.216,94 e liquidação de juros nº 2021... e respetiva demonstração de acerto de contas onde foi apurado valor a pagar de € 4.482,11;
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Período 2019/06: Liquidação adicional de IVA nº ... e demonstração de acerto de contas, onde foi apurado imposto a pagar no montante de € 16.596,34 e, ainda, liquidação de juros nº 2021 ... e respetiva demonstração de acerto de contas, onde foi apurado valor a pagar de € 1.451,38;
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período 2019/07: Demonstração de acerto de contas nº 2021 ..., da liquidação de IVA nº 2021 ..., onde foi apurado imposto a pagar no montante de € 16.022,66 e liquidação de juros nº 2021 ... e respetiva demonstração de acerto de contas, onde foi apurado valor a pagar de € 1.652,64;
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período 2019/12: Liquidação adicional de IVA nº ... e demonstração de acerto de contas, onde foi apurado imposto a pagar no montante de € 42.901,83 e, ainda, liquidação de juros nº 2021 ... e respetiva demonstração de acerto de contas, onde foi apurado valor a pagar de € 2.863,25;
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período 2020/01: Liquidação adicional de IVA nº ... com a correção de € 8.050,00, excesso a reportar corrigido para o período seguinte no montante de € 1.521,18 e excesso a reportar não considerado para o período seguinte no montante de € 13.448,17;
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Período 2020/02: Liquidação adicional de IVA nº ..., com a correção de € 34.527,64, excesso a reportar corrigido para o período seguinte no montante de € 17.618,07 e excesso a reportar não considerado para o período seguinte no montante de € 47.975,81;
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período 2020/03: Liquidação adicional de IVA nº ... e demonstração de acerto de contas, onde foi apurado imposto a pagar no montante de € 14.894,48, liquidação de juros nº 2021 ... e respetiva demonstração de acerto de contas, onde foi apurado valor a pagar de € 491,31;
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Período 2020/04: Liquidação adicional nº ... e demonstração de acerto de contas, onde foi apurado imposto a pagar no montante de € 41.314,74 e liquidação de juros nº 2021 ... e respetiva demonstração de acerto de contas, onde foi apurado valor a pagar de € 2.173,26;
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Período 2020/05: Liquidação adicional de IVA n.º ..., com a correção de € 12.975,29, excesso a reportar corrigido para o período seguinte no montante de € 9.227,30 e excesso a reportar não considerado para o período seguinte no montante de € 196.699,07;
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Período 2020/06: Liquidação adicional de IVA n.º ..., com a correção de € 12.942,88, do excesso a reportar corrigido para o período seguinte no montante de € 280,95 e excesso a reportar não considerado para o período seguinte no montante de € 209.641,95;
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período 2020/07: Liquidação adicional de IVA nº ... e demonstração de acerto de contas, onde foi apurado imposto a pagar no montante de € 32.844,14, liquidação de juros nº 2021 ... e demonstração de acerto de contas, onde foi apurado valor a pagar no montante de € 1.396,55;
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período 2020/08: Liquidação adicional de IVA nº ... e demonstração de acerto de contas, onde foi apurado imposto a pagar no montante de € 9.483,08, liquidação de juros nº 2021 ... e respetiva demonstração de acerto de contas onde foi apurado imposto a pagar no valor de € 382,44;
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período 2020/09: Liquidação adicional de IVA nº ..., com o valor da correção de € 11.743,35, excesso a reportar corrigido para o período seguinte no montante de € 10.692,83 e excesso a reportar não considerado para o período seguinte no montante de € 199.872,12;
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período 2020/10: Liquidação adicional de IVA nº ... e demonstração de acerto de contas, onde foi apurado imposto a pagar no montante de € 6.558,44, liquidação de juros nº 2021... e respetiva demonstração de acerto de contas onde foi apurado valor a pagar no valor de € 211,30;
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período 2020/11: Liquidação adicional de IVA nº ... e demonstração de acerto de contas, onde foi apurado imposto a pagar no montante de € 107.464,20, liquidação de juros nº 2021... e respetiva demonstração de acerto de contas, onde foi apurado valor a pagar no montante de € 3.132,65;
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período 2020/12: Liquidação adicional nº ... e demonstração de acerto de contas, onde foi apurado imposto a pagar no montante de € 37.265,75, liquidação de juros nº 2021 ... e respetiva demonstração de acerto de contas onde foi apurado valor a pagar no montante de € 943,38;
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período 2021/01: Liquidação adicional de IVA nº ... e demonstração de acerto de contas, do período 2021/01, onde foi apurado imposto a pagar no montante de € 8.958,39, liquidação de juros nº 2021 ... e respetiva demonstração de acerto de contas, onde foi apurado valor a pagar no montante de € 203,22;
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período 2021/03: Demonstração de acerto de contas, do período 2021/03, onde foi apurado imposto a pagar no montante de € 14.523,76 e liquidação de juros nº 2021 ... e respetiva demonstração de acerto de contas, onde foi apurado montante a pagar de € 316,40;
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Período 2021/04: Demonstração de acerto de contas nº 2021 ... da liquidação de IVA nº 2021 ... onde foi apurado imposto a pagar no montante de € 18.111,40, liquidação de juros nº 2021 ... e respetiva demonstração de acerto de contas onde foi apurado imposto a pagar no montante de € 322,18.
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Pede, subsidiariamente, a Requerente a anulação das liquidações de juros por falta de fundamentação legal.
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À luz do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.° da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral coletivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.
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Foram as partes oportuna e devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de a recusar, nos termos conjugados do artigo 11.º n.º 1 alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.° e 7.º do Código Deontológico.
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Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.° da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral coletivo ficou constituído em 26-5-2023.
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A Autoridade Tributária e Aduaneira respondeu ao requerimento inicial apresentado, defendendo que o pedido da Requerente deve ser julgado improcedente.
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Atenta a circunstância de, no caso, não se verificar qualquer das finalidades que legalmente lhe estão cometidas, a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT foi dispensada, concedido às partes para alegações finais escritas e fixada data, previsível, para a prolação e notificação da decisão arbitral final
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As partes apresentaram alegações escritas finais concluindo, no essencial, pela forma como o haviam feito nos respetivos articulados.
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Por despachos de 20-11-2023 e 24-1-2024, foi prorrogado, por razões aí justificadas, o prazo para a prolação e notificação da decisão final do Coletivo.
Saneamento
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O tribunal arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente, em face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 30.º, n.º 1, do DL n.º 10/2011, de 20 de Janeiro.
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As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão devidamente representadas (arts. 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e art. 1.º, da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).
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Revogação parcial da correção de IVA – Absolvição parcial da instância
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No uso da faculdade prevista no artigo 13º, do RJAT, foi revogada pela AT a correção relativa ao IVA deduzido através das faturas emitidas em 31-12-2019 e 20-10-2020 , pela sociedade comercial B..., Lda. (cfr artigos 12 e ss., da Resposta da AT).
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À luz do artigo 13.º, n.º 2, do RJAT, “[q]uando o ato tributário objeto do pedido de pronúncia arbitral seja, nos termos do número anterior, total ou parcialmente, alterado ou substituído por outro, o dirigente máximo do serviço da administração tributária procede à notificação do sujeito passivo para, no prazo de 10 dias, se pronunciar, prosseguindo o procedimento relativamente a esse último ato se o sujeito passivo nada disser ou declarar que mantém o seu interesse.”.
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Por despacho do Subdiretor Geral da AT de 26-5-2023, proferido por delegação de competências, as correções relativas ao IVA mencionado nas sobreditas faturas emitidas pela sociedade B..., Lda, referentes ao IVA nas faturas emitidas no período de 2019-12 e 2020-10, nos montantes de €13.800,00 e €6.620,78, foram revogadas.
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Assim é que a sobredita correção deixa de ser sindicável na medida em que, sendo possível uma revogação parcial, o processo deverá apenas prosseguir quanto à parte não revogada do ato de liquidação, por força do disposto do artigo 13.º, n.º 2, do RJAT porquanto, como é o caso dos autos, “[s]e o impugnante, em face da revogação parcial, nada disser nesse prazo ou declarar que mantém a impugnação, ela prosseguirá para apreciação quanto à parte do ato não revogada. Neste caso, se a impugnação improceder, o impugnante será condenado em custas, mas apenas relativamente à parte do ato que não foi revogada.” (cfr. Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado, Vol. II, Áreas Editora, 2011, p. 248)
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A propósito dos efeitos da revogação parcial no processo arbitral, Carla Castelo Trindade afirma que “[n]ão há dúvidas que se está, uma vez mais, perante a consagração do princípio da economia processual, deixando-se claro na lei que, em caso de silêncio do sujeito passivo, se considera ter havido modificação objetiva da instância, não se seguindo, neste caso, a regra. Assim, considera-se que só existe extinção da instância por inutilidade ou impossibilidade da lide, a qual se consubstancia, no caso em concreto, na extinção do objecto da relação jurídica e que pressupõe a absolvição da Administração Tributária do pedido deduzido pelo sujeito passivo, se houver declaração expressa do sujeito passivo. Deste modo, ou (1) o sujeito passivo declara expressamente que não pretende prosseguir com o processo arbitral, ou (2) o sujeito passivo declara pretender prosseguir com o processo arbitral ou, surtindo o mesmo efeito, nada diz.” (cfr. Carla Castelo Trindade, Regime Jurídico da Arbitragem Tributária anotado, Almedina, 2016, p. 337).
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Perante o contexto descrito, entende o tribunal arbitral que ocorre a impossibilidade superveniente da lide nessa parte, por ato imputável à Requerida, que revogou, na pendência do processo arbitral, os sobreditos atos.
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O processo não enferma de nulidades e não foram invocadas exceções.
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Posição da Requerente
No essencial, alega a Requerente para fundamentar o pedido:
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Segundo a AT, o Requerente deduziu indevidamente IVA no valor global de 630.019,79, distribuído por vários períodos conforme melhor resulta do quadro de fls. 158 e 159 do RIT;
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Ou seja: considera a AT que o requerente deduziu indevidamente o IVA que consta nas faturas elencadas no quadro de fls. 23 a 27 do relatório de inspeção, emitidas pelos seguintes fornecedores:
-C..., S.A.;
-D..., Sucursal em Portugal;
- F..., Lda., e
- E..., Unipessoal, Lda.;
porque entendeu não cumprirem (as faturas emitidas) os requisitos do artigo 36°, nº, 5 do CIVA, o que impede a dedução do IVA por parte do ACE;.
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Foi neste contexto, que a AT apurou o IVA em falta no montante de € 134.309,02 em 2019, no montante de € 423.259,87 em 2020 e no montante € 72.450,90 em 2021.
Posição da Requerida, Autoridade Tributária e Aduaneira (AT)
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Na resposta, a Autoridade Tributária e Aduaneira vem alegar, no essencial e em síntese que:
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verificando ter sido indevidamente deduzido IVA relativo a faturas não emitidas na forma legal (faturas dos anos de 2019, 2020 e 2021), procedeu às consequentes correções, fundamentando-se no que consta no RIT junto a estes autos que a Requerente contestou mas a argumentação usada só parcialmente foi considerada e aceite pela AT relativamente às faturas emitidas pela sociedade B..., Lda., em 31-12-2019 e 20-10-2020, com a consequente revogação do ato de correção (cfr 12. a 17., da Resposta);
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relativamente às demais faturas, o disposto no artigo 19º-2, do CIVA (em vigor à data dos factos), obrigava, para efeitos de dedução, ao cumprimento dos requisitos ou pressupostos aí previstos, ou seja e designadamente, tinham as faturas de conter os elementos previstos no artigo 36º, do CIVA (faturas passadas na forma legal);
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no caso e conforme se descreve no RIT, as faturas controvertidas não reúnem as condições formais para a dedução do imposto por ausência do cumprimento dos requisitos estipulados nos nºs 2 e 6 do artigo 19º e nº 5 do artigo 36, do CIVA;
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por outro lado, os documentos adicionais solicitados pelos SIT, designadamente contrato, proposta, orçamento, guias de transporte, mapas, etc., não revelaram o cumprimento dos formalismos legais de que depende o citado direito à dedução previsto no artigo 19º-2 e 6 e 36º-5, do CIVA (cfr relatório inspetivo e artigos 35
Alegações finais
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Nas alegações finais, apresentadas por escrito, as partes mantiveram, no essencial, as posições assumidas anteriormente, nos respetivos articulados apresentados
Saneamento
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Este Tribunal arbitral, constituído em 26-5-2023, é competente, o processo é o próprio e as partes legítimas e capazes.
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Processo isento de nulidades e sem exceções ou questões prévias que comprometam ou prejudiquem a apreciação do mérito do pedido.
Tudo visto, cumpre proferir decisão final.
II. FUNDAMENTAÇÃO
MATÉRIA DE FACTO
Factos provados
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Com base nos elementos que constam do processo (processo administrativo, factos consensualizados pelas partes e documentos incorporados nos autos e que não foram impugnados), consideram-se provados os seguintes factos relevantes para a decisão:
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A Requerente – A..., NIF ..., é um agrupamento complementar de empresas (abreviada e ulteriormente, ACE) que se encontra inscrito como sujeito passivo de IVA, desde 2008-08-22, com enquadramento no regime normal de periodicidade mensal, para o exercício da atividade principal de “Tratamento e eliminação de resíduos perigosos”, CAE 38220, e das atividades secundárias de “Produção de eletricidade de origem térmica”, CAE 35112 e “Produção e distribuição de vapor, água quente e fria e ar frio por conduta”, CAE 35301 e
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... e é e um agrupamento complementar de empresas da qual fazem parte três agrupados, a saber:
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Sociedade E..., Unipessoal, Lda.;
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Sociedade D... S.A., e
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´Sociedade G..., Lda. (cfr. certidao permanente que se junta como documento 24).
19.3 O ACE tem como atividade a exploração de um centro integrado de valorizacão energética, reciclagem e tratamento de resíduos hospitalares, industriais, comerciais e animais, procedendo assim a eliminação e ao tratamento de resíduos perigosos.
19.4 A Requerente foi objeto de procedimento de inspeção realizado pelos Serviços de Inspeção Tributária da Direção de Finanças de ..., em cumprimento das Ordens de Serviço n.º OI2021..., OI2021..., OI2021... e OI2021..., de âmbito parcial, em sede de IVA, relativas aos anos 2019, 2020 e 2021, com base nos fundamentos constantes do respetivo relatório final;
19.5. Com vista a validar a “(...) legitimidade/efetividade do crédito de imposto acumulado nos períodos de 2019, 2020 e 2021, foram promovidas (pela AT) diligências de auditoria (...) com solicitação à Requerente de diversos documentos (...)”;
19.6. A AT (Inspeção Tributária) considerou ter sido feita dedução indevida de IVA relativamente a faturas que considerou não emitidas pela forma legal...
19.7. ... tendo sido em consequência efetuadas as liquidações adicionais de IVA e JC (juros compensatórios) dos anos de 2019, 2020 e 2021, e respetivas demonstrações de acerto de contas...
19.8. ... resultando valores a pagar nos meses de janeiro, maio, junho, julho e dezembro de 2019, março, abril, julho, agosto, outubro, novembro e dezembro de 2020, janeiro, março e abril de 2021, e nos meses de março, abril de 2019, janeiro, fevereiro, maio, junho, setembro (documentos 1 a 22, com o PPA);
19.9. Para que o ACE possa desenvolver a sua atividade, recorre a terceiros (fornecedores) entre eles as sociedades C..., S.A, D..., Sucursal em Portugal, F..., Lda. e E..., Unipessoal, Lda.
19.10. ... que são as emitentes das sobreditas faturas, elencadas no quadro de fls. 23 a 27 do relatório da inspeção tributária (RIT) [C..., SA; D..., SA (sucursal em Portugal) e B..., Lda.];
19.11. Nao se conformando com as correções fiscais e com as subsequentes liquidações de IVA e JC, a Requerente apresentou reclamação graciosa em 21/03/2022, peticionado a anulação daquelas correções (Reclamação nº ...2022...)...
19.6. ...e que foi indeferida por despacho notificado ao Requerente em 19/12/2022 (cfr.documento 167);
19.12. Por despacho do Subdiretor-Geral da DSIVA de 26-5-2023, proferido por delegação de competências, foram revogadas as correções relativas ao IVA nas faturas emitidas pela sobredita sociedade B..., Lda., respeitantes aos períodos de imposto 2019-12 e 2020-10, nos montantes de € 13.800,00 e € 6.620,78;
19.13. As faturas em causa nos autos , com os descritivos “Tratamento de resíduos”, “Recolha de resíduos ou taxa de tratamento de resíduos” e/ou “fornecimento de consumíveis”, correspondem a serviços ou fornecimentos nelas descritos e prestados, designadamente:
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fatura n.° FACTB 119/22. de 31/01/2019., que diz respeito a retirada de resíduos da unidade de tratamento – A...- no mês de julho de 2018, designadamente de resíduos autoclavados - resultantes do processo de autoclavagem e ainda de escórias;
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fatura n.° FACTB 119/22, no montante de € 69.551,32, correspondendo a multiplicação da quantidade de resíduos retirados no mes de julho de 2018 (463.680 Kg (cfr. documento 28) pelo valor de cada Kg, isto e, € 150,00, (463.680 x 150) valor ao qual acresce o IVA;
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A fatura n.° FACTB 120/42, de 28/02/2020, que se junta com o documento 30, diz respeito a retirada de resíduos da unidade de tratamento – A... - no mês de julho de 2019 designadamente de resíduos autoclavados - resultantes do processo de autoclavagem, cinzas, escórias e líquidos/lamas;
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fatura n.° FACTB 120/83. de 31/03/2020. que se junta como documento 33, diz respeito a retirada de resíduos da unidade de tratamento – A...- no mês de agosto de 2019 designadamente de resíduos autoclavados resultantes do processo de autoclavagem, escórias e líquidos/lamas;
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fatura n.° FACTB 120/83, consta o montante de € 75.445,93, correspondendo a multiplicação da quantidade de resíduos retirados no mês de agosto de 2019 (443.800Kg - cfr. documento 34) pelo valor de cada Kg, isto é, € 170,00, (443.800 x 170) valor ao qual acresce o IVA;
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fatura n.° FACTB 120/117, de 30/04/2020, que se junta como documento 36, diz respeito a retirada de resíduos da unidade de tratamento – A...- no mês de setembro de 2019 designadamente de resíduos autoclavados - resultantes do processo de autoclavagem e esc6rias.
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fatura n.° FACTB 120/117, consta o montante de € 67.767,44, correspondendo a multiplicação da quantidade de resíduos retirados no mês de setembro de 2019 (398.630 Kg - cfr. documento 37) pelo valor de cada Kg, isto e, € 170,00, (398.630 x 170) valor ao qual acresce o IVA.
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fatura n.° FACTB 120/141. de 31/05/2020, que se junta como documento 39, diz respeito a retirada de resíduos da unidade de tratamento – A... - no mês de outubro de 2019 designadamente de resíduos autoclavados - resultantes do processo de autoclavagem, escórias e líquidos/lamas;
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fatura n.° FACTB 120/141, consta o montante de € 82.088,09, correspondendo a multiplicação da quantidade de resíduos retirados no mês de outubro de 2019 (482.870 Kg - cfr. documento 40) pelo valor de cada Kg, isto é, € 170,00, (492.870 x 170) valor ao qual acresce o IVA.
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fatura n.° FACTC 120/3. de 30/06/2020, que se junta como documento 42, diz respeito a retirada de resíduos da unidade de tratamento – A...- no mês de novembro de 2019 designadamente de resíduos autoclavados resultantes do processo de autoclavagem, esc6rias e líquidos/lamas.
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fatura n.° FACTC 120/3, consta o montante de € 81.548,07, correspondendo a multiplicação da quantidade de resíduos retirados no mês de novembro de 2019 (482.870 Kg - cfr. documento 43) pelo valor de cada Kg, isto e, € 170,00, (482.870 x 170) valor ao qual acresce o IVA.
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fatura n.° FACTC 120/21, de 31/07/2020, que se junta como documento 45, diz respeito a retirada de resíduos da unidade de tratamento – A...- no mês de dezembro de 2019 designadamente de resíduos autoclavados - resultantes do processo de autoclavagem, cinzas escórias e liquidos/lamas;
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fatura n.° FACTC 120/21, consta o montante de € 78.567,31, correspondendo a multiplicação da quantidade de resíduos retirados no mês de dezembro de 2019 (462.160 Kg - cfr. documento 46) pelo valor de cada Kg, isto e, € 170,00, (462.160 x 170) valor ao qual acresce o IVA.
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A fatura n.° FACTS 121/49, de 28/02/2021, que se junta como documento 48, diz respeito a retirada de resíduos da unidade de tratamento – A...- no mês de julho de 2020 designadamente de resíduos autoclavados - resultantes do processo de autoclavagem, escórias e líquidos/lamas.
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fatura n.° FACTS 121/49, consta o montante de € 97.435,89, correspondendo a multiplicação da quantidade de resíduos retirados no mês de julho de 2020 (482.870 Kg - cfr. documento 49) pelo valor de cada Kg, isto e, € 210,00, (482.870 x 210) valor ao qual acresce o IVA.
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fatura n.° FACTS 119/144. de 30/06/2019. que se junta como documento 51, diz respeito a retirada de resíduos da unidade de tratamento – A...- no mês de dezembro de 2018 designadamente de resíduos autoclavados - resultantes do processo de autoclavagem, escórias e líquidos/lamas.
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fatura n.° FACTB 119/144, consta o montante de € 67.3056,58, correspondendo a multiplicação da quantidade de resíduos retirados no mês de dezembro de 2019 (448.700 Kg) pelo valor de cada Kg, isto e, € 150,00, valor ao qual acresce o IVA,
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Fatura n.° FACTB 119/84, emitida em 31/03/2019
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Fatura n.° FACTC 119/10, emitida em 30/04/2019
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Fatura n.° FACTB 119/146, emitida em 30/06/2019
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Fatura n.° FACTB 120/48, emitida em 28/02/2020
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Fatura n.° FACTC 120/48, emitida em 30/09/2020
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Fatura n.° FACTB 121/23, emitida em 29/01/20
19.14. Referem os SIT, em sede de Relatório Inspetivo:
19.14.1. No que concerne à sociedade – C... SA
“Entre a data das guias de acompanhamento de resíduos e a data da emissão da fatura temos um período de 6 meses. Não é possível também aferir que estas guias respeitam efetivamente aos serviços prestados na fatura pois a fatura apresenta um valor global. Não obstante, os documentos apresentados conterem uma descrição mais pormenorizada dos bens e serviços prestados, não é possível fazer a ligação dos mesmos aos valores faturados, pois conforme já foi referido, os valores faturados são globais não existindo na fatura qualquer menção às guias eletrónicas de acompanhamento de resíduos, pelo que estão em falta na fatura, elementos essenciais para que se considere que a fatura está emitida na forma legal, nos termos dos nºs 2 e 6 do artigo 19º e nº 5 do artigo 36º, ambos do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado”.
19.14.2. No que respeita à sociedade –D... S A SUCURSAL EM PORTUGAL
“Trata-se de um quadro que apenas refere os anos (1 a 15), valores de manutenção fixa, valores de acessórios e peças, valores de outros trabalhos e grandes reparações e revisões, não sendo possível verificar quais as entidades envolvidas (fornecedor e cliente), que tipo de reparações estão em causa, nem quais os materiais utilizados e datas em que as mesmas ocorrem. Conforme se verifica, nem a fatura nem os elementos adicionais, remetidos pelo sujeito passivo, contêm a quantidade e denominação usual dos bens transmitidos ou dos serviços prestados, com especificação dos elementos necessários à determinação da taxa aplicável, nem o preço, líquido de imposto, e os outros elementos incluídos no valor tributável, elementos esses que são essenciais para que se considere que a fatura está emitida na forma legal, concluindo-se assim que a fatura não se encontra emitida em forma legal, de acordo com o preconizado nos nºs 2 e 6 do artigo 19º e nº 5 do artigo 36º, ambos do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado (...) “Importa salientar que, ainda que o contrato em causa, tivesse sido efetuado entre a entidade emitente da fatura e o sujeito passivo, o mesmo não se encontra mencionado na fatura e ainda que estivesse mencionado, da conjugação do contrato e da fatura não era possível retirar elementos que são obrigatórios na fatura, nomeadamente quais os bens/serviços e respetivas quantidades e preços unitários. Conclui-se assim, que a fatura não contém a quantidade e denominação usual dos bens transmitidos ou dos serviços prestados, com especificação dos elementos necessários à determinação da taxa aplicável, nem o preço, líquido de imposto, e os outros elementos incluídos no valor tributável, elementos esses que são essenciais para que se considere que a fatura está emitida na forma legal, de acordo com o estipulado pelos nºs 2 e 6 do artigo 19º e nº 5 do artigo 36º, ambos do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado”.
19.14.3. Por último, no que se refere à sociedade E..., UNIPESSOAL LDA:
“Ora, esta ata apenas refere que o agrupado E..., e o Agrupado G... têm a possibilidade de emitir para o ano de 2016 uma fatura mensal relativa à prestação de serviços na área de gestão e administração. Não se encontra especificado que tipo e quantidades de serviços são prestados nem quem os presta, além de que estamos perante faturas emitidas em 2020 relativas a serviços prestados em março e dezembro de 2020, quando na ata apenas era mencionado o ano de 2016. Da análise à fatura e aos elementos remetidos, conclui-se que nem a fatura nem os elementos adicionais enviados pelo sujeito passivo contêm a quantidade e denominação usual dos bens transmitidos ou dos serviços prestados, com especificação dos elementos necessários à determinação da taxa aplicável, nem o preço, líquido de imposto, e os outros elementos incluídos no valor tributável, elementos esses que são essenciais para que se considere que a fatura está emitida na forma legal, de acordo com o previsto nos nºs 2 e 6 do artigo 19º e nº 5 do artigo 36º, ambos do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado”.
20. Factos não provados
Não ficou demonstrado:
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que qualquer das faturas mencionadas tivesse sido emitida sem obediência aos requisitos legais, designadamente os previstos no artigo 36º-5, do Código do IVA
21. Fundamentação da matéria de facto provada e não provada
21.1. Relembra-se preliminarmente que o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada [cfr. art.º 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 659.º, n.º 2 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT].
21.2. Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. artigo 511.º, n.º 1, do CPC, aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).
21.3. À luz do exposto, o quadro factual relevante no caso sub juditio é o que se deixou descrito.
21.3. Para o estabelecer, ponderou o Tribunal, as posições das partes nos respetivos articulados bem como todo o enorme acervo documental incorporado no processo, incluindo a cópia do processo administrativo instrutor.
21.4. Ponderou ainda o Tribunal que no âmbito do direito fiscal, o ónus probatório não tem a dimensão subjetiva doutros ramos do direito, mas sim objetiva, no sentido de que o que interessa para a decisão do mérito da causa, quer no procedimento administrativo quer no processo judicial, é o que relevar da verdade dos factos alcançados, independentemente da parte que tenha o ónus de tal prova, atenta a predominância do princípio do inquisitório constante dos art.ºs 99.º da LGT e 13.º do CPPT.
21.5. No caso, seria ónus da Requerente demonstrar que havia prestado os serviços e efetuado os fornecimentos e serviços espelhados nas faturas emitidas e apresentadas à ora Requerida.
21.6. Na consideração de que as faturas não cumpriam os requisitos previstos n artigo 36º-5, do CIVA, competiria à Requerida demonstrar que assim era, designadamente que eram tais faturas omissas quanto à extensão dos serviços prestados quer quanto às datas da sua efetivação ou conclusão.
21.7. Pois bem: a questão que se coloca é, por um lado, a de saber se referências genéricas ao tipo de serviço prestado ou concluído em determinada data, é insuficiente para que se conclua pelo cumprimento das sobreditas menções obrigatórias nas faturas à luz do disposto no artigo 36º-5, do CIVA e da Diretiva IVA (artigo 226º-6 e, por outra, que a consequência seja, sem mais, a desconsideração das faturas para efeitos designadamente, do cálculo do valor do crédito de IVA.
21.8. Sendo esta matéria melhor desenvolvida infra aquando da apreciação jurídica, adiante-se que dos autos não resulta evidenciado ou espelhado que as faturas em causa não tenham os requisitos necessários para serem consideradas válidas para efeito de cálculo do crédito de IVA reclamado pela ACE requerente que, exaustivamente, documentou ou demonstrou a realidade dos serviços faturados, realidade que não foi contestada pela AT ou posta em causa pela AT com os procedimentos e meios que tem ou tinha ao seu alcance para o fazer.
21.9. Na verdade, tivesse a AT ainda dúvidas quanto à realidade das operações e/ou causa da emissão das faturas, sempre teria a possibilidade de controlar a veracidade das operações, designadamente, aquando da inspeção que efetuou.
21.10. Assim é que, tendo em consideração o exposto e as posições assumidas pelas partes, a prova documental e a cópia do processo administrativo juntos aos autos, consideraram-se provados e não provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados.
22. FUNDAMENTAÇÃO (cont.)
O Direito
22.1. Como abordagem preliminar para a fundamentação jurídica, assinale-se o que há muito vem sendo o entendimento da Jurisprudência quanto ao dever de apreciação dos argumentos apresentados pelas partes e que se traduz na não obrigatoriedade (sublinhado nosso) de os Tribunais apreciarem todos os argumentos formulados pelas partes (Cfr., inter alia, Ac do Pleno da 2.ª Secção do STA, de 7 Jun 95, rec 5239, in DR – Apêndice de 31 de Março de 97, pgs. 36-40 e Ac STA – 2ª Sec – de 23 Abr 97, DR/AP de 9 Out 97, p. 1094).
22.2. O objeto destes autos reconduz-se a sindicar a (i)legalidade dos atos de indeferimento expresso da reclamação graciosa nº ...2022... e das consequentes liquidações adicionais de IVA e juros compensatórios subjacentes respeitantes aos períodos de 1901, 1903, 1904, 1905, 1906, 1907, 1912, 2001, 2002, 2003, 2004, 2005, 2006, 2007, 2008, 2009, 2010, 2011, 2012, 2101, 2103 e 2104, no montante total de € 440.786,67.
22.3. Mais específica ou concretamente: a questão controvertida é, no essencial, apurar se são ou não válidas e/ou aceitáveis as conclusões e decisões da AT decorrentes da inspeção tributária da Direção de Finanças de ..., em cumprimento das Ordens de Serviço (identificadas supra), de âmbito parcial, em sede IVA, relativas aos anos de 2019, 2020 e 2021, traduzidas na correções meramente aritméticas com base no relatório final dessa inspeção e se se pode ou não manter na ordem jurídica quer o ato de indeferimento expresso da reclamação graciosa e as consequentes e supra identificadas liquidações de IVA.
22.4. Pois bem, entendeu a AT que todos os documentos solicitados à Requerente no âmbito das diligências de auditoria, designadamente as faturas emitidas pelas sociedades identificadas supra (abreviadamente, C..., D... e B...), não foram consideradas emitidas pela forma legal ainda que analisadas com recurso à abundante documentação apresentada. A conclusão da AT foi no sentido de manter a existência de omissões formais nas faturas conducentes à desconsideração destas por não cumprimento dos respetivos requisitos legais previstos no artigo 36º5, do CIVA, considerando que, à luz do artigo 19º-2, do CIVA, só confere direito à dedução o imposto (IVA) mencionado nas faturas passadas na forma legal, ou seja, contendo os elementos previstos nos artigos 36º ou 40, do CIVA (cfr artigo 19º-6, do CIVA).
22.5. Sendo esta a questão fundamental ou única a dirimir vejamos de que lado está a razão.
22.6. No CIVA, artigo 36º-5, estatui-se que:
“As faturas devem ser datadas, numeradas sequencialmente e conter os seguintes elementos:
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Os nomes, firmas ou denominações sociais e a sede ou domicílio do fornecedor de bens ou prestador de serviços e do destinatário ou adquirente sujeito passivo do imposto, bem como os correspondentes números de identificação fiscal;
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A quantidade e denominação usual dos bens transmitidos ou dos serviços prestados, com especificação dos elementos necessários à determinação da taxa aplicável; as embalagens não efetivamente transacionadas devem ser objeto de indicação separada e com menção expressa de que foi acordada a sua devolução;
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O preço, líquido de imposto, e os outros elementos incluídos no valor tributável;
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As taxas aplicáveis e o montante de imposto devido;
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O motivo justificativo da não aplicação do imposto, se for caso disso;
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A data em que os bens foram colocados à disposição do adquirente, em que os serviços foram realizados ou em que foram efetuados pagamentos anteriores à realização das operações, se essa data não coincidir com a da emissão da fatura.
No caso de a operação ou operações às quais se reporta a fatura compreenderem bens ou serviços sujeitos a taxas diferentes de imposto, os elementos mencionados nas alíneas b), c) e d) devem ser indicados separadamente, segundo a taxa aplicável.”
22.7. Este normativo, em articulação necessária com o artigo 226º, da Diretiva IVA, impõe a discrição nas faturas, da quantidade e natureza dos bens entregues ou a extensão e natureza dos serviços prestados.
22.8. A razão destas exigências parecem claras: evitar a fuga e/ou evasão fiscais.
22.9. Será, porém, que o não cumprimento das exigências formais da emissão das faturas conduz, sem mais, à desconsideração das mesmas para efeitos do cálculo do denominado “crédito de imposto” (IVA), especialmente quando a Administração Fiscal tem ao seu dispor formas de controlo e verificação efetiva das operações ainda que deficientemente faturadas?
Vejamos:
22.10. Certo que o Código do IVA (CIVA) em harmonia com a Diretiva IVA (artigo 226º), prevê a dedução do imposto se o sujeito passivo detiver na sua posse, e em seu nome, faturas passadas sob a forma legal, considerando-se como tal as que contenham os elementos previsto no artigo 36º, CIVA (cfr artigo 19º-2, do CIVA).
22.11. Acontece que é ou, pelo menos, foi[1], reconhecidamente causal de litígios junto do TJUE, a complexidade do regime das faturas em conjugação com a margem de liberdade deixada aos estados-membros para o exercício do direito de dedução do IVA.
22.12. Não oferecendo dúvidas que a questão em apreciação é, em primeiro lugar, a do incumprimento dos requisitos formais ou seja, que as faturas devem obedecer, de acordo com o disposto no Código do IVA e na legislação comunitária [Directiva IVA], e, em segundo lugar, quais as consequências desse incumprimento, designadamente (e é esta a tese da Autoridade Tributária e Aduaneira), esse incumprimento produz, sem mais, a impossibilidade de exercício do direito à dedução do IVA.
22.13. Sendo inquestionável que a disciplina comunitária, em concreto a que estabelece o sistema comum do IVA na União Europeia constante da denominada Diretiva IVA, constitui parâmetro de validade e critério interpretativo das normas nacionais e reveste valor superior ao direito ordinário interno, atento o disposto no artigo 8.º, n.º 4 da CRP, o direito comunitário é imprescindível na presente análise.
22.14. A esta luz, não pode, designadamente, deixar de reconhecer-se também nesta matéria a cedência da substância perante a forma, muito especialmente porque o princípio da neutralidade do IVA impõe que o imposto pago a montante possa sempre ser deduzido se os requisitos materiais estiverem cumpridos, ou seja, mesmo que os requisitos formais não se encontrem preenchidos, desde que a efetividade dos serviços prestados ou fornecimentos efetuados sejam demonstrados.
22.15. Havendo dúvidas quanto à correspondência do faturado com a realidade respetiva, a AT tem o direito e o dever de exigir todos os esclarecimentos ao contribuinte ou contribuintes envolvidos nas operações descritas nas faturas e, em sede inspetiva, tem especiais meios de controlo da realidade das operações faturadas.
22.16. Nesta linha, perante as dúvidas suscitadas ao TJUE sobre o grau de exigência e detalhe das menções que devem constar das faturas relativas à prestação de serviços jurídicos e aos efeitos que a sua omissão ou deficiência produzem, esclareceu o TJUE no Acórdão proferido em 15.09.2016, na sequência do reenvio prejudicial[2] (Processo C-516/14[3]), que:
“ (...) 24 A questão submetida pelo órgão jurisdicional de reenvio comporta duas partes, que importa tratar separadamente. Com a primeira parte da sua questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 226.° da Directiva 2006/112 deve ser interpretado no sentido de que facturas que só contenham as menções «serviços jurídicos prestados desde determinada data até ao presente» ou «serviços jurídicos prestados até ao presente», como as que estão em causa no processo principal, respeitam as exigências previstas nos n.os 6 e 7 deste artigo. Com a segunda parte da sua questão, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber se o artigo 178.°, alínea a), da Directiva 2006/112 deve ser interpretado no sentido de que se opõe a que as autoridades tributárias nacionais possam recusar o direito a dedução do IVA pelo simples facto de o sujeito passivo possuir uma factura que não cumpre os requisitos exigidos pelo artigo 226.°, n.os 6 e 7, desta directiva, quando essas autoridades disponham de todas as informações necessárias para verificar se os requisitos substantivos relativos ao exercício desse direito se encontram satisfeitos.
Quanto à primeira parte da questão, relativa ao respeito do artigo 226.°, n.os 6 e 7, da Directiva 2006/112.
25 A título preliminar, há que recordar que o artigo 226.° da Directiva 2006/112 precisa que, sem prejuízo das disposições específicas previstas nesta directiva, só as menções citadas nesse artigo devem obrigatoriamente figurar, para efeitos do IVA, nas facturas emitidas em aplicação do disposto no artigo 220.° da referida directiva. Daqui decorre que não é legítimo aos Estados‑Membros associar o exercício do direito à dedução do IVA ao preenchimento de pressupostos relativos ao conteúdo das facturas que não estão expressamente previstos nas disposições da Directiva 2006/112 (v., neste sentido, acórdão de 15 de Julho de 2010, Pannon Gép Centrum, C‑368/09, EU:C:2010:441, n.os 40 e 41).
26 Em primeiro lugar, o artigo 226.°, n.° 6, da Directiva 2006/112 exige que a factura contenha a menção da extensão e natureza dos serviços prestados. A redacção desta disposição indica assim que é obrigatório especificar a extensão e natureza dos serviços prestados, sem, contudo, precisar que é necessário descrever os serviços específicos prestados de forma exaustiva.
27 Como observou a advogada‑geral nos n.os 30, 32 e 46 das suas conclusões, a finalidade das menções que devem obrigatoriamente constar da factura consiste em permitir às Administrações Fiscais a realização de controlos do pagamento do imposto devido e, se for caso disso, da existência do direito a dedução do IVA. É, portanto, à luz desta finalidade que importa analisar se facturas como as que estão em causa no processo principal respeitam as exigências do artigo 226.°, n.° 6, da Directiva 2006/112.
28 No processo principal, embora as facturas em causa qualifiquem os serviços prestados de «serviços jurídicos», não deixa de ser verdade, conforme salientou o Governo português nas suas observações, que este conceito abrange um vasto acervo de prestações de serviços e, nomeadamente, prestações que não assumem necessariamente um âmbito empresarial. Daqui resulta que a menção «serviços jurídicos prestados desde determinada data até ao presente» ou «serviços jurídicos prestados até ao presente» não parece indicar, de forma suficientemente detalhada, a natureza dos serviços em causa. Além disso, esta menção é tão genérica que não permite pôr em evidência a extensão dos serviços prestados, pelas razões referidas pela advogada‑geral nos n.os 60 a 63 das suas conclusões. Por conseguinte, a dita menção não cumpre, em princípio, os requisitos exigidos pelo artigo 226.°, n.° 6, da Directiva 2006/112, o que cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar.
29 Em segundo lugar, o artigo 226.°, n.° 7, da Directiva 2006/112 exige que a factura contenha a data em que foi efectuada, ou concluída, a prestação de serviços.
30 Esta exigência também deve ser interpretada à luz da finalidade prosseguida pela imposição de menções obrigatórias na factura, conforme previstas no artigo 226.° da Directiva 2006/112, que é, como foi recordado no n.° 27 do presente acórdão, permitir às Administrações Fiscais a realização de controlos do pagamento do imposto devido e, se for caso disso, da existência do direito a dedução do IVA. Para este efeito, a data da prestação dos serviços objecto da referida factura permite controlar quando ocorreu o facto gerador do imposto e, portanto, determinar as disposições fiscais que devem, de um ponto de vista temporal, aplicar‑se à operação a que respeita o documento.
32 A este respeito, importa salientar que as facturas em causa referentes aos «serviços jurídicos prestados desde determinada data até ao presente» parecem especificar o período de facturação. Em contrapartida, uma das facturas em causa contém apenas a menção «serviços jurídicos prestados até ao presente». Essa factura não menciona a data de início do período em questão e não permite, por isso, determinar o período a que se reportam esses pagamentos por conta.
33 Por conseguinte, há que considerar que uma factura que contenha apenas a menção «serviços jurídicos prestados até ao presente», sem especificar uma data de início do período de facturação, não preenche os requisitos exigidos pelo artigo 226.°, n.° 7, da Directiva 2006/112.
34 Cabe, todavia, ao órgão jurisdicional de reenvio, se constatar que as facturas em causa não preenchem as exigências decorrentes do artigo 226.°, n.ºs 6 e 7, desta directiva, verificar se os documentos anexos aduzidos pela Barlis contêm uma apresentação mais detalhada dos serviços jurídicos em causa no processo principal e podem ser equiparados a uma factura nos termos do artigo 219.° da referida directiva, na qualidade de documentos que alteram a factura inicial e a ela façam referência específica e inequívoca.
35 Decorre das considerações precedentes que há que responder à primeira parte da questão submetida que o artigo 226.° da Directiva 2006/112 deve ser interpretado no sentido de que facturas que só contenham a menção «serviços jurídicos prestados desde determinada data até ao presente», como as que estão em causa no processo principal, não respeitam, em princípio, as exigências previstas no n.° 6 deste artigo e que facturas que só contenham a menção «serviços jurídicos prestados até ao presente» não respeitam, em princípio, as exigências previstas no referido n.° 6 nem as exigências previstas no n.° 7 do mesmo artigo, o que cabe, todavia, ao órgão jurisdicional de reenvio verificar.
Quanto à segunda parte da questão, relativa às consequências de uma factura que não cumpre os requisitos exigidos pelo artigo 226.°, n.ºs 6 e 7, da Directiva 2006/112 para o exercício do direito a dedução do IVA
36 Com a segunda parte da sua questão, o órgão jurisdicional de reenvio pretende, em substância, determinar as consequências de uma violação do artigo 226.°, n.os 6 e 7, da Directiva 2006/112 no exercício do direito a dedução do IVA.
37 Cumpre recordar que, segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, o direito dos sujeitos passivos a deduzir do IVA de que são devedores o IVA devido ou pago sobre os bens adquiridos e os serviços que lhes foram prestados a montante constitui um princípio fundamental do sistema comum do IVA instituído pela legislação da União (acórdão de 13 de Fevereiro de 2014, Maks Pen, C‑18/13, EU:C:2014:69, n.° 23 e jurisprudência aí referida).
38 O Tribunal de Justiça declarou reiteradamente que o direito a dedução do IVA previsto nos artigos 167.° e seguintes da Directiva 2006/112 faz parte integrante do mecanismo do IVA e não pode, em princípio, ser limitado. Esse direito é imediatamente exercido em relação à totalidade dos impostos que tenham onerado as operações efectuadas a montante (v., neste sentido, acórdão de 13 de Fevereiro de 2014, Maks Pen, C‑18/13, EU:C:2014:69, n.° 24 e jurisprudência aí referida).
39 O regime das deduções visa libertar inteiramente o empresário do peso do IVA devido ou pago no âmbito de todas as suas actividades económicas. O sistema comum do IVA garante, por conseguinte, a neutralidade quanto à carga fiscal de todas as actividades económicas, quaisquer que sejam os fins ou os resultados dessas actividades, na condição de as referidas actividades estarem, em princípio, elas próprias sujeitas ao IVA (acórdão de 22 de Outubro de 2015, PPUH Stehcemp, C‑277/14, EU:C:2015:719, n.° 27 e jurisprudência aí referida).
40 No que se refere aos requisitos materiais exigidos para a constituição do direito a dedução do IVA, resulta do artigo 168.°, alínea a), da Directiva 2006/112 que os bens e serviços invocados para fundamentar esse direito devem ser utilizados pelo sujeito passivo a jusante para os efeitos das suas próprias operações tributadas e que, a montante, esses bens ou serviços devem ser prestados por outro sujeito passivo (v., neste sentido, acórdão de 22 de Outubro de 2015, PPUH Stehcemp, C‑277/14, EU:C:2015:719, n.° 28 e jurisprudência aí referida).
41 No que respeita aos requisitos formais relativos ao exercício do referido direito, resulta do artigo 178.°, alínea a), da Directiva 2006/112 que o seu exercício está subordinado à posse de uma factura emitida nos termos do artigo 226.° desta directiva (v., neste sentido, acórdãos de 1 de Março de 2012, Kopalnia Odkrywkowa Polski Trawertyn P. Granatowicz, M. Wąsiewicz, C‑280/10, EU:C:2012:107, n.° 41, e de 22 de Outubro de 2015, PPUH Stehcemp, C‑277/14, EU:C:2015:719, n.° 29).
42 O Tribunal de Justiça declarou que o princípio fundamental da neutralidade do IVA exige que a dedução deste imposto pago a montante seja concedida se os requisitos materiais estiverem cumpridos, mesmo que os sujeitos passivos tenham negligenciado certos requisitos formais. Por conseguinte, quando a Administração Fiscal dispõe dos dados necessários para saber que os requisitos materiais foram cumpridos, não pode impor condições suplementares ao direito do sujeito passivo de dedução do imposto que possam ter por efeito eliminar esse direito (v., neste sentido, acórdãos de 21 de Outubro de 2010, Nidera Handelscompagnie, C‑385/09, EU:C:2010:627, n.° 42; de 1 de Março de 2012, Kopalnia Odkrywkowa Polski Trawertyn P. Granatowicz, M. Wąsiewicz, C‑280/10, EU:C:2012:107, n.° 43; e de 9 de Julho de 2015, Salomie e Oltean, C‑183/14, EU:C:2015:454, n.ºs 58, 59 e jurisprudência aí referida).
43 Daqui resulta que a Administração Fiscal não pode recusar o direito a dedução do IVA pelo simples facto de a factura não preencher os requisitos exigidos pelo artigo 226.°, n.ºs 6 e 7, da Directiva 2006/112, se dispuser de todos os dados para verificar se os requisitos substantivos relativos a este direito se encontram satisfeitos.
44 A este respeito, a Administração Fiscal não deve limitar‑se ao exame da própria factura. Deve igualmente ter em conta informações complementares prestadas pelo sujeito passivo. Esta constatação é confirmada pelo artigo 219.° da Directiva 2006/112 que equipara a factura qualquer documento ou mensagem que altere a factura inicial e a ela faça referência específica e inequívoca.
45 No processo principal, cabe assim ao órgão jurisdicional de reenvio ter em conta todas as informações constantes das facturas em causa e dos documentos anexos apresentados pela A… com vista a verificar se os requisitos substantivos do seu direito a dedução do IVA se encontram satisfeitos.
46 Neste contexto, há que sublinhar, em primeiro lugar, que é ao sujeito passivo que solicita a dedução do IVA que incumbe provar que preenche os requisitos para dela beneficiar (v., neste sentido, acórdão de 18 de Julho de 2013, Evita‑K, C‑78/12, EU:C:2013:486, n.° 37). As autoridades fiscais podem assim exigir ao próprio contribuinte as provas que considerem necessárias para apreciar se há ou não que conceder a dedução solicitada (v., neste sentido, acórdão de 27 de Setembro de 2007, Twoh International, C‑184/05, EU:C:2007:550, n.° 35).
47 Em segundo lugar, importa precisar que os Estados‑Membros são competentes para prever sanções em caso de violação dos requisitos formais relativos ao exercício do direito a dedução do IVA. Nos termos do artigo 273.° da Directiva 2006/112, os Estados‑Membros têm a faculdade de adoptar medidas para assegurar a cobrança exacta do imposto e evitar a fraude, desde que tais medidas não vão além do que é necessário para atingir tais objectivos nem ponham em causa a neutralidade do IVA (v., neste sentido, acórdão de 9 de Julho de 2015, Salomie e Oltean, C‑183/14, EU:C:2015:454, n.° 62).
48 Nomeadamente, o direito da União não impede os Estados‑Membros de aplicarem, sendo caso disso, uma multa ou uma sanção pecuniária proporcionada à gravidade da infracção, a fim de punir a violação das exigências formais (v., neste sentido, acórdão de 9 de Julho de 2015, Salomie e Oltean, C‑183/14, EU:C:2015:454, n.° 63 e jurisprudência aí referida).
49 Decorre das considerações precedentes que há que responder à segunda parte da questão submetida que o artigo 178.°, alínea a), da Directiva 2006/112 deve ser interpretado no sentido de que se opõe a que as autoridades tributárias nacionais possam recusar o direito a dedução do IVA pelo simples facto de o sujeito passivo possuir uma factura que não cumpre os requisitos exigidos pelo artigo 226.°, n.ºs 6 e 7, desta directiva, quando essas autoridades dispõem de todas as informações necessárias para verificar se os requisitos substantivos relativos ao exercício desse direito se encontram satisfeitos
(…)
Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Quarta Secção) declara:
O artigo 226.° da Directiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de Novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado, deve ser interpretado no sentido de que facturas que só contenham a menção «serviços jurídicos prestados desde determinada data até ao presente», como as que estão em causa no processo principal, não respeitam, em princípio, as exigências previstas no n.° 6 deste artigo e que facturas que só contenham a menção «serviços jurídicos prestados até ao presente» não respeitam, em princípio, as exigências previstas no referido n.° 6 nem as exigências previstas no n.° 7 do mesmo artigo, o que cabe, todavia, ao órgão jurisdicional de reenvio verificar.
O artigo 178.°, alínea a), da Directiva 2006/112 deve ser interpretado no sentido de que se opõe a que as autoridades tributárias nacionais possam recusar o direito a dedução do imposto sobre o valor acrescentado pelo simples facto de o sujeito passivo possuir uma factura que não cumpre os requisitos exigidos pelo artigo 226.°, n.os 6 e 7, desta directiva, quando essas autoridades dispõem de todas as informações necessárias para verificar se os requisitos substantivos relativos ao exercício desse direito se encontram satisfeitos.”
Descendo ao caso dos autos:
22.17. Na sequência e em consequência de ação inspetiva do AT ao ACE ora Requerente, a AT recusou a dedução do IVA espelhado numa série de faturas relativas à prestação de serviços e aquisição de bens pela circunstância de que as sobreditas faturas não cumpriam os requisitos formais previstos no artigo 36º-5/b), do CIVA e, em consequência, indeferiu a reclamação graciosa apresentada.
22.18. Pese embora a abundante documentação solicitada pela AT e junta pelo ACE com vista a comprovar as operações e montantes que as faturas evidenciavam, a AT, sem por em causa a materialidade dos respetivos atos ou operações e a sua tributação em sede de, designadamente taxas de IVA aplicadas, focou-se, como causa de recusa, na invalidade formal das faturas, desconsiderando-as, por omissão de alguns requisitos previstos na Lei, designadamente alegada ausência de maior detalhe dos serviços ou operações prestados e faturados.
Vejamos:
22.19. As menções nas faturas nos termos do artigo 226º, nº 6, da Diretiva a IVA, não obrigam, desde logo, à indicação de todas as informações disponíveis sobre um bem entregue ou um serviço prestado, mas antes, como resulta do teor literal da norma, apenas à natureza de um bem ou de um serviço prestado sem exigência de uma descrição precisa desse bem ou desse serviço.
22.20. Compreende-se que assim seja à luz da respetiva finalidade descritiva da fatura no sistema do IVA: permitir a realização de controlos por parte das Administrações Fiscais dos Estados Membros da UE, controlos que passam pela conservação de todas as faturas emitidas (cópias) e recebidas (cfr considerando 46 e artigos 178º e 244º, da Diretiva IVA) de forma a permitir o pagamento do imposto em causa pelo emitente da fatura.
22.21. Daqui decorre que, em princípio, o destinatário de uma prestação só pode exercer o seu direito à dedução do IVA se estiver na posse de uma fatura.
22.22. Como já foi assinalado, a fatura “constitui uma espécie de seguro para o Fisco” na medida em que estabelece, de certa forma, um nexo entre a dedução do IVA e o pagamento deste imposto[4].
22.23. Ora para esta função de seguro há, na verdade, menções nas faturas que se revelam absolutamente essenciais como, por exemplo, o nome e endereço completos do sujeito passivo prestador do serviço (art. 226º-5, da Diretiva IVA) e o nº fiscal (artigo 226º-3, dessa Diretiva).
22.24. Menos relevantes ou não essenciais serão as indicações ou especificações na fatura sobre a natureza concreta de uma prestação na medida em que, em causa de dúvida ou insuficiência comprovativa, serão admissíveis outros meios de prova, designadamente as informações suficientemente sustentadas prestadas pelo contribuinte, sem prejuízo do recurso pela Administração Fiscal aos dados que lhe permitem a verificação das condições substantivas das operações faturadas.
22.25. No caso, foi facultado à AT um enorme acervo documental justificativo da emissão das faturas não se surpreendendo que tenha sido posto em causa a liquidação e pagamento do imposto devido pelas operações mas tão só e apenas a insuficiência descritiva, alegada e fiscalmente, invalidante, das faturas.
22.26. É assim entendimento deste Tribunal que a Requerente cumpriu o ónus de demonstração da substância dos serviços prestados justificativos da emissão de todas as faturas apresentadas onde se descreviam de serviços e fornecimentos de bens e que desse modo complementou validamente.
22.27. Restringir ou impedir mesmo, nesta situação, o direito à dedução da requerente, não constitui, bem pelo contrário, um meio indispensável para assegurar a correta aplicação do imposto e evitar a fraude.
22.28. Reafirme-se, a este propósito, o princípio, alicerçado na jurisprudência comunitária, de que os vícios formais apenas são passíveis de impedir o direito à dedução se puserem “razoavelmente em causa a capacidade de cobrança correta do imposto e fiscalização pelas autoridade tributárias, de tal modo que esta não está em condições de conhecer a realidade material subjacente (...)”[5].
22.29. Por outro lado, não se evidencia a impossibilidade absoluta por parte da AT de controlar a realidade das operações que as faturas espelham, não sendo relevantes, para o controlo do IVA, a evidenciação nas faturas a concreta quantidade de bens fornecidos e/ou a extensão dos serviços prestados.
22.30. O que importaria certamente apurar pela AT era se haveria evidencias de crédito de imposto (IVA) reclamado e não devido considerando o escopo das exigências subjacentes ao disposto nos artigos 36º-5, do CIVA e 226º, da Diretiva IVA, na interpretação do TJUE, designadamente no “Processo Barlis”, atrás citado.
22.31. Focando-se a AT nas questões de forma das faturas e não fazendo a análise crítica do enorme acervo documental apresentado pela Requerente com uma conclusão clara sobre a natureza substancialmente indevida do crédito de imposto reclamado pela Requerente, não podia concluir pela dedução indevida de IVA por incumprimento do disposto no artigo 36º-5, do CIVA e proceder às liquidações e demonstrações de acertos de contas e juros ora objeto do pedido.
22.32. Daí que não possam manter-se na ordem jurídica quer o ato de indeferimento, notificado à requerente em 19-12-2022, da reclamação graciosa apresentada pela requerente em 21-3-2022 em que peticionava a anulação das sobreditas correções (cfr supra, factos provados, 18.11 e 18.12) nem as consequentes e sobreditas liquidações de IVA e juros.
III – DECISÃO
Em consequência do exposto, acordam neste Tribunal Arbitral em:
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Julgar parcialmente extinta a instância por impossibilidade da lide, por falta de objeto quanto aos respetivos atos de liquidação, em consequência da revogação parcial dos atos de liquidação de IVA mencionados no despacho do Subdiretor Geral da AT de 26-5-2023 (cfr supra, 12.3 a 12.6);
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Julgar totalmente procedente o pedido quanto ao remanescente peticionado e, em consequência,
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Revogar o despacho de indeferimento da reclamação graciosa nº ...2022... e as liquidações de IVA e juros, conforme peticionado.
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Valor do processo: De harmonia com o disposto no artigo 306.º, n.º 2 do CPC e artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT e 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de €440.786,67
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Custas: Fixa-se o montante das custas em € 7.038,00 (tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária), ficando o respetivo pagamento a cargo da Requerida (artigo 22º-4, do RJAT).
Lisboa e CAAD, 3-2-2024
O Tribunal Arbitral Coletivo,
José Poças Falcão
(Presidente)
Luís Menezes Leitão
Ricardo Rodrigues Pereira
[1] Até à entrada em vigor da Diretiva 2001/115/CE, o Tribunal de Justiça, apesar de sublinhar o carácter essencial do exercício do direito à dedução, admitia uma diversidade de restrições implementadas pelos Estados-Membros, designadamente no que se refere às menções obrigatórias exigidas nas faturas, assim como à indispensabilidade da posse do original da fatura (Cfr ainda Sérgio Vasques, O Imposto sobre o Valor Acrescentado, Almedina, 2015, pp. 340-345, e Miguel Durham Agrellos & Paulo Pichel, “Jurisprudência do TJUE sobre Exigências de Forma das Faturas e Direito à Dedução do IVA”, in Cadernos IVA 2015, Coord. Sérgio Vasques, Almedina, 2015, pp. 191-211.
[2] Este reenvio foi decidido no Processo do CAAD nº 3/2014, publicado no site do CAAD (www.caad.org.pt) tendo o Tribunal suscitado ao TJUE resposta à seguinte questão: “(...)A correcta interpretação do artigo 226.º, n.º 6 da Directiva IVA permite à Autoridade Tributária e Aduaneira considerar insuficiente o descritivo de factura que contenha a menção “serviços jurídicos prestados desde determinada data até ao presente” ou apenas “serviços jurídicos prestados até ao presente”, tendo presente que esta Autoridade pode, ao abrigo do princípio da colaboração, obter os elementos complementares de informação que entender necessários para confirmação da existência e das características detalhadas das operações?(...)
[3] Que ficou conhecido como o “Acórdão Barlis”, proferido em 15 de setembro de 2016, pela Quarta Secção do TJUE
[4] Cfr “Conclusões da Advogada Geral”, Juliane Kokott, apresentadas em 18-2-2016, no Proc nº C-516/14, do TJUE e que se seguem de muito perto.
[5] Cfr Miguel Durham Agrellos e Paulo Pichel, Obra citada (ver nota de rodapé 1).